Primeira Carta
do Barão de Forrester - 11 de Setembro de 1854
Quem quer seguir viagem do Porto pelo rio Douro acima,
deve lembrar-se que até Pé de Moura quase nunca no Verão os barcos carregados
poderão passar sem maré, e ainda que a nossa barquinha não levava o que se
pudesse chamar carga, contudo os arranjos de camas, baús e mais utensílios
próprios ou necessários para uma longa viagem, bem como a tolda, os armários,
beliches, mantimentos, etc. pesavam, pelo menos, metade da lotação do barco que
era de nove pipas – escolhemos por conseguinte a hora da maré, que deitava das
3 para as 4 horas da tarde para a nossa saída de hoje.
Também ainda que não somos astrólogos nem sabemos
calcular bem as mudanças do tempo, temos tal ou qual fé nas diferentes fases da
Lua – e como há 15 dias a esta parte sempre tivemos vento Leste fortíssimo,
entendemos que este quarto de Lua crescente nos poderia favorecer, e com efeito
assim aconteceu porque não somente podemos aproveitar a maré mas tivemos vento
pela popa.
Chegamos às 8 horas e meia a Carvoeiro, 3 léguas e
meia da cidade, andando à razão de 3 quartos de légua por hora.
O leito do rio Douro até este ponto é uma pouca de
areia – o canal para a navegação é estreitíssimo e actualmente na maré baixa
apenas trás de 2 a 3 palmos de água. Estas areias depositam-se todos os anos
com as enchentes do rio, e as marés de Verão concorrem para a sua conservação.
Assim tem acontecido desde que os Fenícios se estabeleceram em Portugal – e
pelo que se vê, a arte, a ciência, e o mecanismo não puderam remediar o mal! –
ao menos pelo que vemos, não parece ter havido tentativa alguma para este
fim.
Pela margem esquerda notamos as pequenas povoações de
Quebrantões – Oliveira – Espinhaça de Avintes – Arnelas – Crestuma e Carvoeiro,
e pelo lado direito Campanhã, Valbom, Gramido, Atães, Sousa, Gibreiro, Esposar,
Lixa e Pombal.
Quebrantões é notável por ser o sítio onde na guerra
peninsular, os exércitos luso-britânicos passaram, quando os franceses
evacuaram o Porto. Agora é neste sítio a barreira por onde nenhum barco, por
pequeno que seja, pode passar sem ser examinado.
Defronte são as ruinas do grande Seminário que foi
arruinado durante o cerco do Porto e logo ao pé, também se veem algumas paredes
do palácio desmantelado do Bispo: tanto as belas árvores desta quinta como as
do Convento da Serra foram cortadas em 1833.
Oliveira, sempre tem sido célebre pelo seu antigo
convento e por ser a sua cerca um recreio para os habitantes do Porto.
Avintes, é a terra das padeiras que abastecem a cidade
do Porto com excelente pão.
Arnelas, notável por suas madeiras e lenha e pela sua
feira de S. Miguel, em que as nozes abundam.
Crestuma, pela abundância de águas e lenhas
suficientes para fazer trabalhar imensas fábricas – porém onde por ora ainda
não há nenhuma. Aqui no tempo da antiga Companhia havia o registo de todos os
barcos com vinho que iam para o Porto.
Carvoeiro, pela quantidade de lenhas e madeiras que
manda para o Porto.
Campanhã, pelas fábricas de curtume e pelo isolado palácio
arruinado do Freixo, que tem as armas dos Lencastres sobre a porta.
Valbom, por ser a terra dos pescadores, que nas suas
belíssimas lanchas vão ao mar.
Gramido, sítio onde o Sr. D. Miguel em 1833
estabeleceu uma ponte de barcos e onde em 1846 se fez a convenção entre as
forças luso-espanholas e a Junta do Porto.
Os povos desde Atães até Pombal sustentam-se do
produto das suas terras mandando apenas de vez em quando algumas melancias,
melões e hortaliças para o Porto.
É para notar que em toda esta extensão do rio, em
quanto que os homens se ocupam na agricultura, as mulheres conduzem os seus
barcos com géneros ou passageiros para o Porto. Estas mulheres são muito hábeis
na sua ocupação; a maneira como elas cantam suas modinhas, que geralmente são originais,
faz crer com especialidade ao estrangeiro, que são as criaturas mais felizes do
mundo e que ignoram inteiramente o que é a fome e a miséria.
São muitos os dias que nem dois patacos ganham – porém
continuam a cantar e parecem contentíssimas com a sua sorte.
Chegados ao nosso ancoradouro, tratamos de fazer os
arranjos necessários para ai passarmos a noite.
Sou de VV. & c.
J. J. Forrester
Observações:
-Pé de Moura fica na
actual freguesia de Lomba pertencente a Gondomar, mas na margem esquerda do rio
Douro.
-Por Decreto de 2 de Maio de 1855 foi
estabelecida a "légua métrica", equivalente a 5 000 metros.
- Carvoeiro situa-se entre Lever e Lomba
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