terça-feira, 15 de novembro de 2016

(Continuação 1) - Actualização em 10/01/2018


A freguesia de S. Nicolau foi criada em 1583, resultando da divisão da Sé (única existente até essa data) em quatro: Sé, S. Nicolau, Vitória e Belomonte. A sua área inicial aumentou duas décadas mais tarde quando, uma vez extinta a freguesia de Belomonte, a cidade viu o seu perímetro urbano intra-muros dividido em três: Sé, S. Nicolau e Vitória.


Casa do Infante - Rua da Alfândega


Casa do Infante 

A vulgarmente designada Casa do Infante é, ainda hoje, um dos edifícios mais carismáticos do Porto, tendo sido durante a Idade Média um símbolo da afirmação do poder real na cidade. Mandado construir por D. Afonso IV, em 1325, o armazém régio e alfândega, desempenhou um papel importante no controlo dos direitos dos produtos que chegavam à cidade, tendo-se desencadeado, por esse motivo, um conflito entre o monarca e o Bispo. Com efeito, o prelado insurgia-se contra a escolha do local para a edificação que, segundo ele, se achava dentro dos limites do seu couto.
Como se sabe essa disputa entre D. Afonso IV e o Bispo do Porto assentava sobre onde ficava o limite do Couto do Porto, se no Rio da Vila, se no Rio Frio.
Em 1348 o rei nomeou o tabelião régio da cidade, André Domingues para realizar umas inquirições destinadas a averiguar sobre os limites do couto, que veio a dar razão ao rei.
Este litígio prolongar-se-ia até 1354, já concluídas as obras, tendo chegado as partes a acordo, relativamente à cobrança dos impostos alfandegários. Após a subida deste pleito ao papa Inocêncio VI ficado determinado que todas as construções levantadas pelo monarca para lá do canal maior eram pertença do rei, mas este ficou de pagar um foro ao bispo.
Antes deste diferendo outros tinham já estalado.
Desde épocas ainda antes da nacionalidade, mas já após a doacção da de D. Teresa ao bispo D. Hugo de um território centrado na Sé do Porto, que os impostos passaram a ser cobrados pelo prelado.
No reinado de D. Afonso III o rei atribuía foral a Gaia e os comerciantes puderam passar a pagar os seus impostos do outro lado de lá do rio um pouco mais em conta para as suas posses.
Em 1255, D. Afonso III criaria uma alfândega na margem esquerda do rio Douro, onde o bispo não poderia exercer os seus privilégios senhoriais. O prelado apelou para o papa, mas de nada adiantou.
D. Dinis atribuiria foral à vizinha de Gaia, denominada Vila Nova, e a situação quanto à liquidação de impostos das gentes do Porto passaram a contemplar os bolsos da realeza, se bem que, com as reclamações constantes do bispo da cidade.
D. Afonso IV levaria a situação ao extremo acabando por construir uma alfândega na margem direita do rio Douro, na Ribeira, mas para lá do rio da Vila, que se dizia ser o limite da jurisdição do bispo.
Alegava, no entanto, o clero, que a referência dos limites do seu território a poente no documento de doacção de D. Teresa e corroborado por D. Afonso Henriques, se referiam ao rio Frio que desaguava em Miragaia e não ao rio da Vila (com leito no subsolo da Rua de Mouzinho da Silveira) como pretendia o rei e os seus aliados – a burguesia portuense.
O edifício primitivo, de 1325, de D. Afonso IV, era constituído por duas altas torres e um pátio central. Logo no século XV, D. João I mandou construir um corpo avançado.
A seguir dá-se conta dos direitos de passagem e portagem, vigentes à época:



In Portugal Antigo e Moderno – 1875



«Em 1325, governava a diocese do Porto o bispo D. João Gomes. E o rei D. Afonso IV iniciava a sua ação governativa do reino que herdara do seu pai, D. Dinis, o Lavrador. Uma das primeiras medidas do novo monarca foi tentar pôr termo às quezílias que vinham de tempos antigos, entre a coroa e a mitra do Porto, por causa da definição dos limites do velho burgo, por um lado; e, por outro lado, por causa das contendas do bispo com "os homens bons do concelho", devido à discordância quanto à nomeação das pessoas para o governo da cidade.
Por uma carta régia datada de abril de 1325, D. Afonso IV determinou que o concelho elegesse, todos os anos, pelo S. João, "quatro partes de homens bons, cabendo ao prelado escolher, entre os eleitos, os que deviam exercitar o cargo de juízes".
Façamos aqui um breve parágrafo para chamar a atenção do leitor sobre como, já naqueles recuados tempos, a festa do S. João era importante para a cidade. Marcava, digamos assim, os momentos mais altos e mais significativos da governação do burgo. A cerimónia da maior relevância era, sem dúvida, a eleição dos juízes e vereadores municipais. Que, por determinação régia, se devia fazer no dia da "grande festa popular do burgo".
Recuperando o fio da meada, cumpre-nos dizer que tanto o bispo como o cabido, agindo, como disseram, "a favor da paz", acataram, de boa mente, tudo quanto estava estabelecido na carta régia. E para os homens do Governo da cidade tal atitude foi tomada como uma vitória porque, a partir dali, os juízes e edis deixavam de ser nomeados pelo critério do bispo e passavam a ser escolhidos pela própria cidade.
Mas o entendimento durou pouco tempo. Não obstante o rei, por força da referida carta régia, ter deixado na posse do prelado os pesos e as medidas do concelho, à época, uma inesgotável fonte de pingues (rendimentos), as questões entre a coroa e a mitra e entre esta e os burgueses da cidade, reacenderam-se, especialmente quando o rei comprou, próximo da ermida de S. Nicolau, no sitio das Hortas, atrás da Fonte da Ourina (atual Rua da Fonte Taurina), terrenos e "casas com suas courelas", para aí construir o "almazém real (a alfândega) e pousadas".
Por pousadas devemos entender as casas onde se hospedaria o rei, sempre que viesse ao Porto, e os homens da sua casa e oficiais que sempre o acompanhavam em semelhantes deslocações. Diz a tradição que terá sido numa dessas casas de aposentadoria real que nasceu o infante D. Henrique, quarto filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre.
Por uma descrição da época, sabemos que, naquela zona da cidade, "as casas iam com suas courelas até à beira rio e, abaixo delas, havia varais e tendas para a seca do peixe". Estamos a falar de um tempo em que ainda não existiam as Muralhas Fernandinas.
As casas e terrenos, comprados pelo rei, situavam-se na margem direita do rio da Vila (que desce encanado no subsolo da Rua de S. João), mas, na opinião do bispo e do cabido, que alicerçavam os seus argumentos no teor da doação feita pela rainha D. Teresa a D Hugo, em 1120, aquela área da cidade antiga estava dentro dos limites estabelecidos pelo documento da doação.
A questão é antiga e, à época, fez correr muita tinta, como é de uso dizer-se de uma contenda que dura anos e anos. Ao estabelecer os limites do couto de que fez doação a D. Hugo, D. Teresa deu como limite, a poente, o "canal maior". Para o bispo, este "canal maior" era o rio Frio, que desce das alturas do Carregal, passa pelas Virtudes e vai desaguar no rio Douro, debaixo do edifício da antiga Alfândega, o atual Museu dos Transportes e Comunicações. Mas, para o rei, o "canal maior" era o rio da Vila que, pela junção de três pequenos riachos, se forma no subsolo da Praça de Almeida Garrett, corre, devidamente encanado, por baixo das ruas de Mouzinho da Silveira e de S. João e se junta às águas do rio Douro na Praça da Ribeira.
Ao construir "o almazém" no sítio chamado "das hortas", D. Afonso IV estava, deliberadamente, a afrontar o poderio episcopal. E a reação da mitra e do cabido não tardou. No dia 19 de outubro de 1325, aquelas duas entidades eclesiásticas, considerando-se lesadas com a atitude do rei, lavraram um violento protesto contra o que consideraram ser "um abuso do monarca".
As contendas entre a Coroa e a Mitra do Porto não terminaram, definitivamente, no tempo de D. Afonso IV. Mas em 1331, este monarca deu um importante contributo para a pacificação das relações entre o rei e a igreja portucalense, ao conseguir estabelecer, com o bispo D. Vasco Martins, um acordo segundo o qual o vasto campo do Olival, que até aí pertencia à mitra, passava para o domínio da cidade, isto é, para a administração municipal, que pretendia transformar aquele espaço num logradouro público o que veio, efetivamente, a acontecer.
Mais uma curiosidade: nos termos da transação feita pelo bispo a favor da cidade, o prelado impôs como condição que, futuramente, no campo do Olival, jamais seria construído um matadouro; não funcionaria nem feira nem cordoaria; e que se não construiria igreja. Só não houve matadouro». 
Com a devida vénia a Germano Silva



Desenho da fachada do “almazém” voltada para a Rua da Alfândega, In JN




Em 1677 e 1787 a Alfândega Velha sofreu profundas alterações. Uma inscrição de 1677 assinala esta obra.
Nos últimos anos têm-se realizado pesquisas arqueológicas que permitiram conhecer o mestre ligado às obras medievais, João Eanes Melacho, e as funções específicas do edifício. Formado por um pátio central, ladeado por duas torres, tinha uma dupla função: a de armazém, para as mercadorias trazidas pelos barcos até à zona ribeirinha; e a de habitação do almoxarife e oficiais régios.
Na época em que se iniciara a construção do edifício da Alfândega, foi almoxarife João Anes Gordo, também conhecido simplesmente por João Gordo, figura importante do Porto de então, e que se encontra sepultado na Sé. 

Maqueta da Alfândega Velha

“…quando se avançou com o seu restauro e se procederam às respectivas escavações arqueológicas, a casa revelou que antes de ser do Infante ou alfândega, muito antes sequer de haver reis portugueses naquele local, fora habitação de um cidadão romano suficientemente abastado para ter ali uma espécie de palacete. As réplicas dos vestígios dos pavimentos romanos em mosaico são apenas um dos resultados dessas escavações, hoje visíveis numa visita à casa, que, apesar da sua discrição, ainda acolheu, em 2013, cerca de 40 mil visitantes metade, dos quais, estrangeiros”.
In portoarc.blogspot

Durante a Idade Média a "Casa do Infante" era o núcleo centralizador das actividades económicas da Coroa no Porto, com funções polivalentes: Alfândega, Casa da Moeda e habitação (para os oficiais régios e almoxarife). Posteriormente, se bem que durante o século XVII se efectuassem alterações profundas e aumentos diversos, o seu perfil manter-se-ia.
Durante o reinado de Dom Fernando I este edifício albergou a Casa da Moeda, a qual se manteve em actividade até 1587, sendo finalmente extinta por alvará de 1607 e reactivada em 1688.

“A Casa da Moeda do Porto
- 1ª Fase (1369 a 1590): 
Entre 1369 e 1371, o rei D. Fernando esteve envolvido em guerras com Castela. Para fazer face às despesas da guerra, foi mandada cunhar muita moeda, quer no Porto, quer em Miranda do Douro, bem como em Zamora, Corunha, Tui, Quiroga e Valência. E é, como já foi referido, possível identificar pela primeira vez os locais de amoedação, porque as moedas exibem letras.
As moedas cunhadas no Porto apresentam um P. 
Como a cunhagem estava directamente relacionada com a necessidade de fazer os pagamentos de guerra, quando o conflito acabou (em 1371) acabaram as cunhagens, só permanecendo, numa base de continuidade no Porto.
O rei D. Fernando concede uma carta de privilégios aos oficiais e moedeiros da Casa da Moeda do Porto, em 1370.
Em 1370, D. Fernando concede ao Alcaide, moedeiros e oficiais da Casa da Moeda do Porto, carta de Privilégio e isenção de várias taxas e tributos, municipais e régios, concedendo, mais ainda, um foro especial em actos civis e criminais. Estes mesmos privilégios e abusos ocasionaram ao longo dos séculos seguintes, inúmeras queixas e processos por parte do Município, obrigando a sucessivas intervenções régias. A imagem que prevalece sempre é a dos moedeiros como um grupo privilegiado constituído como uma classe à parte vivendo num bairro próprio.”
Esta carta é depois confirmada pelo rei D. João I, em 1385, e revela o estatuto privilegiado que, de facto, gozavam os oficiais e moedeiros que até formaram uma corporação à parte e viviam no seu próprio quarteirão.
O regimento da Casa da Moeda concedido em 1391, pelo rei D. João I, permite conhecer a organização interna e o funcionamento da Casa da Moeda, cuja localização se conhece desde 1390.
-Porto - 2ª Fase (1688 a 1721):
Voltando à história da Casa da Moeda no Porto. Esta destaca-se pela sua importância, quer na quantidade de moeda emitida, quer pelo facto de ter emitido, numa base de continuidade, durante muito tempo. A sua extinção oficial consta de um decreto assinado por Filipe III, em 1607. Isto é, cunhou-se moeda no Porto desde 1369 (desde o reinado de D. Fernando) século XIV, até ao final do século XVI, só acabando a sua actividade, porque Espanha e Portugal se fundiram em 1580 num só reino.
Dela se sabem muitas coisas:
- a localização: perto do rio, na parte baixa da cidade, junto à Alfândega;
- os nomes e as funções de um grande número de oficiais, alguns oriundos das mais importantes famílias da cidade.
Durante o reinado dos Filipes, até 1640, Lisboa passa a ser a única Casa da Moeda a cunhar moeda”. 
Fonte - Fundação António Cupertino de MIranda

Segundo a tradição, o Infante D. Henrique teria nascido (1394) na Alfândega. A existência, hoje conhecida, da área destinada a habitação é um dado positivo a reter. Porém, outras hipóteses igualmente válidas são de ter em consideração, até que uma prova documental irrefutável venha esclarecer as dúvidas actuais.
Segundo o historiador José Hermano Saraiva, o infante deve ter nascido no mosteiro de Leça do Balio, pois, seria à época o edifício mais condizente com o estatuto real, existente na região.
Em 1894 organizaram-se importantes festejos no Porto para as "Comemorações do 5º. Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique", datando dessa época a lápide existente na fachada da Alfândega Velha, descerrada na presença do Rei D. Carlos I.

“A tradição que relaciona o nascimento do Infante D. Henrique com este local levou ao descerramento de uma lápide sobre a entrada principal, no ano de 1894. A iniciativa partiu da Comissão Henriquina, à qual se associou a Câmara, tornando assim definitiva designação de “Casa do Infante”, atribuída ao edifício. No final de oitocentos inicia-se a última fase de transformações, que se prolongou durante as primeiras décadas do século XX. A fachada foi remodelada, sendo-lhe acrescentado um andar. A classificação da Casa do Infante como monumento nacional dá-se em 1924. No final dos anos 50. O edifício, cujo corpo posterior se encontrava arrendado voltou para a posse do Estado e da Autarquia. Entre 1958-1960 sofreu um profundo restauro, orientado pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, sob direcção do arquitecto Rogério de Azevedo”.
In Porto XXI


Casa no Largo do Terreiro já demolida

 
Edifício actual no local da demolição da casa da foto anterior

No prédio da foto acima, encostado à Casa do Infante, encontra-se hoje, o Arquivo Histórico e Municipal do Porto.

“O Arquivo Histórico Municipal do Porto fundado em 1980, em substituição do antigo Gabinete de História da Cidade. Conserva a documentação produzida pela Câmara Municipal do Porto desde a Idade Média, bem como diversos artigos de ordem particular e colecções. O seu acervo inclui numerosas séries manuscritas, pergaminhos, códices iluminados, desenhos, fotografias, etc. Como complemento informativo, o serviço dispõe de uma biblioteca auxiliar com cerca de 5000 publicações impressas e, ainda, colecções de postais antigos, gravuras, cartazes, etc., sobre temas portuenses. Compete-lhe receber, organizar e criar instrumentos de acesso à documentação; criar condições de acessibilidade do público aos documentos; promover a divulgação do seu acervo documental notável se destaca-se a Acta de Vereação mais antiga do país (1353) e outros temas da História da Cidade.
In Porto XXI



1 comentário:

  1. Caros Srs. Américo Conceição e Simão Gomes: Cumprimentos pelo vosso trabalho de divulgação meritório. Para efeitos de colaboração numa publicação, venho pedir meios de vos contactar, ou que me contactem. Fico na expectativa. Obrigado. Nuno Mimoso nuno_mimoso@hotmail.com

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