sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

(Continuação 46)


(Nota prévia: o presente texto tem por apoio principal o blogue “doportoenaoso” de que é administrador o Professor Ricardo Figueiredo, que no tratamento da história do Porto é para nós uma referência importante, salvaguardadas algumas opiniões que temos sobre esta matéria e outras investigações pessoais.)


Palacete do Visconde de Veiros em 1833 – Ed. Joaquim Cardoso Villanova (1792-1850)



Na década de 50 do século XIX a quinta é descrita na "Necrologia de José de Sousa e Melo", como:


“(…) a magnífica Quinta de Santo António da Boavista, chamada das Águas Férreas, por ter uma fonte desta água junto aos seus muros [a S., no topo da R. das Águas Férreas], pertence aos Sousas e Melos, e principia em um sítio alto fronteiro à Igreja da Lapa, em cujo cume tem um mirante donde se descobre a cidade, Foz do Douro, e grande extensão de mar; corta esta parte da quinta a rua chamada do Melo onde está o seu palácio e capela de Santo António; tem bonitos jardins, e hortas ajardinadas, e um anfiteatro, com estátuas, e bela escadaria por onde se desce para uma planície, que se dilata até à Estrada de Cedofeita [actual R. Barão de Forrester], aonde há uma meia-laranja com dois mirantes, que se comunicam por uma varanda de pedra, com um gradão de ferro por baixo: tem uma excelente cascata, e muitos tanques e chafarizes com grande abundância de água; bosques, pomares, e diversidade de ruas com paredes formadas de limoeiros, aveleiros, e outras árvores floridas, que a tornam sumamente recreativa, sendo por isso muito frequentada.”



A publicação da "Necrologia de José de Sousa e Melo" atrás referida é acompanhada de uma "Planta das Quintas dos Melos de Santo António das Águas Férreas, na cidade do Porto", que apresenta a quinta dividida, pela Rua do Melo, em duas partes: a Quinta de Cima, a Este daquele arruamento, de reduzida área e cujo limite Sul, alinhado com a fachada Sul do palácio, confina com a "Quinta de José Vieira de Carvalho e outras terras confinantes com os quintais das casas da R. da Boavista"; e a Quinta de Baixo, a Oeste do arruamento, correspondente aos terrenos envolventes ao palácio.
Por sua vez Pinho Leal, In “Portugal Antigo e Moderno” refere-se à quinta nos seguintes termos:


“Palacio e quinta de Santo Antonio da Bôa-Vista, ou das Aguas-Férreas — do sr. José Leite de Sousa Mello da Cunha Sotto-Maior, filho do fallecido visconde de Veiros. 
A sr.ª D. Maria Rita Leite de Sousa Freire Salema de Saldanha e Noronha foi feita viscondessa de Veiros, em 8 de agosto de 1810. O sr. João de Mello e Sousa da Cunha Sotto-Maior foi feito visconde do mesmo título, em 7 de dezembro de 1842. (Vide Veiros.) 
E' uma aprazível vivenda, próximo às Aguas-Férreas, e à rua da Boa-Vista. Pertence a esta familia, desde 1760, sendo seu primeiro dono, José de Sousa Mello. Em 1809, foi quartel general do governador das armas do Porto, o general inglez, Nicolau Trant. Quando Trant sahiu do Porto, tornou para este palácio José de Sousa Mello, e n'elle residiu até julho de 1832, em que sahiu da cidade, e foi para a sua casa da Régua. Os liberaes tomaram conta da propriedade, fazendo do edificio, paiol da pólvora. Mudado este, para o palácio da quinta do Bispo (contigua à quinta da China, que lhe fica a E., e ao antigo seminário, que lhe fica a 0.) se estabeleceu no palácio das Aguas- Férreas o asylo da mendicidade, até 1845, em cujo anno tomou conta da propriedade e a veio habitar o visconde de Veiros. Em 1855, se estabeleceu aqui o hospital dos atacados do cholera-morbus. Em 1857, estabeleceu- se n'este palácio, o collegio de Nossa Senhora da Guia. Desde 1861 até 1869, esteve aqui o hospital militar, transferido de S. João Novo; até que se mudou para o novo hospital militar, de D. Pedro V, que fica a uns 400 metros a 0., na rua da Boa-Vista”.
Fonte ”doportoenaoso”



No texto anterior Pinho Leal errou na referência que fez ao Asilo de Mendicidade, pois, esta instituição ocupou o palacete após o ano de 1845.



Asilo de Mendicidade no Porto na Revista Popular, n.º 24 de 12 de Agosto de 1848



Acompanhando a gravura acima, em texto anexo, explicitava-se que dois anos antes, em 1846, o Porto ainda não tinha aquela obra assistencial, o que viria a ocorrer naquele ano.


“Palacete do visconde de Beire, às Aguas Ferreas. Aqui estiveram o Asylo de Mendicidade, antes de mudar-se para as Fontainhas, e o hospital dos colericos durante a epidemia de 1855”.
Alberto Pimentel no Guia do Viajante no Porto; Fonte ”doportoenaoso”


No texto anterior Alberto Pimentel deveria querer referir-se ao visconde de Veiros.
O visconde de Beire é outra personagem proprietário da chamada Quinta dos Pamplonas, bem perto desta, com implantação em parte, no solo do que é hoje a Rua de Álvares Cabral.



“A. S. Dias (?) Vista do Palacio dos S.as e Mellos, situada na rua chamada do Mello, junto as Aguas-Ferreas na Freg.a de Cedofeita do Porto tirada da meia laranja junto a Escada do Jardim principal para a Quinta de Baixo” – Fonte: blogue “doportoenaoso”



Na gravura acima a escadaria está lançada para a fachada virada a Sul e com o seu eixo longitudinal com orientação Oeste-Este.



Solar dos Sousa e Melo na Planta de Balck em 1813

Legenda:
1. Solar dos Sousa e Melo
2. Actual Travessa das Águas Férreas
3. Actual Rua das Águas Férreas



“Planta das Quintas dos Mello de Santo António das Agoas Ferreas no Porto, Lith. de J. C. Lemos e A. S. Dias. Para melhor compreensão a planta foi reorientada no sentido norte-sul” – Fonte: blogue “doportoenaoso”



Na planta anterior o palacete está implantado na zona colorida.



Quinta assinalada como Souza Mello e a fonte de Agoas Ferreas em 1839,  e J. Costa Lima Júnior, AHMP – Fonte: “doportoenaoso”



Na planta acima, podemos observar que, nas traseiras da Quinta das Beldroegas (4), junta-se o aqueduto de Salgueiros (1) ao aqueduto de Paranhos (2), para seguirem, a partir daí, num trajecto conjunto (3).



Cronologia da ocupação do Palacete da Quinta das Águas Férreas


Em 1741, António da Costa Cardozo, Sargento–Mor do Concelho de Gondomar por Patente Regia de 30 de Maio de 1741, é Senhor com a sua mulher D. Marianna Thereza Pereira, da dita Quinta e Prazos.
Joze de Souza e Mello ao casar, em 1760, com a filha de António da Costa Cardoso, D. Rita Miquelina Victoria da Costa Cardoso, Senhora da Quinta e Prazos de Santo António das Agoas Férreas, torna-se o proprietário da Quinta.
João de Mello e Sousa da Cunha Sotto Mayor, 2º Visconde de Veiros (1793-1854) herdou a quinta de seu tio José de Souza e Mello, em 1839.
O título nobiliárquico, recebê-lo-ia pelo casamento com D. Maria Rita Leite, filha primogénita de Francisco de Paula Leite de Souza (1747-1833) Comandante da Armada, 1º Visconde de Veiros em 1822, herdando por isso o título.
Em 1809, foi a Quinta das Águas Férreas, quartel-general do governador das armas do Porto, o general inglês, Nicolau Trant. Quando Trant saiu do Porto, tornou para o seu palácio José de Sousa Mello, e nele residiu até Julho de 1832.
Na sequência dos acontecimentos do Cerco do Porto e, após José de Souza e Mello, em 1832 ter saído do Porto para ir primeiro para a Régua e depois para Braga, onde veio a falecer (como se disse em 1839), a Quinta das Águas Férreas, seria utilizada como paiol até 1836, pelos liberais.
Cerca do ano 1845 a quinta teria passado, por decisão Régia à posse plena do seu herdeiro, o 2º visconde de Veiros, João de Melo e Sousa da Cunha Souto-Maior e, em 1846, aí seria instalado o Asilo Portuense de Mendicidade, oficialmente inaugurado em 8 de Julho de 1848.
Pela morte em 1854 do 2º visconde de Veiros passa a ser proprietário da Quinta das Águas Férreas, o seu filho José Leite de Sousa Mello da Cunha Souto-Maior, 3º Visconde de Veiros.
Segundo o 2º visconde de Veiros, João de Mello e Sousa da Cunha Souto Maior, sobrinho e herdeiro, seu tio, José Sousa Melo era:


“Joze de Souza e Mello foi Cavalleiro professo na Ordem de Christo, e Commendador da Commenda de Lourenço Marques na mesma Ordem : Fidalgo Cavalleiro da Caia Real.
Vereador prepetuo, e o Decano do Illm.º Senado da Camara, e como tal servio de Capitão Mor da Cidade e seu Destricto, no tempo da Guerra Peninsular. 1.° Administrador Geral do Correio, e Creador deste Lugar por conta da Real Fazenda. Proprietário do importante Officio de Thezoureiro e Recebedor do Consulado daquela Alfandega, e anexas. Vice-Provedor da Illm.ª Junta d' Administração da Companhia Geral d’agricultura das Vinhas do alto Douro. Inspector das Obras dos Edeficios dos Paços do Conselho; e da Real Academia da Marinha e Commercio. Administrador do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça e Órfãos. Provedor da Santa Casa da Misericórdia.
Deputado da Junta do Subsidio Militar; Membro da das Obras Publicas; e Encarregado dos arranjos para o utilíssimo estabelecimento da Illuminação publica, que promoveo assim como outros muitos de geral interesse: tudo na referida Cidade do Porto. E no Algarve Edeficador da undécima parte de Villa Real de St.º Antonio, na Fundação desta Villa.
Joze de Souza e Mello durante muitos annos, e quasi sem intervalo desde o de 1803, foi o Decano dos Vereadores da Camara do Porto, procurando sempre assiduamente fazer manter o decoro daquelle Município.”
Fonte: “doportoenaoso”


Em 1854 faleceu o 2º visconde de Veiros.
Entre 1855 e 1857, a propriedade devido à epidemia de cólera, foi utilizada também como Hospital de coléricos.
Em 1858, o Asilo de Mendicidade abandona estas instalações.
Em 1859, o Colégio de Nossa Senhora da Guia, tinha acabado de se instalar na Casa das Águas Férreas. 




Publicidade ao Colégio de Nossa Senhora da Guia, no “Jornal do Porto” em 1859





Entre 1861 e 1869, a Quinta é ocupada pelo Hospital Militar até à construção do seu novo edifício na Avenida da Boavista.
Em 1869 a quinta, segundo Pinho Leal, foi arrendada por Oswald Crawfurd, (1834-1909) cônsul de Inglaterra no Porto.



Estampa de "Portugal old and new by Oswald Crawfurd", 1880 (pág. 145) - Fonte: “doportoenaoso”



Acima observa-se uma estampa com o título de Country House, que é uma vista do pátio (virado a Norte) da Quinta das Águas Férreas do livro “Portugal old and new” da autoria do cônsul Oswald Crawfurd.
Esta personagem a propósito da descrição da propriedade referia-se à existência de uma bela capela privada no piso térreo, dedicada a Santo António.
Em 1880 a Congregação das Franciscanas de Calais adquire a Quinta das Águas Férreas para instalação de um segundo estabelecimento de ensino na cidade.
Após a implantação da República, em 8 de Outubro de 1910 é publicado o decreto que extingue as ordens e as congregações em Portugal, passando os seus bens para a guarda e posse do Estado e, em Maio de 1911, é publicada a Lei de Protecção à Infância, no âmbito da qual são criados os tribunais de menores, designados tutorias da infância.



“(…) 1880 - a Congregação das Franciscanas de Calais, cuja primeira fundação em Portugal data de 1876, com a abertura do Asilo-Colégio de Nossa Senhora do Pranto, em Ílhavo, inicia a sua expansão no núcleo urbano do Porto, adquirindo a Quinta das Águas Férreas para a instalação do segundo estabelecimento de ensino que detém na cidade; 1901 - com a legislação de Hintze Ribeiro, e na tentativa de regularizar a acção das congregações entradas progressivamente em Portugal na segunda metade do séc. 19, as Franciscanas organizam-se na Associação de Santo António das Águas Férreas, com estatutos aprovados pelo Governo; 1910 - à data da extinção das congregações, com a implantação da República, as Franciscanas de Calais detinham 19 casas, entre colégios, asilos e hospitais, asseguradas por 204 religiosas (VILLARES: p. 175); só a casa de Santo António das Águas Férreas dispunha de 33 religiosas, colégio "sempre pronto a acudir às filhas de gente pouco abonada, mas desejosa de dar-lhes educação esmerada e bases sólidas para uma vida moral e sã" (Um pouco de história, f. 14); 1910, 8 Out. - publicação do decreto que extingue as ordens e as congregações em Portugal, passando os seus bens para a guarda e posse do Estado; 1911, Maio - publicação da Lei de Protecção à Infância, no âmbito da qual são criados os tribunais de menores, designados tutorias da infância, e introduzida em Portugal uma jurisdição especialmente aplicada a crianças e jovens com menos de 16 de idade que estejam nas situações de perigo moral, de desamparo ou de delinquência; para a prossecução dos objectivos consignados na lei, o governo republicano destina bens e rendimentos das congregações extintas para possibilitar a instalação das novas estruturas judiciárias de protecção à infância, quer os novos tribunais e refúgios anexos, quer para proceder à remodelação, quando não criação, de estabelecimentos de internamento para reeducação dos menores por decisão judicial; 1912, 24 Abril - decorrido quase um ano sobre a experiência singular da Tutoria de Lisboa, é instituído no Porto o segundo tribunal central de menores que a justiça portuguesa conhece, acompanhado do respectivo Refúgio, estabelecimento anexo ao tribunal para detenção e observação médico-psicológica e social dos menores em situações que exigem internamento enquanto aguardam julgamento; para a instalação desta estrutura a Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas cede ao Ministério da Justiça a Quinta das Águas Férreas; 1912, Maio - o Vice-Reitor do Seminário do Porto propõe-se adquirir a quinta por 200 000$00 para ali instalar o Seminário dos Preparatórios, mas tal transacção não veio a ocorrer por determinação do Ministério da Justiça em estabelecer naquela propriedade a Tutoria do Porto (Um pouco de história, ...); 1912, Novembro - o tribunal começa a funcionar, tendo registado até ao fim do ano a abertura de 61 processos (Um pouco de história..., f.35); 1912, 6 Dezembro - data do orçamento e memória descritiva para as obras de reparação, conservação e modificação a efectuar no conjunto ocupado pela Tutoria Central da Infância do Porto, promovidas pela Direcção das Obras Públicas no Distrito do Porto”.
Com a devida vénia a Filomena Bandeira e Ricardo Agarez 2005/ Ricardo Agarez 2008; In “monumentos.gov.pt”



O Palacete dos Sousa Melo, visto de outro ângulo na primeira metade do século XX – Ed. Teófilo Rego, AHMP




Aqui viria então, a funcionar, a Tutoria do Porto.
Esta tutoria foi instalada aqui na sequência da lei 24 de Abril de 1912, em 24 de Novembro do mesmo ano.
A secção masculina e a secção feminina do refúgio ficaram no mesmo complexo arquitectónico, mas em alas separadas.
No interior da mesma propriedade o Ministério da Justiça construiu um novo edifício para o Tribunal de Família e Menores do Porto inaugurado em 22 de Outubro de 1988.




Nos dias de hoje, à direita, a fachada Sul do antigo Palácio das Águas Férreas. A área delimitada pelo polígono a azul, à esquerda, indica o local donde era lançada a antiga escadaria de acesso aos jardins e aos campos – Fonte: Google maps

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