segunda-feira, 1 de outubro de 2018

25.11 Livrarias históricas e Alfarrabistas


Em 1855, na Praça de Santa Teresa nº 28, estava a tipografia de Sebastião José Pereira, onde eram impressos inúmeros livros.
Um poema herói-cómico oferecido às senhoras portuenses, na pessoa das senhoras Cirnes, do palacete do Poço das Patas, foi, aí editado, por um irmão de Almeida Garrett, de seu nome Alexandre Garrett.
Em 1868, pela Rua da Porta do Sol nºs 2 e 3, estava a Livraria Interessante, de Diogo de Sequeira e Costa.



Capa e Contracapa de livro (custo 120 rs.) da Livraria Interessante em 1868 – Colecção do Engº Amaral Gomes


À esquerda, o prédio onde esteve a Livraria Interessante, na Rua da Porta do Sol, 2-3


Em 1877 a Livraria Central de J. E. da Costa Mesquita – Editor, sedeada na Rua de D. Pedro, 87, editava de Alberto Pimentel, Guia do Viajante na Cidade do Porto e seus Arrabaldes.
O mesmo Alberto Pimentel, que na sua obra “O Porto há 30 anos”, com a 1ª edição publicada em 1893 e a 2ª edição em 2011, pela Universidade Católica Editora, faz, a determinada altura, referência às livrarias existentes, à época no Porto, em meados do século XIX.
Eram tempos, em que o almoço correspondia ao nosso pequeno-almoço. Jantava-se à hora do actual almoço e a meio da tarde, havia a merenda. À noite, servia-se a ceia.


“Os jornais publicavam-se de manhã. Quem, durante o resto do dia, queria saber notícias, ia busca-las à Praça Nova, onde se reuniam os elegantes, os brasileiros e os curiosos.
Algum telegrama político que tivesse vindo de Lisboa, algum escandalozinho que se houvesse dado na cidade, iam ali ter em primeira mão, e ali paravam à espera dos alvissareiros oficiosos que tomavam a seu cargo informar os bairros afastados.
Quando chegava o paquete do Brasil, discutia-se ali o câmbio, que era uma questão magna para o Porto, como há-de ser sempre, não só para o Porto, mas para Portugal inteiro.
Muitas vezes os telegramas eram falsos, os boatos também, mas numa cidade onde a vida derivava monotonamente, compreende-se que o espírito precisasse distrair-se inventando um caso, que não acontecera, mas que deveria ter acontecido por amor da variedade.
A Praça Nova era, pois, naquele tempo, o grande mentideiro do Porto.
Depois o número de jornais foi crescendo, Urbano Loureiro publicara uma folha da tarde, e a Praça Nova viu-se um pouco cerceada nas suas prerrogativas tradicionais, posto que sempre lhe ficassem sendo reconhecidos uns certos direitos de antigo locutório.
À porta da livraria Moré estacionavam, de preferência, os elegantes de maior idade, que viviam dos seus rendimentos: entre outros, os irmãos A…, da Picaria, e os irmãos B…, de Sant’Ana.
Dentro da loja, José Gomes Monteiro, gerente da livraria, o visconde de Azevedo e Camilo Castelo Branco caturravam sobre assuntos de história literária, falando muito de crónicas, de clássicos e de manuscritos raros.
A casa Moré era naquele tempo a livraria da grande roda como então se dizia. A sua freguesia, tanto em livros portugueses como franceses, era recrutada entre a melhor gente do Porto.
A livraria Podestá entre a Rua do Bispo e a do Laranjal e a de José Luís de Oliveira na Rua de Santo António, também vendiam livros franceses, mas estavam em segundo lugar, em interesses e créditos, relativamente à Moré.
As três eram, em todo o caso, as mais amplas e asseadas.
Havia outras livrarias pequenas, escuras e poeirentas, que vendiam livros portugueses, tais como a do Cruz Coutinho, aos Caldeireiros, a do Novais e a do Jacinto, na Rua do Almada.
Esta última, ainda em tempo do Jacinto pai, hoje representado pela viúva e pelos filhos, reconstruiu-se com estantes novas e envernizadas. Mas as outras duas ficaram estacionárias no seu feitio primitivo.
Estabeleceu-se depois outra livraria, também de livros portugueses, na rua do Almada, em frente ao botequim das Hortas. Era do Sr. Novais Júnior, filho do velho Novais, actualmente instalado algumas portas mais acima.
E ainda na mesma rua, numa lojinha que parecia uma boceta, se estabeleceu como livreiro um sobrinho do Cruz Coutinho da Rua dos Caldeireiros.
Já morreram ambos, tio e sobrinho.
Nas Carmelitas estavam expostos à venda, sob a muralha da Praça do Anjo, os folhetos da literatura de cordel, que os lavradores costumavam comprar.
E nos Ferros Velhos, onde veio a acabar a feira da ladra, apareciam às vezes livros usados, que tinham algum valor estimativo.
No decurso dos anos fundaram-se duas livrarias importantes, a do Chardron, no alto dos Clérigos, e a dos Srs. Magalhães & Moniz, no Largo dos Lóios.
A educação comercial destes três livreiros fizera-se na antiga casa Moré, onde haviam praticado largos anos.
Os brasileiros estacionavam, na Praça Nova, à porta da loja do Pádua, do Fortuna & Pimenta, e outros.
Dos elegantes, os que não tinham por hábito encostar-se à porta do Moré, frequentavam a loja do Simão, nos Clérigos, e a da Maria Martins na Rua de Santo António”.
Fonte: Alberto Pimentel, 1893


Cruz Coutinho, referido por Alberto Pimentel no texto anterior, foi um editor de Camilo Castelo Branco.
 

Obra de Camilo, de 1863, cujo editor foi Cruz Coutinho
 
 

 
No prédio, à direita, esteve na Rua dos Caldeireiros, nº 26 (com o Largo dos Lóios, visível, à esquerda), a Livraria Cruz Coutinho.
Para aqui se mudaria o “Jornal do Porto”, que passaria a dividir instalações com aquela afamada livraria - Fonte: Google maps

 

“Jornal do Porto”, 17 Outubro de 1891



A Livraria Podestá pertencia a Paulo Podestá, foi contemporânea da Moré, com a qual rivalizava, tendo o seu proprietário ficado ainda conhecido por administrar um colégio.
Nos primórdios ter-se-à chamado “Livraria Franceza e Nacional”.



Publicidade à “Livraria Franceza e Nacional”, no “Jornal do Porto”, em 1 de Outubro de 1867



Publicidade ao “Colégio Francez e Portuguez” dirigido por P. Podestá, no “Jornal do Porto”, em 01 de Outubro de 1859 



A Livraria Podestá esteve no rés-do-chão do prédio de esquina, à esquerda, tendo o seu espaço sido ocupado depois pelo Café Chaves
 
 

A esquina do prédio que albergou a Livraria Podestá, terá como referência, nos dias de hoje, a estátua da “Menina da Avenida” – Ed. Teófilo Rego
 
 
 
A Livraria Moré, de Nicolau Moré, esteve, durante muitos anos, nos baixos do palacete das Cardosas, na esquina da Praça D. Pedro e do Largo dos Lóios e teria sido fundada em 1835, de acordo com a publicidade inserida no “Guia do Viajante na cidade do Porto e seus Arrabaldes (1877)” de Alberto Pimentel.

 


 
 
 
“Na esquina do largo dos Loios, ficava a melhor livraria do Porto, — a More, — onde, além dos livros, se vendiam «quinquilharias» várias; a esquina da More foi um lugar cé­lebre de cavaco. Em frente deste vasto prédio, ao longo da valeta, viam-se durante o dia barracas de pano cru e mesas volantes, sobre as quais estendiam a sua sombra protectora gigantescos guarda-sóis de pano branco; encontravam-se ali à venda, desde o bacalhau às guloseimas, os géneros mais variados e as me­lhores pechinchas. Entre esta fila de vendedores e o edifício, corria o passeio chamado sarcasticamente o Pasmatório dos Loios..”
Artur Magalhães Basto, In “O Porto do Romantismo”, 1932
 

Em 1872, a livraria Moré editava, de Feliciano Castilho, uma tradução do “Fausto” de Goethe que viria a dar brado.




A livraria Moré situou-se, no rés-do-chão, na esquina do prédio, à direita




Aquela livraria Moré parece ter começado na, então, Rua de Santo António.
Assim, em 24 de Abril de 1838, o jornal “Periódico dos Pobres no Porto”, na sua capa, anunciava:
 
“Livraria Belga e Francesa, na rua de Santo António 42-44, de Moré: acaba de receber, pelo hiate Douradinho, um sortido de livros estrangeiros”.
(citação de Porto Desaparecido/facebook)
 
Face ao anúncio publicitário acima poder-se-á especular, que a livraria nele mencionado, seria a precursora da Livraria Moré, que viria a ocupar, mais tarde, uma loja no Largo dos Lóios.
Na década de 1840, o nº 32 da Rua de Santo António assinalava um prédio que ainda hoje existe, que tem o nº 69 e que, desde 1848, foi ocupado pela chapelaria Maia & Silva.


 

O 1º prédio, à esquerda, era no século XIX, o nº 32

 
 
O prédio com a numeração de polícia, 42-44, ficaria no local onde esteve o teatro “Baquet”, inaugurado em 1859, e onde hoje está a delegação da Caixa Geral de Depósitos ou naquele que lhe é contíguo, a montante.
É provável que, a mudança da livraria Moré para os Lóios, atendendo à data da inauguração do teatro, já se tivesse efectivado há alguns anos antes.
 
 
 
 

Teatro “Baquet” (inaugurado em 1859) na Rua de Santo António – Desenho de Nogueira da Silva

 
 
A chapelaria Maia & Silva ocupava o prédio parcialmente visível, à esquerda da gravura.
Aí por 1868, estavam em princípio de decadência as duas mais importantes livrarias do Porto: a do Moré, na esquina da Praça de D. Pedro (no palacete das Cardosas), e a do Podestá, aonde se havia de estabelecer o café Chaves.




Praça D. Pedro c. 1890, antiga Praça Nova, com a igreja dos Congregados parcialmente visível


Ernesto Chardron, que viera de França, para a livraria Moré, conhecendo bem o gosto do público, tratou de abraçar outro projecto e estabelece-se, por sua conta, ao cimo dos Clérigos, a fim de tentar uma nova experiência.


“Fê-lo, e logo desde o princípio viu desenvolver-se o consumo das suas edições, e aplaudida a escolha da literatura, que lançara no mercado.
Desde então, a maior parte dos autores portugueses trabalharam para ele: traduziam; ele negociava os manuscritos, e o Teixeira, da Cancela Velha, imprimia tudo.
Como iniciara a publicação às cadernetas, todas as semanas, aquela casa era um verdadeiro armazém a contar, a empacotar, a expedir, a escriturar e a guardar dinheiro!
Atrás da literatura ligeira, importada da França, veio outra mais suculenta e séria, como as obras de Camilo, o Dicionário de Fr. Domingos, e depois Eça, a literatura religiosa, Teófilo Braga e outros, uma interminável lista, que abrange todos os nomes mais evidentes da literatura do segundo quartel do século XIX.
 Por esse motivo, tornou-se aquela livraria, às tardes, o centro de conversa de todos esses autores, os que viviam nesta cidade, e os que, por aqui, passavam, a espairecerem, ou a tratarem de negócios.
Um dia saturou-se o mercado dessa literatura de tradução barata, que cansara o Chardron, resolvendo por isso, abandonar as obras de fancaria e dedicar-se, apenas, às de mérito.
A saúde também se lhe abalara, e tão intensamente que a vida se lhe escoou, ainda no vigor da idade.
Passou, por isso, a casa à firma Lugan & Genelioux, que, pouco tempo depois, a transmitiu aos atuais proprietários, a respeitável firma Lello & Irmão”.
Fonte: Jornal “O Porto” de 4 de Julho de 1911; Com o devido crédito a Nuno Cruz, administrador do Blogue “aportanobre.blogs.sapo.pt”



A Livraria Internacional de Ernesto Chardron foi, então, fundada pelo cidadão francês Ernesto Chardron, em 1869, tendo a sua sede na Rua dos Clérigos, nº 296-298, passando ele a ser o editor principal das obras de Camilo Castelo Branco.
Em 1891, já alguns anos após a morte de Ernesto Chardron, a Livraria Chardron adquiria os fundos da Livraria A. R. da Cruz Coutinho e, bem assim, o espólio de outras duas antigas Livrarias desta cidade pertencentes, respectivamente, a Francisco Gomes da Fonseca e Paulo Podestá. 
Em 1882, José Lello, associado a seu irmão, tinha estabelecido a firma “José Pinto de Sousa Lello & Irmão” nos números 18-20 da Rua do Almada.
A 30 de Junho de 1894 Mathieux Lugan, após o falecimento de Genelioux, vendeu a antiga “Livraria Chardron” a José Pinto de Sousa Lello, que com o seu irmão António Lello como sócio, manteve a Chardron com a denominação social de "Sociedade José Pinto Sousa Lello & Irmão".
Em 1898, entrou para a nova sociedade o fundo bibliográfico da Livraria Lemos & C.ª, fundada pelos irmãos Maximiliano e Manuel de Lemos.
Em 1919, a “Livraria Chardron” passa a designar-se por “Livraria Lello & Irmão”, entretanto instalada desde 1906, em novo edifício da Rua das Carmelitas, que ainda hoje ocupa.
Livraria Lello & Irmão” tem assim um historial que assenta na “José Pinto de Sousa Lello & Irmão” e, mais remotamente, na “Livraria Chardron” e na Livraria Internacional.
Em 1951, Arnaldo Leite na sua obra, “O Porto 1900”, sobre as livrarias na cidade na transição de séculos, dizia:

 





“Calça-se melhor, veste-se melhor (ou pior?) e come-se muito mais, é verdade. Mas lê-se muito menos! O número de livrarias existentes no Porto em 1900, é sensivelmente igual aos das que hoje abrem as suas portas à espera do raro e corajoso cliente que bem se pode alcunhar o lá vem um. Se algumas novas livrarias abriram, fecharam outras. Ler para quê?
Consultando os mapas demográficos do nosso País, constata-se que a população quase duplicou nos cinquenta anos deste século. E as estatísticas dizem-nos, igualmente, que desceu imenso o número de analfabetos e vamos a caminho da reabilitação, libertando-nos da vergonhosa situação de povo inculto e ignorante. Pois muito bem. Há mais gente e mais quem saiba ler. E não há quem leia nem quem compre livros! Nós não sabemos quem é mais digno de lástima e compaixão – se o que não lê por ser analfabeto, se o outro que sabe ler e não lê por o dinamismo não lhe dar tempo para isso!...”



LIVRARIAS DO PORTO EM 1900

Académica – Rua de Cedofeita, 46
António Dourado – Rua do Carmo, 3
Arquivo Jurídico – Rua do Bonjardim, 67
Camões – Rua do Almada, 24
Católica Portuense - Largo dos Lóios, 53
Centro de Publicações, de Arnaldo Soares, Praça de D. Pedro, 125
Companhia Nacional Editora, Largo dos Lóios, 41
Eduardo Tavares Martins, Rua dos Clérigos, 8
Empresa de História de Portugal, Rua de D. Pedro, 116-2º
Empresa Literária e Tipográfica, Rua de D. Pedro, 178
Jacinto Silva (Viúva), Rua do Almada, 134
José Lopes da Silva, Travessa da Fábrica, 20
José Ribeiro de Novais Júnior, Rua do Almada, 192
Livraria Chardron, Rua dos Clérigos, 96
Livraria Elísio, Rua Formosa, 282
Livraria Evangélica, Rua Mouzinho da Silveira, 89
Livraria Moreira, praça de D. Pedro, 42
Livraria Moreira da Costa – Rua de Avis, 36
Nova Livraria Económica, Largo de Santo André, 31
Popular Portuense, Largo dos Lóios, 44
Portuense, Lopes & Ca, sucessores de Clavel & Ca., Rua do Almada, 123
Portuguesa, Largo dos Lóios, 55
Portuguesa Religiosa, Rua do Almada, 24
Religiosa e Científica, Rua de D. Pedro, 67
Sousa & Brito, antiga Casa Barros & Filha, Rua do Almada, 104
Universal, de Magalhães & Moniz, Largo dos Lóios, 12”



(CONTINUA)

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