segunda-feira, 15 de outubro de 2018

25.13 Estalagem do Galo e Estalagem do Lidador


Estas duas estalagens que se situam no Concelho da Maia e que marcaram uma época no desenvolvimento turístico da região, no que concerne à hotelaria e à restauração, em termos arquitectónicos, apoiavam-se em filosofias e estéticas, de que António Ferro era o grande guardião e mentor.
António Ferro foi um escritor, jornalista e político português, e um dos principais ideólogos do Estado Novo, que orientava da sua tribuna – O Secretariado de Propaganda Nacional. Na vertente cultural nada se fazia sem o seu aval.
Todos os artistas que não alinhassem com as suas teses, eram afastados.
A sua política assentava na chamada «Campanha do Bom Gosto», que criou e orientou, e que tinha por um dos pilares a Revista Panorama.
Criticado por uns, exaltado por outros, personalidade sem dúvida controversa, sobre ele diz Vasco Rosa em 27 Abril de 2015, no “Observador”:

“António Ferro faleceu em Novembro de 1956, mas só 30 anos após a sua morte (15 dos quais passados desde a revolução de 1974) a sua extensa influência em meio século de vida portuguesa teve uma primeiríssima avaliação crítica, ainda que de âmbito parcial: o trabalho académico de António Rodrigues sobre o seu modernismo na idade do jazz band, que esperou 9 longos anos para sair em livro, muito ajudado pelo providencial centenário do nascimento, em 1995. Ernesto Castro Leal dedicou-lhe em 1988 uma tese de história contemporânea, também ela centrada num tema específico, o jornalista e activista político de 1918 a 1932, a qual aguardou 6 anos por um editor. Outras teses universitárias foram dedicadas a Ferro, como a de Cidalisa Guerra em 2002 e a de Jorge Campos em 2009 — mas acerca destas tudo o que vos posso dizer é que estoicamente me forcei a lê-las até ao fim, e sobrevivi… Quase duas décadas depois do livro de Castro Leal, Margarida Acciaiouli escreveu «A Vertigem da Palavra». Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo (Maio de 2013), e há semanas saiu António Ferro, «Criador do Salazarismo de Orlando Raimundo»”.


António Ferro e o ditador Oliveira Salazar


Sobre as estalagens que existiram na Maia, no século XIX, é o artigo seguinte, que dá ainda conta e descreve, a Estalagem do Galo, situada no Lugar do Chiolo, EN 14 e a Estalagem do Lidador, situada no Lugar das Guardeiras, EN 13, que eram o reflexo da tal «Campanha do Bom Gosto» que, por lei, tinha normativo próprio para as pousadas, desde 1941, o que em consequência, foi aplicado àquelas duas estalagens.
No mapa abaixo, do início do séc. XIX, é-nos mostrada uma «fatia» do Concelho da Maia, de então, em que vemos que ao longo das principais estradas que o atravessam há algumas estalagens.
À esquerda, na estrada para Vila do Conde, a estalagem da Venda da Velha. Ao centro, na estrada para Barcelos, as estalagens do Padrão de Moreira e da Lameira. À direita, na estrada que vai para Famalicão e Braga, as estalagens da Pinta, do Castelo e da Carriça.


Mapa parcial do concelho da Maia mostrando vias e estalagens - Fonte: José Augusto Maia Marques sobre mapa de Custódio Vilas Boas




“Estas estalagens, algumas bem arranjadas, outras, verdadeiros tugúrios, estão muito presentes na literatura oitocentista. Camilo celebrizou-as, no mais das vezes pelas piores razões. A Estalagem do Casal do Pedro na Junqueira (Vila do Conde) foi batizada pelo escritor de «Estalagem das Pulgas». E o nome ficou. A Estalagem da Ponte da Pedra, onde se reuniam, depois dos espetáculos, as divas do Bel canto que atuavam no Porto, acompanhadas dos seus seguidores, e onde, muitas vezes, havia pancadaria «de criar bicho», merece bastas referências na obra camiliana.
Várias destas estalagens ficaram famosas pela sua cozinha, outras pelo seu vinho, uma por outra pela estalajadeira ou por alguma das moças que a auxiliava.
Também elas se situavam na maioria das vezes ao longo dos caminhos.
Neste mapa do início do séc. XIX que nos mostra uma «fatia» do Concelho da Maia de então, vemos que ao longo das principais estradas que o atravessam há estalagens. À esquerda, na estrada para Vila do Conde, a estalagem da Venda da Velha. Ao centro, na estrada para Barcelos, as estalagens do Padrão de Moreira e da Lameira. À direita, na estrada que vai para Famalicão e Braga, as estalagens da Pinta, do Castelo e da Carriça.
António Ferro definia-as: “Exceptuando os grandes centros, do que precisamos, do que a nossa paisagem precisa, é de simples pousadas, ou estalagens, muito claras, muito limpas, confortáveis, mas sem luxo, construídas e arranjadas ao gosto de cada região […]. Boas camas, boa comida, boas instalações higiénicas, bom serviço, bom-gosto, eis as condições indispensáveis dessas pousadas ou estalagens”.
Para além do «modelo» que aqui é definido, e que se repercutiu com certa frequência pelo País, quer em pousadas, quer em estalagens, quer mesmo em hotéis de pequena e média dimensão, percebemos, por este excerto que, no fundo, o que diferia pousadas de estalagens, era, à parte a monumentalidade de algumas das primeiras, o facto de que pousadas eram de iniciativa pública (da SPN ou do SNI) enquanto estalagens eram de iniciativa privada.
Fonte: José Augusto Maia Marques, In: Revista da Maia; Ano II, Nº 1, 2017
 
 
Estalagem do Galo (Chiolo, Maia)
 
 
A Estalagem do Galo foi uma obra da responsabilidade de “ARS-Arquitectos Reunidos”, gabinete de arquitectura fundado por António Fortunato Cabral.
 
 
 
“António Fortunato Cabral (1903-1978) estudou no Colégio de Montariol, em Braga.
Entre 1921 e 1935, estudou Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto, tendo apresentado no Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquiteto (CODA), em 1941, o trabalho sobre o Mercado Municipal de Matosinhos: Betão Armado, diplomando-se com 16 valores.
Fundou com Mário Cândido de Morais Soares e Fernando da Cunha Leão o grupo Arquitectos Reunidos (ARS), de onde saíram marcantes projetos arquitetónicos, de diversas tipologias, como as igrejas da Praia de Mira, de S. Pedro da Cova (Gondomar), de Nossa Senhora de Fátima (Porto) e de Crestuma (Vila Nova de Gaia); o Externato Liceal de Alijó, a Escola Gonçalo Pereira (Barcelos) e a Creche-lactário Amaíza Veiga Ripado (Chaves); a Casa das Lérias (Amarante) e a Loja Lopo Xavier (Porto); o Buvete das Termas das Caldas (Amares); as adegas cooperativas de Chaves, Lousada e Marco de Canavezes; a Estalagem do Galo (Maia), o Hotel-Restaurante Porto Mar (Matosinhos) e Sacel – Edifício de Restauração (Porto); o Mercado Municipal de Matosinhos e o Mercado do Bom Sucesso (Porto); o Edifício Social da Legião Portuguesa (Porto); o Bairro Operário da Litografia Nacional (Porto); o Quartel dos Bombeiros da Póvoa de Varzim; o Banco Nacional Ultramarino de Vila Nova de Famalicão; o jazigo da Família Benjamim José de Araújo Oliva (S. João da Madeira); e ainda várias casas e prédios como o Prédio de Rendimento Adão Polónia (Matosinhos) e a Casa Olinda Freitas Figueiredo (Porto)”.
Fonte: “espacodearquitetura.com/”




Estalagem do Galo (postal) – Lugar do Chiolo – Maia


Interior da Estalagem do Galo (postal)


Estalagem do Galo



Quinta do Galo

 
 
“Boa noite. A Estalagem do Galo foi mandada construir pelo meu Avô, António Joaquim da Silva, para ser uma casa de campo. Existiam raízes familiares no Lugar do Chiolo, Barca, Maia, e por esse motivo foi escolhido aquele local. À época, e ainda nos muitos anos que lá passei, a área envolvente era um paraíso, pinhais e campos de cultivo em redor, no local onde hoje é um super mercado de grande superfície existia um riacho límpido com peixes e rãs, um moínho, salgueiros, imensa fauna, imensas aves.
Mas, como o meu Avô já era proprietário de alguns restaurantes no Porto - O Escondidinho na Rua Passos Manuel, Os Três Irmãos, a Pousada Escondidinho ao lado do Coliseu do Porto - um grupo de amigos e comerciantes e industriais da época, convenceram o meu Avô a transformar a casa de campo numa Estalagem...e, assim nasceu a Estalagem do Galo, com 5 quartos, serviço de restaurante e eventos, com a mesma linha de cozinha portuguesa do Escondidinho, aprimorada por bons profissionais, alta qualidade de matérias primas e excelência no serviço prestado.
Na verdade, a Estalagem nunca esteve encerrada até 1987, que foi quando por motivos familiares a vendemos a particulares para residência própria permanente. Mas o mundo dá muitas voltas, e hoje em dia a Estalagem do Galo foi rebaptizada como Quinta do Galo, e está vocacionada para eventos, casamentos, baptizados, festas, etc.
Fico sensibilizada por ver esta foto, pelos comentários de antigos clientes, saudosos da excelente ementa da Estalagem do Galo.
Bem hajam”.
Cortesia de Branca Maria Milano, In facebook
 
 
 
Estalagem do Lidador (Guardeiras)
 
 
“Outro estabelecimento hoteleiro bem conhecido na nossa zona era a Estalagem do Lidador.
Também ela do início dos anos 50, pautava-se por uma sobriedade de linhas, sobretudo em relação à anterior.
Estava dotada no piso térreo com receção, instalações sanitárias, duas salas de jantar, sala de estar, e as várias instalações para a confeção de refeições.
Num corpo que se prolongava para norte, um amplo salão de festas com
palco, que também servia de sala de banquetes e, ao fim de semana, de sala de refeições. No piso superior, 10 quartos com todos os cómodos. Na cave, um bar inspirado pelo trabalho e armazenagem do vinho.
Com uma decoração escorreita, baseada nos padrões que António Ferro definira alguns anos antes, mas depurados de exagerados «regionalismos», os espaços eram agradáveis, acolhedores, luminosos, à dimensão humana.
Contava já com várias inovações como casa de banho e telefone nos quartos, sendo que todos estes tinham acesso a um terraço.
E, claro, como era hábito, uma instalação de venda de gasolina e óleos, ainda hoje muito movimentada.
Ali estiveram e pernoitaram vários membros do governo, governadores civis, presidentes de câmaras, deputados da nação, etc. O próprio Presidente do Conselho, Dr. Salazar ali esteve.
O seu serviço de restauração era famoso pela sua qualidade, atraindo, mormente ao fim de semana, muitos visitantes. Os seus lanches de sábado e domingo eram famosos.
A sua proximidade da cidade do Porto, do Aeroporto (campo de aviação, como se chamava nos anos 50) e do porto de Leixões, bem como os (então) abundantes espaços verdes que a rodeavam, fizeram da Estalagem um ponto muito requisitado para estadias de descanso e para estágios desportivos”.
Fonte: José Augusto Maia Marques, In: Revista da Maia; Ano II, Nº 1, 2017




Estalagem do Lidador – Colecção de José Augusto Maia Marques




Estalagem Lidador (Interior) - Colecção de José Augusto Maia Marques



Estalagem Lidador nos nossos dias – Fonte: Google maps

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