Sétima Carta do
Barão de Forrester
Apesar de se não
poder fazer sempre a viagem da Régua ao Pinhão num dia, eu a farei nesta carta
para que a descrição se torne mais interessante.
Já disse que os
rios Corgo e Barosa separam o Baixo do Cima Corgo – o rio Pinhão separa este do
resto do distrito vinhateiro, que eu chamo o Alto Douro.
O Corgo,
chamado Corrugo pelos
romanos, nasce nas vizinhanças de Vila Pouca, passa por Vila Real, recebe as
águas do Tanha ao pé da Vila da Presegueda e cai no Douro entre a Régua e
Canelas.
Os rios tributários
do Douro entre o Corgo e o Pinhão são o Tedo, o Távora, e o Torto.
O Távora, ou
Soberbo, tem origem numa fonte de Trancoso e aumentado por diversos ribeiros e
regatos, divide os dois bispados de Viseu e Lamego, passa pela Vila de Távora e
o Lugar de Tabuaço e daí caminha para o Douro.
Este rio deu o seu
nome à ilustre família dos Távoras, e mandou-se chamar Soberbo, depois que o último marquês
daquele título padeceu ignominiosa morte no Cais da Belém a 13 de Janeiro de
1759, por alegarem ter ele parte na conjuração contra El-Rei D. José I; porém o
rio é ainda vulgarmente conhecido pelo seu antigo nome.
Na marca actual do
Douro, os rios Corgo, Tua, Barosa e Távora, apenas são pequenos regatos – e os
rios Tedo e Torto estão secos de todo.
Há poucas
propriedades nas margens do Douro, desde o Piar até à Barca d’Alva que eu não
possa descrever com a mesma exactidão como se fosse seu próprio dono – porém se
eu declarasse que uma grande parte do vinho oferecido à venda nas adegas mais
bem situadas, indicando estas uma por uma, não é produzido dentro da demarcação
da Feitoria, mas trazido de muitas léguas de distância em odres – se
mencionasse os nomes daqueles que em outro tempo não se envergonhavam de
declarar que não havia baga nem mixórdias no
Douro, sendo eles os principais cultivadores de sabugueiros e praticantes de
adulterações – se indicasse a extensão de outras propriedades mencionando o
número de alqueires de centeio que levam de semeadura – se enfim eu marcasse os
sítios dos mais finos vinhos brancos ou tintos, notando quem se mostra mais
amigo das castas de bastardo e arvarilhão, e quem prefere as de
Touriga e Souzão, dizendo só a verdade e desmascarando os maiores inimigos da
prosperidade ao seu país, iria contudo ofender interesses particulares e
embrulhar alguns inocentes com culpados, e por isso, por enquanto,
limitar-me-ei a descrever o que como viajante vi e presenciei ou o que por
muitas vezes tenho visto mas sem me ocupar com individualidades.
Ambas as margens do
rio nesta extensão de 4 léguas são muito elevadas e estão cobertas de vinhas –
havendo entre elas bastante azeite. Agora não se pode falar nesta propriedade,
porque pertence ela a um dos actuais ministros, logo as más-línguas haviam de
dizer que eu pretendia dele algum crachá.
Na Folgosa e no
Pinhão costuma às vezes haver bom carneiro, mas geralmente o carneiro deste
país e muito magro e rijíssimo. O pão de Lamego e Portelo é o que se gasta na
Régua e Folgosa: - no Pinhão acha-se a vender pão de Provesende a Favaios. É
digno de se notar que até aqui todo o pão é de trigo e milhão, e só daqui para
cima é que principia a haver pão de centeio.
Numa estalagem do
Pinhão onde mandei recolher três cavalos meus, por uma noute, em razão da
escassez de palha e grão, custou-me a sua ração dous mil e trezentos reis.
Já tenho dito que,
ainda que no Piar principiem os xistos, não há pedras no rio, (exceptuando
algumas de pequena dimensão no sítio da Sermenha, Corvaceira e Salgueiral) até
ao Corgo: porém há-de ser difícil acreditar que exista nos países menos
civilizados rio algum que se ache em tal estado do maior abandono, com tantas
pedras à vista e tão fáceis de tirar como as que actualmente existem entre o
Corgo e o Pinhão.
Quantas leis e
decretos se têm feito ordenando impostos para melhorar a navegação do rio e
tratar das obras da barra! Desta mesma barra em que os cartagineses de Himilcão
naufragaram no ano do mundo 3531. Tenho todos esses decretos na minha colecção
de papéis curiosos, mas
por mais diligências que tenha feito não vinte e tantos anos que conheço o rio
Douro, ainda ninguém me tem podido informar do destino que se tem dado aos
impostos do rio e aos da barra. É verdade que 200 reis em pipa "para as
pedras" não havia de render mais do que uns vinte contos anuais; porém em
10 anos importaria em duzentos contos e com tal soma muitas e importantíssimas
obras se poderiam ter feito; muito preciosas vidas se teriam salvado e grandes
valores de fazendas se não haveriam perdido.
Sobre estradas
achamos de bastante interesse o Alvará de 13 de Dezembro de 1788, em que a
Soberana declara que "sendo
plenamente informada de que havendo-se dificultado pelas ruinas em que se acham
as estradas que decorrem por uma e outra parte do Alto Douro o beneficio de
todos que comerceiam em vinhos daquele distrito e sendo deste inconveniente
também uma das causas principais, a de não haver na longitude daquele distrito
uma estrada que sirva de auxilio à navegação dos barcos que sobem e descem pelo
Rio Douro, nos tempos em que a nímia abundância ou a grande falta de águas dele
dificultam, a sua pronta navegação, sou servida ordenar que se construam as
referidas estradas, na forma mais pronta e perfeita, de que os respectivos
terrenos forem capazes etc, etc."
Tem decorrido 66
anos e as estradas ainda ficam em projecto!!!
Os arrais
chamam pontos ou galeiras, aos obstáculos à navegação
e em uma das minhas obras já publicadas menciono que existem tem todo o rio 210
destes pontos, todos os quais estão actualmente à vista. Os pontos do Corgo,
Bagauste, Outeiro de Covelinhas, S. Martinho, Moreirinha, Seco do Ferrão, ponto
novo do Ferrão, Canal de Moura, Cachucha, Chanceleiros, Oliveirinha, e Sopas ou
Buxeiro, são objectos que envergonham o actual governo de Portugal, por serem
estes de fácil melhoramento. Quanto ao ponto do Canal das Marcas, o seu
concerto seria mais custoso.
Julgo, Srs.
Redactores, que os seus dignos compatriotas não levarão a mal as impressões de
que me tenho servido, filhas do vivo interesse que tomo na prosperidade deste
país, escrevendo na minha barquinha estas cartas e subindo estes mesmos pontos
à força de trabalho dos infelizes marinheiros, trabalho que bem podia
evitar-se.
Sou de VV
J.J. Forrester
Observações:
- O rio Pinhão nasce
na Fonte de São João, no lugar de Raiz do Monte da freguesia de Vreia de Jales,
no concelho de Vila Pouca de Aguiar e é um afluente da margem direita do rio
Douro, após um percurso de cerca de 30 km de extensão, desaguando na Vila do
Pinhão. Inaugurada em 2008 a Barragem do Pinhão, instalada no curso do rio, abastece os concelhos de Vila Real, Sabrosa, Peso da Régua, Murça, Alijó, Santa Marta de
Penaguião e Mesão Frio.
- O rio Távora tem
extensão de cerca de 70 km.
De 335 marcos, o Marco
Pombalino nº 7 da Quinta da Manuela
Vista do Pinhão a
partir do miradouro de Casal de Loivos – Ed. Roteiro do Douro
Barco rabelo
navegando no rio Douro, com vista para a cidade da Régua em 1900
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