terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

(Continuação 9)

Oitava Carta do Barão de Forrester


Ocupar-me-ei da terceira parte do país vinhateiro, entre o Pinhão e a Baleira e que tenho chamado o Alto Douro.
A distância é de três légoas boas, mas quem tem de as caminhar facilmente acreditará serem quatro. Como acontece até aqui, não há caminho nas margens do rio, povos apenas se vem na margem direita Casal de Loivos, Foz Tua, Fiolhal, e Riba Longa, não sendo possível descobrir do rio os povos de Ervadosa, Soutelo, Nagoselo nem S. João da Pesqueira na margem esquerda.
Esta última divisão do terreno marcado para a produção do vinho que (com a exclusão de todo e qualquer outro) é destinado para o embarque, é sumamente interessante para o viajante, amador das belezas e maravilhas da natureza.
Em ambas as margens (até os ribeiros de S. Martinho, acima da quinta do Zimbro há belas quintas de vinho e azeite, e alguns pomares. No Fiolhal há bastantes amoreiras, das quais se faz alguma seda e os pomares em S. Mamede, logo ao pé, produzem a melhor laranjas da província.
O rio Tua nasce no reino da Galiza, próximo ao lugar de Pias, corre por Mirandela, fertilizando muitas terras, vem desembocar no Douro, no pequeno povo de Foz Tua.
Os ribeiros de S. Martinho separam os xistos dos granitos e são mui notáveis as vinhas na lousa de um lado de cada um dos ribeiros e as grandes e continuadas fragas de granito nos outros lados.
Destes sítios até ao 1º ponto dos Culmaços (um bom quarto de légua) as margens apresentam vistas sublimes que encantam o verdadeiro artista e amador da natureza. Nos Culmaços tornam a principiar os xistos e por conseguinte as vinhas e estas na sua vez acabam na Baleira  por baixo do celebre monte de granito de S. Salvador do Mundo.
Os pontos, de vergonha para o Governo, são os seguintes: Aroeda, Frete, Carrapata, Roriz, Malvedos, e Culmaços.
As terras nestes sítios são mais delgadas do que as do baixo Corgo e os calores são muito fortes. O bastardo e o alvarilhão que produzem bem no distrito de Penaguião não se dão aqui tão bem, e por isso que o gosto do mercado vinhateiro é sem dúvida de vinhos encorpados e com muita cor, se cultivam o Souzão, a Touriga, Tinta Francesa, Tinto Cão, Mourisca, e mais outras tintas. Os vinhos brancos ficam mais desviados das margens do rio.
As vindimas estão a findar e por toda a parte os excessivos calores tem secado muito vinho, talvez uma quinta parte da produção total.
Tenho dito que as margens do rio, por toda a extensão do país vinhateiro (que vem a ser outo léguas) tem poucos habitantes e não sendo no tempo das vindimas, apenas fica um caseiro em cada adega.
Agora porém, o país parece outro, ranchos de trabalhadores com cestos cheios de uvas às costas, comboios de bestas carregadas com odres, conduzindo vinho de umas adegas para as outras; centenas de mulheres nas vinhas, vindimando as uvas e cantando as suas modinhas; os homens nos lagares pisando as uvas ao som do tambor, viola e gaita de fole, é o que se vê e se ouve em todas as direções.
Apesar da moléstia das videiras e a probabilidade de uma continuada escasses de vinho, toda a gente que encontrei parecia contente e satisfeita, contribuindo para isso os altos preços por que se tem vendido os vinhos e não ter havido diferença sensível nos jornais.
Nota-se também que muitos negociantes estrangeiros do Porto, este ano compram uvas e fazem o vinho à sua vontade na época da vindima!
Falei os caseiros que ficam todo o ano a tomar conta das quintas. Honra seja feita a esta classe dos habitantes do Douro.
O caseiro tem toda a responsabilidade do granjeio das vinhas, do fabrico do vinho e na sua conservação até que seja carregado, desviado de qualquer povo, sofrendo privações, exposto ao rigor do tempo; recebe apenas por ano em renumeração dos seus serviços e para o seu sustento e da mulher e filhos, umas 15 a 20 moedas; são mui raros os casos em que ele se esquece do seu dever.
Os carreiros e carretões tem a consciência mais elástica, tal é o seu cuidado para que nem as pipas nem os odres arrebentem por andarem muitos cheias, que fazem alto muitas vezes pelo caminho, para dar alívio às vasilhas que conduzem, não se esquecendo de convidar os amigos que encontram para tomar parte nesta importante operação. Não deixara de ser interessante o seguinte extracto de uma ordem dada a 9 de Março de 1791 pelo juiz conservador da Companhia Geral do Alto Douro:
Sendo tão público e geral o desafôro praticado pelos carreiros de abrirem as pipas pelos batoques, até furando-as para beberem o vinho, e o dar a quem encontram; ordeno a todos os comissários que a Junta da Companhia tem no Douro, formem processos dos referidos factos &c. &c.
Não acontece haver a mesma generosidade da parte dos trabalhadores que conduzem as uvas. Às vezes tendo-lhes pedido um cacho de uvas, respondiam-me que não o podiam dar sem licença do patrão, e logo depois passava o ranco inteiro na barca de Bagauste e cada homem com todo o sangue frio lavando enormes cachos no rio, comendo-as e até dando-as ao barqueiro!
Não posso dizer com certeza se as vindimeiras costumam esconder passas nas algibeiras, porém o que é facto é que em certas quintas costumam à noute dar busca nas mulheres, na mesma forma que fazem nas fábricas de tabaco em Lisboa, Sevilha e outras cidades.
Em todas as quintas há duas cardanhas, uma para os homens, outra para as mulheres.
Nos domingos e dias santos, ouve-se missa logo ao romper do dia, para que os trabalhos da vindima não sejam interrompidos. Os homens ganham 200 reis por dia e as mulheres seis vinténs; o pão é à custa deles, mas o senhorio dá o almoço, jantar e ceia; em outro tempo também dava vinho, porém agora não o há.

Sou de VV.
J.J. Forrester

Observações:

- Nagoselo situa-se antes de S. João da Pesqueira.
- A actual barragem da Valeira situa-se perto de S. João da Pesqueira.
- O Zimbro situa-se após a foz do rio Tua.
- O Fiolhal é na margem esquerda do rio Tua próximo da sua foz.
- S. Mamede fica na margem direita do rio Tua próximo da foz.

Quinta de Malvedos adquirida em 1890 pela família Graham – Ed. “wineanorak.com”

Barco rabelo navegando no rio Douro em finais do séc. XIX

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