Quinta Carta do
Barão de Forrester - 25 de Setembro
Desde Porto Manso
até o Ponto do Piar, distante cerca de três léguas, o rio actual passa entre
rochedos e altas penedias.
Na margem direita
há os insignificantes povos de Lugar das Vendas, Mirão, Porto do Rei e a Vila
de Barqueiros; na margem oposta apenas há o povo das
Caldas de Aregos e algumas casas defronte de Mirão, Porto de Rei &c.
Vê-se a cultura em
alguns intervalos, porém com imenso custo em razão da natureza do terreno.
Depois da demolição
das azenhas, tem-se estabelecido moinhos em barcas sobre alguns pontos do rio,
mas apesar dos ventos soprarem constantemente, não há moinho de vento algum
desde S. João da Foz até à raia!
Logo acima do
Portozelo, por exemplo no ribeiro de Cabrão, sítio lindíssimo e que produz
azeite e algum vinho, há moinhos que, apesar da escassez geral das águas, são
decerto, os melhores do rio; mas assim mesmo os habitantes precisam esperar
alguns dias para lhes tocar a vez para moer o seu pão, em razão da grande
concorrência dos povos vizinhos, que vêm aqui moer o seu pão trigo, bem como o
milho e centeio enviado da cidade invicta de propósito para este fim.
Ora neste século de
progresso, depois de recebidos no Porto os cereais da raia, com, pelo menos, 30
léguas de carretos e frete, tem estes de tornar a voltar dez léguas e três quartos
de caminho para serem moídos e depois de novo conduzidos para o Porto!!!
Estávamos no cais
da Rapinha, quando chegaram dous barcos, um dos quais carregado de sacas de
milho e trigo vindas do Porto e conduzidas por um homem, sua mulher e filha.
Trouxeram apenas três carros e meio em 20 sacas. O frete da condução do grão
para cima, e para baixo, de farinha, apenas importava em sete mil reis, e por
esta diminuta quantia, a família havia de gastar pelo menos 15 dias, pagando
por sua conta as alagens e a algum homem para os ajudar a subir os pontos!
O segundo barco era
de passagem de uma para a outra margem do rio, e logo que chegou a terra
debaixo de uma salva de trovões e relâmpagos, saltou na praia um sujeito
vestido de chambre de riscado e chapéu de palha, com um pau argolado, o qual se
dirigiu a mim exclamando: “dê cá esses ossos!” e conheci que quem me abraçava
com tanta amizade, não era outro que o distinguíssimo Ministro de Estado
honorário Dias de Oliveira. Este recto juiz tendo aqui as suas terras,
veio há pouco ver as obras que trás, e tendo visto do alto da sua quinta passar
a minha barquinha, apareceu na forma do costume sem aparato algum nem bazófia,
a oferecer-me a sua hospitalidade.
Da mesma maneira
que os meus patrícios da Escócia aparecem por toda a parte, também se encontram
nacionais da Galiza. Na Rapinha, neste sítio tão remoto e pouco povoado, logo
que chegaram os dous barcos indicados, apareceu um galego para conduzir os
sacos para o moinho, e com efeito ele só os levou. Como cada saco trazia 7
alqueires e ele tinha de o levar até ao moinho, distante uns 180 passos, fez
pelo menos de ida e volta, uma légua de jornada na condução dos 20 sacos, e por
este trabalho recebeu 200 réis.
As perspectivas são
belíssimas nestas três léguas até o Piar; mas a cada passo há uma galeira que
torna a navegação perigosíssima em toda a marca do rio. O leito está descoberto
e acham-se à vista todos os obstáculos à livre navegação: as enormes pedras que
em certa marca do rio estão cobertas, vêem-se-lhes agora as raízes cercadas de
erva infernal e de bichinhos, como lagartos e pequenas cobras que eu nunca
imaginava encontrar em semelhantes sítios.
Na ínsua da Bula é
onde os rochedos apresentam uma configuração mais curiosa e pitoresca, por
causa da força das correntes das águas, e aqui o rio agora (25 de Setembro)
junto à lage da Bula apenas tem 40 palmos de largura e 25 a 30 de profundidade,
tendo os rochedos em cada margem pelo menos 40 palmos fora de água.
Tem-se alteado e
reformado o paredão da Bula – é uma bela obra esta, tão bem executada como
concebida.
Não vi preparativo
algum para o melhoramento do ponto de Louvagem – pois as pedras bem descobertas
estão – mostrando claramente quão fácil seria a sua demolição. Bastante gente
anda trabalhando no Cadão, a alargar a pequena estrada que existe na margem
esquerda para a alagem dos barcos. Aqui vêem-se muitos rapazes e raparigas
levando pedras e entulho em pequenas canastras à cabeça (!) e algumas pedras em
terra se andam quebrando, porém nas pedras do ponto mesmo, não se tem bulido. É
pois de recear que se deixe passar esta ocasião para talvez nunca mais voltar,
em que o curso do rio podia tão facilmente ser temporariamente conduzido em
outra direcção, enquanto se fizessem as obras necessárias, no sítio mesmo
daquele ponto. No buraco do Cadão, existe uma pedra sobre a qual batem todos os
barcos nesta marca do rio; - com meia dúzia de arráteis de pólvora, dentro de
dous dias, podia desaparecer este obstáculo, porque agora apenas trás meio
palmo de água por cima.
Igualmente na
Figueira Velha não vejo andar obra alguma quando também em poucos dias e
diminuta despesa, este ponto poderia melhorar-se.
Canedo em que em
outros tempo tão grossas somas se gastaram – ainda nesta marca do rio restam
uma pequena obra a fazer-se, que dentro de 8 dias em se podia efectuar e com
mui pouca despesa e que será quase impossível logo que venham as águas.
Na Ripança andam
obras para facilitar a descida dos barcos carregados quando a marca de trinta
anda a descobrir e juntamente para a subida dos barcos. Esta obra não deixará
de ser útil até onde ela chegar.
No Piar sentimos
verdadeiro gosto por ver que finalmente se tinha tapado um dos canais neste
ponto com uns poucos de sacos cheios de areia, de sorte que com a maior
facilidade se podiam limpar as pedras soltas e entulho de calhau que ai se
achavam depositados. Este ponto é um dos mais interessantes em todo o Douro, 1º
por ser a chave das montanhas do distrito vinhateiro, e 2º por ser o único
sítio em todo o rio onde se tentou fazer uma ponte de pedra. É evidente que
esta ponte nunca se concluiu, ainda que, na margem esquerda existe a maior
parte de uma coluna de pedra de cantaria, não há indício algum até de ter
havido princípio da estrada. No Calhau da margem direita, havia há anos uma das
colunas mui bem conservada e também se viam os alicerces das outras duas, porém
agora estes estão cobertos de areia e a torre está quase desfeita.
Sou de VV.
J.J. Forrester
Observações:
- Vila de Barqueiros
é após Santa Marinha do Zêzere e Frende.
Vista obtida a partir da estação ferroviária de Barqueiros –
Fonte: Google maps
Marco Pombalino da Quinta de Piar, Barqueiros, Mesão Frio –
Ed. “mesaofrio.com.pt”
Na foto acima na Quinta de Piar um dos marcos classificados
como monumentos de interesse público em 1946, de demarcação da zona de Vinhos Generosos
do Douro.
Aquele marco foi colocado nos terrenos de Lourenço de
Azevedo, que solicitou a inclusão da sua quinta na demarcação em 1759.
Tendo sido anos mais tarde, usado com um outro na construção
de um armazém, foi posteriormente recuperado e em 1941, recolocado na vinha
abaixo da casa por iniciativa do então proprietário, o Eng. Luís Guedes de
Paiva.
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