Décima Primeira do
Barão de Forrester
Tendo os meus
finados e muito respeitados amigos os Srs. António Bernardo Ferreira, e José
Bernardo Ferreira sido os maiores empreendedores no país do Douro, hábeis
lavradores, proprietários ilustrados, e cavalheiros estimados por todos os que
tiveram a fortuna de possuir a sua amizade, julgo bem descrever as principais
propriedades outrora destes fidalgos, e agora pertencentes à Exmª Sr.ª Dª
Antónia Adelaide Ferreira.
Na margem direita
do rio Douro, a um quarto de légua ao norte da Régua, sobre uma colina e no
lugar de Travassos, está situada a casa e quinta do Sr. José Bernardo Ferreira,
sem dúvida a mais fértil, e mais rica de todas as propriedades que se encontram
nas duas margens deste rio, em todo o país, a que ele dá o seu nome.
O génio
empreendedor e franco de seu dono à custa de grossos cabedais, e de penoso
trabalho, fez que se tornasse um terreno, que era escabroso, pela maior parte
inculto, cheio de rochedos, e rodeado de precipícios, em vinhas, campos,
olivais, pomares, jardins, armazéns, lagares, e uma bela e apalaçada morada de
casas.
Vai um soberbo muro
circuitando a mesma quinta e casa, que tendo de altura 18 palmos, e pintado de
branco, numa situação elevada, é visto na distância de 5 léguas.
Desde Travassos até
Paredes se elevam nesta quinta um sem número de sucalcos, lançados em forma de
grandes degraus. estes sucalcos feitos em ordem a sustentar horizontalmente o
terreno que os separa, não são feitos de alvenaria como nas outras quintas: são
grandes e grossos paredões de pedra faceada, e de espaço a espaço com um largo
lanço de escadas, que os comunica.
Do alto desta
quinta se goza um golpe de vista, que sempre se apetece e se deseja: dali se vê
o pitoresco, o belo e o terrível; ali se apresenta tudo em perspectiva: lá se
vê o Marão elevando ás nuvens seus escabrosos penhascos cobertos de neves
sempre constantes... Vila Real, Cumieira, Santa Marta, Sanhoane, Lobrigos,
Peso, Régua, Jugueiros e todas as povoações, até ao Moledo, dali se
observam!...
De lá se vê o Douro
desde a Varosa até ao Carvalho. Canelas, Presegueda, Fonte do Peso, toda a
estrada desde o rio até Lamego, e todas as eminências até à serra de Santa
Helena, que fica 8 léguas de distância, dai se descobrem...
Há mais abaixo um
tanque que recebe 40 pipas de água, despejada por uma fonte que abrange o
volume de uma telha; esta água tem a sua origem de uma extensa mina, que se
abriu através dos rochedos, para se lhe encontrar o manancial. O seu aqueduto é
feito com asseio, segurança e grandeza; daqui até o pomar de espinho é vinha, granjeada
de tal modo que um arbusto não teria mais zelosa cultura; o que faz que toda a
vinha tenha uma aparência ajardinada.
O pomar de espinho
consiste em dois grandes tabuleiros, guarnecidos de altas paredes, vestidas de
limeiras, limoeiros, bergamotas, cidreiras, &c.; quatro ordens de frondosas
laranjeiras estão ao longo de cada tabuleiro: no primeiro há um grande tanque,
que recebe duas bicas de abundante água, do qual se despejam para regarem as
árvores.
Segue-se um jardim
plantado a buxo: nele se veem vários arbustos, flores em volta de uma taça com
seu repuxo. Para o nascente inclinado ao sul tem uma varanda de pedra de
cantaria em todo o comprimento do jardim, que tendo no centro um semi-círculo
saliente, guarnecido de bancos, é terminada nos dous extremos por duas
portarias. As quatro partes do mundo e as quatro estações representadas em
estátuas, ali existem levantadas em pilares ao longo da varanda.
Saindo do jardim,
vai-se entrar em uma longa carreira, com pavimento de cantaria, guarnecida de
uma asseada varanda de ferro que sustenta em grossos esteios de ferro, uma
elegante gradaria de madeira lavrada, formando uma ramada de diferentes e
escolhidas qualidades de uvas, e que se termina em uma casa de fresco feita
também de grade de ferro, e tudo pintado de verde. Esta carreira é sobranceira
a dois grandes quarteirões cada um dos quais é igualmente guarnecido de varanda
de ferro: o primeiro tem uma bem ordenada cascata; o segundo, um tanque com
duas bicas de água, e ambos estão plantados em horta ajardinada com as melhores
qualidades de hortaliça.
À direita há um
pomar de diversas qualidades de fruta de pevide e caroço. À esquerda fica a
principal entrada da casa e quinta, fechada por um portão de ferro: e do outro
lado da casa havia, há 7 anos, uma enorme pedreira; mas já não existe essa
rocha; já desfeita, sucumbiu à força da indústria, existem em seu lugar um
espaçoso terreiro, guarnecido de alto muro; essa enorme e grande pedreira
tornou-se numa bem desenhada escadaria em um jardim: ergue-se à direita dela
uma parede com portas que dão entrada para a vinha, e á esquerda é o corrimão
de grade de ferro; vai terminar esta escadaria em um jardim guarnecido de
gradaria de ferro, e que dá entrada para a casa pelo último andaime.
No fundo da quinta
está a casa, levanta-se em dois andaimes, cada um de 11 janelas de frente, e na
arquitectura é regular, porém no interior aparece o bom gosto e o asseio.
A capela está ao
lado esquerdo da casa, é bem construída, e bem ornada e nada lhe falta para a
decência do culto divino.
No primeiro andaime
da casa, pela parte de trás das salas de respeito, estão três lagares de
grandes dimensões em pedra de cantaria com os seus competentes pesos, fusos e
balanças, e por canais praticados através do pavimento corre o vinho para dez
toneis de trinta pipas cada um, arcados de ferro, e que estão no armazém, que
ocupa toda a extensão da casa, ao nível da rua. Em distância curta deste, há
outro armazém no sítio chamado a urtigueira dentro da quinta; dá-lhe entrada um
portão de ferro seguido por uma larga rua, onde estão 600 pipas de vinho
generoso, e de diferentes qualidades, e idades, divididas em lotes.
O rendimento actual
desta grande propriedade é de 150 pipas de vinho da melhor qualidade entrando
neste número de 48 a 50 pipas de vinho de uva bastardo; virá a ter 4 pipas de
azeite, produzindo todas as oliveiras que estão levantadas, para cima.
É todavia forçoso
advertir que todos os vinhos que produz esta quinta, são feitos com a maior
escolha e rigoroso escrúpulo no tempo da vindima: nos lagares são escolhidas as
uvas mais bem sazonadas para primeira qualidade, das menos se faz a segunda, e
das menos ainda a terceira &c. e assim se tornam sempre os vinhos de maior
crédito e de invariável existência; e por isso se torna a sua cultura e
colheita a mais dispendiosa.
Esta narração em
nada é exagerada, e a público não a rogo, mas sim com autoridade dos donos da
propriedade, como terei muito gosto em descrever muitas outras quintas
importantes em ambas as margens do Douro, no caso que seja a vontade dos seus
possuidores.
As quintas da
Boavista em Vila Maior do Valado e de Vargielas são, todas, quintas da família
Ferreira, e produzem de 120 até 150 pipas de vinho cada uma, boa fruta de
espinho, e algum azeite. São todas muito bem granjeadas: os lagares são cómodos
e excelentes, e o vinho é feito com todo o esmero, tendo sempre comprador
certo. - Mas a quinta das quintas - uma das maravilhas do mundo, outrora parte
de uma cordilheira de montanhas incultas, agora servindo de monumento do quanto
podem vencer a inteligência, perseverança, e o génio empreendedor do homem, é o
VESÚVIO, ou QUINTA DAS FIGUEIRINHAS.
Na nossa descrição
geológica do litoral do rio já falamos nesta grande propriedade. É situada
sobre a margem esquerda do rio, na freguesia de Numão, concelho de Freixo de
Numão, 2 1/2 léguas acima do ponto do Cachão. É quase inacessível por terra,
exceto a cavalo, pela falta de estradas; mas quem a visitar pelos caminhos
actuais, depois de terem andado umas poucas de horas em um deserto, entra no
que bem se pode chamar paraíso. Um portão grande dá entrada para esta quinta; e
magníficas e largas ruas conduzem por toda a extensão da propriedade, e com
especialidade até á margem do rio, onde há uma boa casa de residência,
excelente adega, e lagares espaçosos, armazéns, casas próprias para recolher os
trabalhadores; e como a quinta é muito longe de qualquer povoação ou
vila, há também lojas de peso, de carpinteiro, pedreiro &c. para o serviço
da quinta e para suprir a numerosa gente que forçosamente aqui se emprega por
todo o ano.
Esta belíssima
fazenda é cercada de um bom muro, e pode ser plantada para produzir acima de
700 pipas de excelente vinho maduro e encorpado, que também tem comprador
certo, apesar de, como já dissemos, ser no cais da Baleira onde acaba a
demarcação dos vinhos e embarque.
Também a quinta
pode produzir de 80 a 100 pipas de azeite, 70 a 80 arrobas de amêndoa, e algum
milho e centeio.
Enquanto que nos
achamos nestes sítios, com estas belas vinhas em nossa frente, e com íntimo
conhecimento da belíssima qualidade dos vinhos que produzem - qualidade que
poderá ser igualada, mas não excedida em parte alguma da demarcação legal -
gritaremos, como temos feito acerca das pedras no rio: Vergonha é que o
governo, que se chama progressista, continue a marchar no trilho do retrocesso,
e no obscurantismo dos tempos remotos. Em nome da razão, porque não há-de o
governo actual ter coragem, sem mais pequena demora e neste momento crítico em
que os habitantes do Douro se acham ameaçados com a ruina total das suas
vinhas, e o país com a perca da jóia mais brilhante da sua coroa, para decretar
que haja plena liberdade para cultivar a videira livremente em toda a parte,
para que o vinho possa ser embarcado sem mais alcavalas, provas, e peias, que
por um século tem arrasado o país, maneatado os lavradores, fazendo até
criminosa toda e qualquer inovação que se encaminhe a progresso?
Há 10 anos que pela
primeira vez levantei a minha débil voz neste mesmo sentido. O Commercio do Porto se lembrará
da oposição que me foi feita, e que só em campo era eu o único estrangeiro a
pregar esta doutrina - que aqueles, que tinham bem mais interesse que eu, para
que os monopólios cessassem, e as leis bárbaras se derrogassem -, tanto
contrariaram e impugnaram. Mas toda a sua oposição - toda a sua perversidade -
todas as suas asserções a meu respeito alegando que o que eu tinha avançado,
fora "vago, infundado, e falso" não me farão sair do meu campo: há 10
anos que tomei a minha posição, tenho podido sempre fazer frente á posição
daqueles que me cercavam, e esta posição estou eu resolvido a sustentá-la, até
que venha, ainda que tarde, a justiça e a liberdade que eu reclamo e que tenho
direito a reclamar entre os mais proprietários do Douro.
Pois, Sr. Redactor,
não se chamava a lei da imprensa a "lei das rolhas"? O governo mais
direito tinha a mandar fechar a imprensa, do que tem para dizer-me a mim, e a
milhares de outros - que só em certo terreno havemos de plantar couves, e em
outro, semear feijão; ou, o que vem mais para o caso, - que em certo sítio de
entre muros ou demarcações havemos de cultivar esta ou aquela qualidade de
Vinho, o bem para as tavernas, e o ruim para o embarque.
já tenho dito que
esta não é a primeira vez que tenho expendido estas ideias; mas quem tiver a
curiosidade de ver o que eu escrevi sobre - Free Trade - sobre o estado actual de Portugal, e também
sobre as belas esperanças que anunciei naquela época (Julho de 1853), podem
referir-se a páginas nº 135 até 437 do meu "Ensaio premiado sobre Portugal"
- esperanças que, como já disse, têm sido até agora malogradas.
Sou de VV.
J. J. Forrester
Quinta do Vesúvio –
Ed. “boacamaboamesa.expresso.sapo.pt”
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