Sexta Carta do
Barão de Forrester
Na nossa última
carta dissemos que no Piar não existia indício algum de ter havido princípio de
estrada em comunicação com a ponte que neste sítio se tentou fazer. Este facto
é mais notável quando se vê no Elucidário de Viterbo que:
“El-Rei D. Dinis no
ano de 1301 fez romper novas estradas por cima da sua Ponte do Douro em direitura a
Canaveses”
Naquela época
podia-se servir da palavra estrada, falando de qualquer caminho insignificante;
porém, pelo que vimos nas nossas digressões de Penafiel até Mesão Frio por
Canaveses e Marco, em alguns sítios é mesmo dificultoso passar um homem a
cavalo.
O Piar não é
somente notável por ser um sítio de muita passagem no XIII século, mas por ser
o sítio onde acabam os granitos e principiam os xistos, e o país vinhateiro do
Alto Douro.
O Douro faz
bastantes voltas entre o Piar e a Régua – as suas margens são muito elevadas e
cobertas de vinhas, entre as quais se notam alguns pomares e grande número de
sabugueiros.
O rio leva mui
pouca água – não se vêm pedras algumas, ainda que enormes bancos de areia estão
depositados sobre grandes açudes de pedra de lousa.
Na margem direita
notam-se os povos de Barqueiros, Mesão Frio, Cedadelhe, Oliveira, Fontelas,
Caldas de Moledo, Salgueiral, Jugueiros, Régua e Peso.
Na margem esquerda
temos Portagens, Vilar, Barô, Valonguinho, Moledo, Penajóia, Corvaceira,
Samodães, Cambres e Portelo meia légua distante de Lamego.
Barqueiros é a primeira terra dos arrais e marinheiros – é abundante em vinhos e
frutas mas a povoação é miserável e os habitantes pobríssimos.
Mesão Frio é
uma vila bastante grande, situada no cume da montanha, tendo excelentes casas e
a sua rua principal a mais bem calçada possível, formando parte da nova e
excelente estrada real de Amarante à Régua. Sendo esta vila a principal entre
Canaveses, Amarante e Lamego, já em 1097 o Conde D. Henrique e a piíssima
rainha Dª. Teresa compraram nas suas vizinhanças umas casas para albergaria dos
pobres, enfermos e peregrinos, e vê-se no citado Elucidário que a mesma rainha
Dª. Teresa: “coutara a Gonçalo de Eriz a Quinta de Oseloa, e que de mão comum
estabeleceram uma Albergaria em Meigomfrio,
junto da mesma quinta, de cujos rendimentos se satisfariam os encarregados da
dita albergaria,” – da mesma forma que “esta santa rainha estabeleceu a barca
de Por Deus, a albergaria
no lugar de Moledo, a de Amarante e Canaveses.”
A ideia vulgar por
todos estes sítios, é que foi a rainha Santa Mafalda a fundadora destes pios
estabelecimentos, porque lê-se nos documentos de Arouca, onde tanto a rainha D.
Mafalda e a sua santa neta Mafalda ainda se veneram, que estas albergarias já
eram velhas, quando a santa estava no princípio da vida.
O lugar das Caldas
defronte de Moledo deriva o seu nome das águas sulfúricas que ai nascem perto
do Douro e até no próprio leito do rio. Há mui poucos anos que apenas existiam
aqui umas casinhas muito ordinárias e poucas ou nehumas comodidades para os
enfermos que frequentavam as águas, porém agora há uma boa hospedaria, bons
quarteis para famílias, lojas de peso bem sortidas, e como a posição é bela, o
ar saudável, e a estrada magnifica, a afluência de gente irá cada vez em
progresso aumento.
Cedadelhe, Oliveira
e Fontelas, nada têm de extraordinário, sendo simplesmente povos pequenos
cercados de vinhas, porém vale bem a pena que o viajante suba até aos cumes das
serras de S. Silvestre e S. Gonçalo de Mourinho por ser da primeira onde ele
poderá gozar belíssimas vistas das margens graníticas do rio, e da segunda de
onde se pode descobrir todo o país vinhateiro de baixo Corgo.
De S. Silvestre
vê-se toda a natureza em toda a sua majestade: em quanto que de S. Gonçalo de
Mourinho, não há um palmo de terra que não fosse levantada três vezes por ano
pela enxada do cultivador.
Salgueiral e Jugueiros estão
situados num belíssimo vale onde em outro tempo não se cultivava senão trigo e
frutas por ser a terra muito pesada demais para vinhas, mas depois da lei de
1843 cobriu-se de videiras.
Régua, como as
Caldas, vai cada vez em aumento, especialmente na margem do rio onde se têm
construído muitos e belos armazéns para o depósito de vinho. A principal casa é
a da Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro – na qual se fazem as
reuniões das provas. Antigamente era muito curioso estar no Peso ou na Régua na
época da feira, quando os lavradores vinham vender e os negociantes comprar os
vinhos novos. Então como sempre acontece debaixo de monopólios, a companhia
tinha grandes privilégios e entre eles o de comprar todo o vinho que quisesse,
pelo preço da taxa por ela mesmo imposta – enquanto que o comércio em
competência uns com os outros, muitas vezes tinham de pagar o dobro destes
preços sendo o excesso da referida taxa chamado, maioria, pagável em dinheiro de metal sonante (com exclusão de
papel moeda) à factura do escrito.
Também as leis do
marquês do Pombal estavam em pleno rigor – não podendo haver introdução de
vinhos de fora da demarcação, nem tão pouco o sabugueiro podia existir no
distrito nem o seu fruto ser usado, debaixo de grandes penas. Neste último
ponto a companhia prestou muito serviço aos principais consumidores do vinho do
Douro, e como tinha o poder de apartar arbitrariamente os vinhos que quisesse
para embarque, limitava-se o comércio entre poucas mãos. Depois teve o subsídio
dos 150 contos e a produção aumentou espantosamente para melhor poder suprir a
compra das 20 mil pipas que ela era obrigada a fazer anualmente. Nestes últimos
anos, ainda que a companhia não fosse abolida, a lei do subsídio forçosamente
teria de o ser pela razão da escassez que ao princípio resultou de estações
desfavoráveis e agora ultimamente pelos efeitos da moléstia que tão
terrivelmente flagela todos os países vinhateiros.
A companhia deixou
pois de ter privilégios e autoridade, porém no seu lugar se estabeleceu uma
comissão com quase idênticos poderes da extinta Companhia para regulamento das
provas e separação dos vinhos, facilitando porém o uso da baga na sua
composição, em razão da continuada exigência de imensa cor, dos vinhos
intitulados de primeira qualidade para o embarque.
Como o meu fim, por
ora, é só descrever as margens do Douro, reservar-me-ei para uma próxima
ocasião para descrever o interessante país que se estende para o interior, e
que é tão rico por natureza, mas cuja produção não é permitido desenvolver-se
em razão das curtas e interessadas vistas das sucessivas administrações que
Portugal tem tido e parece continuará a ter.
Há muito boas casas
tanto na Régua como no Peso, e entre elas há fortunas colossais.
Todos os habitantes
têm mais ou menos vinhas, e as pessoas principais são comissários de várias
casas de comércio do Porto.
Graças ao digno
administrador do correio central do Porto, e do seu delegado no Peso da Régua,
há correio todos os dias entre o Porto, Vila Real, Lamego e Régua.
Na margem esquerda,
desde Vilar até Cambres apenas há o sítio de Barô digno de especial menção, em
razão do seu antigo convento situado no alto da montanha de onde se descobrem
vistas tão vastas como as de S. Silvestre e com a vantagem de ser num país
cultivado e abundantíssimo em vinho e frutas.
Acima da Régua, o
rio Corgo e defronte o rio Barosa, formam os limites do país vinhateiro
conhecido pelo distintivo de Baixo Corgo, cujos vinhos são mais palhetes que os
do distrito contíguo.
As margens do Corgo
não deixam de ser pitorescas, mas para vistas magnificas e sublimes, e que
talvez seria difícil encontrar iguais em parte alguma do mundo, é forçoso que
todo o viajante de bom gosto dê o seu passeio a cavalo pelos sítios da
Valdigem, Sande e Serra de Balsemão até á antiga cidade de Lamego, voltando
pela estrada real por Portelo, outra vez para o Douro.
Quanto ao estado
das vinhas entre Mesão Frio e Régua pode dizer-se que a moléstia tem estragado
as uvas todas, enquanto que apesar das asserções feitas por pessoas
interessadas, a moléstia não fez grandes estragos na zona de Penaguião e se não
fossem os grandes e continuados calores destes últimos dias que secaram muitas
uvas a novidade de 1854, apesar de escassíssima em alguns sítios, noutros teria
produzido dobrada quantidade do vinho da colheita do ano passado conforme
escrevi neste jornal na minha carta de Pinhão.
Na estrada da foz
do Barosa até à quinta de Vale de Lage, propriedade do nobre visconde de
Várzea, notei com muito interesse que em algumas vinhas deste fidalgo a
moléstia tinha feito grandes estragos, porem que no meio delas havia uma única
vinha em que as videiras não tinha sinal algum da moléstia, e as uvas eram
abundantes, bem criadas e perfeitas.
Tão extraordinária
era esta vista que por três vezes tentei copia-la fotograficamente, porém, em
razão do sol ardentíssimo todas as minhas tentativas foram malogradas.
Na Régua ainda se
registam todos os vinhos produzidos no distrito, concedendo guias para a sua
condução para baixo – guias que têm de ser conferidas e rubricadas no cais do
Bernardo, Perto do sítio do Piar.
Sou de VV.
J.J. Forrester
Observações:
- O rio Corgo tem
foz na margem direita do rio Douro.
- O rio Barosa agora
Varosa, tem foz na margem esquerda do Douro em frente ao Peso da Régua.
- Cambres é a seguir
a Samodães.
Caldas de Moledo –
Ed. Pedro A. Leitão
Miradouro de S.
Silvestre – Ed. Pedro A. Leitão
Casa da Companhia
das Vinhas do Alto Douro na Régua, agora um museu – Ed. Pedro A. Leitão
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