Décima Carta do
Barão de Forrester
O cachão da Baleira
é o sítio mais romântico e importante de todo o rio Douro.
Até 1791 um enorme
rochedo que aqui fazia cachão,
impossibilitava a navegação direita por toda a extensão do rio. Então, Tua era
um lugar importante por ser o cais onde se descarregavam os géneros que tinham
de ir por terra para cima do Cachão, ou se carregavam os que vinham da raia e
embarcavam para baixo.
O rio está
actualmente tão seco, que nas raízes deste, outrora formidável rochedo, se veem
a meio palmo abaixo de água os buracos das brocas, dos trabalhos do século
passado, quando a dez palmos mais acima e, outros tantos, mais abaixo, o poço
tem de 40 a 50 palmos de profundidade. No fragão à esquerda, por baixo de uma
coroa imperial, vê-se a inscrição seguinte:
"Imperando
Dona Maria I já se demoliu o famoso rochedo que fazendo aqui um cachão
inacessível, impossibilitava a navegação desde o princípio há séculos, durou a
obra desde mil setecentos e oitenta até mil setecentos e noventa e um"
Ainda há poucos
anos desapareceram uma espada e bandeira que aqui existiam. O insigne geólogo
português, Dr. J. Pinto Rebello, (que teve de se expatriar, por não achar meios
no seu país) descreve este sítio do Douro nos seguintes termos:
"É
precisamente neste ponto, onde outrora existiu a catarata que se opunha à
navegação superior do rio, que termina o país vinhateiro propriamente dito. - É
pois a quinta da Valeira, que ultima a demarcação da Companhia Geral, encostada
ao grande penhasco de granito por onde o Douro se precipita numa longa e
estreita fenda."
O canal do cachão
propriamente chamado, tem de comprimento 400 braças, contando do ribeiro de
Campeires até ao cais da Baleira. As margens são rocha viva, que não tem menos
de 1500 palmos de altura. Abundam aqui pombos bravos e as corujas fazem entoar
o seu grito melancólico por todo o sítio.
Na margem esquerda sobre
o ponto mais elevado do penhasco citado, existe a Ermida de S. Salvador do
Mundo e Senhora da Penha com todas as suas capelas e passos do Senhor, que não
podem ser comparados em importância e extensão com o Bom Jesus de Braga;
contudo belíssima que é a vista do senhor do Monte não iguala em majestade e aspecto
sublime, a perspectiva que de S. Salvador se descobre. Que sítio este para o
artista, para o homem de gosto, admirador da natureza inculta, para o
geologista, arqueólogo ou naturalista! Daqui do lado do nascente os castelos de
Numão e Anciães, situados em elevados terrenos de granito, conquistam um e
outro a uma légua de distância objectos que tornaremos a referir quando
concluirmos a nossa viagem pelo rio. Nota-se mui distintamente logo meia légua
adiante que acabam os granitos e principiam os xistos e com eles a célebre
Quinta do Vesúvio do qual nos ocuparemos quando aqui chegarmos. Pelo lado do
norte descobre-se uma grande extensão de terreno montanhoso coroado pelo
notável alto da Senhora da Cunha, pelo sul os vales de S. Xisto e Caçarelhes,
cobertos de ricos olivais, e na encostada do mesmo monte de S. Salvador veem-se
sítios que serviam de túmulos aos Romanos e mais acima entre as vinhas de
terreno de lousa e granito encontram-se provas irrefragáveis de ter aqui havido
em outras eras erupções vulcânicas: finalmente, voltando-se o expectador para o
poente, logo se admira vendo correr o Douro no primeiro plano entre vinhas, no
segundo entre granitos e no terceiro outra vez nos xistos.
Não sendo esta a
primeira nem mesmo a vigésima primeira vez que tenho visitado estes sítios não
me esqueci que uma pinga do meu bom vinho do Duque do Porto, do Marquês do
Pombal, ou antes de D. Maria I (por ela ser a senhora do Cachão) misturado com
a deliciosa água da bela fonte que nasce na casinha da - Ermida - acompanhada
com um petisco tendo
para sobremesa as belas vistas naturais, havia de saber bem; aqui descansei num
gozo perfeito, esquecendo-me de amigos e inimigos, dos filhos, parentes,
negócios e cuidados; entregue ao novo mundo criado na minha imaginação, à admiração
da natureza e dela ao Creador de tudo.
Ah! que satisfação
não teria metade dos habitantes deste país se pudessem também gozar destas
delícias; porém não há estradas, ainda que em S. João da Pesqueira que dista um
quarto de légua, se veem palácios e edifícios magníficos não há comodidades
para os viajantes.
Eu digo isto por experiência: passei as últimas duas pontes em uma intitulada
estalagem na qual não tivemos luxo, a não ser que a abundância de percevejos à
noute e o importe da nossa conta pela manhã, possam assim ser considerados.
Quando pedi contas, a resposta do estalajadeiro foi muito galante - fumando o
seu cigarro e dando uma cuspidela formidável para o meio do chão, disse-me que
quanto a contas não se lembrava para as dar por miúdo, porém o que tinha a
receber que eram dous osberunos.
Perguntei-lhe de
que terra ele era - respondeu-me: "Sou de Vila Nova de Foz Côa - A vossa
senhoria parece- lhe que a conta é grande? Eu também tenho andado pelo país e
não me parece muito o que tenho levado!"
Há anos,
encontramos no monte de S. Salvador, vestígios de um acampamento e vários
tijolos romanos - bem como algumas moedas - pedras de moer pão, ou de pisar
terras metálica - porém, Sr. redactor, vamos continuando com as pedras do rio,
deixando o monte de S. Salvador para quando tivermos mais vagar.
A descida desta
posição elevada até ao cais da Baleira levou-nos um bom quarto de hora. Quando
entramos na barquinha tivemos ocasião de gozar as escabrosas margens do poço da
Caçarelhos até à Ripança e daí até S. Xisto onde intervêm os xistos e continuam
até Arnozelo - aqui tornam a atravessar os granitos pela distância de um quarto
de légua - ou até à quinta do Vesúvio, ou das Figueiras, em cujo cais paramos.
Sou de VV.
J. J. Forrester
Observações:
- A Quinta do
Vesúvio situa-se na margem esquerda do rio Douro. perto de Murça, Mós e Santo
Amaro, antes de V.N. de Foz Côa.
- O Alto da Senhora
da Cunha é próximo de Alijó.
- S. Xisto fica
muito perto de Vale de Figueira e já depois de S. João da Pesqueira.
- Arnozelo fica
entre S. Xisto e a Quinta do Vesúvio.
Cachão da Valeira
Cachão da Valeira
actualmente
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