Terceira Carta do Barão de Forrester - 20 de Setembro
A digressão de hoje foi de três léguas desde Fontelas até Porto
Manso.
O vento foi
favorável de tarde, e poderíamos ter feito maior jornada se não nos tivessem
extasiado as belíssimas vistas por toda a extensão do rio, as quais se fossem
conhecidas pelos artistas dos países do norte, chamariam metade do mundo
viajante para admirar estas belezas, infelizmente ignoradas no seu próprio
país. É verdade que são em muitos sítios os enormes rochedos que apresentam os
primeiros planos aos quadros que desejáramos ver pintados; e como o governo de
S.M.F. decretou que daqui em diante uma certa soma será aplicada para demolir
estes obstáculos para a livre navegação do Douro, - se os viajantes se não
apressarem a cá vir por estes primeiros meses, poderá ser que, pelo ano que vem
[1855], a marcha da civilização destrua os principais objectos de gosto
artístico que a mim, que os tenho admirado mais do que outros quaisquer que
tenho visto, ainda me chamam como em peregrinação três vezes por ano.
Na marca actual do
rio, que é talvez a mais baixa de que os práticos se lembram, até Porto Manso
não há pontos nem galeiras ainda que nos pontos da Retorta, do Colo, Tojal e
Escarnida não deixam de fazer sua corrente que bastante embaraço causa à
navegação quando não há vento, de meia
vela a favor, porque em caso contrário seria indispensável empregar
gente ou bois para alar os
barcos nestes pontos. No ponto da Retorta, logo acima do Convento
d’Alpendorada, havia um rochedo enorme que por mais de vinte anos era muito
nosso conhecido, e tão alto era ele que os boieiros para cambarem o cabo por cima, precisavam de uma
escada de 14 degraus: chamava-se o Penedo do Corvo.
Ultimamente, no ano
passado foi em parte demolido; porém em 1853 o Verão foi sempre chuvoso e
conservou-se muita água no rio – agora em 1854 o litoral está à vista – Que
bela ocasião para os engenheiros do Governo completarem a sua obra, desfazendo
mais uns cinco palmos que ainda tem o calhau, para assim facilitar a passagem
dos barcos com setenta pipas com a marca do Pinhão, sem serem obrigados a
desviarem-se dos restos do penedo tomando outro rumo, pelo qual correm o risco
de quebrarem-se na pedra da Retorta!
Nos pontos de
Valvela e Couces de Vimeiro, observei umas pedras quebradas por cima, com a
evidente tenção de formar em cada um dos sítios um canal para passarem os
barcos em certa marca do rio, que é das águas do Tua; porém, ficando estas
obras como estão, receio que a navegação não tire muita vantagem delas.
Os povos, que hoje
passamos, foram, na margem direita:
Vimeiro terra
dos arrais de matriz e trasfegueiros – tem muito boas casinhas – reina grande
actividade no cais – toda a gente parece ter que fazer e vivem muito bem. Este
povo forma um grande contraste com todos os mais que temos visto do Porto para
cá. Antigamente a Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro tinha aqui
o seu comissário e grandes armazéns; e nenhum arrais passava daquele sítio para
baixo sem receber as suas ordens.
Lavadouro também
é terra dos arrais, mas é um povo mui pequeno.
Pala igualmente
é terra de arrais e lavradores – todos abastados, que vivem tão bem como os do
Vimeiro.
Porto Manso é um povo de bastante importância e onde se encontram os arrais mais
relacionados com o grande comércio de vinhos do Porto.
Há ali boas casas,
boa e rica gente, e o sítio é delicioso e mui produtivo.
Na margem esquerda
apenas há os pequenos povos de Souto
do Rio e Porto Antigo,
sítios mui pitorescos, e onde se carrega a maior parte das madeiras de castanho
que vão para a cidade do Porto. Pode-se calcular, sem exageração, em 20 mil os
paus, pés e pontas de castanheiros, que são carregados neste cais todos os
anos.
Sou de VV. & c.
J. J. Forrester
Observações:
- Porto Manso fica em frente à foz do rio Bestança, já depois da Pala.
- Souto do Rio fica praticamente na foz do rio Bestança.
Porto Manso – Ed. Pedro A. Leitão
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