segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

(Continuação 9)



rio da Vila é um ribeiro da cidade do Porto  que desagua no rio Douro que com o desenvolvimento urbano acabou por ser totalmente encanado.
O rio da Vila formava-se com as águas de dois mananciais em frente à igreja dos Congregados e corria a desaguar no rio Douro.
Um, nascia na zona da actual Praça do Marquês do Pombal, precisamente, na Rua de S. Brás, nas traseiras do cemitério da Lapa, atravessava a Rua de Camões e descia pela Quinta do Laranjal (a Avenida dos Aliados dos nossos dias), passava pelo antigo Campo das Hortas (actual Praça da Liberdade), alimentando hortas e lavadouros.
Da Rua dos Clérigos e da Rua do Almada, umas pequenas linhas de água se lhe juntavam.
O outro, tinha a sua origem nas elevações da Fontinha, e que ao passar no lugar de Fradelos lhe chamavam Ribeiro de Fradelos, seguia descendo pelo actual Mercado do Bolhão (onde se lhe juntavam as águas de mais um pequeno ribeiro), continuando pelo que é, hoje, a Rua Sá da Bandeira (mais, propriamente, pela Rua do Ateneu Comercial) e, pelas traseiras do Teatro Sá da Bandeira, atingia a Rua de 31 de Janeiro.
Os dois ribeiros juntavam-se no local da Praça de Almeida Garrett em frente à Estação de S. Bento, formando o rio da Vila, no qual a cidade foi depositando todas as imundices ao longo dos séculos, transformando-o progressivamente, num verdadeiro esgoto a céu aberto e num foco infeccioso.




Praça Almeida Garrett e, em fundo, a Avenida da Ponte, em 1950


Trajecto do Rio da Vila

Legenda:

1. Igreja dos Congregados
2. Avenida dos Aliados
3. Igreja da Trindade
4. Mercado do Bolhão
5. S. Brás
6. Fontinha
9. Regato (azul) que vem da Rua do Bolhão
Trajecto entre 7 e 8 (amarelo) – Desvio feito em 2017 para desviar o ribeiro da área do Bolhão, passando a correr encanado no leito subterrâneo da Rua de Sá da Bandeira.



A planta acima mostra os dois ribeiros, que junto da Porta de Carros se unem, formando o antigamente chamado Rio da Cividade e, a partir de 1354, Rio da Vila.
O primeiro, nascido no Monte de S. Brás, passa sob a Rua de Camões, (servia os lavadouros da Trindade), passa por baixo da igreja da Trindade, da Câmara e da Avenida dos Aliados, (então Laranjal), pelo lado Nascente da Praça da Liberdade e une-se ao segundo em frente à Igreja dos Congregados.




Praça da Liberdade mostrando restos dos encanamentos, há muito escondidos, por onde circulavam as águas vindas do Monte S. Brás, postos a descoberto aquando dos trabalhos da construção da nova estação S. Bento/Liberdade, da futura Linha Rosa – Cortesia de Manuel Aleixo



O segundo nasce na Fontinha, passa em Fradelos, Bolhão e desliza sob a actual Rua do Ateneu Comercial.
 
 
“ O curso do rio da Vila seguia ziguezagueando pelas trazeiras das casas da Rua das Flores, torcendo um pouco abaixo da Ponte Nova para o lado da extinta Rua da Biquinha, a meio da qual, em pronunciada curvatura, flectia para a Rua de S. João e em linha recta dirigia-se ao Rio Douro.”
Fonte: revista “O Tripeiro” da VIª série, Ano VIº, Nº 8, Setembro de 1966
 
 
No seu percurso, o rio da Vila corria, então, onde hoje se encontram as ruas de Mouzinho da Silveira e de S. João, desaguando no Douro, junto da Praça da Ribeira.

 
 

Percurso do Rio da Vila (a azul) entre a Rua de S. João e a Rua das Fores, quando a Rua Mouzinho da Silveira ainda não existia
 
 
 
Legenda:
 
4. Beco do Cadavai
XV. Largo de S. Roque
2. Rua da Biquinha
3. Rua das Congostas
1. Actual Viela do Anjo




O rio da Vila aparece já indicado no documento de doação de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, do burgo portucalense ao Bispo D. Hugo. É designado como Canallem maiorum, por contraponto ao "canal menor", que seria o Rio Frio, mais para poente. Foi, também, conhecido por rio da Cividade, por passar perto do Morro da Cividade e rio de Carros por passar junto à porta da muralha com o mesmo nome.


“Em 1336, D. Afonso IV, filho de D. Dinis, deu início à construção da chamada muralha gótica que, por ter terminado durante o reinado de D. Fernando, ficou conhecida por muralha fernandina.
A obra arrastou-se por um longo período de trinta e oito anos. Deve ter sido durante o tempo que duraram os trabalhos da construção do muro novo que se realizou o encanamento dos ribeiros que se juntavam no largo fronteiro ao antigo mosteiro das monjas beneditinas de S. Bento da Ave-Maria.
Sabe-se, com efeito, que em 1409, no tempo de D. João I, as águas dos dois ribeiros já corriam encanadas. Refere-o o historiador Horácio Marçal num trabalho sobre o rio da Vila.
Quando afirma que uma das designações que o rio da Vila teve foi, também, a de "rio de Carros", por atravessar o sítio em que na muralha da cidade se abrira esta porta, o referido autor informa que tomou aquela designação "por correr no subsolo da dita porta…". Assim deve ter sido porque não era possível, não é pelo menos imaginável, que se construísse uma obra da envergadura da muralha fernandina com dois ribeiros correndo a céu aberto junto dos alicerces e perto de uma das mais importantes portas de entrada e saída do burgo.
Em 1927, na Praça da Liberdade, na parte mais próxima da Praça de Almeida Garrett, realizaram-se importantes obras destinadas à instalação de um enorme colector. Esses trabalhos puseram a descoberto inúmeras galerias subterrâneas, algumas por onde passariam os tais ribeiros, que durante algum tempo ficaram a céu aberto expostas à curiosidade pública. Sobre essas galerias teceram-se as mais imaginosas considerações atribuindo-lhes, segundo uma curiosa crónica do tempo, "funções clandestinas de intercomunicações para os numerosos conventos de frades e de freiras que por ali existiam…". Como é imaginosa a fantasia popular…
O rio da Vila aparece indicado no documento de doação de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, do burgo portucalense ao bispo D. Hugo. É o célebre "Canallem Maiorum", o que, desde logo, deixa pressupor a existência de um canal menor. Seria este o rio Frio, que nascia em terras do Couto de Cedofeita, nas proximidades da actual Rua da Torrinha, passava pelo sítio onde hoje está o Hospital de Santo António, abastecia a Fonte das Virtudes, corria ao longo do areal da praia de Miragaia e desaguava no Douro no local onde se construiu o edifício da Alfândega nova. Voltemos, porém, ao rio da Vila. Esta não foi a única designação que teve, conforme já foi referido na peça ao lado. Primitivamente era conhecido pelo rio da Cividade, por passar perto deste sítio emblemático do velho burgo. Em 1409 era o rio de Carros por correr no subsolo desta porta aberta na muralha fernandina e que ficava em frente à igreja dos Congregados. Mas com a designação de rio da Vila é que passou à história. Em 1763 a parte deste rio próxima da Ribeira foi coberta com a construção da Rua de S. João. E em 1875 com a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira foi encanado na parte que ainda estava a descoberto.”
Com a devida vénia a Germano Silva




Rio da Vila devidamente encanado - Ed. Miguel Nogueira (Porto Digital)



A partir de 1763, o trajecto do rio da Vila, próximo da Ribeira, começou a ser encanado, com a construção da Rua de S. João e ficaria, a partir daquela data, a correr à superfície, apenas, desde do começo do cimo da actual Rua Mouzinho da Silveira até ao início da Rua de S. João.


“Na Rua de S. João havia azenhas onde se moía o cereal com que se fa­zia o pão que a cidade comia. E isto ainda no século XVIII. Com efeito, há um documen­to datado de 26 de julho de 1765, guardado no arquivo municipal, em que se dá conta de que naquela data "o cidadão do Porto Vi­cente José de Sousa Magalhães e mulher" venderam à Câmara, "pelo preço de 1128$800 réis uma azenhas e casas com seus quintais" para se abrir a Rua de S. João desde São Crispim até à Rua dos Ingleses. Esta última artéria é, na atualidade, a Rua do Infan­te D. Henrique.
A Rua da Ponte Nova evoca a existência de uma ponte sobre o rio da Vila que ligava a Rua das Flores à Rua da Bainharia. Debai­xo do arco de pedra desta ponte existia uma arca, também de pedra, "muito bem traba­lhada" onde se retinha a água de uma fon­te muito antiga que estava situada na mar­gem direita do rio da Vila. À água dessa fon­te, que brotava de uma bica de ferro, o povo atribuía virtudes raras como, por exemplo, a de curar "certas moléstias dos olhos", des­de que estes fossem lavados nesta fonte an­tes do nascer do sol. A bica desta fonte deu origem ao nome de uma rua entretanto de­saparecida: a Rua da Biquinha
O hospital e a capela de São Crispim ficavam, naquele tempo, no início da Rua da Biquinha. Com as obras da abertu­ra da Rua de Mouzinho da Silveira, a cape­la foi reconstruída ao cimo da antiga Rua de São Jerónimo, hoje de Santos Pousada.
Uma outra ponte muito bonita, que atra­vessava o rio da Vila, existia, mesmo em frente à rampa que da Rua de Mouzinho da Silvei­ra ainda hoje sobe para o largo de São Do­mingos, onde, já em 1497, havia "boas es­talagens para peregrinos e viandantes", lê-se num documento do desaparecido hos­pital de Santa Clara. A ponte ficava mesmo ao cimo da Rua de S. João. Era toda de pe­dra e muito bem trabalhada”.
Com a devida vénia a Germano Silva



Em 1875, com a abertura da Rua Mouzinho da Silveira, o Rio da Vila foi encanado na parte que ainda estava a descoberto. Obras posteriores, como a construção da Avenida dos Aliados, na segunda década do século XX, foram condenando ao subsolo também os mananciais do rio da Vila.




Foz do Rio da Vila na Ribeira




É evidente que, durante muito tempo, as águas daqueles referidos ribeiros (com origem em S. Brás e na Fontinha) correram a céu aberto, sendo aproveitadas para rega de hortas e abastecimento de lavadouros.
Uma dessas hortas, segundo refere Alberto Pimentel na sua obra "A Praça Nova", era uma horta que já vinha do tempo do conde D. Henrique e que, em determinada ocasião, pertenceu a uma alta figura do clero com o nome de Hilário e, por isso, veio a ser conhecida como a Horta do Hilário.
O mesmo autor alude, ainda, à existência no século XVII de um lavadouro chamado da Maria Manuela, que também era abastecido pelo caudal do ribeiro que vinha das bandas do Marquês.
A 7 de Janeiro de 2023, em virtude de obras de ampliação das linhas de Metro do Porto (que teria interrompido, temporariamente, algumas linhas de escoamento de águas) e de um aumento da pluviosidade na cidade, não tendo sido previstos os aumentos dos caudais dos dois ribeiros que formam o rio da Vila, este transbordou.
Foram grandes os prejuízos para todos que foram afectados pelo incidente, mas também um momento interessante para os portuenses tomarem conhecimento da existência do rio da Vila que, para muitos, sempre esteve escondido.
As obras para instalação das novas linhas do Metro implicarão que o antigo trajecto do rio da Vila seja substituído num troço de cerca de 500 metros.

 
 


Construção das galerias para o novo percurso do rio da Vila – Fonte: JN


 
 
Rio da Vila e a origem da sua onomástica
 
Mas, rio da Vila…de que Vila?
Este assunto foi suficientemente esclarecido por Horácio Marçal, na revista “O Tripeiro” da VIª série, Ano VIº, Nº 8, Setembro de 1966, quando argumenta:

 




Sobre os dois extratos de textos, supra, Horácio Marçal conclui que no foral, em 1123, o burgo era identificado como Vila e, no texto de 1339, embora continuasse a ser identificado como Vila, também já era feita referência à Cidade.
Uma das hipóteses colocadas pelo historiador, era que a referência a Vila se mantinha, passados duzentos anos, por tradição, ou o conceito de Vila se referiria, apenas, à Cerca do Castelo, nas circundâncias (intramuros) da Catedral, ao morro da Cividade.
Por estar mais inclinado para esta última hipótese, concluía que a origem onomástica do rio da Vila reportava ao seu trajecto que tornejava pelo norte e poente a primitiva cerca do burgo portuense.

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