Bernardo de Clamouse Browne foi um importante negociante e
industrial e cônsul dos E.U.A. O seu irmão, Manuel de Clamouse Browne, foi
reputado comerciante no ramo dos vinhos e virá a ser sócio fundador da
Associação Comercial do Porto. Estes dois irmãos eram bisnetos de Bernardo de
Clamouse, que se dedicou ao comércio por grosso, com seu negócio centrado nas
mercadorias vindas de França, e que assumiu o cargo de cônsul da França em
1720, com cerca de 25 anos.
Aquele Bernardo Clamouse Browne, na transição do século
XVIII para o século XIX tinha a funcionar na “zona de Vilar” uma fábrica de
fiação, que utilizava a melhor tecnologia existente à época. A localização precisa
não é consensual entre os historiadores, mas pode mesmo ser aquela que albergou
sucessivamente, A Fábrica Têxtil de Bernardo Clamouse Brown, a Fábrica de
Curtumes de Bernardo Clamouse Brown e, mais recentemente, a Fábrica de Curtumes
do Bessa. É esta a teoria que mais abaixo desenvolve Manuel Lopes Cordeiro, um
exímio estudioso destas matérias. Aliás, essa localização poderá ser
considerada situada praticamente na referida por alguns como a “zona de Vilar”.
Devido a um incêndio, às invasões francesas e aos acordos de
comércio com a Inglaterra, que para promover os nossos vinhos, tiveram como
contrapartida uma entrada maciça dos têxteis provenientes do outro lado da
Mancha, a fábrica têxtil de Bernardo Clamouse Brown, durante a 2ª década do
século XIX foi obrigada a encerrar, tendo os seus proprietários passando a
dedicar-se a outro negócio - os curtumes.
Segundo alguns estudiosos, esta actividade começaria a ser
desenvolvida no local em que, até há poucos anos, funcionou a Fábrica de
Curtumes do Bessa, à Rua António Bessa Leite, e de que hoje, apenas resta, uma
alta chaminé.
“Foi recentemente
demolida - com excepção da chaminé, que ainda subsiste, mas que provavelmente
irá conhecer o mesmo destino - a Fábrica de Curtumes do Bessa, uma das mais
antigas unidades industriais portuenses, situada na Rua de Bessa Leite, em
Lordelo do Ouro. Como já por diversas ocasiões referimos nesta rubrica, parece
ser este o irremediável destino que aguarda o património industrial da cidade.
Como também já salientámos, não é possível - nem desejável - salvaguardar todos
os testemunhos do nosso passado histórico, apenas se justificando proceder
desse modo em relação àqueles que apresentam um efectivo valor histórico e
patrimonial, à luz dos critérios universalmente reconhecidos para esse efeito.
O que se impõe, nestes casos, é a aplicação das mais elementares normas de
arqueologia preventiva e de salvamento, ou seja, a conservação pelo registo, e,
tanto no caso do património industrial como no de outras épocas, todas as
demolições deveriam ser acompanhadas por arqueólogos, a fim de se efectuarem os
registos necessários para que esta herança possa vir a ser explorada do ponto
de vista científico. É algo que se afigura extremamente simples, pois não
constitui nenhum obstáculo intransponível englobar este tipo de trabalhos
arqueológicos como parte integrante das obras de demolição, sem a garantia da
realização dos quais não seria concedida a necessária autorização. Recordamos,
uma vez mais, o caso da primitiva instalação hidráulica da Fábrica de
Lanifícios de Lordelo (na Rua de Serralves) - da qual subsiste uma turbina que
se encontra soterrada -, que irá ser possivelmente destruída aquando do
revolvimento de terras que acompanhará a prevista demolição das suas
instalações, e que se reveste de grande importância para o conhecimento do
sistema energético daquela histórica unidade industrial portuense e da própria
produção daquele tipo de equipamentos. A manter-se este ritmo de destruição não
selectiva e "não organizada", num futuro próximo não restará um só
edifício industrial dos passados séculos XIX ou XX que possa constituir um
testemunho de como, na cidade do Porto, se desenrolou uma das maiores
transformações experimentadas pela humanidade, como foi o período da
industrialização, e nem sequer se poderão extrair os conhecimentos que essas
demolições proporcionariam, se fossem devidamente acompanhadas. A demolição da
Fábrica de Curtumes do Bessa constituía, precisamente, uma das cada vez mais
raras oportunidades existentes na cidade do Porto para pôr em prática os
princípios metodológicos a que acima aludimos. O acompanhamento arqueológico
dos trabalhos de demolição desta unidade fabril poderia proporcionar um maior
conhecimento daquela que foi a primeira unidade industrial moderna do sector de
fiação de algodão fundada no Noroeste do país - a Fábrica de Fiação de Bernardo
de Clamouse Browne -, que ali terá sido instalada nos finais do século XVIII, e
da qual se conhece muito pouco, existindo, inclusivamente, dados contraditórios
sobre a sua localização. De facto, são escassos os elementos precisos sobre a
história daquela fábrica que chegaram até aos nossos dias. Sabe-se que
pertencia a Bernardo de Clamouse Browne, então cônsul de França nesta cidade.
Em 1799, de acordo com T. Lecussan Verdier, já fiava algodão com
"jennies", e, segundo a informação do corregedor da Comarca do Porto,
de 28 de Maio de 1813, publicada no Mapa Geral Estatístico de Acúrsio das
Neves, naquela data encontrava-se em decadência. A principal razão desse estado
de decadência é muito claramente explicada pelo próprio Bernardo de Clamouse
Browne, na resposta ao Inquérito Industrial da Comarca do Porto, de 30 de
Outubro de 1813, ao afirmar "que, em consequência do último Tratado de
Comércio entre este Reino e o de Inglaterra [Tratado de 1810], que permitiu a
introdução de todas as fazendas inglesas, como se tem verificado, cessou de
todo a laboração da nossa fábrica enquanto à fiação, tecidos e estamparia,
resultando-nos um gravíssimo prejuízo, como é a perda de todos os preparos e
edifícios, utensílios e máquinas que tanto dinheiro custaram". Encerrada a
actividade têxtil, Clamouse Browne e o seu sócio Rodrigo António Leite de
Morais ver-se-ão obrigados a mudar de ramo, no caso para o da indústria de
curtumes. Segundo as suas próprias palavras: "Em consequência da
aniquilação das referidas laborações é que temos erigido a nossa fábrica de
curtume no mesmo sítio, a fim de aproveitar o local e ocupar parte dos
edifícios e oficinas". Deste modo, seria extremamente importante
acompanhar o processo de demolição das instalações da Fábrica de Curtumes do Bessa,
sucessora daquela que ali foi instalada por volta de 1813, a qual, aliás,
contava com uma outra unidade, entretanto demolida para dar lugar a uma
urbanização, e onde também poderia ter laborado a fábrica de fiação. Tal
acompanhamento poderia proporcionar a descoberta dos vestígios da anterior
unidade de fiação têxtil, identificar o seu espaço de laboração e,
eventualmente, recuperar alguns materiais de enorme interesse para um seu maior
conhecimento. Resta-nos lamentar, para além da destruição do património, a
perda de mais uma oportunidade única para salvaguardar a memória industrial
portuense”.
Com o devido crédito a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal
Público de 21 de Janeiro de 2001
Da Fábrica de Curtumes do Bessa, na Rua António Bessa Leite,
resta a chaminé – Fonte: Google maps
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