terça-feira, 20 de dezembro de 2016

(Continuação 1) - Actualização em 07/11/2020


A Ribeira da Granja é o maior curso de água que atravessa a cidade do Porto. Tem 6,5 km de extensão dos quais 80% estão encanados. A sua bacia hidrográfica ocupa 26% da superfície da cidade. Uma das suas nascentes, mais a Norte, situa-se nos montados do Padrão da Légua e o regato que origina atravessa a estrada da Circunvalação junto à confluência com a Avenida das Congostas, e um outro regato nasce na Arca d’Água. Juntam-se em Ramalde do Meio no local antigamente chamado Lugar do Moinho. Muitos outros pequenos regatos desaguam nela durante o seu percurso. Referida nas memórias paroquiais de Ramalde na divisão administrativa do Porto, no ano de 1758, a Ribeira da Granja é assim citada: 

“Tem hum regato que comesa nos montados do Padram da légoa, freguesia de Sam Tiago de Costóyas, ele não tem nome particular, recebe aquelle que têm as terras por onde passa. Nasce com muita pouca ágoa, e pello S. João athe às entradas de Agosto seca. Nele entra outro regato, aonde lhe chamão de Codiçins, e nasce no lugar do Seixo. Aonde chamão lugar do Moinho, em Ramalde do Meyo, entra outro regato que vem de Arca d’Ágoa, freguesia de Paranhos, e passa pelo lugar da Prelada, desta mesma freguesia. Corre de Norte para Sul. Tem como já se diçe o nome dos lugares por onde passa; no seu princípio chamase regato do Padram, no lugar de Ramalde do Meyo, Ryo do mesmo nome, no Lugar de Ramalde de baixo se chama como o mesmo lugar, e dahi caminha para a freguezia de Lordelo do Ouro. Entra no Ryo Douro, num lugar aonde chamão a Ponte do Ouro.”

Teve, esta ribeira através dos tempos e dos lugares onde passa, nomes diversos, tais como: Ribeira da Agra, Ribeira de Ramalde, Ribeira de Lordelo, Ribeira de Grijó, Ribeira de Penoucos, Ribeira do Ouro, Ribeira das Naus.
A Câmara Municipal do Porto despoluiu esta belíssima ribeira e, em certos locais, onde corre a  céu aberto, recuperou-a.
Em certos troços apresenta belas paisagens.








Ribeira de Ramalde ou da Prelada, na Rua de Requesende, vinda da Arca d’Água - Ed. MAC


Cheia da Ribeira da Granja no local de foto anterior



Em cima, a foto da Ribeira da Prelada, na Rua de Requesende, antes de chegar a Ramalde do Meio, depois de ter passado pelo Bairro da Prelada.
A algumas dezenas de metros do local da foto anterior, no percurso do regato para jusante, foram edificados dois moinhos, em 1918.
Pertenceram a uma casa de José Alves Lopes Lima, morador na Rua de Requesende, nº 388, que tinha o regato a passar ao fundo dos seus terrenos.

 

 

Requerimento dirigido à Câmara para edificação de dois moinhos



Desenho apenso ao requerimento anterior com o local de implantação dos moinhos, em destaque, na elipse a azul

 

A antiga residência de José Alves Lopes Lima, ainda existe, mostrando uma face bucólica da zona de Ramalde há mais de 100 anos e que, tende a desaparecer – Fonte Google maps





Ramalde do Meio, onde os dois regatos se encontram - Ed. MAC


Ribeira da Granja (após junção da ribeira vinda do Padrão da Légua com o curso de água vindo de Paranhos) depois de passar a ponte em Ramalde do Meio, com Quinta do Rio, à esquerda e, à direita, um verdadeiro charco chamado de Fonte da Ponte de Ramalde – Ed. J. Bahia, 1909




Ribeira da Granja junto à Rua João Coutinho – Ed. MAC


Ribeira da Granja atravessando o Bairro Pinheiro Torres – Ed. “oportoeagua.blogspot.com”



Junto ao Bairro Pinheiro Torres – Ed. MAC



Ao fundo é a Rua de Serralves para onde corre a Ribeira da Granja – Ed. MAC


Ribeira da Granja, em 1912


Cascata da Ribeira da Granja, em Lordelo do Ouro – Ed. Alberto Ferreira


Aluimento no canal entubado - Ed. MAC


Na foto anterior um aluimento de terras no canal entubado da ribeira da Granja em Dezembro de 2013, na Rua D. Pedro de Meneses, em frente ao Clube Fluvial Portuense


Foz da ribeira da Granja

Na foto acima, a foz da Ribeira da Granja desaguando no Rio Douro, no Largo António Calém, no lugar chamado em tempos de Ponte do Ouro.
Junto da foz da ribeira da Granja existe a “Ilha do Frade”.
Mas por que razão, desde o séc. XIX esta ilhota tem o estranho nome de “Frade”?
Comecemos por dizer que em meados do referido século, e até bem mais tarde, a ilha estava muito mais distanciada da margem, pois o jardim António Calém e a marginal foram conquistados ao rio por grande aterro.
Em O Tripeiro, de 1/5/1919, José de S. João Novo, conta-nos a história dessa designação. Passou-se no seu tempo de jovem e conheceu pessoalmente o “frade” em questão.

“O Mosteiro de Santo António do Vale da Piedade, em Gaia, mais ou menos em frente da Alfândega, dava emprego na portaria a um jovem leigo que, por força do seu mister, era obrigado a usar, durante as horas de trabalho, o hábito franciscano. Mas, talvez por preguiça ou habituação, não o costumava mudar nas horas livres.
Acontece que, frequentemente, uma bela moçoila de Lordelo ia ao convento fazer recados e o porteiro dela se embeiçou. Cheio de coragem, certo dia, depois de lhe explicar que era leigo e não frade, decidiu falar-lhe no seu sentimento e propor-lhe que preparassem os papéis para o casamento, mas que entretanto poderiam viver maritalmente, pois a sua paixão não permitia grandes demoras. Ela não recusou tal proposta, mas na verdade já tinha namorado certo.
Uma tarde, à saída do convento, alguém se aproximou do apaixonado dizendo vir de mando da pretendida e que na madrugada seguinte, bem cedo, ele estivesse perto do rio que um barco a viria buscar para um encontro romântico. Em grande ansiedade, divisou a aproximação de um barco, saído do espesso nevoeiro e, sem trocar palavra com o remador, embarcou e começaram a descer o rio. A certa altura o barco estacou em terra e, após o desembarque aquele afastou-se. Andando pouca distância é com espanto que encontra novamente água, sucedendo o mesmo por todos os lados. Só quando o Sol raiou e o nevoeiro se dissipou o infeliz descobriu que estava numa ilha, no meio do rio Douro. Compreendendo a armadilha que lhe tinham preparado, aos berros, pediu a um pescador que o levasse para terra. Obviamente o "mudo" tripulante era o namorado da “bela amada”.
Segundo o autor este porteiro passou para hortelão do convento onde trabalhou ainda muitos anos.
Esta história deu brado na zona do Ouro e o povo passou a chamar-lhe a “Ilha do Frade””.

O vale onde corre a ribeira da Granja junto à sua foz no Rio Douro tem em cada margem duas pequenas elevações com duas pequenas Capelas emblemáticas na freguesia de Lordelo do Ouro.
A Capela de Santa Catarina está junto a um miradouro sobre o rio Douro na margem esquerda, e foi mandada erigir pelos marinheiros portuenses no tempo de D. João I.
Nessa capela venera-se também uma imagem de Nossa Senhora dos Anjos, muito da devoção dos mareantes.

Capela de Santa Catarina e Senhora dos Anjos

Nesta capela funcionou desde 1395 A CONFRARIA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO E ALMAS. Os marinheiros moradores em Lordelo do Ouro na cidade do Porto, pediram ao Rei para fazer uma capela num pardieiro junto ao rio Douro:

"E que por quanto em a mayor parte dos bôos portos de mar se acostumava d'aver Igreja de Sancta catelina e a nom avya no porto da dieta Cidade se nossa merçee fosse elles mandaryam fazer no dicto pardeheiro hua Igreja de Sancta Catherina... E mandamos que os dictos marinheiros possam en elle fazer a dieta Igreja sem outro embargo nenhuu."

A ermida, que foi erguida por marinheiros portuenses no século XV, em honra e louvor de Santa Catarina, ficava na margem direita do rio Douro, frente ao mar e próxima da Ribeira do Ouro, onde se equipavam embarcações de alto bordo superiores ao melhor que se aparelhava nos portos estrangeiros.


Vista da Capela de Santa Catarina para o Largo do Calém – Fonte: Arquivo Histórico da CMP

Legenda

1. Capela do Senhor e da Senhora da Ajuda
2. Zona da Pasteleira
3. Bairro Operário de Lordelo do Ouro
4. Largo António Calém
5. Rua D. Pedro de Meneses
6. Rua de Aleixo Mota
7. Rua da Figueira da Foz


A Capela do Senhor e Senhora da Ajuda situa-se, por sua vez, na margem direita da ribeira da Granja e é edifício classificado. Capela seiscentista de planta longitudinal, formada por nave, capela-mor, torre e sacristia. A fachada é antecedida por um alpendre sustentado por quatro colunas nascendo em muro de cantaria, corrido interiormente por banco.
Junto do alçado posterior encontra-se o Cruzeiro do Senhor da Ajuda, em granito, com cruz latina simples e representação escultórica de Cristo.
D. Afonso Henriques fez doação ao mosteiro de Tarouca em 1144 da “ermida” e “ermo” de Santa Eulália na Foz do Douro, que dizem se estendia para lá da Pasteleira e confinava a poente com o couto de S. João da Foz e a nascente com Lordelo. Pensa-se que a capela de Nossa Senhora da Ajuda substituiu um outro templo que deve ter sido de invocação de Santa Eulália ou Santa Ovaia, como se costumava chamar.
No início do século XVIII, em 1716, Frei Agostinho de Santa Maria, bem como o padre Carvalho da Costa, Reitor da igreja de Lordelo do Ouro, nas Memórias Paroquiais de 1758, referem-se à ermidinha da Ajuda.
Tudo indica que a capela actual, radica numa outra e reportará ao fim do século XVI, início do XVII, tendo sofrido obras importantes e radicais em 1919/20 do século passado.


Capela do Senhor e Senhora da Ajuda

A lenda diz que uma tal Catarina de Miragaia, concretizou no local um sonho, de que, aí, apareceria uma pomba que a guiaria até ao local onde encontraria uma imagem da Virgem.
Pois, encontrou-a mesmo e aí levantou, com as posses que tinha e com peditórios, uma capela onde a imagem foi colocada.
Também se diz que a imagem estranhamente abandonava a capela de tempos–a-tempos, e que um dia um veleiro, por volta de 1550, proveniente de Inglaterra, parou defronte da capela e nada o fazia mover, até que uma imagem de Cristo que transportava, foi colocada dentro da capela. Desde daí o veleiro partiu e a imagem da Virgem, junta para sempre à do seu filho, jamais abandonou a capela.
Sousa Reis, historiador do fim do século XIX afirma que a capela teve um administrador de nome António Francisco Maia (Miragaia-1795- Foz- 1860), que por ter o mesmo nome do pai, António Francisco (Ribeiro) Maia (Lordelo, 1763- Foz, 1829), assinava também como júnior e que após casamento em 1829 com D. Júlia Claudina da Silva, (Foz, 1806-S. Cosme, 1886) teria vivido na Quinta do Romualdo, onde já habitaria o seu pai, num casamento em 2ªs núpcias.
Em 1856 António Francisco faliu e viu todos os seus bens irem à praça e nesse mesmo ano, a capela é integrada na paróquia de Lordelo do Ouro.



“A Capela do Senhor e da Senhora da Ajuda, de Lordelo, classificada desde 1986 como monumento nacional, não terá pertencido a uma família residente na Foz do Douro no sentido de uma leitura literal, mas a sua administração deverá ter estado a cargo dessa família e durante algumas gerações, teria estado a cargo dos seus antepassados de Lordelo do Ouro. A capela foi integrada na paróquia de Lordelo em 1856.
A construção da capela deverá remontar ao fim do século XVI, início de XVII, pelo que terá sido erigida por um antepassado de António Francisco Maia (júnior) que tinha como pai António Francisco Ribeiro Maia e este era filho de um casamento em 2ªs núpcias de sua avó, D. Josefa Maria da Trindade (Lordelo, 1726- Miragaia, 1802) e José Francisco Maia (Lordelo, 1736-Miragaia, 1797), sendo este por sua vez filho de Tomé Gonçalves Ouro (Lordelo, 1692-Lordelo 1758) e de Maria Francisca Maia (Lordelo, 1697-Lordelo 1776), sendo estes moradores no lugar do Ouro, muito perto da capela.
O nome e assinatura do seu bisavô Tomé surgem frequentemente nos assentos paroquiais de Lordelo do Ouro, quer na qualidade de padrinho, como de testemunha, que por isso se presume um homem de posses.
Por exemplo em 1729, Tomé paga todas as despesas de um funeral de uma tal Domingas, moradora no Monte de Santa Catarina, que não é sua parente e, talvez, seja uma sua serviçal.
Como a grande maioria dos residentes no Ouro eles deviam ser devotos do Senhor e da Senhora da Ajuda e devem ter transmitido a devoção e as obrigações inerentes aos seus filhos e netos.
No seguimento do percurso que o seu avô, José Francisco Maia fizera de Lordelo para Miragaia e que o pai, António Francisco Ribeiro Maia, fizera de Miragaia para a Foz do Douro, a António Francisco Maia (Júnior) veio a caber o encargo de administrar a capela, até ela ser integrada na paróquia de Lordelo em 1856, quando ficou pobre.”
Com a devida vénia a Hernâni L.S. Maia- In Tripeiro 7ª Série Ano XXXV, #3

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