sábado, 10 de dezembro de 2016

(Continuação 20) - Actualização em 03/04/2018, 24/01/2019 e 22/01/ e 07/12/2020


9.10.1 Rua de Cedofeita e Praça de Carlos Alberto (Largo dos Ferradores)



A Rua de Cedofeita é uma rua cheia de história, situada no coração da freguesia de Cedofeita. O seu nome deriva, segundo a lenda, da rapidez (cito facta) com que foi construída a velha igreja dedicada a São Martinho, edificada, primitivamente, durante o domínio Suevo, no séc. VI.
A hipótese mais aceite pelos historiadores diz  que o Couto de Cedofeita foi doado ao bispo do Porto por D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei – séc. XII.
 
 
“A partir de 1777, o antigo caminho rústico, aberto ao longo de terrenos que faziam parte da Quinta da Corredoura, uns, e da leira do Carril, outros, denominou-se Rua de Cedofeita. Mas, quatro anos depois (1781), já era conhecido por Rua da Estrada e, logo a seguir, chamava-se Rua Direita de Cedofeita, mas não estava ainda totalmente urbanizada.
Ainda em 1795, uma carta régia dava autorização à Câmara para proceder ao aforamento de terrenos da referida Quinta da Corredoura, "junto à Torrinha", através "dos quais campos se tinha aberto de novo uma larga e frequentada rua das de maior concorrência da sobredita cidade, em a qual se achava o maior aumento da povoação".
Até aos finais do século XVIII, a Rua Direita de Cedofeita possuiu muito poucas edificações, sendo ladeada por campos de cultivo e altos muros que delimitavam várias propriedades, entre as quais estavam as quintas dos Carvalhos do Monte; da Boavista ou de Santo Ovídio (com entrada pela Praça da República); e da Fonte. A primeira pertencia aos irmãos José e António Ribeiro Braga; a segunda aos Figueirôas e Pamplonas; e a terceira aos herdeiros de Domingos José Nogueira. No começo, a tal rua da Estrada alongava-se até ao Carvalhido. Mais tarde, abriu-se a Rua da Ramada Alta, denominação de origem rústica que, segundo antiga tradição, teve origem numa alta e ampla ramada que, naquele sítio, atravessava o caminho então existente. Posteriormente, a Rua de Cedofeita acabava no Largo da Ramada Alta, "acima do lugar onde estava a Fonte dos Ablativos", um curioso chafariz que pode ser admirado nos jardins das Águas do Porto, à Rua do Barão de Nova Sintra. Mais tarde, o comprimento da artéria foi encurtado quando, já na segunda metade do século XIX, a Câmara, querendo homenagear o súbdito britânico Joseph James Forrester, feito Barão de Forrester, em 1855, e que morreu tragicamente em 1861, no naufrágio do barco em que navegava, no sítio do Cachão da Valeira, perto da Régua, deu o seu nome à parte da artéria que ia da Rua da Boavista até à Ramada Alta.
À parte da Rua da Estrada que ia da Ramada Alta até ao Carvalhido foi dado o nome de Rua de 9 de Julho, para assinalar a passagem por aquele local, no dia e mês indicado, do ano de 1832, das tropas do exército liberal à frente das quais vinha D. Pedro IV. Anteriormente, desde pelo menos 1238, ano das inquirições mandadas fazer por D. Afonso III, dava-se à estrada que por ali passava o nome de "Via Vetera", ou seja "estrada velha", que era o caminho que os soldados romanos percorriam quando se dirigiam a Braga ou Astorga.”
Com o devido crédito a Germano Silva
 
 
 

Praça de Carlos Alberto
 
 
 
Na foto acima, observa-se a Praça de Carlos Alberto, que tinha sido Largo dos Ferradores e, à direita, o palacete do Visconde de Balsemão, mais tarde, palacete do Conde da Trindade e do Barão do Valado, depois de ter sido Hospedaria do Peixe, na qual, durante alguns dias, esteve o Rei Carlos Alberto, que haveria de dar o nome à praça.
Ele foi e continua a ser o edifício mais imponente da praça e tem raízes no fim do século XVII.
 
 
 

Palacete Balsemão, em 1833 – Desenho de Joaquim Vilanova
 
 
 
 
De facto, a última alteração de topónimo da praça teve a sua origem quando, em 4 de Maio de 1850, António José Coelho Lousada, que foi vereador municipal (1850), deputado pelo Porto (1858) e conselheiro, em reunião de Câmara, propôs aos demais vereadores, que fosse solicitado ao Governo Civil a passagem do topónimo Praça dos Ferradores a Praça Carlos Alberto.
A actual Praça de Carlos Alberto chamava-se, então, até 1850, Praça dos Ferradores pois aí existiam vários trabalhadores desse ofício, dado ser a paragem e passagem de muitas carruagens, que pela Rua de Cedofeita seguiam para Viana, Póvoa, etc. e, pela Rua de Santo Ovídio, para Braga.
Em 12 de Agosto de 1874, inaugurou-se nesta praça a primeira linha de caminho-de-ferro americano até Cadouços, à Foz do Douro.
Em 1883, começaram a fazer concorrência aos “americanos” os carros Ripert da “Empresa Portuense de Carros Ripert”, que tinha sede na Rua de S. Dinis e faziam a ligação a S. Mamede de Infesta e serviam vários outros pontos da cidade.
Para S. Mamede de Infesta, os carros tinham o seu término na Praça Carlos Alberto, em frente à tabacaria Havaneza, depois, Mercearia Pacheco.
Um tombo do mosteiro de S. Domingos menciona em 1669, a "Rua Pública dos Ferradores, junto do chafariz da Porta do Olival" e de um outro largo perto, que se chamava o Outeiro dos Ferradores.
Naqueles terrenos, entre c. 1676 e 1833, se realizou a “Feira dos Bois”, transferida depois para o Poço das Patas (Campo 24 de Agosto) e, ao longo dos anos, a “Feira do Carvão, da Palha e da Erva”.
Uma importante feira que comercializava cadeiras, caixas, bancos, tamancos e outros artigos em madeira – a “Feira das Caixas” – que acabaria nos Lavadouros (próximo da Picaria), deu durante anos movimento ao local.
O dia 1 de Abril de 1856, foi dia de festa - a praça foi dotada de iluminação a gás.
 

 

Praça de Carlos Alberto, em 1907, com o Hospital do Carmo à esquerda
 
 
 
 

Fontanário e candeeiro a gás na Praça de Carlos Alberto
 
 
 

Praça de Carlos Alberto, actualmente – Ed. JPortojo
 
 
 
No centro da praça existe hoje e, desde 1928, um monumento dedicado aos mortos da Grande Guerra de Henrique Moreira, que veio substituir um outro que o povo não aprovou, da autoria de José de Oliveira Ferreira, aí colocado em 1924, mas, que tendo sido considerado “tão feio”, viria a ser abatido em 1925.
 
 
 

Monumento de Henrique Moreira


 

Monumento de José de Oliveira Ferreira
 
 
 
 
Um outro monumento, uma escultura de Humberto Delgado, em que o general é representado voltado para o café Luso, da autoria do escultor José Rodrigues e foi inaugurada a 14 de Maio de 2008, está implantada junto do palacete Balsemão.
 
 
 



Estátua do General Humberto Delgado – Ed. J Portojo
 
 
 
 
 

Praça de Carlos Alberto, início do século XX
 
 
 

Praça de Carlos Alberto em perspectiva obtida a partir da Praça Gomes Teixeira – Ed. J Portojo





Na foto acima, na esquina, o palacete dos Couto Moreira e, depois, residência da família Pena.
Para conhecer um pouco a Rua de Cedofeita, iremos fazer um périplo por ela, seguindo no sentido da Praça de Carlos Alberto para a Rua da Boavista.
A Rua de Cedofeita, que hoje começa na Praça de Carlos Alberto, era conhecida, em 1777, como a Rua da Estrada, e ligava o Porto à Póvoa.
Na realidade ela começava antes, na Cordoaria, junto às Muralhas Fernandinas junto da Porta do Olival. Era utilizada pelos viandantes que, tendo saído da medieval Porta do Oli­val, tinham como destino Barcelos, Vila do Conde ou outras terras do Norte. 
Começou a ser pensada a sua abertura em 1762, por iniciativa de João de Almada e Melo aquando no cargo, de Presidente da Junta das Obras Públicas do governo do Marquês de Pombal, a quem ligavam laços familiares. Foi um dos grandes obreiros da modernização de Lisboa depois do Terramoto de 1755. 
Veio para o Porto onde começou obras de grande vulto. Uma delas ligar a zona portuária do Douro com as partes altas da Cidade. A Rua de Cedofeita foi uma das vias que idealizou. 




Uma perspectiva de alguns edifícios – Ed. JPortojo



O certo é que a Rua foi aberta rapidamente - volta aqui a entrar e com razão o “cito-facta”, traduzido para “cedo-feita”- e passou a conhecer-se como Rua Direita de Cedofeita.
A chamada Planta Redonda de Balck publicada em Londres (1813) mostra já o troço de Cedofeita até à Rua da Boavista, quase todo ladeado de casario.
Em 1851, sabe-se que o seu piso era em “macadam”.



Início da Rua de Cedofeita – Ed. JPortojo


A uma dezena de metros do início do nosso percurso, olhamos em frente e apercebemo-nos que esta rua é quase toda recta.
À nossa direita encontramos a Travessa de Cedofeita que já se chamou Viela do Açougue.
No plano de urbanização do bairro dos La­ranjais, elaborado em 1760, por iniciativa de João de Almada e Melo, o grande reforma­dor da cidade, onde hoje vemos a Travessa de Cedofeita estava assinalado um simples carreiro sem qualquer denominação. 



Olhando para trás, ao fundo a Torre dos Clérigos – Ed. JPortojo



Edifícios com as suas varandas – Ed. JPortojo



“É uma artéria, de grande aglomerado residencial, tendo no rés-do-chão da maioria dos edifícios comércios das mais variadas espécies. Quase, todos os edifícios são do séc. XVIII e princípios do séc. XIX,  predominantemente estreitos e compridos onde sobressaem as varandas de sacada com a arte do ferro tão tradicional do Porto, cantarias nas pilastras e cimalhas de granito e azulejos na fachada, estes já do séc. XIX ou XX. Veremos de relance alguns desses edifícios, contaremos alguma da sua história bem como de alguns dos seus primitivos donos e/ou ocupantes. A maior parte deles são referenciados como imóvel de interesse púbico pelo IGESPAR
Comecemos pelo nºs 88-96 onde está um pronto- a- vestir e onde antes esteve o Bazar dos 3 Vinténs, bazar de brinquedos, conhecido de várias gerações de portuenses e que ostenta na fachada um painel alusivo ao Pai Natal.



Aqui esteve o Bazar dos 3 Vinténs e painel com Pai Natal



Os nºs 154 e 162 são os mais antigos da Rua – Ed. JPortojo


Frente dos nºs 154 e 162 – Ed. JPortojo



 No nº 159, prédio em recuperação, viveu Carolina Michaëlis e seu marido Joaquim Vasconcelos, casados em 1876. Ela é reconhecida como a mais importante das filólogas da língua portuguesa. Foi crítica literária, escritora, lexicógrafa, tendo sido a primeira mulher a leccionar numa universidade portuguesa, a de Coimbra. Teve igualmente grande importância como mediadora entre a cultura portuguesa e a cultura alemã. Nasceu em Berlim em 15 de Março de 1851 e morreu no Porto em 22 de Outubro de 1925.
Joaquim Vasconcelos natural do Porto, musicólogo e historiador de arte, vivia e estudava na Alemanha quando conheceu Carolina. 
Foi um dos grandes pioneiros da divulgação e desenvolvimento da arte popular. As exposições no Porto em 1881 de Industrias  Caseiras e um ano mais tarde da exposição de Cerâmica devem-se em grande parte a ele. Crítico entre os métodos de ensino inglês e o rigor alemão científico adaptados à arte portuguesa criou alguns anti-corpos. Deixou uma obra de grande valor cultural. José Augusto França disse que foi ele o real fundador da História da Arte em Portugal, entendida como ciência, com objecto e método próprios. Consta-se que na véspera da Revolução de 31 de Janeiro de 1891 (a primeira tentativa da implantação do regime republicano em Portugal), Antero de Quental, vindo de Vila do Conde, hospedou-se aqui e os estudantes da Academia Portuense organizaram na rua, em frente à casa, um grande comício patriótico. Antero falou aos estudantes da varanda da casa de Joaquim de Vasconcelos”.
Com a devida vénia a JPortojo



Aqui viveu Carolina Michaëlis – Ed. MAC

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