terça-feira, 27 de dezembro de 2016

(Continuação 5) - Actualização em 27/04/2018


O Rio Frio ou Rio do Carregal nasce nas proximidades da actual Rua da Torrinha, passa pelo Carregal, por baixo do Hospital de Santo António, abastece o Chafariz das Virtudes, a Fonte da Colher e desagua no Rio Douro por baixo da Alfândega Nova.
Hoje está totalmente encanado, e antigamente antes de chegar ao rio Douro, corria ao longo do areal da praia de Miragaia.
O topónimo Carregal deriva da existência de carregas, plantas próprias de terrenos pantanosos.



Rio Frio encanado



Planta de Trant (Planta Redonda, oferecida ao General Nicholas Trant, publicada em Londres em 12 de Agosto de 1813) sobre o sítio do Carregal e imediações

Legenda:
1. Carregal
2. Rua do Carregal
3. Viela do Carregal
4. Rua do Prof. Jaime Rios de Sousa
5. Beco do Paço


 “Toda esta encosta, por onde corre o Ribeiro Frio, era nos fins do séc. XIV ainda um terreno ermo e baldio, onde os judeus enterravam os seus mortos. A Alameda das Virtudes foi plantada por ordem do grande corregedor Francisco de Almada e Mendonça, entre as ruas dos Fogueteiros, do Calvário de Belomonte e Cordoaria Velha, no lugar onde antes existiu o Postigo e Torre das Virtudes, na Muralha Fernandina. Fica-lhe junta a Fonte de nossa Senhora das Virtudes, mencionada em documento de 1580, e que se chamou também Fonte do Rio Frio…" (Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas)



Rio Frio (a azul) - Planta de Costa Lima de 1839

Legenda:

1. Carregal
2. Hospital de Santo António
3. Leito futuro da continuação da Rua da Restauração
4. Rua do Rosário
5. Torre da Marca
6. Rua dos Quartéis
7. Rua do Carmo
8. Alameda das Virtudes


Há quem diga que o topónimo “Virtudes” deriva da fonte monumental, constru­ída em 1619, em forma de retábulo. A fonte das Virtudes é assim denominada porque, segundo uma antiga tra­dição, corroborada por Francisco da Fonseca Henriques, médico de D. João V, no livro Aquilégio Medicinal, que publicou em 1716, a sua água tinha «a rara virtude» de curar várias moléstias e, por isso, era procurada por gente não apenas do Porto mas também das redondezas. Porém, já em 1376 esse topónimo existia, e foi associado à muralha fernandina e a um dos seus postigos e, posteriormente, a uma porta (Porta das Virtudes) que seria demolida em 1801 "para desafogo e enobrecimento do sítio".
É portanto lícito, pensar-se, que o topónimo “Virtudes” será muito mais antigo, mas impossível de ser associado ao que quer que seja.



Fonte das Virtudes ou Fonte do rio Frio e Alameda das Virtudes e Passeio das Virtudes


No ano de 1619 mandou a Câmara Municipal erguer uma fonte – a Fonte do Rio Frio, que mais tarde veio a chamar-se Fonte das Virtudes – para o ádito da qual, mandou, igualmente, abrir uma rua que, por se apresentar sobremaneira declivosa, ficou a denominar-se Calçada… das Virtudes. Foi a fonte mais aparatosa e mais imponente que teve o Porto. O seu frontispício elegantíssimo e de linda arquitectura, termina num meio círculo interrompido pelas armas reais, e entre esta pedra armorial e uma inscrição, tem dois castelos em alto-relevo, divididos por uma edícula, onde esteve a imagem da Virgem – pelo povo conhecida por Senhora das Virtudes – que representava, com os ditos castelos, as armas da cidade". 
In Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas


A inscrição feita em mármore, na fonte, hoje ilegível, tem o seguinte texto de Pantaleão de Seabra e Sousa, poeta insigne do seu tempo e fidalgo da casa real: 

“aqui flui a fonte dita das Virtudes: quem tiver sede já pode beber sem receio. Estas águas nasciam de uns penedos cavernosos, e andavam por aqui perdidas em charcos imundos e sombrios. A Câmara Municipal as expôs como vedes, fazendo esta majestosa fábrica e, para lhe dar maior realce, abriu esta estrada e fez estes assentos no ano de 1619”.
Fonte: O Tripeiro Série V, Ano XV


“A estrada a que o poeta se refere era a alameda chamada das Virtudes. Nos séculos XVII e XVIII, o espaço hoje denominado Calçada das Virtudes estava, efetivamente, transformado em alameda e era um dos mais animados locais do Porto, por onde passavam as mais lindas mulheres daqueles tempos. Era também, especialmente ao cair das tardes amenas de verão, ponto de reunião obrigatório de juízes da Relação; mercadores de "grosso trato"; fidalgos ociosos; frades "alambicados" e poetas improvisadores. 
Um desses poetas ficou célebre na crónica portuense. Chamava-se João Sucarello Claramonte e exercia a profissão de médico. Era um dos mais assíduos na alameda das Virtudes, onde, com seus madrigais, derriçava as raparigas que iam encher os cântaros a uma das bicas da fonte. Ficou célebre uma dessas moças, a quem Sucarrello dedicava especial atenção e que era conhecida pela "Corcoz". 
Era tão numerosa, naquela época, a afluência à alameda das Virtudes de cadeirinhas, mas também de trens e carruagens, que houve necessidade de alargar o postigo da Muralha Fernandina para que aqueles meios de transporte pudessem passar sem dificuldade. Transformaram-no em porta”.
Com a devida vénia a Germano Silva






Inscrição de impossível leitura actualmente na Fonte das Virtudes - Ed. Isabel Silva




Bicas da Fonte das Virtudes - Ed. Isabel Silva




Foto antiga da Fonte das Virtudes



Na foto acima em plano baixo, vêem-se as duas carrancas de pedra que faziam de bicas, assim como o lajeado polido que servia de fundo ao tanque.



Pinho Leal, no seu livro Portugal Antigo e Moderno, refere: 

“causa dó uma obra de tanto preço votada ao abandono, pois há muito que o público não faz uso da água desta fonte, preferindo, por maior comodidade, a do Chafariz das Taipas, cuja água já pertence ao manancial de Paranhos e não do Rio Frio; e mesmo porque a das Virtudes era mal saborosa. Lá se conservam ainda os dois tanques das lavadeiras, aumentando progressivamente o número destas com o desenvolvimento da cidade.
Depois das Fontainhas, são estes os lavadouros públicos de maior movimento que há hoje (1875) no Porto". 


Alberto Pimentel a propósito da Fonte das Virtudes, numa cena do seu romance ”O Anel Misterioso”, passada em 1810, conta-nos:


“Cumpre dizer que na primeira década do seculo XIX era ainda a Fonte das Virtudes o local destinado ás comezainas das familias burguezas do Porto. Ahi se reuniam em ruidosos convivios, deposta a mantilha, e irmanados novos e velhos pelo mesmo apetite e pela mesma alegria.
O camartello das demolições municipaes tem—avis rara!—respeitado até hoje esta legendaria fonte que se compõe d'um alto frontispicio, ornado de pyramides, e firmado em bancos de pedra, que a rodeiam. Rebenta abundantemente a agua por duas enormes carrancas em conformidade com a esculptura de todos os chafarizes antigos. Ladeiam a fonte dois grandes tanques, durante todo o dia, ainda hoje, frequentados por lavadeiras. N'esses bons tempos, ficava a fonte extra muros; sahia-se para ella pela porta a que a fonte deu nome. Ao lado da porta, na eminencia da parte oriental, havia já então os chamados Assentos, actualmente Passeio das Virtudes.
O padre Agostinho Rebello da Costa, na sua Descripção topographica e historica da cidade do Porto, impressa em 1789, escreve ácerca d'este local: «Em toda a cidade, não ha sitio nem mais ameno, nem mais agradavel; porque além da sua bella posição adornada de regulares edificios, gozam os olhos d'um só golpe, vista de cidade, de mar, rio, navios, montes, campinas, quintas e palacios. O grande paredão, que presentemente se está fazendo, para com elle se formar uma praça correspondente á belleza, e magnificencia d'esta agradavel situação, será um monumento eterno do patriotico zelo que Rodrigo Antonio de Abreu e Lima, cavalleiro professo na ordem de S. Thiago, inspector da marinha do Douro, administrador geral dos portos seccos das trez provincias do Norte, e actual juiz da alfandega, mostrou em obrigar o senado da camara a fazer esta obra interessantissima á regia utilidade, e recreio publico”.




A Fonte das Virtudes actualmente - Ed. Isabel Silva



Pela foto acima se pode observar que o escudo nacional que encima a fonte não apresenta no seu cume a habitual coroa real.
Segundo alguns, porque teria sido destruída numa curva da história e, segundo outros, para uma hipótese mais plausível que apontaria para a eventualidade da coroa nunca ter existido, pelo facto, de que, quando a fonte foi levantada, estarmos sob o domínio dos Filipes.
Uma outra ausência notada era para a inexistência de um tanque de recolha da água das bicas, que teria sido demolido há muito.
Desde pelo menos o séc. XIV os portuenses aproveitavam os dias amenos para se deleitarem com as belas paisagens deste local.
Ainda durante a existência da muralha, o corredor que por aí se desenvolvia exteriormente, junto a ela, era conhecido pelo Caminho e, mais tarde, seria conhecido por Rua do Calvário (actual Rua Dr. Barbosa de Castro que foi um presidente da Câmara).
Aquele “Calvário” era o novo para o distinguir do velho, que ficava na hoje Praça Guilherme Gomes Fernandes.
Dado o agrado dos habitantes daquela zona, a Câmara mandou abrir, em 1682, um recinto espaçoso destinado a passeio público. No início esse recinto ficava adjacente a um arruamento chamado de Rua dos Torcedores dos Assentos das Virtudes.
Em 1788, o inspetor da Marinha do Douro, Rodrigo António de Abreu e Lima, começou a construir um alto paredão (o das Virtudes), que pouco depois de ficar concluído ruiu es­trondosamente.
Todavia, por ordem do Corregedor Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), foi reconstruído no começo do século XIX e, é, o que ainda hoje, existe. Por esta altura foi demolida a Porta das Virtudes, como atrás se disse. 


“A partir desse momento, esse paredão passou a ser o suporte de uma varanda que passaria a ser um miradouro sobre o rio e, para a consolidação do mesmo, foi feito o entulhamento de todo o espaço que ficava entre o dito paredão e a Muralha Fernandina. Não tar­dou, por isso, que começassem a ser construídas casas na parte poente da antiga Rua do Calvário, hoje Rua do Dr. Barbosa de Cas­tro. Com uma curiosidade: a maior parte das casas que se iam construindo tinham duas frentes, uma voltada para a rua, ou­tra para a alameda das Virtudes. Foi o caso, por exemplo da casa onde, a 4 de fe­vereiro de 1799, nasceu João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, efeméri­de evocada na fachada do prédio por uma artística lápide”. 
Com a devida vénia a Germano Silva



Paredão de suporte do Passeio das Virtudes



Texto sobre O Passeio das Virtudes em O Tripeiro




Passeio das Virtudes com 3 entradas, gradeado à direita (Nascente)


À esquerda observa-se o gradeamento que vedava o Passeio das Virtudes



Horácio Marçal afirma, em O Tripeiro Série V, Ano XV que: 


Em Novembro de 1853 o largo fronteiro (ao prédio onde mais tarde esteve o Clube Inglês) foi todo aplanado na sua superfície e resguardado, nos lados Norte e Poente, por um gradil de ferro que subsiste”. 

Na mesma revista se descreve a foto acima, da seguinte forma: 

“É do Passeio das Virtudes a fotografia que O Tripeiro apresenta no seu número de Maio (de 1948). Arborizado, como se vê na fotografia, tinha pelo Nascente um gradeamento de ferro, com três entradas, que à noite se encerravam. Pelo Poente e Norte tinha o gradeamento, que conserva ainda hoje, e parece ter sido ali colocado a fim de evitar sucessivos e trágicos acidentes, que a altura da sua muralha tornava propícios. Com o gradeamento acabou-se a cisma, e ainda bem… Era este recinto pouco cuidado e limpo e, o que era pior permitia-se que por ali estagiassem vadios e mendigos, catando-se e dormindo por aqueles bancos, o que era de um efeito bastante desagradável. Modernamente foi ajardinado, sofrendo várias modificações que tornaram o local um pouco mais aprazível, o que já não era sem tempo”. 


O Passeio das Virtudes em 1948

A foto anterior é de 1948, e nela pode ver-se o novo ajardinamento deste passeio e, que, já não existem as grades e portões de Nascente.
O Passeio das Virtudes acabaria também por ser, Alameda das Virtudes e Largo da Bateria das Virtudes. Este topónimo, por causa de uma trincheira (bateria) que os liberais ali montaram durante o Cerco do Porto. 

Horácio Marçal, em 1959 afirma ainda que: 

”Desde há compridos anos que o passeio das Virtudes, já não falando da área fundeira onde permanecem as ruínas da fonte – que essa, infelizmente encontra-se num estado calamitoso – deixou de ser frequentado pelas famílias gradas cá da nossa terra. Está, pode dizer-se, num abandono verdadeiramente confrangedor”. 


O gradeamento na actualidade

Passeio das Virtudes actualmente

Escultura no Passeio das Virtudes


Escultura da foto acima representa “Os 4 Cavaleiros do Apocalipse” (1965), e é uma obra do escultor Gustavo Bastos.


Panorama obtido a partir do Passeio das Virtude sobre a cidade e o rio 

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