sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

(Continuação 14) - Actualização em 26/12/2017, 13/04/2018, 21/02, 04/11/2020 e 05/01/2021



Junta de Freguesia de Massarelos à direita na década de 40 do século XX


Na foto acima, na Rua do Campo Alegre, as casas em banda encostadas ao edifício da Junta de Freguesia, faziam parte do Bairro Passos José (José da Silva Passos, irmão de Passos Manuel).




Localização do Bairro Passos José na planta de Telles Ferreira de 1892




Legenda da planta anterior mencionando os topónimos actuais
1. Rua rainha D. Estefânia
2. Rua do Campo Alegre
3. Rua prof. Abel Salazar
4. Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos
5. Rua Arquitecto Marques da Silva





Local actual da foto anterior na Rua do Campo Alegre - Fonte: Google Maps





O processo para a construção do edifício da Junta de Freguesia de Massarelos (concluído na década de 1940) começaria em 1936, pela expropriação amigável a Amélia Adelaide Magalhães Botelho, de uma pequena área de terreno.
Em termos religiosos, sabe-se que o Curato de Massarelos esteve sob a jurisdição da Colegiada de Cedofeita desde 1148, quando D. Afonso Henriques lho doou, juntamente com o seu amplo Couto de Cedofeita.
O curato era um pequeno território com um pastor permanente que tinha a obrigação de ministrar os sacramentos aos fiéis.
A história diz-nos, também, com base nos docu­mentos existentes, que D. Afonso Henri­ques, nosso primeiro rei e sua mulher, a rainha D. Mafalda, fizeram doação do Sítio de Massarelos, no ano de 1186, ao prior e cónegos da colegiada de Cedofeita.
Em 1237, D. Nuno, prelado de Cedofeita, deu aos seus foreiros a sua lei de bem viver.



«Para conhecimento de quantos virem a presente carta de foral: Eu, Nuno Soares, prelado da Igreja de S. Martinho de Cedofeita, e os cónegos da mesma igreja, damos e concedemos às terras da Igreja de Cedofeita, a todos, quer pescadores, ou quaisquer homens, que quiserem aqui edificar casas ou quintas dentro destes limites, a começar no rio Douro no porto de Crastelo, e pelo caminho que vai por cima da casa de Lourenço Boi e daí para a vinha de Marco Garcia, e toca em Carrazedelo, debaixo deste foro: os pescadores que aí vierem habitar, de cada fogo pagarão anualmente um soldo da moeda do Porto, e um sável de cada barco à Igreja de Cedofeita, quando os caçarem por meio de Abril. Pagarão foro das primeiras lampreias e peixes reais, como costumam pagar à mesma igreja, e cada um deles fará uma viagem no rio Douro, sustentando-os a Igreja, e aqueles que não forem pescadores, de cada fogo pagarão anualmente um capão e um soldo, pelo S. Miguel. Se nestas terras habitar algum caseiro que tenha burro, que possa fazer caminho, fará com ele dois caminhos por ano às mesmas terras da Igreja, que lhes dará sustento. Se algum dos moradores cometer homicídio ou calúnia, a pagará pelo foro da cidade do Porto, assim como portatido. (?) Se o meirinho do couto desta Igreja quiser penhorar alguém, o penhore, segundo o foro da cidade do Porto. Se algum homem de fora vier a este porto com barco, e ali ancorar, pagará três dinheiros ao meirinho do couto, e se aí vender pescado, dará peixe do pescado que vender. Damos, e concedemos, dentro dos limites marcados a todos os povoadores, e aos que lhes sucederem, o que possuírem de juro perpétuo. Se alguém destes povoadores quiser vender a sua herdade, a poderá vender ou doar a quem continuar com o mesmo foro, sem que da venda resulte prejuízo para a Igreja. E se alguém, tanto da Igreja como dos moradores, quiser quebrar este novo foral, pague em duplicado ao queixoso todo o dano, e as benfeitorias, e além disso duzentos áureos. Nós, acima dito, Nuno, prior de Cedofeita, e cónegos da mesma Igreja, mandamos escrever esta carta na presença de testemunhas idóneas, e por nossas próprias mãos roboramos; e para que o presente foral tenha força e valor, vai selado com o selo do prior e convento. Feita esta carta no mês de Setembro de 1237.»
Fonte: mjfs.wordpress.com



Só em 1789, Massarelos se torna freguesia do Porto dado que, anteriormente pertencia à Comarca da Maia e só passou a paróquia em 1862.
Quanto ao nome de Massarelos, era já usado em 1258 por Dom Vicente de Mazarelos, aparecendo o nome da terra escrito, em vários docu­mentos, de várias formas, sendo as mais usuais as de "Mazarelos", nas inquirições de 1258; e de "Maçorelos", numa carta ré­gia de 1325.
Por meados do século XVI, Massarelos já havia alcançado uma certa importância em termos populacionais e económicos. Viviam-se os áureos tempos da epopeia ma­rítima. Era terra de mareantes, pilotos, ca­lafates, pescadores e carpinteiros navais, que ocupavam especialmente a zona ribei­rinha onde, ao longo da margem direita do rio Douro, abundavam pequenos ancora­douros, estaleiros para reparação de navios, e onde ficavam as célebres salinas de Mas­sarelos.
Na parte superior da povoação, separada da parte inferior por um pequeno ribeiro cuja água fazia mover as mós de algumas azenhas, estava instalada a gente mais li­gada à terra, ou seja, pequenos lavradores, criadores de gado e produtores de frutas e hortaliças. 
Desde a Torre da Marca até ao vale de Massarelos ladeando a Rua de Entre Quintas existiram várias propriedades.
Uma delas é a Quinta do Meio (correspondente, em parte, à Quinta TAIT) que, com a da Macieirinha, pertencem ao município e, ainda, a Quinta do Passadiço.




Casa Tait (Quinta do Meio) – Ed. localporto.com




Quinta do Passadiço do século XVIII




Passagem da obra "Descrição Topográfica e Histórica da cidade do Porto" de Agostinho Rebelo da Costa





Quintas adjacentes à Rua de Entre Quintas - Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892





Contígua à Torre da Marca no fim da Avenida das Tílias (Palácio de Cristal) e sobranceira ao Douro, situava-se a Quinta dos Sete Campos.
Dentro de Massarelos havia ainda a Quinta de Jesus, a Quinta do Mastro e a Quinta Verde.
Porém, a mais importante situava-se junto ao rio e era conhecida pela Quinta do Regueirinho ou Quinta e Palácio de Massarelos.
Esta propriedade pertenceu à Coroa até 1469, ano em que D. Afonso V a doou a João Rodrigues de Sá, alcaide-mor da cidade do Porto, que vivia em Cima de Vila, na casa que passou a ser conhecida por Paço da Marquesa por nela ter vivido a última marquesa de Abrantes.
Essa Quinta do Regueirinho viria mais tarde a pertencer a Joaquim Augusto Kopke Shewerim de Sousa, feito 1º barão de Massarelos por D. Maria II. Este barão haveria de oferecer uma grande área para ser rasgada a Avenida Basílio Teles.
No terreno onde hoje está o Museu dos STCP localizava-se o Palácio do Barão de Massarelos e a quinta do Regueirinho.
Bem perto, mas a uma cota superior, encontrava-se uma excelente vivenda, conhecida por Casa dos Arcos, que foi propriedade de António Joaquim de Carvalho de Pinho e Sousa, onde, mais tarde, durante os anos da ditadura funcionaram, a partir de 10 de Fevereiro de 1942, os Serviços Sociais da Legião Portuguesa, sitas na Rua da Boa- Viagem (Rua do Capitão Eduardo Romero) e Rua do Bicalho.
A Legião Portuguesa (LP) foi uma organização nacional, integrando uma milícia, que funcionou durante o período do Estado Novo em Portugal, sendo constituída em 1936, com o objectivo formal de "defender o património espiritual da Nação e combater a ameaça comunista e o anarquismo".
Não raras vezes, as forças legionárias também são ocasionalmente empregues na dispersão de manifestações não autorizadas e no fecho de organizações tidas como subversivas, colaborando com a Polícia de Segurança Pública e com a Guarda Nacional Republicana.




Folheto anunciando um almoço promovido em 1948, pela Legião Portuguesa, nas suas instalações em Massarelos e ementa respectiva – Fonte: GISA - CMP



Como se pode observar no folheto exibido ele foi dirigido ao Presidente da Comissão Concelhia da União Nacional, o representante no Porto do partido fascista que estava à frente dos destinos da nação portuguesa, à data.
O almoço em causa destinava-se a comemorar a inauguração dos Serviços Centrais da Assistência Social da Legião Portuguesa do Porto, em Massarelos, em cujas instalações funcionava também uma cantina, numa nave enorme no 1º andar, cujas refeições a preços económicos eram pagas.
No andar de baixo, comiam também, com qualidade, mas sem que pagassem a refeição, os mais pobres.
No interior do folheto referido, para lá da ementa, o regime propagandeava o número de refeições servidas em todo o País, pela Legião Portuguesa, ao longo dos anos, de acordo com tabela abaixo.




Refeições servidas pela Legião Portuguesa entre 1940 e 1947 - Fonte: GISA - CMP

 
 
Anteriormente, a cantina da Legião Portuguesa esteve na Rua de Fernandes Tomás, onde em 30 de Dezembro de 1944, o Jornal de Notícias ofereceu às crianças pobres da cidade um almoço. 
Tal como a PIDE-DGS, o outro braço repressivo do regime fascista, com o qual colaborava na recolha de informações, a Legião Portuguesa não deixou, em geral, saudades aos portugueses.


 
Cartaz de promoção de uma festa da Legião Portuguesa, durante a Exposição Colonial realizada no Palácio de Cristal em 1934


 
 

Desfile de veículo da Legião Portuguesa pela Avenida dos Aliados, em meados do século XX. De notar que o Palácio dos Correios ainda não tinha sido construído


 
 

Castelo do Queijo, em 1949, Em 1949 foi cedido ao Núcleo da Brigada Naval da Legião Portuguesa do Porto que ali esteve instalado até ao 25 de Abril de 1974
 
 
 
 
 
Como era de prever, ocorrida a revolução do 25 de Abril de 1974, a sede e quartel-general da Legião Portuguesa, sito na Rua de Pedro Hispano, foi assaltado e tomado pelos populares.

 
 

Entrada para o antigo quartel da Legião Portuguesa, na Rua Pedro Hispano, hoje a sede da “Associação dos Deficientes das Forças Armadas” – Fonte: Google maps



O povo tomando de assalto a sede da Legião, na Rua de Pedro Hispano, em 25 Abril de 1974 – Cortesia de Ricardo Pereira





Massarelos na planta de Telles Ferreira em 1892




Mais abaixo, já junto ao rio, ficava a célebre fundição de Massarelos, entretanto desaparecida que era propriedade do barão. 
No séc. XIII, onde agora passa a Alameda Basílio Teles existiram umas salinas que ficaram célebres por causa das demandas a que deram origem entre os cónegos da Colegiada de Cedofeita, a Coroa e o próprio Bispo do Porto, porque todos se julgavam com direitos aos foros provenientes do comércio do sal.
Ao longo dos séculos vários reis concederam à igreja de Cedofeita e ao seu abade muitos privilégios, como, por exemplo, os concedidos por D. Dinis, que permitiam aos cónegos da Colegiada a faculdade de "tirarem o sal que quisessem das salinas que estão em Massarelos".
O privilégio referido, concedido por D. Dinis ao Couto de Cedofeita deu azo a prolongado conflito com o bispo do Porto, que considerava as salinas propriedade da Mitra.
As salinas de Massarelos foram, portanto, durante muitos anos a fio, objecto de disputas e contendas em que andaram envolvidos, primeiro, os cónegos de Cedo­feita e o bispo do Porto; depois, este e o rei e, por fim, o próprio rei e os cidadãos do Porto. 
Anteriormente, D. Afonso Henriques, para além de ter doado aos cónegos "as herdades confinantes ou próximas da igreja", concedeu-lhes ainda, direitos sobre todas as pescarias que se fizessem no Douro, na parte em que o rio corria junto ao domínio da Colegiada.
D. Afonso IV, por seu lado, escreveu aos administradores de Gaia dando-lhes instruções para que "não embaraçassem os pescadores de Cedofeita e do logar de Massarelos o pescarem no mar e no rio Douro" porque o faziam por conta do D. Abade de Cedofeita.
A exportação de sal durante os séculos XIV e XV foi de importância vital para o comércio da cidade.
Entre o fim da actual Rua do Ouro e o Viaduto do Cais das Pedras, temos a Alameda Basílio Teles, antiga Alameda de Massarelos.
 


 

Alameda de Massarelos, em 1907 – Fonte: HC White Co. Library of Congress


 
 

Cais de Massarelos, em 1950




A Capela da Nossa Senhora da Boa Viagem


Foi em tempos a matriz da freguesia de Massarelos e ficava ao fundo da Rua do Gólgota diante de um largo ao cimo da antiga Calçada da Boa Viagem, no local onde funcionou uma escola do 1º ciclo de Massarelos.
A Calçada da Boa Viagem, que leva ao antigo local onde a dita capela esteve implantada, principia na Rua do Bicalho e termina, na Rua Capitão Eduardo Romero. O nome ficou nos restos da calçada ligada à Rua do Gólgota até 1571 que separava Cedofeita de Massarelos.
Por sua vez a Rua do Bicalho, bem próxima, teve origem na Calçada da Arrábida.
O topónimo Bicalho, terá nascido na Rua da Bica que existia no registo paroquial em 1684 e será, possivelmente, ainda mais antigo.



“Na era de 1397 (Ano de Cristo de 1359), mandou o rei D. Pedro I construir uma torre no Bicalho, e outra da parte de Gaia para lançar de lado a lado uma forte cadeia de ferro que impedisse a passagem de navios inimigos. Opuseram-se os de Gaia, dizendo que para nada serviria semelhante medida. E nada se chegou a fazer. Bicalho foi outrora sede de uma importante Indústria de fundição de ferro. Assim por exemplo, em 1895 laborava aí a fábrica de António Fernandes de Oliveira, existente já há vinte anos antes, em 1874, com outra de Eugénio Ferreira Pinto Basto, segundo nos informa Pinho Leal, no seu prestante Portugal Antigo e Moderno....”
In "Toponímia Portuense" de Andrea da Cunha e Freitas




Local onde esteve a capela da Boa viagem – Fonte: Google maps




Com as suas quintas, Massarelos nunca deixou de ser uma terra ligada às actividades marítimas e fluviais e era nesse tempo, como já se disse, um Curato (aldeias e povoados com as condições necessárias para se tornarem uma paróquia) subordinado à Colegiada de Cedofeita.
As rendas provenientes dos Curatos pertencem aos Curas, que é um Pastor permanente incumbido de governar os fiéis e ministrar-lhes os sacramentos. Esse Cura era da apresentação de Dom Prior de Cedofeita.
As populações de Massarelos ligadas ao mar e à agricultura labutavam longe do centro de decisão da colegiada de Cedofeita e ainda mais distante do burgo episcopal, alcandorado, lá muito longe, no cimo do morro da Penaventosa.
Foi, tendo em conta o factor do distanciamento e a sentida necessidade que a população local manifestava, para ter a pos­sibilidade de cumprir as suas obrigações re­ligiosas, que levou a colegiada de Cedofeita a autorizar a construção de uma ermida na­quele local.
E assim nasceu em data que se ignora, a primitiva ermida em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem. 
O primitivo templo, que devia ser de dimensões mui­to reduzidas, foi construído por iniciativa dos mareantes do sítio que contribuíam, também, com as suas esmolas e dádivas, para a manutenção do culto.
A imagem da padroeira do templo era muito venerada pelos mareantes. Acontecia que, por vezes, quando chegava um barco, a sua tripulação acostava em Massarelos e seguia até à capela subindo a íngreme ladeira com o comandante à frente, de cabeça descoberta, descalços e com a vela grande às costas, para agradecer a protecção da virgem em alto mar.
Praticamente junto ao terceiro quartel do séc. XVI, mais propriamente em 1570, a paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem de Massarelos foi criada, por desmembramento da de S. Martinho de Cedofeita e a referida capela da Boa Viagem foi transformada em Igreja de Nossa Senhora de Boa Viagem, continuando a pertencer à Colegiada de Cedofeita.
Seja como for, em 1699 era templo já antigo, essa igreja e, estando em situação de ruína, o bispo da altura, D. Frei José de Santa Ma­ria Saldanha, solicitou à confraria que ad­ministrava o templo que desse início a uma campanha destinada à angariação de fun­dos para com eles se custearem as obras de renovação da igreja.
E o que aconteceu é que foi feito um templo novo. 
Com efeito, em 1744, a obra da constru­ção da nova igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem de Massarelos foi arrematada pelo mestre pedreiro José Francisco mas nas obras também trabalharam os pedreiros João Moreira Bouças (ou Boussa?), Manuel Luís e José Pereira Braga. 
Com a construção desta nova igreja, o que antes era um simples curato (templo ou po­voamento pastoreado por um cura), pas­sou a ser uma paróquia (espaço ou igreja da responsabilidade de um pároco) e assim nasceu, entre 1757 e 1758, a nova paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem de Mas­sarelos, antecessora da actual paróquia do Santíssimo Sacramento e o antigo cura passou, a partir daí, a exercer funções sacerdotais mas ainda dependente da Colegiada de Cedofeita, pois, Massarelos ainda não era freguesia e todo o seu território pertencia ao Couto de Cedofeita.


In Memórias Paroquiais de 1758



“A igreja apresentava três altares. No central figurava a imagem da padroeira – Senhora da Boa Viagem – imagem antiquíssima, perfeita, e muito da devoção dos navegantes. No lado do Evangelho, S. Gonçalo; no da Epístola, S. Miguel Arcanjo.”
Fonte - Horácio Marçal, Velho Bairro Piscatório de Massarelos



O templo viria novamente a necessitar de obras em 1804 e 1815. 




Massarelos em 1829 – Painted by Lieat. Col.e Batty; Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”




Na gravura acima, bem no meio, é possível observar-se a Torre da Marca e junto da lateral à esquerda e do canto inferior esquerdo, o que poderá ser uma das raras representações visuais que se conhecem da Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, com a sua torre sineira em destaque. 
Numa outra gravura mais antiga temos uma outra perspectiva de Massarelos em que a capela de Nossa Senhora da Boa Viagem está identificada com 1, a Torre da Marca com 2 e com 3 a igreja do Corpo Santo de Massarelos.



Vista de Massarelos em 1813



Em 1861, pouco mais de um século após a sua construção, a igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem estava em estado de extre­ma degradação. Encontrava-se em tão mau estado que tanto as autoridades civis como religiosas entenderam que não tinha condições para nela continuarem a ser celebradas quaisquer cerimónias religiosas.
Mais, para salvaguardar a integridade física dos vizi­nhos, entendiam que o templo devia ser de­molido.
Em 1868 o estado de ruína da igreja era bem notório o que levou que, a 12 de Março daquele ano, o bispo João de França de Castro e Moura mandasse que o Santíssimo e os bens da confraria fossem levados para a vizinha igreja da confraria das Almas do Corpo Santo das Almas de Massarelos e “que a sede da freguesia ali se conservasse, enquanto se reedificasse a velha matriz ou se não construísse outra”.
No ano seguinte à transferência do S. Sacramento, Joaquim Augusto Kopke, Barão de Massarelos (juiz da confraria do Corpo Santo),  obteve licença do prelado, mandar demolir e vender os restos do velho santuário de tanta devoção dos marinheiros do Douro.
Quase logo a seguir à mudança, os terrenos, junto às Es­cadas do Gólgota, onde haviam estado a ca­pela da Senhora da Boa Viagem, a residên­cia do capelão e o cemitério foram vendi­dos, o que inviabilizou em definitivo a cons­trução de um novo templo. 
As ossadas do cemitério foram trasladadas para o cemitério de Agramonte, já existente na altura.



“Na capela da Boa-Viagem…Tudo foi vendido. O que restava da capela; a casa do sacristão e terreno envolvente; sinos e até algumas imagens. O comandante Coutinho Lanhoso, que escreveu um belo texto sobre a igreja e o culto da Senhora da Boa Viagem, admitiu que uma das imagens vendidas podia muito bem ter sido a de Santo António da Estrada que pertencera à igreja do antigo convento das Carmelitas. Quando, por efeitos da lei da extinção das ordens religiosas, as carmelitas tiveram que abandonar o mosteiro, o dr. Pedro Augusto Ferreira, a pedido de António Alves da Cunha, conseguiu do prelado autorização para que essa imagem fosse cedida à igreja da Boa Viagem. E lá estava quando o templo entrou em ruínas. "Por onde andará agora?", foi a pergunta feita por Coutinho Lanhoso nos anos 60 do século passado. E que se mantém atual, pelos vistos”.
Germano Silva JN, 24-02-2013




Imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem na Igreja do Corpo Santo de Massarelos – Foto: Teófilo Rego




Abaixo se dá conta de notícia, de jornal diário, sobre a Igreja da Senhora da Boa Viagem que, no ano referido, seria a Igreja do Corpo Santo.



Notícia inserida no “Jornal do Porto” 1 de Janeiro de 1876




Sempre foi pensado que seria construído um novo templo no lugar da igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, mas a situação de impasse manteve-se até 1924, ano em que a confraria mudou para a capela dos Marinhos, na Rua da Piedade saindo dali, alguns anos depois, para o seu novo templo na Rua Guerra Junqueiro.
Da igreja da Boa Viagem não há qualquer vestígio hoje!
No seu lugar esteve durante várias décadas uma escola primária que em Abril de 2018 será vendida.



“A Câmara do Porto leva a hasta pública, a 17 de abril, a antiga Escola Básica de Gólgota, com o valor da base de licitação 800 mil euros, anunciou, esta segunda-feira, a autarquia.
Situada na Rua da Boa Viagem, na União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos, a antiga EB1 tem uma área coberta de 249,60 metros quadrados e descoberta de 364.40 metros quadrados, refere ainda a publicação no portal da autarquia”.
In JN, 2 Abril 2018


Panorâmica obtida sobre a Barra do Douro a partir do Palácio de Cristal, c. 1860

Legenda:

1. Quinta do Sacramento, no Palácio de Cristal, onde faleceu o rei Carlos Alberto

2. Palacete do Barão de Massarelos, que já pertencera ao seu avô, Joaquim Köpke, consul de Hamburgo e outras cidades Hanseáticas

3. Capela da Boa Viagem

4. Quinta da Pena

5. Casa dos Arcos

 

A Igreja do S. Sacramento localiza-se na Rua Guerra Junqueiro e teve, então, a sua existência, intimamente ligada à capela da Boa Viagem.





Igreja do S. Sacramento (Rua Guerra Junqueiro) – Ed. portoarc.blogspot.pt

“A Paróquia do Santíssimo Sacramento foi criada por provisão de D. António Barbosa Leão, Bispo do Porto, de 31 de Agosto de 1927 com início de funcionamento paroquial a 15 de Setembro de 1927.
O seu primeiro Pároco foi Monsenhor António Augusto da Fonseca Soares (de 1927 a 1976) a quem sucedeu o pároco, Monsenhor José Pereira Soares Jorge.
Teve um primeiro projecto, mas este foi abandonado por falta de verbas, tendo sido apenas construída a capela-mor. Em 1931 os arquitectos Korrodi retomaram o projecto, observando-o com olhos diferentes, mais de acordo com as novas modas arquitectónicas dos anos 30. O corpo da igreja foi inaugurado em 15 de Maio de 1938, sendo que a grande novidade estava no tratamento das paredes laterais, rasgadas com enormes janelas guarnecidas de vitrais de Ricardo Leone. A capela-mor da igreja foi ainda enriquecida com um retábulo de madeira, inaugurado em 13 de Agosto de 1939”.
Fonte - portoarc.blogspot.pt


A Igreja da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, por outro lado, teve em 1776 o seu início de construção. Apenas passou a ser a igreja paroquial de Massarelos quando a de Santa Maria da Boa Viagem, sede da freguesia caiu em ruínas na segunda metade do século XIX.
Desçendo a Rua da Restauração, ao chegar ao seu fim encontramos o Largo do Adro e a Igreja de Massarelos. A Igreja da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, como é conhecida também, foi erigida em terrenos cedidos pelo capitão de um navio, resultante do seu agradecimento a S. Pedro Gonçalves Telmo, em 1394, que o salvou de um naufrágio bem como os respectivos navegantes, que tinham sofrido uma tempestade quando regressavam de Inglaterra, que vendo-se em grande perigo, no mar da Biscaia, nas véspe­ras do Natal, invocaram o auxílio de Gonçalves Telmo e chegaram sãos e salvos à sua terra de origem.
Na continuação da viagem, os tripulantes do galeão fizeram uma breve paragem em Vigo, na Galiza, e dali foram em peregrinação a Tui, onde está o túmulo de S. Gonçalves Telmo. E foi diante dos restos mortais de S. Gonçalves Telmo que os mari­nheiros prometeram construir uma igreja, em Massarelos em honra do seu santo protector. 
No cumprimento da promessa feita foi erguida uma ermida no “baldio de mato da Paxam” que era um pedaço de terra que o capitão do barco tinha em Massarelos.
À ermida inicial sucedeu um outro templo e finalmente a igreja actual, com traseiras para o Cais da Paixão, hoje das Pedras.
Aqui se estabeleceria a Confraria do Corpo Santo que se dedicava à assistência e protecção dos navegantes e mercadores, bem como, à defesa da costa dos ataques dos piratas argelinos, à realização de seguros marítimos e tinha ainda funções bancárias.
Com barcos próprios, recebia grandes proventos dos seus negócios e doações. 
Um dos confrades terá sido o Infante D. Henrique.
Aqui ocorreu em 1911 um grande acidente em que morreram 11 pessoas, quando descarrilou um eléctrico com dois atrelados, que vinha de Matosinhos e entre os passageiros habituais vinham alguns outros que tinham desembarcado do navio Antony proveniente do Brasil.
A igreja que conhecemos hoje tem um portal com um nicho com o padroeiro, São Pedro González Telmo, também conhecido apenas como São Telmo, frade espanhol da ordem dos dominicanos. O enorme janelão central domina a fachada rematada por uma cruz de pedra. As torres sineiras possuem relógios e toda a fachada é guarnecida com azulejos. De uma só nave, tem um interior relativamente modesto. Na parte de trás, virada ao rio, a Cruz da Ordem de Cristo e um painel de azulejos onde figura o Infante D. Henrique dão voz à tradição deste ter sido um dos confrades desta antiga instituição.
No tesouro da Irmandade existem diversas pratas e uma custódia quinhentista muito bonita. Interessante é o quadro de São Telmo, a óleo, que esteve na igreja, junto à porta, e se guarda hoje na sala das sessões da Confraria. Merecem também referência algumas imagens e o arcaz da sacristia.
Possui ainda um presépio de Machado de Castro ou, pelo menos, da sua escola.
Em 1790, a Rainha D. Maria I oferece à confraria o véu do seu manto real, com pedras preciosas e uma custódia em forma de sol radioso, para a imagem de Nossa Senhora da Conceição.
O Painel de azulejos, com a imagem do infante que se vê na fachada virada para o rio, foi mandada executar ao mestre Mendes da Silva, em 1960, para assinalar os 500 anos, sobre a morte do Infante D. Henrique.
Em 2018, foi inaugurado o Núcleo Museológico da confraria.
Na foto abaixo, as traseiras da igreja, com vista do Cais das Pedras, antigo Cais da Paixão.

 

Igreja Matriz das Almas do Corpo Santo de Massarelos


A freguesia de Massarelos, a partir de finais do século XIX, passou, a exemplo de outras freguesias, a albergar uma multidão de trabalhadores vindos do mundo rural, para ocupar lugares nas indústrias que então despontavam e se desenvolviam, dando origem a uma miríade das chamadas ilhas.
Em Massarelos, já tiveram existência algumas ilhas, praticamente desaparecidas, que se especificam pelos topónimos antigos:
Ilha da Belém (Rua dos Moinhos), Ilha da Dona Ana (na Rua dos Moinhos), Ilha da Dona Rita (na Rua do Triunfo), Ilha da Penhorista (à Rua da Piedade), Ilha de Santo António (na Rua da Piedade), Ilha do Arantes (na Rua do Campo Alegre), Ilha da Parceria (no Campo Pequeno), Ilha do Castanheira (ao Campo Pequeno), Ilha do Cordoeiro (no Campo Pequeno), Ilha do Marques (no Campo Pequeno), Ilha do Miquelino (ao Campo Pequeno), Ilha do Cruzinho (na Rua do Bom Sucesso), Ilha do Gabriel (ao Largo do Bom Sucesso), Ilha do Guimarães (na Rua da Piedade), Ilha dos Boticários (na Rua da Piedade), Ilha do Doutor (na Rua da Piedade), Ilha do Serafim (na Rua do Príncipe), Ilha do Teixeira (na Rua da Arrábida), Ilha do Vintém (na Rua do Campo Alegre), Ilha dos Marinhos (à Rua do Campo Alegre).


(CONTINUA)

4 comentários:

  1. Boa tarde. Diz que as quintas dos Arcos e do Horto Botânico se situavam junto à Rua de Entre Quintas. Conheço a referência às quintas, do livro de Agostinho Rebelo da Costa, mas não a ligação à R. de Entre Quintas.
    Estou a pesquisar a localização da Quinta do Horto, pelo que gostaria muito de saber em que se baseia, pode indicar-me a fonte, por favor?

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    1. Antes de mais, devo transmitir-lhe o quanto agradecido estou pela questão que me coloca e ainda, pelo facto, de ter o prazer da sua visita a este blogue, que faço com todo o carinho.
      Tal não impede, por vezes, de ser confrontado com situações, possivelmente incorrectas e que urgem ser corrigidas.
      Parece ser este o caso, pois não encontrei a fonte que me solicitou, tendo chegado, apenas, à conclusão que devo ter feito uma interpretação errada do trecho da obra “Descripção Topográfica e Histórica da cidade do Porto” de Agostinho Rebelo da Costa, na qual me baseei, inicialmente, ao localizar, a Quinta dos Arcos e do Horto Botânico, à Rua de Entre Quintas.
      Penso que a Quinta dos Arcos está situada próximo das ruas da Boa Viagem e do Bicalho e dela fazia parte a Casa dos Arcos, que foi sede da Legião Portuguesa, a partir da década de 1940, o que especifico no blogue.
      Quanto à Quinta do Horto Botânico, atendendo que a referência feita por Agostinho Rebelo da Costa será anterior à data de publicação da obra referida, o ano de 1788, ela tentará especificar uma unidade destinada ao cultivo de plantas medicinais, conforme narra Ilídio Araújo em “Jardins, Quintas e Parques de Recreio no Aro do Porto”.
      No entanto, agora, fiquei deveras curioso sobre a localização da Quinta do Horto Botânico, referida por Agostinho Rebelo da Costa, da qual desconheço a localização.
      Por esta razão, ficaria muito agradecido, se no âmbito das suas pesquisas e na hipótese de ser bem-sucedida, me fazia chegar essa informação.
      Em resumo: está corrigida a informação errada, inicial.
      Esperando continuar a merecer as suas visitas na consulta ao blogue, sou
      Com os meus cumprimentos

      Américo Conceição

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    2. Caro Américo,
      Muito obrigada pela sua rápida e esclarecedora resposta.
      Infelizmente, neste momento este é um assunto um pouco tangencial ao que estou a pesquisar, pelo que não consigo dedicar-lhe mais tempo, mas espero de futuro conseguir fazê-lo.
      Diz que pensa que a Casa dos Arcos estava integrada na Quinta dos Arcos. É uma assunção lógica, pelos nomes, ou tem uma fonte que o confirma? Desculpe esta insistência nas fontes, mas já por várias vezes percebi estar a seguir caminhos errados por assumir ligações que me pareciam óbvias, mas que afinal não eram certas.
      Cumprimentos e até breve,

      Sandra Mesquita

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    3. De facto, a ligação da Casa dos Arcos à Quinta dos Arcos resultou, apenas, de uma dedução lógica. Quanto a outras deduções que a Sandra detectou que não são correctas, muito agradecido ficaria que mas apontasse sempre que tal se lhe deparar.
      Cumprimento e boas pesquisas.

      Américo Conceição

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