quinta-feira, 3 de agosto de 2017

(Continuação 24) - Actualização em 11/07/2018


Rua da Bandeirinha e Palácio das Sereias

A Rua da Bandeirinha inicialmente Rua da Bandeirinha da Saúde é a continuação natural da Rua de Sobre-o-Douro que, no dizer de alguns autores, era o local de passagem da antiquíssima estrada romana descrita no famoso itinerário de Antonino (Via Vetera).
A "via vetera" (estrada velha) dos ro­manos começava na margem direita do rio Douro, junto da Praia de Miragaia e continuava pelo cais das Pedras, em Massarelos. Era a partir daqui, por Entre Quin­tas e, mais além, por onde estão hoje as ruas da Boa Nova e Boa Hora, continuando pela moderna Rua de Aní­bal Cunha, a continuação da tal estrada ro­mana por onde viajava quem pretendesse ir para Braga ou Astorga. 
Já a encontramos, assim chamada de, Rua da Bandeirinha, em emprazamentos da Misericórdia, a partir de 1789 e, é natural que venha, pelo menos, de meados do século XVIII.
A Rua da Bandeirinha deve o seu nome à bandeira da saúde que era içada em frente à Casa das Sereias no cimo de um mastro e tinha, como função, avisar os barcos que demandavam o Douro da necessidade da vistoria sanitária (tempos de peste!).
Quando um barco entrava no Douro e via num mastro ser içada uma bandeira, teria que estacionar no meio do rio em frente a esse local e esperar a visita efectuada pelos guardas-mores da saúde.
Hoje é uma artéria sossegada, com pouco movimento, que nos remonta para outras épocas e onde a marca judaica de outrora, apenas sobrevive na toponímia das cercanias.
A rua termina no Largo do Viriato.
O principal ex-libris da rua é o já citado Palácio das Sereias (ou por motivos evidentes, das “Mamudas”), que é assim designado por causa das 2 sereias de granito que nos dão as boas vindas à entrada do edifício. Pertenceu à família Cunha Osório Portocarrero, oriundos do Marco de Canaveses, até aos anos 50 do século XX, altura em que foi vendido ao Instituto das Filhas da Caridade Canossianas Missionárias.
No séc. XVI, o fidalgo D. Pedro da Cunha, senhor da Maia, manda construir uma casa na zona onde havia estado uma judiaria, ao fundo da Rua da Bandeirinha, antigo Monte dos Judeus.
Após a sua morte, sua esposa, Dona Brites de Vilhena, deu continuidade a uma promessa com a fundação, em parte daqueles chãos, do Convento de Monchique.
No séc. XVIII, ainda por ali residiam elementos da família Cunha e Vilhena, mas, mais tarde, passaria a propriedade para a família Portocarrero, devido a diversas ligações matrimoniais.
Durante o séc. XVIII, a casa primitiva com as respectivas benfeitorias terá sido reformulada para uma dimensão mais grandiosa, resultando então, o Palácio ou Casa das Sereias, de grande imponência pela sua dimensão que se distingue na paisagem de Miragaia.
A primeira intervenção na casa pela mão da família Portocarrero foi feita, c. 1689, por Manuel da Cunha Coutinho de Portocarrero, 17º Senhor da Torre de Portocarrero e Honra de Portocarreiro, em Vila Boa de Quires, 9º Senhor de Valbom, 5º Morgado de Melres, Senhor do Paço de Valpedre, em Penafiel e da casa de Pombal, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado em 1683, na igreja matriz de Melres, com D. Maria Luiza Coutinho Correa Botelho de Alarcão e Albuquerque, herdeira da Casa de Travanca, em Lamego.
No Palácio das Sereias já terá nascido o seu filho João da Cunha Coutinho Osório de Portocarrero (1689–1761), que terá concluído o restauro do Palácio das Sereias ainda, antes, de 1735.



Entrada do Palácio da Sereias (ou das “Mamudas”) - Jorge Leigo; Fonte: “ruasdoporto.blogspot.pt”




Palácio das Sereias ou do Portocarrero - Fonte Wikipédia



À direita na pirâmide era içada a bandeira da saúde - Ed. Isabel Silva



No número 45 da Rua da Bandeirinha, viveu e faleceu, em 27 de Julho de 1937, o Dr. Gonçalo Sampaio, botânico e musicólogo, professor da Academia Politécnica do Porto e com um busto no jardim botânico.
Foi um monárquico convicto, tendo chegado a estar exilado, tendo apoiado a “ Monarquia do Norte “ em 1918, pelo que esteve preso.


Casa em que viveu o Dr. Gonçalo Sampaio






Busto de Gonçalo Sampaio no Jardim Botânico da autoria de Abel Salazar



No nº 67, da Rua da Bandeirinha, tinha o pintor Alberto Ayres de Gouveia (Porto, 3 Março de 1867; Porto, 12 de Outubro de 1941), o seu atelier onde compôs muitos dos seus trabalhos, embora também tenha executado outros, ali bem perto, na Rua da Restauração, nº 386, na casa dos seus pais, Joaquim Frutuoso Ayres de Gouvêa (exportador de vinhos) e Felismina Adelaide Rodrigues Ayres de Gouvêa, casados em 22 de Outubro de 1863.
Como nota de curiosidade, nas cercanias da Rua da Bandeirinha e já no Monte dos Judeus, existe uma fonte que para ali foi trazida do demolido Mercado do Peixe que ficava onde hoje se encontra o Palácio da Justiça.




Bairro do Ignez – Ed. “portonorte.blogspot.pt”


Também perto da Rua da Bandeirinha existe um edifício amarelo (na foto acima) que fica na Rua de Sobre-o-Douro e que tem escrito o nome de “Vila Ignez” e também é conhecido pelo Bairro do Ignez, que constitui um verdadeiro balcão sobre o rio Douro.
Pertenceu ao Conde de Burnay (que o comprou a um industrial que tinha aqui uma serração com o nome sugestivo de União Industrial Portuense), que o vendeu em 1889 a um capitalista de nome Ignês Martins Guimarães. É este industrial que vai transformar a fábrica num bairro para os operários que trabalhavam nas diversas indústrias que estavam localizadas nesta zona da cidade.
Depois de um período de decadência e já nos anos 90 do século XX, o arquitecto Fernando Távora lidera uma equipa que o reabilitou e hoje é um caso de sucesso, já que é local de residências para diversas famílias já idosas e também, para jovens do programa Erasmus.
As ruínas que ficam abaixo são o que resta do Convento de Monchique imortalizado por Camilo no “Amor de Perdição”.



Largo do Viriato e Rua da Restauração


A Rua da Restauração só começaria a ser rasgada em 1816 ano em que foi aprovada a sua abertura através do Campo da Agra que fazia parte do Casal do Robalo, sendo que, em parte deste, se levantou o Hospital de Santo António.
A abertura da Rua da Restauração decorreu de uma iniciativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto, segundo um projeto que havia sido aprovado no ano de 1815, pela Junta das Obras Públicas. 
Teria começado por se chamar a Rua do Hospital e, depois foi Rua Nova da Bandeirinha.


Hospital de Santo António



Hospital de Santo António em 1898


Fonte: ”gisaweb.cm-porto.pt”


Na planta acima com a identificação das propriedades cortadas  pelo traçado de ligação projectado até Massarelos, a rua aparece como Rua Nova da Bandeirinha em processo que decorreu entre 1826 e 1828 e que compreendeu petição dos habitantes da Cordoaria, Rua dos Fogueteiros, Rua da Bandeirinha (nova e velha), Torre da Marca, Rua do Rosário e outras, pedindo providências para tornar transitável o troço junto à parte sul do Hospital de Santo António.
Durante o reinado do rei usurpador, de 1828 a 1833, foi Rua de D. Miguel.
Na planta de 1839 de Joaquim Costa Lima, é Rua da Restauração (topónimo que nada tem a ver com 1640).
Em plantas de meados do século XIX, aparece como Rua da Regeneração, após a queda do governo de Costa Cabral em 1851, mas, acabará por ser até hoje, a Rua da Restauração. 

“Pretendia-se com esta obra abrir uma rua que, cortando, embora, parte da quinta da Ban­deirinha, estabelecesse uma ligação da Rua do Rosário com a Alameda de Massarelos, local com intensa industrialização com unidades como as fundições de Massarelos e do Campo do Rou.
A nova artéria levou muitos anos a ser cons­truída. Muitos mais do que aqueles que inicial­mente estavam previstos, por causa das condi­ções muito acidentadas do terreno, que obri­garam à realização de obras extras, como foi o caso de dois enormes paredões, um junto à fa­chada lateral do Hospital de Santo António vol­tada a poente; e a outro na parte da nova arté­ria sobranceira ao mosteiro de Monchique.
Em 1825, a rua ainda não tinha nome, mas a Santa Casa já andava a "subemprazar chãos" (a vender talhões) nas faixas laterais para a construção de casas. Três anos depois (1828), apesar de ainda andar em obras, já tinha bas­tante movimento e deram-lhe o nome de Rua D. Miguel do monarca que então reinava, D. Miguel, o usurpador. 
Aquela denominação manteve-se somente até 1832, ano em que D. Pedro IV entrou no Por­to à frente dos 7500 bravos do Exército Liber­tador. A partir deste ano, a artéria passou a chamar-se da Restauração, em memória do resta­belecimento em Portugal de um Governo cons­titucional. Nada a ver com a data de 1640. 
O paredão construído na parte superior da rua foi a mais importante fase de toda a obra. Antes da existência do paredão, a ligação entre o Largo do Viriato e o campo dos Mártires da Pátria fazia-se por um "escabroso e íngreme caminho recortado entre penedos", escreveu Horácio Marçal, numa curiosa história que tra­çou da Rua da Restauração. 
A esse "escabroso caminho" corresponde hoje a Rua da Lage, que liga a Rua de Azeve­do de Albuquerque, antiga Rua dos Foguetei­ros, com a Cordoaria, também conhecida por campo dos Mártires da Pátria.
Tal como já acontecera no paredão da vizinha alameda das Virtudes, algumas pessoas, quando se desencantavam da vida, para sair dela atiravam-se do alto do paredão da Rua da Restauração para o laje­do da antiga Rua dos Fogueteiros. A Câma­ra, para evitar esses desaires, fez, o que já em tempos idos, havia feito nas Virtudes: mandou colocar sobre o muro do paredão aquele elegante gradeamento que ainda hoje lá vemos. 
Podemos dizer que a abertura da Rua da Restauração obedeceu a três projetos: o pri­meiro relativo à parte que vai do Largo do Viriato até junto da Rua de Sobre-o-Douro; o segundo o que respeita à construção do paredão, junto ao Hospital de Santo Antó­nio; e o terceiro, a parte final junto à Alame­da de Massarelos. 
O traçado inicial para esta parte da rua previa uma linha direta da referida alame­da à Rua de Sobre-o-Douro. Mas isso obri­gava à demolição de vários prédios e a ex­propriação dos mesmos iria prolongar-se por muito tempo e aumentaria considera­velmente os custos da empreitada. Optou-se pelo traçado actual e pelo cotovelo que a artéria ali apresenta. 
Este troço da rua só foi concluído em 1853. Até aí, quem pretendesse subir da Ala­meda de Massarelos até ao Largo do Viriato tinha que subir a calçada, hoje rua, de So­bre-o-Douro e, depois, a Rua da Bandeiri­nha. 
Por sua vez o Largo de Viriato sofreu uma profunda alteração quando já iam adiantadas as obras da rua a que viria a ser dado o nome de Rua da Restauração, en­tre 1816/1828.
Até aí, o largo propriamente dito não existia. A antiga Rua dos Foguetei­ros, actual Rua de Azevedo Albuquerque, li­gava diretamente com a Rua da Bandeiri­nha e na confluência saía para a Rua dos Quartéis uma outra que em 1825 aparece mencionada como Rua dos Carrancas. Foi depois Rua da Liberdade e agora é Rua Alberto Aires de Gouveia.
Com a construção do largo, desapare­ceu o palacete dos Morais e Castro, que se mudaram para a nova residência da Rua do Triunfo, agora de D. Manuel II, o edifício dos Carrancas, onde está o Museu Nacional de Soares dos Reis; e também levou sumiço a linda capela de Santo António da Bandeiri­nha, que ficava sensivelmente defronte do sítio onde estão os balneários”.
Com a devida vénia a Germano Silva


Planta de Perry Vidal de 1844 corrigida em 1865


A planta anterior é de 1844 tendo sido acrescentada, em pormenores, para a inauguração do Palácio de Cristal em 1865.
Nela se vê que a Rua da Restauração, a azul, ainda não está ligada a Massarelos. Aliás, nesse documento distribuído aos visitantes à data da inauguração do Palácio de Cristal em 1865, aparece identificada como Rua da Regeneração (cujo período político, do qual o seu nome deriva, teve existência entre 1851 e 1868). Assim, à data da referida inauguração, a rua era apresentada com o topónimo correcto, mas o perfil da rua não tinha sofrido na planta, a actualização que se impunha, já que, desde 1853 já estava concluído o troço que a ligava a Massarelos, através do seu característico “cotovelo". 


Vista parcial do Porto. Cliché de Carlos Relvas, 1871. In Panorama Fotográfico de Portugal, Coimbra 1872, p. 20-21



Na foto acima é possível observar, em destaque, a Rua da Restauração, o convento de Monchique e a Alfândega Nova, começada a construir dois anos antes.
Podemos observar ainda o começo da Rua de Sobre-o Douro e, mais acima, pelo lado direito da rua, o Palacete Silva Monteiro.


Clínica do Prof. Alberto Aguiar – Fonte: JPortojo

Nos edifícios acima esteve instalada uma clínica privada, do Professor Alberto Pereira Pinto de Aguiar, que aí tinha, também, a sua residência.


O mesmo local – Fonte: Google maps


Por comparação das duas fotos anteriores, é possível verificar que o prédio de cota mais baixa ainda existe e, por outro lado, que o edifício actual foi ampliado em torno do edificado primitivo.


“O edifício foi sendo aumentado e ainda mostra, gravada na pedra, a legenda Laboratório Médico. Hoje, numa parte alberga escritórios de advogados, mas presumo que ainda mantém o recheio pertença da família.
Alberto de Aguiar nasceu no Porto a 22 de Setembro de 1868 e faleceu a 27 de Abril de 1948. Em 1893 licenciou-se pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e três anos depois editaria a sua tese de doutoramento referente à urologia. Leccionou várias cadeiras na Escola Médica e mais tarde na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entre 1896 e 1935, ano da sua jubilação. Durante 5 anos dirigiu o Laboratório Nobre resultante de um acordo entre a Escola Médico-Cirúrgica e o Hospital de Santo António”.
Fonte: JPortojo


Publicidade ao laboratório do Professor Alberto Aguiar




O Largo do Viriato, que já foi Largo de Santo António da Bandeirinha, é o local onde outrora existiu a casa nobre dos Morais e Castro (Manuel Mendes Morais e Castro foi agraciado em 1836 com o título de Barão de Nevogilde, pelos serviços prestados à causa liberal), que ali viviam antes de se mudarem para o Palácio dos Carrancas, construído em 1795 (hoje é o Museu Nacional Soares dos Reis).
Durante as invasões francesas e durante as contendas do Cerco do Porto, o Palácio seria ocupado para servir intervenientes nessas realidades.
O Largo do Viriato, que foi chamado de Largo de Santo António da Bandeirinha, devia este nome à capela de Santo António da Bandeiri­nha, que, aí existiu, pertencente a uma quinta que, noutros tempos, integrou o famoso prazo da Bandeirinha que se estendia, em larga medida, pelo que é hoje a Rua da Restauração.
A residência dos Carrancas inicialmente, ficava na confluência das ruas do Fogueteiros, da Bandeirinha e dos Carrancas.
Demolida em 1841, levou os Morais e Castro para a sua outra residência e conduziu ao surgimento do espaço do Largo do Viriato.
Este largo ficava, assim, na confluência das ruas da Restauração, dos Fogueteiros (actual Azevedo Albuquerque) e da Bandeirinha e, o seu ajar­dinamento aconteceu já depois de 1853. Passados mais alguns anos, após a cida­de ter sido invadida pela epidemia do tifo exante­mático, a Câmara mandou construir balneá­rios públicos na placa ajardinada. 
A mencionada Rua dos Carrancas, tomaria o nome de Rua da Liberdade por nesses terrenos terem sido sepultados os liberais mandados executar na Praça Nova (actual Praça da Liberdade) por D. Miguel durante a guerra civil e que se tornariam nos “Mártires da Liberdade”.
Até 1732, ano em que se começou a levantar a Igreja dos Clérigos, o terreno em que seria erigida, servia de cemitério para quem era executado na forca. Essa área conhecida como Cerro dos Enforcados foi transferida, bem como uma pequena capela aí existente conhecida por Capela do Senhor dos Aflitos, para uns terrenos nas traseiras do actual Hospital de Santo António, à face da Rua dos Carrancas, permitindo assim, a construção da igreja dos Clérigos.
Na Rua dos Carrancas ficou a transladada e substituta Capela do Senhor dos Aflitos, para onde foi um cruzeiro da mesma devoção.


Rua da Restauração junto ao Largo do Viriato em meados do século XX

As construções visíveis à esquerda da foto acima já foram há muito demolidas.





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