Rua da Bandeirinha e
Palácio das Sereias
A Rua
da Bandeirinha inicialmente Rua
da Bandeirinha da Saúde é a
continuação natural da Rua de Sobre-o-Douro que, no dizer de
alguns autores, era o local de passagem da antiquíssima estrada romana descrita
no famoso itinerário de Antonino (Via Vetera).
A "via
vetera" (estrada velha) dos romanos começava na margem direita do rio
Douro, junto da Praia de Miragaia e continuava pelo cais das Pedras, em
Massarelos. Era a partir daqui, por Entre Quintas e, mais além, por onde estão
hoje as ruas da Boa Nova e Boa Hora, continuando pela moderna Rua de Aníbal
Cunha, a continuação da tal estrada romana por onde viajava quem pretendesse
ir para Braga ou Astorga.
Já a encontramos, assim
chamada de, Rua da Bandeirinha, em emprazamentos da Misericórdia, a partir de
1789 e, é natural que venha, pelo menos, de meados do século XVIII.
A Rua da Bandeirinha
deve o seu nome à bandeira da saúde que era içada em frente à Casa das Sereias
no cimo de um mastro e tinha, como função, avisar os barcos que demandavam o
Douro da necessidade da vistoria sanitária (tempos de peste!).
Quando um barco
entrava no Douro e via num mastro ser içada uma bandeira, teria que estacionar
no meio do rio em frente a esse local e esperar a visita efectuada pelos
guardas-mores da saúde.
Hoje é uma artéria
sossegada, com pouco movimento, que nos remonta para outras épocas e onde a
marca judaica de outrora, apenas sobrevive na toponímia das cercanias.
A rua termina no
Largo do Viriato.
O principal
ex-libris da rua é o já citado Palácio das Sereias (ou por motivos evidentes,
das “Mamudas”), que é assim designado por causa das 2 sereias de granito que nos
dão as boas vindas à entrada do edifício. Pertenceu à família Cunha Osório
Portocarrero, oriundos do Marco de Canaveses, até aos anos 50 do século XX,
altura em que foi vendido ao Instituto das Filhas da Caridade Canossianas
Missionárias.
No séc. XVI, o
fidalgo D. Pedro da Cunha, senhor da Maia, manda construir uma casa na zona
onde havia estado uma judiaria, ao fundo da Rua da Bandeirinha, antigo Monte
dos Judeus.
Após a sua morte,
sua esposa, Dona Brites de Vilhena, deu continuidade a uma promessa com a
fundação, em parte daqueles chãos, do Convento de Monchique.
No séc. XVIII, ainda
por ali residiam elementos da família Cunha e Vilhena, mas, mais tarde, passaria
a propriedade para a família Portocarrero, devido a diversas ligações
matrimoniais.
Durante o séc.
XVIII, a casa primitiva com as respectivas benfeitorias terá sido reformulada para
uma dimensão mais grandiosa, resultando então, o Palácio ou Casa das Sereias,
de grande imponência pela sua dimensão que se distingue na paisagem de Miragaia.
A primeira
intervenção na casa pela mão da família Portocarrero foi feita, c. 1689, por
Manuel da Cunha Coutinho de Portocarrero, 17º Senhor da Torre de Portocarrero e
Honra de Portocarreiro, em Vila Boa de Quires, 9º Senhor de Valbom, 5º Morgado
de Melres, Senhor do Paço de Valpedre, em Penafiel e da casa de Pombal, Fidalgo
Cavaleiro da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado em 1683, na
igreja matriz de Melres, com D. Maria Luiza Coutinho Correa Botelho de Alarcão
e Albuquerque, herdeira da Casa de Travanca, em Lamego.
No Palácio das
Sereias já terá nascido o seu filho João da Cunha Coutinho Osório de Portocarrero (1689–1761),
que terá concluído o restauro do Palácio das Sereias ainda, antes, de 1735.
Entrada do Palácio
da Sereias (ou das “Mamudas”) - Jorge Leigo; Fonte: “ruasdoporto.blogspot.pt”
Palácio das Sereias
ou do Portocarrero - Fonte Wikipédia
À direita na
pirâmide era içada a bandeira da saúde - Ed. Isabel Silva
No número 45 da Rua
da Bandeirinha, viveu e faleceu, em 27 de Julho de 1937, o Dr. Gonçalo Sampaio, botânico e musicólogo, professor
da Academia Politécnica do Porto e com um busto no jardim botânico.
Foi um monárquico
convicto, tendo chegado a estar exilado, tendo apoiado a “ Monarquia do Norte “
em 1918, pelo que esteve preso.
Busto de Gonçalo
Sampaio no Jardim Botânico da autoria de Abel Salazar
No nº 67, da Rua da Bandeirinha, tinha o pintor Alberto Ayres de Gouveia (Porto, 3 Março de 1867; Porto, 12 de Outubro de 1941), o seu atelier onde compôs muitos dos seus trabalhos, embora também tenha executado outros, ali bem perto, na Rua da Restauração, nº 386, na casa dos seus pais, Joaquim Frutuoso Ayres de Gouvêa (exportador de vinhos) e Felismina Adelaide Rodrigues Ayres de Gouvêa, casados em 22 de Outubro de 1863.
Como nota de
curiosidade, nas cercanias da Rua da Bandeirinha e já no Monte dos Judeus,
existe uma fonte que para ali foi trazida do demolido Mercado do Peixe que
ficava onde hoje se encontra o Palácio da Justiça.
Bairro do Ignez –
Ed. “portonorte.blogspot.pt”
Também perto da Rua da
Bandeirinha existe um edifício amarelo (na foto acima) que fica na Rua de
Sobre-o-Douro e que tem escrito o nome de “Vila Ignez” e também é conhecido
pelo Bairro do Ignez, que constitui um verdadeiro balcão sobre o rio Douro.
Pertenceu ao Conde
de Burnay (que o comprou a um industrial que tinha aqui uma serração com o nome
sugestivo de União Industrial Portuense), que o vendeu em 1889 a um capitalista
de nome Ignês Martins Guimarães. É este industrial que vai transformar a
fábrica num bairro para os operários que trabalhavam nas diversas indústrias
que estavam localizadas nesta zona da cidade.
Depois de um período
de decadência e já nos anos 90 do século XX, o arquitecto Fernando Távora
lidera uma equipa que o reabilitou e hoje é um caso de sucesso, já que é local
de residências para diversas famílias já idosas e também, para jovens do
programa Erasmus.
As ruínas que ficam
abaixo são o que resta do Convento de Monchique imortalizado por Camilo no
“Amor de Perdição”.
Largo do Viriato e Rua da Restauração
A Rua da
Restauração só começaria a ser rasgada em 1816 ano em que foi aprovada a sua
abertura através do Campo da Agra
que fazia parte do Casal do Robalo,
sendo que, em parte deste, se levantou o Hospital de Santo António.
A abertura
da Rua da Restauração decorreu de uma iniciativa da Santa Casa da Misericórdia
do Porto, segundo um projeto que havia sido aprovado no ano de 1815, pela Junta
das Obras Públicas.
Teria
começado por se chamar a Rua do Hospital e, depois
foi Rua Nova da Bandeirinha.
Hospital
de Santo António
Hospital
de Santo António em 1898
Fonte: ”gisaweb.cm-porto.pt”
Na planta
acima com a identificação das propriedades cortadas pelo traçado de
ligação projectado até Massarelos, a rua aparece como Rua Nova da Bandeirinha
em processo que decorreu entre 1826 e 1828 e que compreendeu petição dos
habitantes da Cordoaria, Rua dos Fogueteiros, Rua da Bandeirinha (nova e velha),
Torre da Marca, Rua do Rosário e outras, pedindo providências para tornar
transitável o troço junto à parte sul do Hospital de Santo António.
Durante o
reinado do rei usurpador, de 1828 a 1833, foi Rua de D. Miguel.
Na planta de
1839 de Joaquim Costa Lima, é Rua da Restauração (topónimo que nada
tem a ver com 1640).
Em plantas
de meados do século XIX, aparece como Rua da Regeneração, após
a queda do governo de Costa Cabral em 1851, mas, acabará por ser até hoje, a
Rua da Restauração.
“Pretendia-se com esta obra
abrir uma rua que, cortando, embora, parte da quinta da Bandeirinha,
estabelecesse uma ligação da Rua do Rosário com a Alameda de Massarelos, local
com intensa industrialização com unidades como as fundições de Massarelos e do
Campo do Rou.
A nova artéria levou muitos
anos a ser construída. Muitos mais do que aqueles que inicialmente estavam
previstos, por causa das condições muito acidentadas do terreno, que obrigaram
à realização de obras extras, como foi o caso de dois enormes paredões, um
junto à fachada lateral do Hospital de Santo António voltada a poente; e a
outro na parte da nova artéria sobranceira ao mosteiro de Monchique.
Em 1825, a rua ainda não
tinha nome, mas a Santa Casa já andava a "subemprazar chãos" (a
vender talhões) nas faixas laterais para a construção de casas. Três anos
depois (1828), apesar de ainda andar em obras, já tinha bastante movimento e
deram-lhe o nome de Rua D. Miguel do monarca que então reinava, D.
Miguel, o usurpador.
Aquela denominação
manteve-se somente até 1832, ano em que D. Pedro IV entrou no Porto à frente
dos 7500 bravos do Exército Libertador. A partir deste ano, a artéria passou a
chamar-se da Restauração, em memória do restabelecimento em Portugal de um
Governo constitucional. Nada a ver com a data de 1640.
O paredão construído na
parte superior da rua foi a mais importante fase de toda a obra. Antes da
existência do paredão, a ligação entre o Largo do Viriato e o campo dos
Mártires da Pátria fazia-se por um "escabroso e íngreme caminho recortado
entre penedos", escreveu Horácio Marçal, numa curiosa história que traçou
da Rua da Restauração.
A esse "escabroso
caminho" corresponde hoje a Rua da Lage, que liga a Rua de Azevedo de
Albuquerque, antiga Rua dos Fogueteiros, com a Cordoaria, também conhecida por
campo dos Mártires da Pátria.
Tal como já acontecera no
paredão da vizinha alameda das Virtudes, algumas pessoas, quando se
desencantavam da vida, para sair dela atiravam-se do alto do paredão da Rua da
Restauração para o lajedo da antiga Rua dos Fogueteiros. A Câmara, para
evitar esses desaires, fez, o que já em tempos idos, havia feito nas Virtudes:
mandou colocar sobre o muro do paredão aquele elegante gradeamento que ainda
hoje lá vemos.
Podemos dizer que a abertura
da Rua da Restauração obedeceu a três projetos: o primeiro relativo à parte
que vai do Largo do Viriato até junto da Rua de Sobre-o-Douro; o segundo o que
respeita à construção do paredão, junto ao Hospital de Santo António; e o
terceiro, a parte final junto à Alameda de Massarelos.
O traçado inicial para esta
parte da rua previa uma linha direta da referida alameda à Rua de
Sobre-o-Douro. Mas isso obrigava à demolição de vários prédios e a expropriação
dos mesmos iria prolongar-se por muito tempo e aumentaria consideravelmente os
custos da empreitada. Optou-se pelo traçado actual e pelo cotovelo que a
artéria ali apresenta.
Este troço da rua só foi
concluído em 1853. Até aí, quem pretendesse subir da Alameda de Massarelos até
ao Largo do Viriato tinha que subir a calçada, hoje rua, de Sobre-o-Douro e,
depois, a Rua da Bandeirinha.
Por sua vez o Largo de
Viriato sofreu uma profunda alteração quando já iam adiantadas as obras da rua
a que viria a ser dado o nome de Rua da Restauração, entre 1816/1828.
Até aí, o largo propriamente
dito não existia. A antiga Rua dos Fogueteiros, actual Rua de Azevedo
Albuquerque, ligava diretamente com a Rua da Bandeirinha e na confluência
saía para a Rua dos Quartéis uma outra que em 1825 aparece mencionada como Rua
dos Carrancas. Foi depois Rua da Liberdade e agora é Rua Alberto
Aires de Gouveia.
Com a construção do largo,
desapareceu o palacete dos Morais e Castro, que se mudaram para a nova
residência da Rua do Triunfo, agora de D. Manuel II, o edifício dos Carrancas,
onde está o Museu Nacional de Soares dos Reis; e também levou sumiço a linda
capela de Santo António da Bandeirinha, que ficava sensivelmente defronte do
sítio onde estão os balneários”.
Com a
devida vénia a Germano Silva
Planta de
Perry Vidal de 1844 corrigida em 1865
A planta
anterior é de 1844 tendo sido acrescentada, em pormenores, para a inauguração
do Palácio de Cristal em 1865.
Nela se vê
que a Rua da Restauração, a azul, ainda não está ligada a
Massarelos. Aliás, nesse documento distribuído aos visitantes à data da
inauguração do Palácio de Cristal em 1865, aparece identificada como Rua
da Regeneração (cujo período político, do qual o seu nome deriva,
teve existência entre 1851 e 1868). Assim, à data da referida inauguração, a
rua era apresentada com o topónimo correcto, mas o perfil da rua não tinha
sofrido na planta, a actualização que se impunha, já que, desde 1853 já estava
concluído o troço que a ligava a Massarelos, através do seu característico
“cotovelo".
Vista parcial
do Porto. Cliché de Carlos Relvas, 1871. In Panorama Fotográfico de Portugal,
Coimbra 1872, p. 20-21
Na foto acima
é possível observar, em destaque, a Rua da Restauração, o convento de Monchique
e a Alfândega Nova, começada a construir dois anos antes.
Podemos
observar ainda o começo da Rua de Sobre-o Douro e, mais acima, pelo lado
direito da rua, o Palacete Silva Monteiro.
Clínica do Prof. Alberto Aguiar –
Fonte: JPortojo
Nos edifícios acima esteve instalada
uma clínica privada, do Professor Alberto Pereira Pinto de Aguiar, que aí
tinha, também, a sua residência.
O mesmo local – Fonte: Google maps
Por comparação das duas fotos
anteriores, é possível verificar que o prédio de cota mais baixa ainda existe
e, por outro lado, que o edifício actual foi ampliado em torno do edificado
primitivo.
“O edifício foi sendo aumentado e ainda mostra,
gravada na pedra, a legenda Laboratório Médico. Hoje, numa parte alberga
escritórios de advogados, mas presumo que ainda mantém o
recheio pertença da família.
Alberto de Aguiar nasceu no Porto a 22 de Setembro de 1868 e faleceu a 27 de Abril de 1948. Em 1893 licenciou-se pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e três anos depois editaria a sua tese de doutoramento referente à urologia. Leccionou várias cadeiras na Escola Médica e mais tarde na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entre 1896 e 1935, ano da sua jubilação. Durante 5 anos dirigiu o Laboratório Nobre resultante de um acordo entre a Escola Médico-Cirúrgica e o Hospital de Santo António”.
Alberto de Aguiar nasceu no Porto a 22 de Setembro de 1868 e faleceu a 27 de Abril de 1948. Em 1893 licenciou-se pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e três anos depois editaria a sua tese de doutoramento referente à urologia. Leccionou várias cadeiras na Escola Médica e mais tarde na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entre 1896 e 1935, ano da sua jubilação. Durante 5 anos dirigiu o Laboratório Nobre resultante de um acordo entre a Escola Médico-Cirúrgica e o Hospital de Santo António”.
Fonte: JPortojo
O Largo do
Viriato, que já foi Largo de Santo
António da Bandeirinha, é o local onde outrora existiu a casa nobre dos
Morais e Castro (Manuel Mendes Morais e Castro foi agraciado em 1836 com o
título de Barão de Nevogilde, pelos serviços prestados à causa liberal), que
ali viviam antes de se mudarem para o Palácio dos Carrancas, construído em 1795
(hoje é o Museu Nacional Soares dos Reis).
Durante as
invasões francesas e durante as contendas do Cerco do Porto, o Palácio seria
ocupado para servir intervenientes nessas realidades.
O Largo do
Viriato, que foi chamado de Largo de
Santo António da Bandeirinha, devia este nome à capela de Santo António
da Bandeirinha, que, aí existiu, pertencente a uma quinta que, noutros tempos,
integrou o famoso prazo da Bandeirinha que se estendia, em larga medida, pelo
que é hoje a Rua da Restauração.
A
residência dos Carrancas inicialmente, ficava na confluência das ruas do
Fogueteiros, da Bandeirinha e dos Carrancas.
Demolida
em 1841, levou os Morais e Castro para a sua outra residência e conduziu ao
surgimento do espaço do Largo do Viriato.
Este largo
ficava, assim, na confluência das ruas da Restauração, dos Fogueteiros (actual
Azevedo Albuquerque) e da Bandeirinha e, o seu ajardinamento aconteceu já
depois de 1853. Passados mais alguns anos, após a cidade ter sido invadida
pela epidemia do tifo exantemático, a Câmara mandou construir balneários
públicos na placa ajardinada.
A
mencionada Rua dos Carrancas, tomaria o nome de Rua da Liberdade por nesses terrenos terem sido sepultados os
liberais mandados executar na Praça Nova (actual Praça da Liberdade) por D.
Miguel durante a guerra civil e que se tornariam nos “Mártires da Liberdade”.
Até 1732,
ano em que se começou a levantar a Igreja dos Clérigos, o terreno em que seria
erigida, servia de cemitério para quem era executado na forca. Essa área
conhecida como Cerro dos Enforcados foi
transferida, bem como uma pequena capela aí existente conhecida por Capela
do Senhor dos Aflitos, para uns terrenos nas traseiras do actual Hospital
de Santo António, à face da Rua dos Carrancas, permitindo assim, a construção
da igreja dos Clérigos.
Na Rua dos
Carrancas ficou a transladada e substituta Capela do Senhor dos Aflitos, para
onde foi um cruzeiro da mesma devoção.
Rua da Restauração junto ao Largo do
Viriato em meados do século XX
As construções visíveis à esquerda
da foto acima já foram há muito demolidas.
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