domingo, 29 de maio de 2022

25.158 Dois palacetes icónicos

 
Vila Delfina
 

Em Janeiro de 1897, o capitalista Alfredo Carneiro Quaresma solicita à Câmara do Porto uma licença para edificação, na Rua do Ouro, de uma fábrica de cal, que obterá o nº 26/1897.
Em Março de 1899, Alfredo Carneiro Quaresma solicita, à mesma Câmara, a construção de uma casa, que obterá a licença nº 75/1899, edificada num terreno situado junto da Avenida da Boavista e limitado a poente pela rua das Campinas. Mais tarde, limitando a propriedade, a nascente, irá surgir a Rua Dr. Alberto de Macedo.
Será projectista desta residência o Engenheiro António da Silva.
O palacete teria passado pela posse de uma família de apelido Abecassis, durante a primeira metade do século XX.
No início do século XXI, a empresa portuense, SI Península - Gestão e Promoção Imobiliária vai edificar um condomínio privado, designado “Jardins do Palacete”, aproveitando o palacete há muito existente.
 
 
 
 
“Na altura da sua aquisição, em 2000, por parte da SI Península, o palacete pertencia a uma família espanhola ligada a uma empresa de vinho – “Diez Hermanos” – que, por curiosidade, deixou um legado riquíssimo em vinhos seculares e com carga histórica (Brandys, Anis Jerez, Sherry, Ponche, Cidra, vinhos da Madeira e vinhos do Porto bastante antigos e de outras origens, tais como Nieport, Offley, Calém, Sandeman, Cockburns, Burmester, etc), encontrando-se, na altura, devidamente acondicionados, na adega localizada na cave do palacete. Foi nos anos 40 que Don Pablo Diez y de Isasi, ligado por laços de família e comerciais a algumas famílias aristocratas da Andaluzia, e que com ele se encontravam associados na empresa “Diez Hermanos” de Jerez de la Frontera, adquiriu o palacete “Vila Delfina”.
Hoje é um condomínio de luxo”.
Cortesia de casa.sapo.pt
 
 
 

Palacete "Vila Delfina", c.1920 e no início do século XXI
 
 
 

Vila Delfina – Cortesia de “casa.sapo.pt”
 
 
 
 
Palacete do Pinheiro Manso ou Palacete da família Gilbert
 

Aquele que ficou conhecido pelo Palacete da família Gilbert, que se situava na Avenida da Boavista, junto de um pinheiro manso, que veio a dar o nome ao lugar, foi começado a construir em 1902.
 
 
 

Palacete do Pinheiro Manso
 
 
Este palacete foi construído na quinta do Pinheiro Manso, adquirida pelo brasileiro de torna viagem José Gomes da Rocha. Nesse terreno, seria também traçada a Rua do Pinheiro Manso.
Após falecimento prematuro da mulher e, posteriormente, de uma filha a quinta foi vendida e terá sido adquirida pela família Gilbert, com ligações ao negócio do vinho do Porto, vindo ele a falecer em 1922.

 
 

Palacete do Pinheiro Manso – Ed. Aurélio da Paz dos Reis
 
 
 
Aquele pinheiro que existia na quinta, à face da avenida, foi derrubado por um temporal, conhecido como "Ciclone", em 1941.

 
 

Pinheiro Manso derrubado, em 1941, pelo ciclone
 
 
 
Em 1971, a casa é finalmente demolida e aí, construído, o actual edifício da cervejaria Cufra.

 

terça-feira, 17 de maio de 2022

25.157 A Monarquia do Norte

 

 
O  Éden Teatro foi um teatro portuense que se situava na Rua Alexandre Herculano e que ficaria ligado à história da cidade e do país, pelo papel importante que teve durante o período da revolução monárquica de 1919. O comandante desta revolta foi Paiva Couceiro, aproveitando a instabilidade política após o assassinato de Sidónio Pais.
A chamada "Monarquia do Norte" consistiu num movimento de restauração do regime monárquico, em Portugal, presidido por Paiva Couceiro, o qual, a partir de então, passou a intitular-se em nome de D. Manuel II, até ao seu regresso ao país, como "Regente do Reino de Portugal".
D. Manuel II, filho herdeiro de D. Carlos, estava exilado em Londres, desde a implantação da República em 1910.
D. Manuel II nunca viu com bons olhos a tomada de poder pela força, por isso, tinha já enviado para Portugal um seu emissário, António Sardinha, para uma transição pacífica para a monarquia.
A "Monarquia do Norte", à qual Chaves não aderiu, acabou por ter apenas 25 dias de duração, sendo reposta a República, a 13 de Fevereiro do mesmo ano.

 
 

O Éden Teatro na Rua Alexandre Herculano


 
De notar, na foto anterior, que o prédio visível (parcialmente) à direita, ainda existe e, hoje, tem o nº 322.
 
 
 

Proclamação da Junta Governativa do Reino, da varanda do edifício do Governo Civil do Porto, a 19 de Janeiro de 1919, pelo monárquico Baldaque Guimarães

 
 
Os monárquicos ainda tiveram na mão o norte do país, desde 19 de Janeiro de 1919, mas, em 13 de Fevereiro desse mesmo ano, renderam-se às forças republicanas que entraram no Porto, acabando desse modo com a denominada Monarquia do Norte.
O teatro era um ponto de encontro de simpatizantes da causa monárquica sendo, por isso, escolhido como local de aprisionamento e de interrogatório. Segundo os relatos escritos da época, existia no local um piano que tocava enquanto eram levadas a cabo torturas. 
O povo baptizou estes tempos como o “Reino da Traulitânia”, sendo a governação liderada pela “Junta Governativa do Reino de Portugal”, que restaurou a antiga moeda (o real, através de carimbo nas notas de escudo em circulação) e a Guarda Real, cuja denominação substituiu a de Guarda Nacional Republicana.
Findo o "Reino da Traulitânia", o povo invadiu o teatro e destruiu-o, vingando-se dos males que dentro dele tinham sido infligidos aos republicanos.
Por isso, a Firma L. Bonneville, proprietária do Eden-Teatro, pediria ao governo português, por intermédio dos canais protocolares, uma avultada indemnização pelos prejuízos causados à casa de espectáculos, durante a vigência da Monarquia do Norte.
Tal como sucedeu com vários outros teatros, também o Éden passaria a cinema durante os anos 30 e 40.
O Éden foi demolido por volta de 1948.
 
 
 

Gravura do interior do Éden após assalto dos republicanos
 
 
 

O povo destruindo o Éden
 
 
 

Vista actual e parcial do local – Fonte: Google maps
 
 
Entre as duas fotos anteriores compare-se a platibanda superior do prédio que estava adjacente ao teatro, que se situou à esquerda da foto.
O local de instalação do teatro está hoje ocupado pelo denominado “Edifício Alexandre Herculano”.




O "Edifício Alexandre Herculano", à direita, actualmente



Preparação do terreno, em 1982, para construção do "Edifício Alexandre Herculano"




 
 
 
O Regimento de Infantaria 31
 
Em 8 de Março de 1919, já com o regime republicano restabelecido, ocorre uma homenagem na Praça da Liberdade ao Regimento de Infantaria 31, única unidade que, em 19 de Janeiro desse ano, se havia oposto à proclamação da Monarquia do Norte e, assim, via a sua imagem redimir-se aos olhos de todos, relativamente a factos ocorridos em 1916.
Um mês antes, a 20 de Fevereiro, uma outra homenagem, tendo por alvo aquele regimento, tinha ocorrido no Teatro Sá da Bandeira, durante uma récita levada à cena e integrada na revista teatral “Salada Russa”, conforme se constata no anúncio abaixo.
 
 
 

Jornal “O Comércio do Porto” de 20 Fevereiro de 1919

 
 
Aquele regimento, aquartelado no Porto, tem a sua história também ligada ao seu desempenho em Moçambique, durante a 1ª Guerra Mundial, quando de um efectivo de 1000 militares, morreram 427, na localidade de Mocímboa, costeira e implantada sobre um pântano e, ainda, a uma série de desacatos protagonizados por elementos seus, antes do embarque para aquelas terras de Moçambique.
 
 
“Os cerca de mil homens do regimento 31 do Porto podiam suspeitar que tinham ido para as costas do Índico como castigo pelas sublevações em que tinham participado no Outono de 1916. Mas era impossível sequer imaginar que, três meses depois de chegarem a Mocímboa, dissessem com naturalidade e resignação: “Sou do 31, tenho de morrer”.
A saga do mais desafortunado corpo militar que participou na Grande Guerra em África começa nos dias 9 e 10 de Outubro de 1916, nas ruas do Porto. A meio da tarde de domingo, 9 de Outubro, o que parecia ser uma rixa normal entre um soldado, José Júlio de Mascarenhas, e um polícia faz estalar dois dias de tumultos que alastram pelas ruas e deixam a cidade em estado de sítio. No final da tarde do dia seguinte, uma multidão de pessoas iradas e famélicas concentra-se na Praça do Coronel Pacheco e desafia os polícias que se haviam refugiado no interior da 13ª esquadra (que ainda hoje se encontra ali instalada). Segue-se uma troca de tiros. Um polícia é barbaramente assassinado com disparos à queima-roupa. Outros quatro são feridos.
(…) Em Abril de 1917, o regimento registava 79 desertores entre as suas fileiras. Nessa altura, porém, o seu destino estava traçado”.
Cortesia de Manuel Carvalho, In jornal “Público” de 4 de Agosto de 2014.
 
 
 
 
É provável que a expressão popular “Meter-se num 31”, terá que ver com o Regimento de Infantaria nº 31 do Porto, quer como significado de confusão, reportando para os acontecimentos de Outubro de 1916, quer como significado de morte, neste caso, associado às baixas sofridas em Moçambique.
 
 
 
Monarquia do Norte – os antecedentes
 
 
Desde a implantação da República até à Noite Sangrenta, passando pela instauração da Monarquia do Norte, alguns outros factos de convulsões políticas, em breve resumo, são de assinalar.
A Revolta de 27 de abril de 1913, também conhecida pela Revolta Radical, foi uma tentativa de golpe de Estado ocorrida em Lisboa no dia 27 de Abril de 1913, um Domingo, visando a destituição pela força do V Governo Republicano, presidido por Afonso Costa. Foi o primeiro golpe organizado por republicanos portugueses contra um governo da Primeira República Portuguesa, sendo inspirado pelos denominados republicanos radicais agrupados na Federação Radical Republicana. A tentativa de golpe levou à criação da denominada “formiga-branca”, uma rede de espiões e caceteiros que dominaria a vida política dos anos subsequentes.
Os manifestantes percorreram então outros quartéis da cidade de Lisboa à procura de adesões, sem o terem conseguido. Em consequência, os militares mais graduados que integravam o movimento foram detidos, entre os quais o capitão-de-mar-e-guerra Álvaro Soares Andrea e o general Fausto Guedes. Foram também detidos muitos civis, entre os quais Mário Monteiro.
O movimento foi dominado, sobrevivendo o governo, mas a instabilidade resultante provocou múltiplos incidentes nos dias imediatos.
Movimento das Espadas (20 a 25 de Janeiro de 1915), ou Golpe das Espadas, foi o nome pelo qual ficaram conhecidos os incidentes de insubordinação militar, em que se destacaram o capitão Martins de Lima e o comandante Machado Santos, que conduziram à demissão, a 25 de Janeiro de 1915, do Governo presidido por Victor Hugo de Azevedo Coutinho (alcunhado de “Os Miseráveis” de Victor Hugo) e à instauração de um governo ditatorial chefiado por Pimenta de Castro, a primeira ditadura do republicanismo português.
O major João Carlos Craveiro Lopes, aquartelado na Figueira da Foz, foi compulsivamente transferido do Regimento de Infantaria n.º 28 para o Regimento de Infantaria n.º 19 em virtude de um caso puramente particular em que fora interveniente, um militante do Partido Democrático e fora objecto de denúncia do Comité Democrático Militar, uma estrutura política ligada àquele Partido.
Os oficiais das unidades aquarteladas na Figueira da Foz protestaram e o movimento alastrou a Lisboa, onde nos dias imediatos os oficiais da guarnição daquela cidade se movimentaram no sentido de se solidarizarem com o ofendido. Foi este protesto que levou ao incidente do Movimento das Espadas, o qual ocorreu a 22 de Janeiro, quando numerosos oficiais do Regimento de Cavalaria n.º 2, liderado pelo capitão Martins Lima, marchou pela Calçada da Ajuda a caminho do Palácio de Belém, onde, em sinal de repulsa, pretendiam entregar as espadas ao Presidente da República, Manuel de Arriaga.
Foram detidos e enviados para bordo da fragata D. Fernando II e Glória, acusados de participarem numa manobra monárquica tendente a desestabilizar a República. Esta acusação caiu quando na tarde desse mesmo dia o comandante Machado Santos, o herói da implantação da República, foi ao Palácio de Belém entregar a espada que utilizara na Rotunda a 5 de Outubro de 1910.

 
 

Fragata D. Fernando II e Glória (Actualmente, encontra-se em Cacilhas) – Ed. Roger Chapelet (1903 - 1995), In flickriver
 
 
 
Em consequência do Movimento das Espadas, a 25 de Janeiro o Governo presidido por Victor Hugo de Azevedo Coutinho, cujos membros eram maldosamente alcunhado pelos seus detractores de “Os Miseráveis” de Victor Hugo, demitiu-se e Manuel de Arriaga, num acto que em muito contribuiu para destruir a sua credibilidade como democrata, nomeou o general Pimenta de Castro para governar em ditadura, isto é sem supervisão parlamentar dado estar suspenso o Congresso da República, até à realização de novas eleições. Esta nomeação levaria à destituição de Manuel de Arriaga após a revolta de 14 de Maio daquele ano que depôs o Governo de Pimenta de Castro.
O Sidonismo foi um golpe militar contra o governo da República Portuguesa desencadeado a 5 de Dezembro de 1917. O líder do movimento foi Sidónio Pais, um major de artilharia, professor e político. A revolta triunfou rapidamente, levando à formação de uma Junta Revolucionária Militar, presidida por Sidónio Pais, que assume o poder, ao mesmo tempo que impõe a dissolução do Parlamento e a destituição e exílio do Presidente da República Bernardino Machado.
A 11 de Dezembro foi constituído um novo Governo chefiado por Sidónio Pais, o 15.º governo do regime republicano. Para além dos elementos da Junta Revolucionária, o novo governo integrou três unionistas, dois centristas e um independente. O novo regime começa a ser apelidado pelos seus apoiantes como a República Nova.
No dia 27 de Dezembro de 1917, a República Nova de Sidónio Pais decretou alterações à Constituição Portuguesa de 1911, introduzindo um regime presidencialista, no qual o Presidente do Ministério assumia as funções de Presidente da República enquanto não fosse eleito pelo futuro Congresso o Presidente da República.
Em 28 de Abril de 1918 foi eleito Presidente da República por sufrágio directo e universal, sendo que o candidato único, Sidónio Pais, obteve 468 275 votos. Ficava consolidado o Sidonismo, regime que vigoraria até ao assassinato de Sidónio Pais, em Dezembro daquele ano.
A Monarquia do Norte foi uma contra-revolução ocorrida na cidade do Porto, em 19 de Janeiro de 1919, pelas juntas militares favoráveis à restauração da monarquia, em Portugal, em plena 1ª Republica portuguesa. Este breve período, também apelidado de «Monarquia do Quarteirão» por só ter durado 25 dias (de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro), foi, em traços gerais, a última profunda manifestação de revolta monárquica com utilização da força depois da implantação da República, em Portugal, em 1910.
A 19 de Janeiro de 1919, num Domingo, no Monte Pedral, cerca da uma hora da tarde, contingentes de todos os corpos da guarnição e da Guarda concentravam-se. Aparentemente parecia mais uma parada militar, mas não era. Ali encontravam-se reunidas as forças militares, contingentes de Infantaria 6 e 18, de Cavalaria 9, de Artilharia 5 e 6, do Grupo de Metralhadoras, da Polícia e da Guarda Republicana, e ainda um pelotão de Cavalaria 11 de Braga, para além de outras tropas.
 
 

Içar da bandeira no Monte Pedral, em 19 de Janeiro de 1919
 
 
 
Paiva Couceiro faz então uma declaração, onde proclamou que o Exército é, acima de tudo, a mais alta expressão da Pátria, e por isso tem que guardá-la nas circunstâncias mais difíceis, acudindo na hora própria contra os perigos, sejam eles externos ou internos, que lhe ameacem a existência. Após o discurso, é levantada a bandeira monárquica e a banda da Guarda toca o Hino da Carta. De seguida, Couceiro faz uma revista às tropas e estas desfilam em continência.
É assim declarada a restaurada Monarquia à uma e meia da tarde de 19 de Janeiro, pelas forças da guarnição militar do Porto, no largo Monte Pedral, em nome de Sua Majestade D. Manuel II (que continuava exilado e que desde 30 de Janeiro de 1912, tinha feito um alegado acordo com o seu primo Miguel de Bragança, no qual, supostamente, este último reconhecia D. Manuel II como legítimo Rei de Portugal e em contrapartida, o monarca português garantia que, no caso de falecer sem descendentes válidos para lhe sucederem nos seus direitos, a sucessão na chefia da Casa Real Portuguesa passaria para o filho de Miguel de Bragança, Duarte Nuno, acordo esse que ficou conhecido como Pacto de Dover).
A Junta Governativa do Reino, sedeada no Porto, para organizar o novo regime monárquico, aproveita o corte de comunicações com Lisboa e aproveita para disseminar na população a notícia falsa de que a monarquia se impusera por todo o país e que não haveria volta a dar.
No Norte, no Porto, a revolta só terminou a 13 de Fevereiro.
 
 
 

A multidão aplaude a instauração da monarquia junto ao Governo Civil, à Praça da Batalha

 
 

Selos editados durante a Monarquia do Norte
 
 
 
Em 13 de Fevereiro de 1919, o capitão Sarmento Pimentel, primeiro comandante da guarda real do quartel do Carmo e o capitão Jaime Novaes e Silva, comandante da guarda real do quartel de S. Brás, lideram um movimento revolucionário, saindo dos quarteis com os oficiais e soldados que os quiseram seguir e, após algumas horas de tiroteio e o apoio da artilharia da Serra do Pilar, que rompeu fogo contra o Quartel-general, acabaram por sufocar a resistência monárquica (constituída apenas por 10 praças de cavalaria e 40 soldados de infantaria, com duas peças). Os ministros da Junta que se encontravam no Porto: Silva Ramos, Luís de Magalhães, o Conde de Azevedo e o Visconde de Banho, foram detidos.

 
 

Quartel do Carmo
 
 
 
Naquele dia, após combates em todo o litoral centro, nomeadamente em Angeja, a guerra civil termina com a entrada dos exércitos republicanos no Porto.
 
 
 

Manifestação junto do Governo Civil para aclamar a vitória do regime republicano – In, revista “Illustração Portuguesa” de 10 de Março de 1919
 
 
 
Entretanto, a República iria continuar em sobressaltos constantes, nos anos seguintes.
Noite Sangrenta é a designação pela qual ficou conhecida a revolta radical de marinheiros e arsenalistas, que ocorreu em Lisboa a 19 de Outubro de 1921, no decurso da qual foram assassinados, entre outros, António Granjo, então presidente do Ministério, Machado Santos e José Carlos da Maia, dois dos históricos da Proclamação da República Portuguesa, o comandante Freitas da Silva, secretário do Ministro da Marinha, e o coronel Botelho de Vasconcelos, antigo apoiante de Sidónio Pais no Arsenal da Marinha.
Na origem da revolta terá estado a demissão do governo de Liberato Pinto, e a sua condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de Setembro de 1921 pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército), a seguir à qual um conjunto de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram militares do Exército e da Armada, se sublevou.
Nessa noite uma camioneta percorreu as ruas de Lisboa recolhendo algumas personalidades que seriam mais tarde executadas.


 

Camioneta fantasma usada na Noite Sangrenta – Fonte: portoarc.blogspot.pt
 
 
 
O texto seguinte dá-nos uma outra perspectiva dos anos que se seguiram à implantação da República:

 
“Normalmente esquecido, no meio das várias convulsões que ocorreram na sociedade portuguesa na segunda década do século XX, o golpe de estado de 14 de Maio de 1915 foi a mais sangrenta revolta ocorrida em Portugal no decurso do século XX e levou mesmo à intervenção estrangeira no país, em plena I guerra mundial.
Após o golpe de estado de 1910, em que um pequeno grupo de republicanos tinha logrado depor a monarquia constitucional, estes tinham tomado o controlo do país.
Foi imposta uma nova constituição republicana, e publicada em 3/Jul/1913, uma lei eleitoral onde se proibia o direito de voto aos analfabetos e às mulheres, tendo sido implementadas alterações legais que com o tempo assumiram um cariz abertamente anti-democrático, radical e mesmo ditatorial.
Após garantirem o controlo do país, as divisões minaram o campo republicano, onde a sede de poder rapidamente levou à sua divisão em três grupos. Os radicais renomearam o partido para Partido Democrático, e logo surgiram duas cisões importantes, os Unionistas e os Evolucionistas. A somar a estas divisões, continuava a haver pressão por parte dos monárquicos, que se organizavam especialmente na Galiza.
O governo português estava isolado internacionalmente. A Inglaterra era hostil ao governo, a Espanha, depois de ter perdido o seu império, olhava para a instabilidade portuguesa com um interesse evidente e a Alemanha olhava para os territórios portugueses com redobrado fervor. Durante 1913 e 1914 cresceu o radicalismo e o país tornara-se ingovernável, nomeadamente com o governo do republicano extremista Afonso Costa (Janeiro de 1913 a Fevereiro de 1914), a que se seguiram dois governos incapazes de Bernardino Machado (Fevereiro a Dezembro de 1914), e posteriormente o governo de Azevedo Coutinho (Dezembro de 1914 e Janeiro de 1915) chamado de governo dos miseráveis. No final de 1914, ocorrera uma crise no Senado e as tensões entre as várias fações republicanas levam a uma situação complexa em que o país fica sem Senado e sem possibilidade de eleger senadores (Já que uma disposição constitucional o impedia na primeira eleição).
No inicio de 1915, no meio de um imbróglio jurídico resultado das «armadilhas» colocadas no texto constitucional e após uma demonstração de mal- estar entre militares do exército, o presidente da república Manuel de Arriaga nomeia chefe do executivo, o mais antigo general do exército, Pimenta de Castro, no que foi visto como uma tentativa dos setores conservadores para evitar o controlo total do país pelas forças radicais e para organizar eleições que tinham sido adiadas desde Setembro de 1914.
Pimenta de Castro era um oficial conservador, que já tinha sido ministro da guerra e que tinha apoiado as primeiras tentativas republicanas para derrubar a monarquia, embora fosse também visto como aliado dos monárquicos liberais. Pimenta de Castro foi assim o líder de um governo de iniciativa presidencial, mas logo atraiu sobre si a raiva e a ira dos radicais republicanos comandados pelo extremista Afonso Costa.
Pimenta de Castro foi empossado a 24 de Janeiro de 1915, e iniciou uma política de apaziguamento destinada a acalmar o país, voltando a estabelecer a liberdade de culto, e direitos civis que os republicanos tinham negado aos monárquicos.
No entanto, rapidamente os extremistas radicais iniciam uma série de protestos aos quais o governo de Pimenta de Castro não pode ou não quer responder.
Os rumores de golpe avolumam-se e a imprensa conservadora de Lisboa, nomeadamente o jornal «O Dia» ainda apela a Pimenta de Castro quando publica nas suas páginas a frase «vista a farda sr. General», dando a entender que deveria ser instaurado um estado de sítio.
Mas Pimenta de Castro, que já tinha marcado eleições para Junho mostra-se mas incapaz de debelar a contestação por parte dos radicais. Ainda manda a Guarda Republicana impedir uma reunião do parlamento a 4 de Março, dado, as eleições terem já sido marcadas para 6 de Junho, mas os radicais não param.
A partir de 4 de Março os radicais passam à oposição frontal e aberta acusando Pimenta de Castro de ditador, ainda que durante essa «ditadura» os opositores tivessem toda a liberdade de expressão, não houvesse censura e fossem tomadas medidas de reconciliação da sociedade.
Os grupos radicais, com Afonso Costa à cabeça, começaram de imediato a conspirar, apoiando-se em organizações de cariz terrorista como o grupo «formiga- branca» e o que restava da «carbonária» (um grupo terrorista que funcionava como braço armado da maçonaria portuguesa), rapidamente se prepararam para voltar a controlar o país.
Beneficiando da influência que tinham especialmente sobre a marinha de guerra (os oficiais do exército eram vistos como conservadores e favoráveis aos monárquicos) é organizado um golpe, que deveria seguir as linhas gerais do 5 de Outubro de 1910.
Antes das 03:00 da manhã de sexta-feira, 14 de Maio, o capitão -de -fragata Leote do Rego dirige-se numa lancha ao cruzador blindado Vasco da Gama. Às 03:20 da madrugada ouvem-se tiros. O grupo comandado por Leote do Rego mata o capitão- de- mar e guerra Assis Camilo, que comandava o navio e que se opôs ao golpe.
Às 03:45 Leote do Rego ordena que sejam disparados três tiros de salva, o sinal combinado com as forças em terra. O navio levanta ferro e vai posicionar-se frente ao Terreiro do Paço onde se concentram os ministérios.
Um pequeno grupo de militares da marinha e alguns elementos da GNR, da Guarda Fiscal e do exército tomaram o arsenal da marinha, na baixa de Lisboa e iniciaram uma distribuição das armas que ali estavam pelas organizações para-militares «formiga-branca» e «carbonária» que se tinham preparado para receber armamento. Estima-se que os grupos de revoltosos terão atingido 7,000.
Às 04:00 da madrugada também se ouvem tiros nas imediações do arsenal do exército, junto à estação de Sta. Apolónia.
Às 06:00 da manhã uma das duas batarias (4 peças de artilharia operacionais) do Regimento de Artilharia nº 1 dirige-se para o alto de Santa Catarina com ordens para alvejar o cruzador Vasco da Gama, que se acredita na altura ser a única unidade naval sublevada. Às 08:00 começa a alvejar os navios. O cruzador protegido Almirante Reis, cuja blindagem é inferior à do Vasco da Gama é atingido. Os navios respondem com fogo contra o alto de Sta. Catarina atingindo residências e provocando vítimas entre os civis com fogo das peças de 150mm.
Ao fim da manhã, com a situação tática em seu favor, Leote do Rego envia um ultimatum ao chefe do governo, que ao início da tarde se vai refugiar com a maior parte dos ministros no quartel da GNR no largo do Carmo, exigindo a sua demissão.
Ainda durante a manhã dessa sexta-feira, forças do regimento de infantaria 16, cercam o arsenal do Alfeite tentando desalojar os revoltosos, mas estes têm apoio dos canhões dos navios da esquadra que bombardeiam as imediações do arsenal, para proteger os revoltosos sitiados.
Também durante a manhã do dia 14, o ministro da Marinha, vice-almirante Xavier de Brito sabendo da situação a bordo do Vasco da Gama, dá ordens ao submarino «Espadarte» que se encontrava ancorado em Belém, para torpedear o cruzador. Porém o comandante do submarino não cumpre as ordens recebidas e dirige-se para a margem sul do Tejo, atracando ao lado de um contra-torpedeiro.
Ao fim do dia, percebendo que não tem apoio suficiente em Lisboa, o chefe do governo, gen. Pimenta de Castro, apresenta a sua demissão, sendo aprisionado a bordo do próprio cruzador Vasco da Gama. 
Na noite de 14 para 15 de Maio, a cidade de Lisboa fica sem policiamento e hordas de assaltantes roubam lojas e casas de particulares.
Na manhã de 15 de Maio continuam os recontros entre forças do exército e forças revoltosas, com o apoio dos navios ancorados no Tejo. Os dois lados tentam um cessar-fogo, mas ao anoitecer de sábado dia 15 de Maio, o cruzador Vasco da Gama ainda continua a disparar sobre Lisboa embora com menos intensidade.
Os planos de Pimenta de Castro previam um acordo com a Espanha, que deveria servir para alinhar Portugal numa posição neutral relativamente ao conflito, no que formaria um bloco com a Espanha. Desta forma, esperava-se aplacar os interesses anexionistas de alguns setores da sociedade espanhola. Por isso, o golpe de 14 de Maio deixou os espanhóis especialmente irritados. A imprensa espanhola da altura justificava a necessidade de a Espanha intervir para salvaguardar os muitos cidadãos espanhóis que viviam em Portugal.
Na segunda-feira 17 de Maio entra a barra do Tejo, o mais poderoso navio de guerra espanhol, o couraçado España (8 canhões de 305mm e 20 de 100mm), e o cruzador protegido Rio de la Plata escoltados por um contratorpedeiro, a que no dia seguinte se junta um segundo. Na baía de Cascais fundeia o cruzador protegido Extremadura.
A França e a Inglaterra aparentam ter ficado alarmadas com a dimensão do contingente espanhol e enviaram navios aparentemente para desincentivar qualquer possibilidade de intervenção espanhola. A Espanha retirará os dois cruzadores protegidos e manterá o couraçado e dois contra-torpedeiros no Tejo durante mais alguns dias, sob o pretexto de proteger os cidadãos espanhóis.
Na Grã- Bretanha, o golpe será seguido com algum interesse, mas não é possível deixar de referir que o transatlântico Lusitânia tinha sido afundado a 7 de Maio (uma semana antes).
Ainda assim a imprensa britânica reagirá de forma violenta contra os golpistas, acusando o exército português de ser uma contínua fonte de desordem e acusando a marinha portuguesa de só servir para bombardear Lisboa.
O golpe de estado de 14 de Maio foi inspirado pelos radicais republicanos mas teve o apoio das estruturas da Maçonaria, de entre as quais se destacou o Grão-Mestre Sebastião Magalhães de Lima.
Lima será mais tarde julgado pela sua participação como Grão-Mestre nos crimes praticados naquele dia.
Já Afonso Costa, nunca reconheceu publicamente que foi o principal instigador do golpe de estado, alegadamente por não querer ficar ligado aos massacres que ocorreram naqueles dias.
Políticos republicanos confirmaram posteriormente ter sido ameaçados e atacados.
Fernando Pessoa dirá sobre o golpe de 14 de Maio, ter sido o mais anti-nacional de todos os golpes. Pimenta de Castro, que dirigia um governo que preparava eleições foi deposto porque quem o depôs não estava interessado no estabelecimento de um regime democrático”.
In Site: “areamilitar.net”

domingo, 8 de maio de 2022

25.156 A indústria têxtil em Crestuma

Companhia de Fiação de Crestuma
 
 
«A industrialização em Vila Nova de Gaia terá começado nas tanoarias da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e na sua ferraria de Lever, como iremos referir mais à frente, na Fábrica de Verguinha e Arcos de Ferro de Crestuma, que mais tardiamente ergueu a Companhia de Fiação de Crestuma.
(…) Não pode deixar de ser referenciada, uma vez que constituiu uma ideia pioneira na indústria do ferro, a Fábrica de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma, cuja fundação remonta ao longínquo ano de 1790 e então sob a alçada da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A fábrica marca um período importante na história industrial do Porto, e eventualmente ajuda a justificar o porquê de posteriormente Crestuma ter adquirido importância industrial, apesar da sua pequenez e ruralidade. Francisco Queiroz refere que “a fábrica chegou ao ano de 1830 dotada de casa nobre para habitação e arrecadação, quatro moinhos, uma casa de azenha, uma casa de lavoura e suas casas da eira, para além de vários edifícios destinados exclusivamente à actividade industrial, com uma importante secção de fundição, tudo movido por várias rodas hidráulicas montadas sobre um canal do Rio Uíma!”. Apesar de empregar cerca de quarenta operários, a Fábrica de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma adquiriu um papel importante ao que a novas técnicas e mecanismos diz respeito. Aliás, terá sido nesta fábrica que foi produzido armamento no período miguelista, durante o período do Cerco do Porto».
Cortesia de Raquel Santos e Jorge Ricardo Pinto (ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo – Porto); II Congresso Internacional sobre Património Industrial, 22-24 Maio de 2014
 
 

Um de dois canhões que ainda se encontram no solo da Companhia de Fiação de Crestuma, possivelmente, usados nas lutas liberais de 1833 - Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 

Moinho do rio Uíma a montante do local da instalação da Companhia de Fiação de Crestuma




Foz do Rio Uíma, no Douro – Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 
Em 1853, a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro requereu autorização para leiloar a antiga fábrica de fundição «no sittio de Crestuma da freguesia de Santo Andre de Lever».
A petição foi deferida em 20 de Outubro de 1853 e, em 29 de Março de 1854, o cirurgião portuense António Ferreira Braga, lente da Escola Médico-Cirúrgica, morador nos Lavadouros, arrematou-a com um lanço de 36 contos e 201 mil reis.
António Ferreira Braga (1802-1870) formará uma parceria com três capitalistas portuenses, um deles, o visconde de Castro e Silva e, só em 1870, por falecimento dele, essa parceria foi transformada na Companhia de Fiação de Crestuma.
As posições accionistas dos 4 sócios eram as seguintes: Dr. António Ferreira Braga, 37,5%; visconde de Castro Silva, 18,75%; António Ferreira Baltar, 25%; Manuel Gualberto Soares, 18,75%.
O Dr. António Ferreira Braga terá para sempre o seu nome também ligado ao Palácio de Cristal, pois, foi ele, durante uma reunião da Sociedade do Palácio de Cristal, ocorrida a 7 de Julho de 1864, na sede da Associação Comercial do Porto, quem avalizou com os seus capitais, para que fosse possível a inauguração daquele empreendimento e ele decorresse com uma mostra internacional.
Voltando ao tema da Fábrica de Fiação de Crestuma, ela seria fundada por decreto de 26 de Junho de 1864, o qual aprovou os seus estatutos. Contudo, em 1854 a fábrica começara já a fiar algodão, sendo, nesse tipo de produção, a segunda no Norte do país.
Localizada no lugar das Hortas, da freguesia de Lever, a Fábrica de Fiação de Crestuma começou, então, a funcionar em 1854, pelas mãos de quatro capitalistas e negociantes da cidade do Porto, cujo objectivo principal era a fiação de algodão.
 
 

Companhia de Fiação de Crestuma, perto da Estrada Nacional 222, em Crestuma, na freguesia de Lever, no início do século XX. Ao longe, à direita, o chalet de António Pimenta da Fonseca
 
 
 
Em 30 de Agosto de 1878, a Companhia de Fiação de Crestuma, para garantir um empréstimo de 50.000$00 réis, contraído à Companhia Utilidade Pública, hipoteca os seus bens.
Até àquela data, a Companhia de Fiação de Crestuma já tinha obtido distinções nas: Exposições internacionais de Londres de 1862, Portuguesa de 1865 e de Filadélfia, 1876; Exposição Nacional de Lisboa em 1863, Industrial do Porto, em 1861 e Universal de Paris em 1878.
Neste ano (1878), a estrutura de gestão mudou e ocuparam o cargo, António Pereira de Loureiro e Augusto César da Cunha Morais.

 
 
“A hipoteca incluía a maquinaria da fábrica, que vem descriminada no documento. Alguns anos depois, quando da realização do Inquérito Industrial de 1891, um membro do concelho fiscal da Companhia, Leonardo Torres, relata à Comissão de Inquérito os problemas porque passava a fábrica, «em estado decadente», motivados pelo excesso de produção e concorrência, e adianta as razões que estiveram na origem da fundação dessa unidade fabril.
Segundo ele, o grande lucro que a Fábrica de Vizela –a primeira do Norte - tinha obtido com a guerra Civil nos EEUU, que fizera subir muito o preço do algodão, levara a que muitos pretendessem imitar o seu sucesso, criando unidades industriais de fiação de algodão. O conhecimento da existência de um açude com dez metros de altura em Crestuma (Fig. 9) fez com alguns indivíduos se precipitassem para aí fundar a Fábrica de Fiação, «que tem estado sempre em miséria constante» (INQUÉRITO, 1881:91-93). No fundo, as mesmas razões que tinham levado à instalação, nesse mesmo local, dos antigos moinhos”.
Cortesia do Dr. José Ferrão Afonso (Professor auxiliar da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa); II Congresso Internacional sobre Património Industrial, 22-24 Maio de 2014

 
 
Trinta anos depois, da abertura da Companhia de Fiação de Crestuma, em 1884, chega a seu director José Moreira Pimenta da Fonseca, ocupando esse lugar até à data da sua morte, ocorrida em 1920, sucedendo-lhe no cargo seu filho António Pimenta da Fonseca.
A propósito das unidades industriais existentes na região, o Jornal dos Carvalhos, em 1891, dizia:
 
 
“Entre todas é digna de louvor a Direcção actual da Fiação de Crestuma, composta dos Snrs. Manoel Ribeiro Fernandes e José Moreira Pimenta da Fonseca. Este último é industrial bem conhecido do operariado portuense que o respeita como pae terno e carinhoso… isto nos seus estabelecimentos do Porto, aqui [C.F.C.] tem sido de gigante o impulso dado por elle à indústria; não fosse elle o Director da Fiação de Crestuma, a maior parte da população morreria à mingua, pois que, graças á sua energia, e sábia administração se deve o trabalhar continuo da fábrica, o que não sucedia em outro tempo”.
 
 
A sede da companhia, no Porto, chegou a ser na Rua Infante D. Henrique, nº 25-A-1º.
A secção de tinturaria abriria em 1905, enquanto a de tecelagem, cardação e acabamentos ocorreria em 1906.
Em 1912, na sequência de um grande incêndio, seriam destruídos dois terços da secção de fiação.
Na década de 1940, em pleno conflito mundial, a fábrica vai proceder à construção de um edifício para creche, refeitório, balneário e sala de reuniões, de modo a atender às necessidades dos seus trabalhadores.
Acções com mesmo cariz assistencial aos trabalhadores, consistindo no fornecimento de refeições, já tinham acontecido durante os anos da 1ª Guerra Mundial.
Em 1979, abriria falência.
Em 1992, o cidadão brasileiro Ricardo Haddad comprou os 32 hectares da propriedade, do complexo fabril, totalmente demarcada por muros.
O grande impulsionador da companhia de Fiação de Crestuma, José Moreira Pimenta da Fonseca, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, foi condecorado como Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em 1897, pelo rei D. Carlos. Foi membro da direcção do Hospital Geral de Santo António. Faleceu, no Porto, na Rua de Santo Ildefonso, nº 433, onde residia, a 8 de Setembro de 1920, tendo deixado testamento.

 
 

José Moreira Pimenta da Fonseca
 
 
Suceder-lhe-ia, à frente dos destinos da Companhia de Fiação de Crestuma, o seu filho António Pimenta da Fonseca que obteria o estatuto de comendador, em 21 de Maio de 1929.
Tendo sido mesário da Ordem do Carmo, no Porto, participou ainda, no âmbito da sua actividade filantrópica, no apoio à construção da igreja do Marquês, cuja escultura de Santo António, que ostenta a fachada, foi por si patrocinada.
Tem ainda o seu nome ligado a escolas, em Lever, e ao parque de jogos do Clube União Desportiva Lever (agremiação fundada, em 1939, por Manoel Vieira Rocha), a cuja inauguração ainda presidiu, antes de morrer, em 1954.
 
 
 

Companhia de Fiação de Crestuma, em 2014 – Ed. JPortojo
 
 
 
 

Palacete do comendador António Pimenta da Fonseca, junto da fábrica, em 2014 – Ed. JPortojo

 
 

Busto de António Pimenta da Fonseca, da autoria de Henrique Moreira, junto do antigo edifício da administração – Ed. jornal “O Gaiense”

 
 

Edifício do corpo privativo dos bombeiros da Companhia de Fiação de Crestuma, em 2014 – Ed. JPortojo

 
 
O comendador António Pimenta da Fonseca, que à data do falecimento do seu pai (1920) ainda era solteiro, construiu um edifício grandioso, onde predomina o azulejo, na Rua de Santa Catarina, no Porto, no local onde já existia, há alguns anos, um outro dotado de uma torre e que foi sua residência durante anos.
As intervenções principais ocorreram, a partir de 1923, pelas licenças camarárias, nº 323 de 1923 e nº 917 de 1924.
Conhecido como Castelo de Santa Catarina é, agora, uma unidade hoteleira.


 
 

Castelo de Santa Catarina
 
 
 
 
Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais
 
 

Uma outra unidade industrial, que marcou uma era, em Crestuma, foi a Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais.
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais abriu falência em 2007 e, actualmente, encontra-se num processo de leilão a fim de se encontrar comprador.
Augusto César Cunha Morais (Coimbra, 1852 – 31 Jan 1939, Porto), engenheiro de formação, criará uma empresa, em Crestuma, na década de 80, no século XIX, que se dedicava à produção de balões venezianos.
Talvez pelo facto de ter feito, em 1878, parte da direcção da Companhia de Fiação de Crestuma, em 1890, Augusto César Cunha Morais voltou a escolher Crestuma para a instalação da fábrica, o que viria a motivar o estabelecimento da residência da família também em Crestuma, na denominada Quinta da Estrela.
A casa da Quinta da Estrela foi projectada para ser uma fábrica de balões e, mais tarde, seria adaptada para residência, sendo o seu projecto anterior ao do edifício principal, tal como os jardins, foram traçados pelo fundador desta empresa.
 
 
“A Quinta da Estrela situa-se junto ao Lugar de Crestuma, a uma distância de 19,2 Km da foz do Rio Douro e ocupa uma área de 4,48 hectares. Embora não seja marginal ao Rio Douro, está situada muito perto deste, no sopé de uma encosta na qual foi instalado um complexo fabril de finais do séc. XIX. Identifica-se pela estrela ajardinada em talude que é visível até a partir do próprio rio. A habitação, com 2 pisos, cave e águas furtadas, data de 1903 e apresenta um estilo revivalista, sendo o autor do projecto João Teixeira Lopes. Está adossada ao antigo Complexo Fabril de Fiação e Tecelagem A.C. Cunha Morães. Ambas constituem um património edificado, de grande valor arquitectónico e cultural, com elevada possibilidade de restauro. A vivenda está rodeada de áreas arborizadas com espécies ornamentais de interesse, muitas delas características das quintas do séc. XIX. A vivenda, o belo arvoredo que a rodeia e o próprio muro que cerca a propriedade causam um certo impacto para quem passa junto à quinta. A propriedade é atravessada por duas linhas de água que drenam directamente para o Rio Douro, estando toda ela incluída na Estrutura Ecológica Fundamental. Algumas das áreas estão classificadas também como Reserva Ecológica Nacional. Os grandes declives que se verificam, aumentam o risco de erosão, pelo que é importante preservar e requalificar as áreas arborizadas que ainda hoje existem”.
Fonte: cm-gaia.pt/; “O Património das Encostas do Douro”


 

Casa da Quinta da Estrela – Cortesia de Helga Nair (2010); “O Património das Encostas do Douro”
 
 
 
 

Interior da casa da Quinta da Estrela, em 2011 – Fonte: ruinarte.blogspot.com/
 
 
 
Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais – Ed. JPortojo, em 2014
 
 
 
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais seria a primeira unidade fabril, em V. N. de Gaia, a ser dotada com um Posto de Transformação.
 
 
“Unidade fabril de enorme importância na indústria do concelho e até do país, uma vez que laborava com teares e maquinaria muito sofisticada para a época, a Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais participou em diversas exposições nacionais e internacionais e foi premiada com medalha de ouro na “Exposição Agrícola-Industrial de Gaya”, em 1894, com um tear movido a gás. (Guimarães, 1995: 229).
Para além deste louvor, a mesma fábrica foi premiada na exposição de Paris, realizada em 1889, bem como noutras que se podem ver no anúncio publicitário da fábrica”.
Cortesia de Daniela Raquel Ferreira dos Santos; Crestuma, património e turismo industrial; ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo
 
 
 
O engenheiro Augusto César Cunha Morais, sendo uma pessoa de grande poder económico, em Crestuma e no Porto, possibilitou igualmente a construção da Igreja de Crestuma e de várias casas para os seus trabalhadores.
Considerando-se um republicano de esquerda, embora sem filiação partidária, seguiu a facção de Afonso Costa e conspirou contra o governo de Sidónio Pais, acabando por ser perseguido e preso.
Em 1923, chega a ocupar por um curto espaço de tempo, o cargo de presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. Foi presidente da Secção Algodoeira da Associação Industrial Portuense entre 1930/44.
 
“Representou a indústria portuguesa do algodão em vários congressos internacionais e foi vogal da Comissão Reguladora do Comércio de Algodão. Mais tarde foi conselheiro de Salazar nos assuntos referentes a esta industria, chegando mesmo a ser convidado a integrar a Câmara Corporativa do estado Novo, embora tivesse declinado.
Já nos anos 60 e à semelhança do seu mestre Leonardo Coimbra, converteu-se ao cristianismo, vindo a falecer em Crestuma no ano de 1968”.
Cortesia de Gastão de Brito e Silva (06/11/2011)
 
 
 
De realçar a visita do almirante Gago Coutinho, amigo pessoal de Augusto Morais, quando visitou Crestuma e a Quinta da Estrela, em 1922.
O engenheiro Augusto César da Cunha Morais seria, ainda, o centro de uma discussão sobre qual deveria ser a nova centralidade da cidade face à abertura da Avenida dos Aliados propondo, em sequência, que a Câmara Municipal deveria ir para a Praça dos Leões.
 
 
“Em 1916, surge um opúsculo intitulado "Os Melhoramentos da Cidade" da autoria do Engº  A. C. da Cunha Morais, cujo objetivo era o de elaborar um estudo que fornecesse indicações sobre as necessidades prementes associadas à expansão da cidade. Este plano ou projeto poderia contribuir com mais e melhor informação para os melhoramentos da cidade. Nesta sua obra apresenta um pequeno texto de fundamentação, uma planta à escala 1:10 000 com as vias existentes e as vias propostas e, ainda, uma descrição dos traçados que propõe nessa planta. Este documento era limitado a norte pela Avenida da Boavista e pelo Monte Cativo - e abarcava toda a zona ocidental da cidade - e, a oriente, terminava no jardim de S. Lázaro. Propõe um novo centro - a Praça de Carlos Alberto - e a sua envolvente”.
Fonte: cm-porto.pt/