quinta-feira, 14 de março de 2024

25.231 Casa da Câmara, ou Paço do Concelho, ou Sobrado da Rolaçom, ou Casa do Senado

 
A instalação do edifício da câmara, na Praça Nova, em 1819, a inauguração da Ponte de D. Luís em 1887, a extensão da via- férrea até S. Bento em 1896 e a construção da Estação de São Bento, foram factores decisivos para tornar, a então chamada Praça de D. Pedro IV, no centro político, económico e social da cidade do Porto. Em meados do século XIX, a Praça era já o "ponto predileto de reunião dos homens da política e do jornalismo, da alta mercância tripeira e dos brasileiros”.
Aqui predominavam os botequins do "Guichard", "Porto Clube", "Camanho", "Suíço", "Europa", "Antiga Cascata", "Internacional", etc., progressivamente desaparecidos, para dar lugar a entidades bancárias, companhias seguradoras e escritórios.
Em 1916, foi demolido o edifício que serviu de Paços do Concelho, a norte da Praça da Liberdade, bem como diversos arruamentos vizinhos — ruas do Laranjal, de Elias Garcia, etc. —, iniciando-se as obras de construção da ampla Avenida dos Aliados, ao cimo da qual foram construídos os modernos Paços do Concelho do Porto, amplo edifício em granito e mármore, projecto de 1920, do arquitecto Correia da Silva.
A Praça da Liberdade ficou, assim, ligada à nova Avenida dos Aliados e à Praça Sidónio Pais (depois Praça do Município e desde 1975, Praça do General Humberto Delgado), num conjunto urbano de grande monumentalidade e de particular interesse histórico e artístico.
 
 
 
“Após a doação da cidade ao bispo D. Hugo em 1120, o Porto dependia da autoridade eclesiástica, que nomeava os funcionários para a administração do burgo. Durante os dois séculos seguintes, foi-se desenvolvendo o embrião de uma administração, a partir da resistência dos moradores do concelho à autoridade episcopal.
Importa referir que as administrações locais eleitas são anteriores à própria fundação do Reino de Portugal. Na Idade Média, os homens-bons de uma cidade, vila ou concelho elegiam um conjunto de oficiais, encarregues de administrar a localidade. Como, geralmente, esses oficiais se reuniam numa câmara, por extensão, passou a chamar-se "câmara" ao próprio orgão de administração local, ali reunido. A partir do Renascimento, as câmaras de algumas cidades mais importantes passaram a ser conhecidas como "senado" ou "senado da câmara".
A organização e a composição da câmara de cada cidade, vila ou concelho era estabelecida, normalmente, pelo respectivo foral, variando de localidade para localidade. De acordo com as Ordenações Afonsinas estava prevista a existência de juízes ordinários que presidiam à câmara, de vereadores responsáveis pela gestão dos assuntos económicos e de um procurador do concelho que, normalmente, também servia de tesoureiro. Nas cidades e vilas mais importantes, em vez de juízes ordinários, passou a haver um juiz de fora, nomeado pela Coroa. Além dos membros da câmara, propriamente ditos, dependentes dela existiam um conjunto de funcionários locais, como os almotacés - fiscais da câmara -, os carcereiros, os tabeliães, os escrivães, os porteiros - responsáveis pelas penhoras - e os quadrilheiros.
A introdução da Monarquia Constitucional e as reformas administrativas de Mouzinho da Silveira levam, em 1832, à homogeneização da administração local do país. A partir de então, as câmaras municipais passam a ter uma organização única a nível nacional, sendo constituídas por um presidente e por vários vereadores. 
O mais antigo documento do arquivo camarário que chegou até nós data de 1286. Trata-se de uma carta dirigida pelo rei D. Dinis ao procurador do concelho do Porto, com a cópia do foral dado pelo bispo D. Hugo ao burgo em 1123.
(…) Por volta de 1340, o elenco da magistratura governante incluía juízes, vereadores e procurador da cidade. A estrutura foi-se tornando mais complexa e vão surgindo referências a outros cargos, como os de escrivão, tesoureiro, almotacé, procurador do povo. Paralelamente crescem as funções e actividades da Câmara, regulamentadas por disposições legais avulsas e pela legislação reunida nas Ordenações: competia-lhe administrar os bens do concelho, construir e manter equipamentos públicos, regular o abastecimento e venda de bens alimentares essenciais, assegurar a defesa e a ordem pública, a assistência, a saúde pública, higiene e limpeza, o pagamento das despesas municipais, a arrecadação de algumas receitas da Coroa. Detinha, ainda, funções judiciais. 
Se inicialmente a jurisdição da Câmara do Porto se limitava ao concelho (excluídos os coutos e honras), a partir de 1369 e até à reforma concelhia de 1834, estendeu-se a todo o território do Termo do Porto. Esta designação englobava os actuais concelhos de Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Maia, Gondomar, Paredes, Penafiel e Santo Tirso, sobre os quais o Porto teve jurisdição em áreas como a nomeação de funcionários locais, o controlo das actividades económicas, o lançamento e recolha de impostos, a defesa militar e a administração dos serviços de saúde. Estas competências sobre os concelhos do Termo explicam a existência, neste arquivo, dos forais novos que lhes foram concedidos por D. Manuel.
A seguir à Restauração da Independência, o Senado da Câmara assume ainda o cargo de Capitão-mor, com a tutela das companhias de ordenanças (corpo militar de segunda linha, não-remunerado, que prestava apoio às tropas de primeira linha) em todo o Termo do Porto. A Câmara do Porto assegurava o recrutamento e o treino militares e a eleição dos oficiais. Esta situação manter-se-ia até à extinção definitiva das companhias, em 1832. 
O período liberal trouxe grandes transformações em termos político-administrativos. A organização e as competências das câmaras passaram a ser reguladas pelos sucessivos códigos administrativos, conduzindo a avanços e recuos cíclicos na autonomia local. Foram introduzidos órgãos tutelares, intermediários entre poder municipal e poder central: o provedor da comarca, mais tarde substituído pelo administrador do concelho, a Junta Geral do Distrito, o Conselho de Distrito, o Governo Civil.
O cargo de presidente da câmara substituiu o de juiz de fora, de forma permanente, na década de 1830. Ao longo do século, o número de vereadores aumentou de 4 para 9, ao mesmo tempo que a organização dos serviços camarários se foi tornando mais complexa, com a criação de repartições municipais responsáveis pelas várias áreas de intervenção. 
Entre 1887 e 1896, paralelamente ao Senado da Câmara, exerceu funções uma Comissão Executiva, com competências deliberativas. Findo este período, o poder voltou a concentrar-se no Senado. 
Nas duas últimas décadas da monarquia, a Coroa impôs um maior controlo sobre os municípios. A Primeira República não trouxe a esperada inversão desta tendência, apesar de algum reforço das atribuições da câmara, em termos de obras públicas, instrução, saúde e segurança públicas. A composição dos órgãos camarários foi alterada com a criação de uma comissão restrita, escolhida de entre os membros eleitos para o Senado, com responsabilidades deliberativas, que, no Porto, funcionou entre 1914 e 1926”. 
Fonte: “gisaweb.cm-porto.pt”
 
 
 
Voltando aos primeiros tempos, as instalações primeiras que se conhecem para funcionamento da Câmara são de 1350, e dizem-nos que a edilidade, nesse ano, reuniu numa casa de madeira, paredes meias com o edifício da Sé. Esta construção devia ficar encostada à Sé, no que é hoje a sua galilé lateral.
Por as condições serem bem precárias, foi decidido, nesse mesmo ano, mandar construir um outro edifício que pouco tempo esteve de pé, pois ruiu “sobre a cerca velha que pertencia ao bispo”.
Talvez, tenha sido uma destas duas primeiras construções, denominada por alguns como, o “Paço de Arcos”, construção provisória e transitória em madeira, nas imediações da Sé.
Nesse terreno do bispo estava um cemitério, que um tribunal, dando razão ao prelado, obrigou a cidade a reconstruir.
Este cemitério era destinado ao povo, pois, nesses tempos, os poderosos eram sepultados nas igrejas.
A este cemitério, sucederia um outro, nas Malvas, conhecido também por Cerro dos Enforcados, lá para as bandas dos Clérigos, mais propriamente, em terrenos que viriam a ser ocupados pela torre dos Clérigos e que, aí, se manteve, até ter sido doado um terreno próximo, a D. Helena Pereira da Maia, para fundar o Recolhimento das Órfãos Donzelas ou Recolhimento do Anjo.
Reportando novamente às instalações da edilidade só, em 1390, a Câmara volta a decidir no “Sobrado da Rolaçom”.
Este foi o nome dado ao edifício construído à entrada da Rua de S. Sebastião, conhecido ainda por Casa da Câmara, Paço do Concelho ou Torre do Concelho, e sobre as ruínas do qual, depois de várias intervenções ao longo dos tempos, o arquitecto Fernando Távora fez nova construção, como tentativa de reproduzir a inicial, chamada vulgarmente (mas erradamente), de Casa dos Vinte e Quatro.
A primitiva Casa da Câmara, situada a apenas sete metros das paredes da Sé do Porto, era construída em cantaria de granito com cem palmos de altura (cerca de 22 m, pois 1 palmo são 22 cm) e era guarnecida de ameias. Possuía vários sobrados contendo no seu interior elementos artísticos de grande qualidade. Evidenciava entre outros, um exemplar tecto dourado, no salão nobre superior. 
A Casa da Câmara é o nome de um conjunto de ruínas (até há poucos anos expostas aos elementos) junto do paredão de suporte do Terreiro da Sé.
A parte inferior do imóvel, com a porta ogival, a nível da Rua de S. Sebastião, é tudo o que restou da estrutura medieval. 
Essas ruínas eram tudo o que restava da casa-torre onde, na Idade Média, se reuniam os homens-bons da cidade, como representantes dos seus ofícios (sapateiros, caldeireiros, torneiros, etc.) no que constituiu a primitiva Câmara do Porto. Nos seus tempos áureos, a casa teria uma torre de 22 metros de altura, ameada, e porta principal virada para a Sé. Teria outras duas, para a Rua de S. Sebastião, onde havia uma loja que se alugava e uns armazéns onde se guardavam as armas que a Câmara mantinha para a defesa da cidade.
O primeiro piso era a sala de audiências e o segundo era a sala do senado, onde a Câmara reunia. Era uma sala totalmente decorada, com tectos pintados com anjos e santos, e por detrás da mesa grande, figurava uma pintura da Virgem com o Menino, as armas régias manuelinas e São Pantaleão, primitivo padroeiro da cidade do Porto. O tecto do salão era uma cópia do tecto do salão do castelo de Lisboa, e chegou a estar ornamentado com uma pintura de S. Sebastião. No mesmo piso funcionava o arquivo do cartório camarário, com as suas arcas de documentos.
 
 
 
 

Porta lateral ogival da primitiva Casa da Câmara medieval


 
 

 
Fachada da Casa da Câmara medieval, antes de 1934
 
 
 
 

À esquerda, a fachada da Casa da Câmara medieval e o que dela restava, em  1934 e, à direita, uma mesma perspectiva, actualmente - Ed. JPortojo

 
 
 
Uma intervenção na construção da casa data de c. 1450 (o contrato entre a Câmara e o carpinteiro Gonçalo Domingues para a execução da obra de madeiramento da casa-torre data de 1445).
A vereação reuniu nesta torre desde 1445 até 1784, com um interregno entre 1539 e 1604 (por exemplo em 19 de janeiro de 1597 reuniu “na praça da Ribeira debaixo dos cubertos dos Barbeiros…”), em que as reuniões tiveram lugar, em prédios provisórios devido ao estado ruinoso da torre, motivo que determinou também o seu abandono em 1784, sendo que, em 1795, foi demolido o piso superior.
Assim, em meados do Séc. XVI, a Câmara já se havia mudado para o claustro do Convento de S. Domingos, pois o edifício na Sé ameaçava ruína. Durante muito tempo e quando de reuniões mais alargadas a edilidade já fazia essas reuniões no “Alpendre do convento de S. Domingos”.
A Câmara viria a abandonar de vez a torre em 1805 (já há alguns anos que ocupavam instalações do Convento dos Grilos) e a torre seria arrendada a privados.
Os serviços da Câmara entre 1784 e 1806 estiveram no Convento dos Agostinhos Descalços e entre 1806 e 1819 na Casa Pia, na Rua Augusto Rosa e, finalmente, em 1819, mudaram-se para a Praça Nova das Hortas.
No ano de 1875, o prédio da Rua de S. Sebastião ainda pertencia à Câmara do Porto, que o trazia alugado. O primeiro an­dar, onde ficava o tal pomposo salão de excelentes madeiramentos, estava aluga­do a uma associação da classe dos latoeiros, que ali tinha a secretaria e outros ser­viços de caráter social. O espaço do rés-do-chão, com entrada pela Rua de S. Sebas­tião, estava alugado a Francisco José Go­mes de Carvalho, que ali explorava uma refinaria de açúcar.
O prédio conheceria o seu fim quando, na noite de 25 de Abril de 1875, foi pasto de um incêndio que o deixou no estado em que estava até ao ano 2000, quando foi restaurada pelo arquitecto Fernando Távora.
Importa a propósito referir que, em 1518, D. Manuel instituiu a Casa dos 24 do Porto, que era constituída por 24 representantes dos 12 principais ofícios, e que passaria a reunir na Casa da Câmara. Tinha por missão defender os interesses do povo.
As relações entre a Casa dos 24 e a Câmara, foram, logicamente, quase sempre muito más.
A casa dos 24 viria a ter uma influência decisiva na Revolta do Papel Selado, o que levou à sua extinção em 1661 e restabelecida pouco depois.

 
“Assim em 1661 sendo regente do reino a rainha D. Luísa de Gusmão, na menoridade de D. Afonso VI, seu filho, deu-se ordem a todos os magistrados, para que não despachassem requerimento algum, que não fosse escrito em papel selado.
Em 4 de Maio deste ano, logo pela manhã, foram os revoltosos, tumultuosamente a casa dos seus procuradores, para que estes pedissem ao senado da Câmara, que suplicasse ao rei a revogação deste tributo.
A Câmara, porém, não só os desatendeu mas até prendeu os procuradores, o que ainda mais enfureceu o povo, que gritava pelas ruas – Viva El-rei, e morram os traidores.
Foram aos Arcos de S. Domingos, a casa do tesoureiro da cidade, apedrejando-lhe as janelas e obrigando-o a lançar à rua e, ali queimaram todo o papel selado que lá encontraram; e queimariam também a casa se lhe não acudissem os frades de S. Domingos. Depois, queriam também o papel selado que estava em casa do recoveiro, na Rua Nova.
A casa do juiz da alfândega foi também arrombada e despedaçados, todos os seus móveis.
Obrigaram o corregedor da cidade a entregar-lhes a provisão régia que criou este tributo.
Nesta conjuntura, os cónegos da Sé lembraram-se de sair, com o SS. Sacramento, em procissão, a ver se aplacavam a fúria do povo, mas nada conseguiram; e só terminou o tumulto com a soltura dos procuradores do povo.
A força militar do Minho, marchou contra a cidade, onde entrou a 17 de Outubro, era composta por quatro mil infantes e quinhentos cavalos, sob as ordens do conde do Prado, o tributo foi então imposto sem resistência.
Tirou-se devassa, não resultando outro castigo aos sublevados, senão serem condenados – a açoites, um mulato da Ribeira e um marujo a cinco anos de degredo, para o Brasil”.
Fonte: “geneapt.tripod.com”
 
 
 
Alguns meses depois, a Casa do 24 foi restabelecida, mas voltou a influenciar a Revolta da Companhia em 1757.
Os grandes privilégios dados à Companhia Geral de Agricultura e Comércio das Vinhas do Alto Douro por D. José I (ou pelo marquês de Pombal) davam-lhe, principalmente, o exclusivo de vender na cidade e quatro léguas em redondo, todo o vinho (maduro) que consumisse o povo, facto que desagradou aos taberneiros, que, também, influenciados por alguns ingleses, negociantes de vinho, agregaram a si muita gente das classes baixas, tanto homens como mulheres e se reuniram no Largo da Cordoaria, na manhã de 4 de Fevereiro do ano de 1757 e dali se dirigiram ao Largo de S. Domingos, onde morava o juiz do povo, ao qual, ainda que doente, obrigaram a entrar em uma cadeirinha, levando-o a casa do chanceler e regedor da justiça – gritando pelas ruas – Viva o povo e morra a Companhia!
 
 
 
“Os sinos da Sé e da Misericórdia tocaram a rebate e o chanceler, instado pelo povo, e, temendo maiores desgraças, teve de declarar livre a venda do vinho de ramo.
A determinada altura, da casa do procurador da companhia partiram dois tiros de bacamarte, contra alguns dos amotinados. O povo, ainda mais exacerbado com este facto, arrombou as portas da casa do procurador e invadindo-a, esmigalhou todos os móveis, calcando aos pés tudo o que era da companhia.
Pelas três horas da tarde todo o povo se tinha pacificado”.
Fonte: “geneapt.tripod.com”
 
 
 
Esta revolta, cujos autores sofreram castigos muito mais severos do que o caso merecia, deu assunto ao Ilustríssimo escritor Arnaldo Gama, para o seu brilhante romance histórico – “Um motim há cem anos”.
Encerrada e novamente restabelecida, a casa dos 24 foi, definitivamente, extinta em 7 de Maio de 1834.
Sobre os privilégios da Companhia escreveu o padre Agostinho Rebelo da Costa:


 




A propósito de revoltas, houve uma, conhecida pelo Motim das Maçarocas, que teve lugar na cidade do Porto em 1629. Tudo se deveu ao facto de o governo para fazer face às despesas resultantes das guerras em que a Espanha se envolvia, pretender taxar o linho fiado, com um imposto. Ora, as fiandeiras descontentes revoltaram-se e correram à pedrada Francisco de Lucena, que fora ali encarregado de cobrar o novo imposto. O referido cobrador começou por se esconder no convento de S. Domingos, donde passaria pelas traseiras ao convento de S. Francisco e, posteriormente, depois de sair pelo postigo do Pereira e atravessar o rio, refugiou-se no convento da Serra do Pilar.
Por interferência do governador de justiças (2º Conde de Miranda), esta revolta não teve consequências para os intervenientes.
 
 
 
“ (…) Chanceler da Câmara, que é a primeira pessoa da cidade, por ele governada na ausência do Conde de Miranda, Embaixador na Corte Católica, que com o título hereditário obtido do rei D. João IV por mercê das suas embaixadas feitas na Holanda, é por sucessão perpétuo governador dela. O mesmo Chanceler manifestou a ordem terminante recebida do Príncipe de Portugal para servir a A.S. que depois de jantar veio a S. Bento para retribuir os obséquios. S.A. sentou-se junto da grade, em cadeira de espaldar, ao lado sentaram-se sobre escabelos os dois Cavaleiros e sobre escabelo semelhante sentou-se em frente o Chanceler”.
Crónica do Conde Lorenzo Magalotti (viagem de Cosme de Médicis a Espanha e Portugal - 1668/1669) – Fonte: “portoarc.blogspot.pt”
 
 
 
 

A Casa da Câmara (recuperada), junto à Catedral e, impropriamente, chamada de Casa dos Vinte e Quatro
 
 
 
 

Rua de S. Sebastião, c. 1930
 
 
 
Foi só no século XIX, depois de ter andado a reunir pela Casa Pia desde 1806 a 1819 (Rua Augusto Rosa, onde estava aquando da invasão de Soult), vinda do Convento dos Agostinhos Descalços (Grilos) onde tinha estado de 1784 a 30 de Junho de 1806 que, em 1815, foi resolvido comprar na Praça Nova das Hortas, um edifício aí existente.
O edifício foi construído, por volta de 1721, para residência de uma rica família burguesa. Mas, em 1752, os seus proprietários já não o habitavam porque, nesse ano, funcionava nele o Tribunal da Relação.
Esse edifício era uma casa nobre mandada fazer por Monteiro Moreira e sua mulher, Josefa Joana Salazar, moradores, ao tempo, na velha Rua de S. Miguel. Pela morte deste casal, o edifício passou à posse de seu filho, o capitão Manuel Eleutério Monteiro.
Em 1783, a vereação cobiçava a casa nobre da Praça Nova das Hortas, para nela instalar os serviços da Câmara.
Era, ao tempo, "uma grande casa com nobilíssima frontaria, com muitos e bons apartamentos e salas, casas interiores, cozinhas, quartos baixos e um grande pátio dentro, por modo de claustro".
Por essa altura, o edifício pertencia a Inácio Leite Pereira de Almada Pinheiro Moreira, que residia em Guimarães. As negociações para a compra do imóvel não foram fáceis.
Primeiro, foi a Administração do Tabaco que, em 1794, se meteu no negócio. Desejava comprar o palacete para nele instalar, além do mais, as fornalhas de uma fábrica de charutos. Protestou a Câmara e, em reunião de 30 de Dezembro, daquele mesmo ano de 1794, apresentou os argumentos que julgou importantes para a aquisição do imóvel.
Além de considerarem como ideal a localização da casa da Câmara, na Praça Nova das Hortas, "a parte mais central e mais dinâmica da cidade", os vereadores argumentavam que o edifício iria acolher, além dos serviços camarários, o Depósito Público, instituído havia pouco, e o Senado da Relação, que havia sido desalojado das casas da Cordoaria, ainda do tempo dos Filipes.
Mas, só em Outubro de 1815, há mais de 200 anos, a Câmara do Porto obteve autorização para dispor da verba necessária à aquisição do edifício, dada pelo príncipe regente, que era o futuro D. João VI. Seriam utilizados na transacção os dinheiros do cofre da cidade onde se recolhiam "os sobejos das sisas".
Entretanto, a Companhia de Agricultura das Vinhas do Alto Douro também apareceu como interessada na compra do palacete, que acabou mesmo por adquirir, efectivamente, em 13 de Março de 1816.
Voltou a protestar a vereação municipal. À Companhia foi mandada uma longa e pormenorizada exposição em que se procurava justificar as razões da preferência da Câmara. A Companhia aceitou os argumentos e, no dia 23, daquele mesmo mês de Março, cedeu o palacete à Câmara pelo mesmo preço pelo que o havia comprado: 26 contos de réis.
Finalmente, a cidade ia ter uma nova casa da Câmara. As obras de adaptação do edifício às novas funções duraram três anos. Os senhores vereadores instalaram-se nos novos paços do concelho em 21 de Agosto de 1819, vindos da Casa Pia, e a Câmara só abandonaria o novo poiso, em 1916.
As obras ainda não estavam completamente prontas. A frontaria da casa, por exemplo, foi enobrecida posteriormente, com a colocação "no cume do edifício" de uma figura esculpida em pedra representando o Porto.
Durante o Cerco do Porto (1832/1833), os morteiros miguelistas atingiriam o edifício. Os serviços da Câmara passaram então a funcionar no edifício da Rua de Cedofeita com o número de polícia, 199, com as sessões públicas a realizarem-se no edifício n° 35, da Rua da Torrinha.
Em meados do século XVIII, antes da chegada de João de Almada e Melo à governação da cidade, a Praça Nova das Hortas tinha a configuração mostrada na planta seguinte.
 
 
 

Planta da Praça Nova das Hortas, c. 1752
 
 
Legenda:
 
1- Caminho que viria a ser Rua D. Pedro
2- Rua do Bonjardim
3- Praça das Hortas
4- Convento dos Lóios
5- Convento da Ave-Maria
6- Porta de Carros
7- Rua das Hortas
8- Rua do Bispo
9- Convento dos Congregados
10- Tribunal da Relação (Palacete Monteiro Moreira)
11- Cerca do convento dos Congregados
12- Rua de Santo António dos Lavadouros
13- Mercado da Natividade, Rua de Entre-Vendas e Fonte da Natividade

 
 
Na planta acima, o novo convento dos Lóios ainda não tinha começado a ser construído, bem como o palacete de Morais Alão (contíguo ao palacete Monteiro Moreira).
A antiga morada de Monteiro Moreira, que viria a ser Câmara Municipal (identificada pelo nº 10), era à época, c. 1752, Tribunal da Relação.
Anos mais tarde (1864), a Câmara com­prou o tal palacete, contíguo ao que já ocupa­va, para instalação de novos serviços, conhecido por palacete Morais Alão.
Este edifício pertencia a D. Maria da Natividade Guedes de Por­tugal e Menezes, que morava em Coimbra.
Nos baixos do prédio contíguo, funcionava a drogaria de Custódio José de Passos, pai do malo­grado poeta do romantismo Soares de Passos. 
 
 
 

A Praça D. Pedro – Revista “Occidente”, 1886

 
 
 

Postal com fotografia de Aurélio Paz dos Reis

 
 
Na foto acima, ao fundo, a Câmara do Porto, na Praça D. Pedro, já há muitos anos, estava instalada nos palacetes Monteiro Moreira e Morais Alão. O prédio da esquina (hoje da Avenida dos Aliados e a Rua Sampaio Bruno) da Rua Elias Garcia tem ainda 3 andares.

 
 
 

A Praça D. Pedro, c. 1900

 
 
Na foto acima, o prédio da esquina da Rua Elias Garcia já tem 4 andares.
A 3 Fevereiro de 1916, a Câmara transfere-se para o antigo Paço Episcopal, pois, após a implantação da República, o bispo tinha sido obrigado a deixar as instalações na Sé que, inicialmente, se pensou virem a ser o Museu Municipal.
Em 28 de Fevereiro de 1916, por proposta de Elísio de Melo, a Câmara resolve aproveitar a antiga fachada dos Paços do Concelho para a nova frontaria do edifício de prolongamento da Biblioteca Pública, do lado da Avenida Rodrigues de Freitas, o que não se concretizaria, acabando, porém, anos mais tarde, por ir embelezar com alguns elementos arquitectónicos, o Jardim do Roseiral no Palácio de Cristal.
Na Sé, se manteve a Câmara, até à ocupação das instalações actuais em 1957.
 
 
 

Varandas do palacete Monteiro Moreira, da antiga Câmara, no jardim do Roseiral, no Palácio de Cristal

quarta-feira, 6 de março de 2024

25.230 O Rio Douro: navegabilidade no estuário e actividade comercial

 
Rio Douro e navegabilidade no estuário
 
 
Sempre foi do conhecimento dos homens do mar das dificuldades na entrada da barra do Douro.
O respeito que os comandantes tinham por aquela barra está expresso no cais da meia laranja, no Passeio Alegre, onde está recordada a memória do Comandante John W. Cowie, veterano da Barra do Douro, que serviu desde oficial praticante a capitão, em grande parte da frota de um armador de Glasgow, que escalava os portos portugueses com regularidade e que legou as suas cinzas ao rio, onde foram lançadas, em 19 de Julho de 1958, de bordo do navio-motor inglês Seamew, o seu último navio comandado.

 
 
 

Placa memorial - Ed. J. Portojo

 
 
Também o reverendo William Kimsey, num texto transcrito a seguir, nos dá conta duma entrada na barra do Douro e dos perigos subjacentes.
 
 
 
 
Descrição do reverendo William Kimsay
 
 
 
Muitas soluções foram propostas para eliminar muitos perigos que o vencer da barra oferecia.
Tendo em conta as soluções respectivas e que implicavam também uma alteração da fisionomia da margem direita, junto da foz do rio, a construção de um cais (ou dique), começa com um projecto de Reynaldo Oudinot de 1789.
 
 
“Neste esquema da proposta de Oudinot pode descrever-se as seguintes obras:
1 - Construção de um cais desde a Capelinha da Cantareira até ao rochedo «Sopena» e, se possível, o seu prolongamento até às pedras «Felgueiras», para resistir ao entupimento da barra;
2 - E necessário fazer qualquer obra no Cabedelo, pois ele condiciona a corrente das águas, encanando o rio. Se se construísse outro cais na margem esquerda, este evitaria que as cheias alargassem a foz, aprofundando-a, embora não contrariasse a acumulação de areias durante o estio. Segundo Oudinot, as cheias atacavam o Cabedelo, podendo demolir aquela estrutura arenosa. As obras projectadas por Oudinot foram realizadas durante vários anos, até serem interrompidas, em 1805, com o desenrolar da Guerra Peninsular. Os resultados foram algum aprofundamento da barra, bem como o deslocamento do Cabedelo para sul, sofrendo a rota dos navios uma correcção”.
Fonte: A. LOUREIRO
 
 
 
Mais tarde, em 1820, num projecto de Luiz Gomes de Carvalho, era proposto para a margem direita a construção de diques por lanços, desde as pedras «Eiras», passando pelo farol de S. Miguel-o-Anjo e continuando para montante.
O dique de Luiz Gomes de Carvalho atingiu 616 metros de comprimento; no entanto, não chegou a ser concluído e, em 1825, as obras limitavam-se à simples conservação das estruturas.
A partir daqui, várias soluções seriam propostas para regularização da barra como o projecto de Andrea Sheerboon (de 1838), projecto de Joseph Gibbs (de 1840), projecto de Bigot (em 1843/1844), projecto de William Jates Freebody (em 1855) e projecto de Manuel Afonso Espregueira de 1866, que propõe, entre outras soluções, a conclusão do dique de Luiz Gomes de Carvalho e o seu prolongamento para o mar.
Muitos outros projectos e soluções se iriam suceder até aos nossos dias, culminando com o levantamento, há cerca de 10 anos, de novos molhes.

 
 
Gravura de identificação das mais importantes construções, locais e rochas da barra do Douro – Ed. Teodoro de Sousa Maldonado (des.) e Manuel da Silva Godinho (grav.); Fonte: “gisaweb.cm-porto.pt”
 
Legenda:
 
2 – Castelo da Foz; 3 – Lage Davra; 4 – Aguião; 5 – Picão; 6 – Felgueiras;  10 – Cabedelo; 11 – Touro; 12 – Supena; 13 – Samagaio; 14 – Picoens;  15 – Olinda; 16 – Gamela; 17 – JOMBOI; 18 – Pilar da Cruz; 19 – O Ferro; 20 – Sul do Ferro; 21 – Pedras de Muge; 22 – Bunarceira; 23 – Arribadouros; 29 – Farol “O Anjo”; 30 – Praia


 
Observação: Entre a Lage Davra e o Cabedelo existem ainda do lado de Gaia as pedras conhecidas por “Foga Manadas” e “Filhas da Perlonga”.

 
 

 
Projecto de Andrea Sheerboon (de 1838); Fonte: LOUREIRO, A
 
 
 
 Andrea Sheerboon propunha, de acordo com gravura anterior:
 
1 - Um dique ou paredão de pedra solta desde a ponta do Cabedelo (pedras «Caranguejeiras») até às pedras «Perlongas». Esta margem artificial avançaria sensivelmente para o mar até igualar a margem direita;
2 - Completar, regularizar e reconstruir a margem direita através de outro paredão, unindo a ponta da «Galeota» com as pedras «Felgueiras»;
3 - Implementar um dique desde Sobreiras até ao penedo «Cruz de Ferro» (em frente ao Farol S. Miguel-o-Anjo);
4 - Remover artificialmente as areias do Cabedelo que permanecessem a norte do paredão e acima do nível da baixa-mar (volume avaliado de 16000 metros cúbicos);
5 - Aprofundar o canal da barra através de dragagens.

 
 
Este projecto é muito próximo do apresentado pelo português Luiz Gomes de Carvalho, nomeadamente, nos pontos 1, 2 e 3. 
Em 1873, para melhorar o movimento das embarcações, que demandavam o Rio Douro, a companhia que operava nas manobras de reboque comprou uma nova unidade.
Assim, foi comprado pela “Companhia de Reboques Maritimos e Fluviaes”, em 1873, o vapor Scotia, barco construído em Blockwall, no ano de 1864, com a força de 100 cavalos nominais, próprio para rebocador, e pertencente à companhia Coledonian Steam Towing.
Para que fosse possível pô-lo a navegar, apenas foram necessárias algumas pequenas reparações na caldeira e no casco. Ganhou, então, o nome de VELOZ.


 
 
Rebocador Veloz - Foto de Aurélio da Paz dos Reis, início do séc. XX


 
 
Rio Douro e a actividade comercial
 
O Rio Douro e a região demarcada dos vinhos do Douro
 
 
Desde que foi traçada a região demarcada dos vinhos do Douro, foi notória a influência da comunidade britânica neste sector económico e na vida económica e social da cidade do Porto.
A actividade não seria, porém, ausente de contra-tempos.
Primeiro, foi o oídio, uma doença causada por um fungo ectoparasita, cujo micélio se desenvolve sobre todos os tecidos verdes (folhas, pâmpanos e cachos) e, cujo tratamento impõem a protecção da vinha desde a floração até ao fecho dos cachos. A doença é controlada desde 1854 com a aplicação de enxofre.
Depois, foi o míldio, um fungo caracterizado como um endoparasita, ou seja, desenvolve-se no interior das folhas da videira e que hoje é evitada com a famosa “calda bordalesa” (mistura de sulfato de cobre, cal virgem e água).
Ambas as doenças têm hoje tratamento, mas, no século XIX, provocaram grandes prejuízos no Douro vinhateiro, que se agravaram quando, após poucos anos, apareceu a praga da filoxera.

 
 
“No final da década de 1850 e início da década de 1860, especialistas em botânica e viticultores europeus tinham começado a importar da América do Norte videiras de castas indígenas. Estes estudiosos não estavam cientes de que, em muitos casos, estas videiras americanas traziam consigo pequenos insectos amarelos que se alimentavam das suas raízes, sugando a sua seiva.
As videiras americanas estavam habituadas ao ataque destes insectos quase invisíveis e tinham desenvolvido formas de lhe sobreviver. Contudo, as vinhas europeias de produção de vinho não tinham quaisquer defesas. Os insectos alimentavam-se pela raiz da videira, provocando inchaços tuberosos até que a raiz ficava tão deformada que não podia absorver água e nutrientes do solo.
Famintas e sedentas, as videiras murchavam e morriam. O primeiro surto significativo ocorreu em França no sul da região do Ródano em 1862 e a praga então rapidamente se espalhou a outras partes do país causando devastação generalizada nas vinhas. Quando a causa foi finalmente identificada, foi dado ao destrutivo insecto o nome de Phylloxera vastatrix, ou filoxera.
Crê-se que a filoxera chegou à região do Douro em 1868. Em primeiro lugar, desencadeou a sua destruição nas zonas mais a leste, a origem dos melhores vinhos do Porto e, em 1872, colocou de rastos muitas das mais conhecidas propriedades produtoras de vinho do Porto. Os rendimentos baixaram drasticamente, provocando escassez de vinho e uma subida do seu preço. Um dos mais dinâmicos campeões da batalha contra a filoxera foi John Fladgate, um dos sócios da Taylor’s. Ele viajara para França para saber que remédios estavam aí a ser usados e, em 1872, publicou os seus achados numa carta aberta aos agricultores do Douro.
Mais tarde viria a ser-lhe concedido o título de Barão da Roêda pelo seu trabalho. Passou algum tempo, porém, até que a solução definitiva fosse encontrada. Esta passava por enxertar as videiras europeias nas raízes resistentes das castas americanas, uma medida que acabou por fazer parar a destruição.
Fonte: site “Taylor’s”

 
 

Cachão da Valeira - Ed. Emílio Biel


 

Túnel de Caminho-de-Ferro da Valeira - Ed. Emílio Biel


 

Estação de Caminho-de-Ferro das Covellinhas - Ed. Emílio Biel


 

Estação de Caminho-de-Ferro de Moledo - Ed. Emílio Biel


 

Túnel de Caminho-de-Ferro do Loureiro e da Murta - Ed. Emílio Biel


 
 

Vista sobre a Barra do rio Douro – Fonte: “delcampe.net”


 
Nos anos de filoxera, a cultura da vinha na região foi substituída pela do sumagre.
Desses tempos, é possível ainda encontrar algumas atafonas, que são os moinhos onde se processava a redução da folhagem do sumagre a pó, para posterior comercialização. 


 

Sumagre nas margens do rio Douro

 
 
Antigamente, os Romanos usavam-no em vez do vinagre ou limão, que só chegou séculos mais tarde. Foi, também, muito usado como corante para couro.

 
 
Os Impostos na actividade fluvial
 

Durante mais de dois séculos, o rendimento das por­tagens era arrecadado exclusivamente pela Igreja portucalense, ou seja, pelo bispo, a quem a cidade pertencia, desde a doação feita por D. Teresa, em 1120, ao tal bispo D. Hugo. 
A partir do século XIV, com a cria­ção dos primeiros cargos de administração do burgo (câmara), esta começou a alcançar alguma eman­cipação e a usufruir do direito de cobrar rendas. 
Em 1371, foi lançada uma sisa especial sobre o vinho, os panos, o sal e o pescado, cujo rendimento se destinava ao pagamen­to das obras de construção do muro da ci­dade, começada no reinado de D. Afonso IV e terminada no de D. Fernando.
Diversos im­postos existiram, alguns deles devidos ao Bispo e, muitos deles, com nomes curiosos, como o das Colheres, das Canadas, da Malatesta, dos Milheiros, da Redizima e da Dízima do Pescado. 

 
“A Colher era uma medida que corres­pondia à quadragésima parte de um alquei­re. Este imposto que era cobrado junto de uma fonte, ainda existente, a Fonte da Co­lher, em Miragaia, tributava o pão (cereal), a farinha, nozes, castanhas, produtos que entravam na cidade pelo rio ou por terra. Por cada alqueire de um destes produtos, uma colher era para o bispo. 
O vinho que entrava no burgo por terra, pagava, por cada carro, seis canadas. Se viesse em carga cavalar ou muar, pagava canada e meia, porque a carga era menor. 
Malaposta era a designação dada a um tonel. Por cada tonel, recebia o bispo qua­renta e oito reais. 
Milheiro ou dez por mil, ou um por cen­to, era o que se pagava de imposto por todo o vinho vendido à prancha nos barcos”.
Germano Silva 


 
A fiscalização era efectuada em postos de cobrança em terra, e estendia-se, igualmente, pela beira-rio, onde havia vários postos como, por exemplo, à en­trada dos tabuleiros da Ponte de Luís I e no Cais da Estiva. Esta parte do rio, na época em que vigo­ravam as barreiras, estava circuitada por grades de ferro e possuía duas en­tradas - uma junto à Praça da Ribeira, outra do lado do Largo do Terreiro, do velho Terreiro da Alfânde­ga Velha. Era junto à porta do lado da Ribeira que se situava o posto da barrei­ra.
Era a Câmara que mandava construir os edifícios, como o do cais da Estiva, na foto abaixo.
 
 
 

Barreira da Estiva na Ribeira – Fonte: “JN”


 
Em diversas épocas, os rendimentos extraídos do rio estiveram sob a alçada de diversas entidades, como sejam as clarissas do mosteiro de Santa Clara ou os beneditinos de Cedofeita ou, ainda, o conde de Massarelos e de S. João da Foz, cujo condado não correspondia a um território sob a sua tutela, mas, sim, a um imposto que era pago sobre o pescado que se retirava do rio Douro.


 

O rio Douro visto da Arrábida - In Ilustração Portugueza, nº16, 1867

domingo, 3 de março de 2024

25.229 Museu Allen ou da Restauração

 
João Allen foi o fundador deste museu, ao tempo, conhecido como Museu Allen ou Museu da Restauração.
João Allen, nascido em 1785, era o penúltimo filho de dez que seu pai, Duarte Guilherme Allen, teve de um primeiro matrimónio com Joanna Mazza, aparentada com o Papa Clemente XIV.
Duarte Allen foi cônsul da Grã-Bretanha em Viana do Castelo e no Funchal, sendo que, nesta cidade, foi o seu filho mais velho, cónego.
Uma irmã de João Allen (que viria ser a baronesa da Regaleira) casaria com José Monteiro de Almeida, que construiu a casa onde esteve o Correio Geral, na Rua de S. Bento da Vitória que, depois, foi dos herdeiros de José Gaspar da Graça.
Uma outra irmã casou com José Ferreira Pinto Basto, o fundador da Vista-Alegre e um conhecido e importante “setembrista”.
João Allen, aos doze anos, foi mandado para Washington, nos Estados Unidos, onde estudou num colégio católico, mas com uma organização militar, dirigido por clérigos franceses.
De volta ao Porto, serviu no exército anglo-luso, lutando contra os franceses, vindo a receber a medalha da Torre e Espada.
Após a Guerra Peninsular, João Allen estabeleceu-se em Londres e, depois, no Porto, como principal sócio da casa “Monteiro Dixon & Cia”, por morte do seu cunhado, José Monteiro de Almeida, cuja firma ficaria a ser, “Dixon, Allen, Figueiredo & Cia” e, mais tarde, “Allen, Morgan & Cia”.
Ainda solteiro, João Allen deu início, na sua residência, na Rua da Restauração, nº 281, a um museu, vindo a casar, em 1823, com Leonor Carolina Amsink, filha de Rodolfo Amsink, cônsul de Hamburgo, no Porto.
Em consequência do seu vício de juntar coisas, João Allen foi aproveitando as suas muitas viagens pela Europa, especialmente pela Itália, para enriquecer a sua colecção de armas, medalhas e louças.
Fruto da sua convivência com o pintor portuense Joaquim Rafael,  adquire-lhe algumas telas, a que junta quadros de Pillement. 
Como os salões da sua casa, sita na Rua da Restauração, nº 281 (no gaveto da actual Rua Alberto Aires de Gouveia com a Rua da Restauração), começassem a estar cheios, man­dou, em 1836, edificar nos terrenos contíguos uma nova casa, com três grandes salas e luz directa, onde colocou as suas colecções.
A casa de habitação tinha sido começada a construir c. 1831, pois é desse ano o pedido de construção à Câmara.
D. José de Urcullu, que viria a ligar-se à família, autor do "Tratado Ele­mentar de Geografia", no seu 2º volume, inclui uma ilustração e descrição da casa e do Museu Allen, tendo escrito:
 
 
“Só depois de concluído o prolongado cerco desta cidade é que o sr. Allen se resolveu a fazer uma casa destinada exclusivamente ao Museu. Teve a fortuna de que os projecteis que lançaram os sitiadores não caíssem onde estavam guardados os objectos raros e preciosos que em muitos anos tinham juntado. O edifício que serve de Museu e situado no fundo do jardim da casa em que mora o Sr. Allen; consta de três salões iguais de 22 palmos e meio de altura, 47 de comprimento e 26 e meio de largura. A luz entra em todos eles por clarabóias bem- dispostas no tecto.
Todos os domingos, João Allen abria a porta do seu Museu a quem o desejasse visitar, servindo o proprietário, graciosamente, de cicerone.
E se tudo corria bem no aspecto da arte, enriquecendo o seu Museu com peças que ia adquirindo ou lhe ofertavam, a verdade é que, a traição de um dos seus sócios, em Inglaterra, e a falta de amizade dos que lha deviam, em Portugal, acabaram por o obrigar a liquidar as suas casas comerciais”.
 
 
Como se lê, acima, João Allen, após ter sido obrigado a liquidar a sua actividade comercial, profundamente desgostoso, retirou-se para a sua Quinta de Campanhã (que ainda hoje existe na posse da família) e, aí, faleceu a 19 de Maio de 1848.
João Allen era um negociante portuense de ascendência britânica, tendo a sua actividade centrada na exportação de vinho do Porto. Foi membro da Feitoria Inglesa, tendo sido um dos fundadores do Banco Comercial do Porto e da Associação Comercial do Porto.
Dois anos após a sua morte, resolveu o conselho de família vender o recheio do museu, mas um movimento gerado na cidade, levou o município a adquiri-lo, ficando, no entanto, instalado nos mesmos edifícios, graciosamente, durante um ano.
Segundo Alberto Pimentel a respectiva compra cifrou-se em 12 contos de reis.
A verdade é que só, em 11 de Abril de 1852, abriu ao público com o nome de Museu Por­tuense, da Rua da Restauração, com a cooperação inteira e gratuita de Edmundo Augusto Allen, filho do fundador da Companhia do Palácio de Cristal, mais tarde, honrado com o título de Visconde de Villar d’Allen.
O Museu abriu pela primeira vez, em 11 de Abril de 1852, primeiro, ao Domingo, depois, duas vezes por semana, isto é, aos domingos e quintas-feiras (1856) e, desde 1867, diariamente. Até ao falecimento de Augusto Allen, o museu seria beneficiado com várias obras de outros artistas, destacando-se as do pintor Alberto Aires de Gouveia, conhecido por Gouveia Portuense.
 
 
 
“Alberto Aires de Gouveia (Porto, 3 de Março de 1867 - Candal, Vila Nova de Gaia, 2 de Outubro de 1941) foi um pintor nascido no seio de uma família portuense ligada ao negócio dos vinhos. Teve uma educação esmerada, tendo frequentado o Instituto Minerva, o Colégio de S. Carlos e o Colégio Inglês de Nossa Senhora da Providência.
Exerceu actividade comercial na firma António Caetano Rodrigues & C.ª, onde esteve pouco tempo. A sua verdadeira paixão era a pintura, razão pela qual ingressa na Escola de Belas Artes do Porto e tem como professor o mestre da pintura naturalista Marques de Oliveira.
Participou em exposições coletivas e individuais.
Parte das suas obras podem ser vistas no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, no Museu Nacional de Arte Contemporânea de Lisboa e no Museu Grão-Vasco, em Viseu”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”


 
Uma vez falecido, em 1899, Augusto Allen, começou o museu a ser conhecido como Museu Municipal do Porto, acabando por ser transferido, em 1905, para o edifício onde funcionava a Biblioteca Pública Municipal do Porto e o Ateneu Portuense ou Ateneu D. Pedro, localizado no antigo Convento de Santo António da Cidade, tendo sido reaberto ao público, apenas, em 1912.
A residência e o museu Allen já não existem tendo sido demolidos em 1962, e no local que anteriormente ocupavam, encontra-se, hoje, um moderno imóvel que, entre outras coisas, serve de cen­tro de escrutínio dos jogos da Santa Casa da Misericórdia.
O antigo Museu Allen e o antigo Ateneu D. Pedro, pertencentes ao Município Portuense e ao Estado, respectivamente, assim continuariam em S. Lázaro, dividindo instalações, durante boa parte do século XX.
 
 
 
 

Em destaque, a casa de Vilar d’Allen e o museu, na planta de 1865 de Perry Vidal


 
 
 
Casa e Museu de Vilar d’Allen, na Rua da Restauração – Litografia de J. Villa Nova, em 1839


 
 

Entrada do Museu da Restauração, anexo à residência de Vilar d’Allen – Photo Guedes, AHMP



 

Entrada do Museu Municipal do Porto, na Rua da Restauração – Fonte: AHMP (1902)
 
 
 
O acervo do Museu Municipal do Porto viria, então, a integrar o do Museu Nacional de Soares dos Reis, trazendo­-lhe, entre muitas maravilhas, o "Caim" e a "A Flor Agreste", de Teixeira Lopes, a "Crucificação", de Vieira Portuense, e "A Virgem e o Menino", de Frei Carlos, para além de uma sumptuosa colecção de numismática.


 
 

Interior do Museu Municipal do Porto (Museu Soares dos Reis, desde 1911 e, desde 1932, Museu Nacional Soares dos Reis), em S. Lázaro
 
 
 

Museu Municipal Portuense, nas instalações de S. Lázaro - Ed. Foto Guedes, negativo em vidro 13 x 18 cm – Fonte: AHMP



 

A meio da foto, editada, observa-se a casa dos Villar d'Allen, sendo visível, atrás, parte do edifício do quartel
 




No chão do prédio, em destaque, ficava a Casa e Museu de João d’Allen – Fonte: Google maps