quinta-feira, 30 de março de 2023

25.183 O Caminho da Aguada

A estrada marginal que corria pela margem direita do rio Douro, entre o esteiro de Campanhã e a Ribeira, começaria a ser delineada na década de 1940. Foi durante muitos anos o Caminho da Aguada.
Este topónimo referenciava a foz da ribeira de Mijavelhas, situada entre a ponte do Infante D. Henrique e a ponte Maria Pia, que despencava, lá do alto, para o rio Douro, em cascata, com a sua nascente nas imediações do Campo 24 de Agosto.



Local da foz da ribeira de Mijavelhas, também, chamada ribeira do Poço das Patas



Em anos de muita chuva, apesar do encanamento da ribeira, é possível observar o fenómeno, pois ela acaba por transbordar. Foi o caso da invernia acontecida na primeira semana do ano de 2023.
Dessa cascata de água se diz que, em épocas muito remotas, os barcos se vinham abastecer de água potável.
Actualmente, essa estrada marginal compõe-se de dois troços a que correspondem dois topónimos. Entre o Freixo e o entroncamento com a Rua de Sabrosa é chamada de Avenida Paiva Couceiro. Daí até à ponte Luiz I é a Avenida Gustavo Eiffel.
Seria o engenheiro militar Reinaldo Oudinot, que durante catorze anos dirigiu as obras da barra, a conceber uma intervenção na frente unitária ribeirinha.
Nesta óptica, seriam cinco as intervenções a desenvolver: São João da Foz, com o projecto para a barra e para a reestruturação urbana e defensiva deste lugar; Massarelos, com o projecto de um cais para abrigo das embarcações e de uma alameda pública; Ribeira do Porto, com o projecto de ampliação e elevação do cais e de reestruturação do tecido urbano existente; Guindais, com o projecto de um cais para o porto fluvial; e Freixo, com o projecto de regularização da foz dos rios Tinto e Torto, no esteiro de Campanhã.
No âmbito deste último, acrescia um outro objectivo: o de estabelecer a ligação da cidade baixa com as povoações de Valbom e Gondomar.
A partir de 1794, passou a ser possível vencer o percurso escarpado da margem direita do rio Douro, entre o esteiro de Campanhã e a ponte Pênsil, na Ribeira, a pé ou a cavalo.



 
“Uma das dificuldades na construção da estrada entre a Ribeira e o Freixo era a abertura do leito da via pois neste tramo do rio Douro as encostas são escarpadas e rochosas.
A dificuldade maior, porém, era a travessia do esteiro de Campanhã, zona alagadiça onde desaguavam os rios Tinto e Torto1851. Oudinot estudou em particular este local onde o rio Douro faz uma curva pronunciada. O projecto envolveu o encanamento da foz dos dois ribeiros e a construção de estradas e pontes no leito do rio; envolveu, ainda, a conciliação do traçado da nova estrada para a Régua com o palácio do Freixo e seus jardins assim como a resolução das ligações às povoações próximas.
(…) No final do ano de 1794 já estava aberta a ligação entre a Ribeira e o vale de Campanhã, uma passagem “a pé ou a cavalo”, estabelecendo-se a comunicação à cota baixa entre a cidade e as povoações vizinhas situadas na parte oriental. Nos anos seguintes, Oudinot continuou com este trabalho, “alargando e melhorando o caminho, de forma que se possa cada vez aproveitar melhor”. Com estes trabalhos, Oudinot garantia o início da construção de uma via marginal ao Douro, uma tarefa que se prolongaria pelos séculos XIX e XX”.
Cortesia de Carlos Henrique de Moura Rodrigues Martins - Tese de Doutoramento em Arquitectura (2014)

 
 



O Caminho da Aguada seria caminhado na íntegra, entre a Ribeira e o Freixo, pela personagem Manuel Quintino, na obra “ Uma Família Inglesa” de Júlio Dinis. Quando tinha um problema para resolver que necessitasse de reflexão, a solução buscava-a naquele percurso, em contemplação da paisagem e em meditação.
Acabaria por ser encontrado extenuado, sentado num banco junto do cemitério do Prado do Repouso, já na Rua do Heroísmo, pelo seu futuro genro.
Júlio Dinis vai descrevendo os lugares de passagem: fonte do Carvalhinho, Quinta da China, Rego do Lameiro e Esteiro de Campanhã. Para trás tinha ficado a fábrica de Curtumes. Começava a subida para o sítio do Padrão.

 
 

Sítio do Padrão de Campanhã, na Rua do Heroísmo, c. 1950
 
 
 
Teríamos que chegar à década de 1940 para que todo o percurso, entre o Freixo e a Ribeira, fosse realizado em plenitude.


 
 

Abertura da estrada marginal de ligação do Freixo à ponte Luís I, na zona da Central Termo Eléctrica do Freixo – Ed. Guilherme Bomfim Barreiros; Fonte: Arquivo Municipal do Porto

 
 

Aspecto das obras para a abertura da Avenida Marginal, na zona do Freixo, que possibilitaria a ligação da estrada nacional n.º 19-2.ª, com o tabuleiro inferior da ponte Luís I - Ed. Guilherme Bomfim Barreiros; Fonte: Arquivo Municipal do Porto



 

Aspecto das obras de abertura da Avenida Marginal, em Quebrantões Norte - Ed. Guilherme Bomfim Barreiros; Fonte: Arquivo Municipal do Porto
 
 
 

Marginal do rio Douro (Caminho da Aguada), observada a partir de V. N. de Gaia, entre o Freixo e a Ribeira antes da grande intervenção na década de 1940 – Ed. Alvão


 

O Caminho da Aguada, próximo da Quinta de Roriz

 
 

Perspectiva actual da foto anterior – Fonte: Google maps

 
 
Entre o prédio das fotos anteriores e a ponte ferroviária Maria Pia esteve sedeada a fábrica de cerâmica “Chambers & Wall” que começou por ser, a partir de 1912, um polo de produção da Fábrica de Louça de Massarelos e que, mercê de um incêndio, acabaria por encerrar, neste local, em 1936.
O referido prédio teria sido a habitação do proprietário da cerâmica.



 

O antigo Seminário, à direita, lá no alto, em litografia de Cesário Augusto Pinto, em 1849, e mesma perspectiva, actualmente – Cortesia de “Gaia à la Carte”

 

Na Quinta de Roriz, c. 1920, em Quebrantões do Norte, na margem direita do rio Douro, a Fábrica “Chambers & Wall”, com o antigo Seminário, parcialmente, visível

 
 

A meio da foto, a Calçada das Carquejeiras (antiga Calçada da Corticeira), em 1945, com a marginal ainda por construir
 
 
 
 

Caminho da Aguada, ainda em terra batida, observável desde da Calçada da Corticeira (Calçada das Carquejeiras) até à ponte Maria Pia

 
 

Mesma perspectiva da foto anterior, obtida em 1900
 
 
 

Ponte Luís I, ainda sem o acesso marginal aberto
 
 
 
 

À direita, na década de 1950, já estava construída a marginal

 
 

Avenida Gustavo Eiffel, actualmente, junto da antiga ponte ferroviária Maria Pia – Fonte: Google maps

sábado, 18 de março de 2023

25.182 O Cerco do Porto

 
 
“Tudo começaria com a morte de D. João VI, em Março de 1826 foi criado um conselho de Regência a que presidia a Infanta Isabel Maria.
D. Pedro IV que havia enviado do Brasil a carta constitucional que Saldanha havia feito jurar era o natural herdeiro do trono, mas viria a abdicar a favor da sua filha Maria da Glória. Entretanto conhecidas as pretensões de seu irmão, D. Miguel, consertou-se o casamento deste com a sua sobrinha e ele seria nomeado lugar-tenente de D. Pedro para reger o reino em conformidade com a Carta que D. Miguel, ainda exilado em Viena tinha jurado.
Em Fevereiro de 1828 D. Miguel volta para Portugal e reafirma fidelidade ao rei e à Carta, mas pouco tempo depois dissolveu a Câmara dos Deputados.
A 7 de junho D. Miguel prestou juramento como rei.
A revolta principiou em Aveiro, estendeu-se ao Porto e a muitas outras cidades e durante 45 dias a cidade manteve-se independente do governo usurpador de Lisboa.
Entretanto alguns refugiados afectos à causa de D. Pedro, como o Saldanha, o Palmela e o Vila-Flor, que estavam em Inglaterra, alugaram um barco de nome Belfast e rumaram ao País, mais propriamente ao Porto.
(...) os revoltosos haviam de ser derrotados e os que tinham vindo no Belfast fizeram a viagem em sentido inverso.
Conta a história que o avô de Eça de Queiroz, Joaquim José de Queiroz, só apanhou o navio em Vigo, pois fez questão de acompanhar até à Galiza os soldados do seu destacamento que tinham saído derrotados.
Outros dignamente ficaram e foram presos e executados em 1829.
Seguem-se anos de fortíssima perseguição aos liberais e aos seus ideais. Muitos fogem para o exílio, outros tentam resistir, pagando com a vida tal veleidade.
Procurando restituir o trono a sua filha e devolver a Portugal o regime liberal, D. Pedro abdica pela segunda vez na vida de uma coroa, desta feita a brasileira, e inicia um processo que culminará na organização de um exército, composto por imensos liberais exilados, por voluntários fugidos do país, e por experientes mercenários. É essa expedição militar, o “Exército Libertador”, que zarpa de Ponta Delgada a 27 de Junho de 1832. O desembarque destes “7.500 Bravos” processar-se-á na Praia da Arnosa de Pampelido a 8 de Julho. Designado até aí por Praia dos Ladrões, este local será rebaptizado oito anos depois como Praia da Memória, em resultado do obelisco à memória do Desembarque que então (1 de Dezembro de 1840)  começou aí a ser erguido”.
Cortesia de Joel Cleto
 
 
Usurpado o trono de Portugal, D. Miguel em 13 Março 1928 instala o regime absolutista, após ter dissolvido as Cortes Constitucionais e proíbe o Hino da Carta.
O governo do, agora, rei usurpador foi reconhecido pelos Estados Pontifícios, Espanha e Estados Unidos da América. Começava, então, um período negro da nossa história.
O Porto sempre na vanguarda da liberdade não podia deixar que a situação se mantivesse.
António Bernardo de Brito e Cunha vai, então, encabeçar uma revolta, que irá ser planeada na sua Casa do Ribeirinho, em Matosinhos.
 
 
 

Casa do Ribeirinho
 
 
 
Será desencadeada, em 1828, a partir do Porto, com o desembarque de um grupo de exilados liberais vindos de Inglaterra a bordo do navio Belfast, daí o nome pelo qual passou à história a sublevação militar - Belfastada.
Esta ofensiva liberal não teve êxito, pelo que os liberais foram obrigados a refugiar-se no navio e partir de novo para Inglaterra.


"O nome Belfastada designa um dos movimentos revolucionários portuenses contra D. Miguel, ocorridos após a restauração do poder absolutista, período marcado por uma grande instabilidade.
A revolta do Porto chegou ao conhecimento dos políticos liberais exilados em Londres. O marquês de Palmela, ao ser informado de que o seu rival político, o general Saldanha, estava decidido a viajar até ao Porto para assumir a liderança dos revoltosos, providenciou a sua partida imediata com o financiamento de um brasileiro de nome Itabaiana.
Para viajar até à Cidade Invicta fretou um barco a vapor chamado "Belfast", pela quantia de 47 libras diárias, embarcou em Plymouth, a 16 de junho de 1828, na companhia dos seus companheiros aristocratas liberais.
Uma vez no Porto o marquês de Palmela entrou na Junta Revolucionária, e com ele os seus correlegionários da fação liberal mais moderada. O sucesso desta revolta foi seriamente comprometido pelas desavenças entre as duas fações liberais: a ala mais moderada de Palmela e a ala mais radical de Saldanha. Assim iria ser durante várias décadas.
O exército absolutista conseguiu chegar ao núcleo da revolta devido à inoperância de Saldanha. Desse modo, as tropas comandadas pelos generais Póvoas, Gaspar Teixeira e Álvaro da Costa não foram travadas pelos liberais.
A 30 de junho, Palmela passou em revista as tropas numa falsa ostentação de poder, pois de seguida recolheu-se em Santo Ovídio, na margem de Gaia, numa altura em que era certa a sua derrota. O Presidente da Junta e marechal de campo estava de tal modo convicto da sua derrota que pedira asilo ao comandante das tropas britânicas estacionadas no Douro.
Numa reunião extraordinária da Junta, a 2 de julho, foi decidida a sua dissolução e a retirada das tropas para a Galiza. Nessa noite, todos voltaram para o Belfast, à exceção de Sá Nogueira, o futuro marquês de Sá da Bandeira, do brigadeiro Pizarro, e do desembargador Teixeira Queirós. O vapor partiu no dia seguinte com destino a Inglaterra. Nesse dia, o exército real entrava na cidade, onde o que restava do exército liberal preparava a retirada para a Galiza sob as ordens de Sá Nogueira".
Fonte: Infopédia - Porto Editora



Na sequência destes acontecimentos, António Bernardo Brito e Cunha foi preso nos calabouços do Castelo da Foz, com o rótulo de agitador político altamente perigoso e, mais tarde, transitado para as celas da Cadeia da Relação no Porto e condenado à forca a 09/04/1829, pela Alçada, que reuniu em sessão plena e secreta, entre as 10.00 e as 22.00 horas, desse dia, tendo as suas sentenças ficado secretas até 04/05/1829.
Morreu enforcado na manhã de 07/05/1829, na Praça Nova, actual Praça da Liberdade, no Porto, juntamente com outros nove Mártires da Liberdade condenados, também, à forca, a 09/04/1829.
Os seus corpos ficariam expostos no cadafalso durante meses naquela praça.
António Bernardo de Brito e Cunha foi o Senhor da casa, capela e quinta do Ribeirinho, em Matosinhos e da casa das Taipas, no Porto, 15º administrador do vínculo de Nossa Senhora da Esperança e Morgado da Cunha, Cavaleiro fidalgo da Casa Real, Cavaleiro professo nas Ordens de Cristo e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Contador da Real Fazenda da comarca do Porto e Deputado da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro.
Entretanto, o ódio das gentes do Porto, contra o regime, ia crescendo.
 
 
 
“(...) Ainda em 1831, o estadista José Bonifácio obrigou o imperador Dom Pedro I, acusado de excesso de autoritarismo, a abdicar da Coroa do Brasil no filho Dom Pedro II do Brasil. Vendo-se obrigado a viajar para a Europa, instala-se entre Paris e Londres, onde os novos regimes saídos da Revolução de 1830 lhe podiam ser favoráveis. Em seguida, utilizando O OURO do Brasil devido a Portugal pelo tratado de paz Luso-Brasileiro de 1825, reúne um Exército de Portugueses Emigrados e de Mercenários Estrangeiros, que embarca numa frota com a finalidade de conquistar uma posição em território português Continental. Conquistada que fora a fortíssima posição Militar e Naval de Angra, nos Açores, o Corpo Expedicionário de Dom Pedro parte daí, para desembarcar no Continente português, o que ocorrerá em 9 de Julho de 1832, a norte do Porto, na Praia dos Ladrões, com um efectivo de 7500 homens (sendo 2300 Franceses, 2130 Ingleses, 900 Belgas, 500 Polacos, 500 Irlandeses, 370 Escoceses e 900 Portugueses) ”.
D. Pedro avançou com a sua armada em direção a Vila do Conde, local onde planeara o desembarque.
Na manhã de 8 de julho foi enviado a terra, para parlamentar com as forças militares aí estacionadas, o major Bernardo de Sá Nogueira - futuro marquês de Sá da Bandeira. As negociações foram, no entanto, completamente estéreis, tendo aquele emissário sido recebido com ameaças de fuzilamento. Frustradas, pois, que foram estas tentativas de desembarque pacífico, foi decidido efetuá-lo em pé-de-guerra.
Este ocorreu ao princípio da tarde desde as praias de Mindelo até à Praia dos Ladrões, em Arnosa de Pampelido, no limite das freguesias de Lavra e Perafita”.
In pt.Wikipédia.org
 
 
O desembarque das tropas de D. Pedro IV, nas praias de Arnosa de Pampolido, foi antecedido de uma outra tentativa feita no Mindelo, Vila do Conde.
 
 
 

Memorial ao desembarque falhado, em Vila do Conde

 
 

Memorial na Praia da Memória – Ed. MAC
 
 
 
Feito o desembarque das tropas liberais na que, mais tarde, ficou a ser conhecida por Praia da Memória começa, de imediato, o exército desembarcado a rumar à cidade do Porto.
 
 
 
“Não encontrando praticamente qualquer tipo de resistência, as forças liberais avançam muito rapidamente em direcção ao Porto, depois de passarem por Pedras Rubras e Custóias, onde atravessam o rio Leça na ponte de D. Goimil.
Nessa mesma noite acamparão no Largo do Carvalhido que, por tal motivo, passou a ser designado, por deliberação da Câmara Municipal do Porto em 1835, por  Praça do Exército Libertador. 
Por sua vez D. Pedro pernoitaria na casa de um abastado lavrador em Pedras Rubras e junta-se na manhã seguinte ao seu exército no Carvalhido.
No dia seguinte, 9 de Julho, prosseguem a sua avançada em direcção à cidade através da velha estrada que, do Carvalhido, conduzia à Rua de Cedofeita, e que, desta forma, se passou a denominar  Rua 9 de Julho.
Recebido festivamente pela população, até porque os partidários de D. Miguel, incluindo as forças militares que lhe eram fiéis, haviam fugido da urbe, o Exército Libertador entra numa cidade desmilitarizada, com as pontas das suas baionetas floridas, engalanadas com hortênsias azuis, a cor dos liberais. Mas tais facilidades não faziam adivinhar o verdadeiro inferno em que a cidade se transformaria nos longos meses seguintes. Afinal a fuga precipitada dos absolutistas acabou por funcionar como uma ratoeira. Rapidamente reorganizadas, as forças militares miguelistas acabariam por conseguir cercar a cidade no final desse mês de Julho. E se de início o cerco se estabelece a uma distância razoável do Porto, a verdade é que entre Agosto e Setembro o bloqueio se torna muito mais apertado e os 7500 bravos, mais a população do Porto, vêm-se completamente confinados e remetidos aos limites da cidade, cercados por um exército constituído por 60 mil homens. Vila Nova de Gaia cai no poder dos absolutistas a 8 de Setembro não obstante os actos de grande coragem e sacrifício dos liberais, como foi o caso, nesse dia, no lugar do Alto da Bandeira, do intrépido Bernardo de Sá Nogueira que aí perde um braço. A sua acção irá valer-lhe a atribuição do título de Visconde da Bandeira e o seu nome ficará imortalizado numa das mais famosas ruas do Porto: Sá da Bandeira.
Há, no entanto, um local de Gaia que, dada a sua grande importância estratégica, os liberais nunca abandonarão ao longo de todo o Cerco, apesar das contínuas investidas e bombardeamentos a que foi sujeito: a Serra do Pilar. Tivesse essa elevação sido tomada pelos absolutistas e, face à facilidade com que daí bombardeariam o Porto, o desfecho do conflito teria sido muito provavelmente outro. A resistência liberal neste reduto foi liderada por um famoso comandante posteriormente homenageado com a atribuição do seu nome a uma das artérias mais importantes de Vila Nova de Gaia: a Avenida General Torres.
Na resistência na Serra do Pilar destacou-se também um grande punhado de aguerridos mercenários. E é por isso que, ainda hoje, naquela elevação gaiense subsiste a Rua dos Polacos. Os Polacos referenciados em V. N. de Gaia, não eram oriundos da Polónia, mas, sim, soldados de grande heroísmo e valentia, por isso designados por semelhança, de Valentes, a Polacos.
Cercada a cidade, os absolutistas começam de imediato a promover fortes investidas militares para retomarem o controlo da cidade. Os ataques repetem-se, mas as tropas liberais, com a ajuda da população, conseguem travá-los. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Francos, junto à actual estação do metro, local sintomaticamente designado por Rua da Travagem.
A 2 de Dezembro tem lugar, na Areosa, um forte embate entre os dois exércitos, do qual resultará a morte de um destacado militar liberal cujo nome foi atribuído ao topo da elevação do Mirante: Largo do Coronel Pacheco.
Por esta altura, no entanto, e há já várias semanas, a estratégia absolutista  passara a ser outra: bombardear intensamente a cidade, de forma a provocar o maior número possível de baixas entre os militares, independentemente do número de vítimas que provocasse entre os civis, ao mesmo tempo que destruía todo o tipo de estruturas que pudessem ser úteis aos sitiados”.
Cortesia de Joel Cleto

 
 

Ponte de D. Goimil ao fundo da Rua das Carvalhas, em Moreira – Ed. MAC

 
 
A ponte medieval de D. Goimil, onde se fazia o atravessamento do rio Leça, durante o reinado D. Afonso III (1210-1279), em meados do século XIII, substituiu, possivelmente, uma outra que aí terá existido ,pertencente à antiga via romana que ligava os rios Douro e Ave e  ficou conhecida como "via veteris" (estrada velha). 
Com efeito, esta estrada constituíra, na época da ocupação romana, a mais importante ligação existente entre as localidades do Porto e de Vila do Conde. 
 
 
 

Casa onde pernoitou D. Pedro IV, com placa alusiva visível

 
 
Placa comemorativa da passagem de D. Pedro pela casa de Manuel Andrade

 
 

Casa onde pernoitou D. Pedro IV
 
 
 

Fachada principal da casa de Manuel Andrade onde pernoitou D. PedroIV

 
 

Aqui se localizava a casa onde pernoitou o rei D. Pedro IV agora totalmente remodelada – Ed. MAC
 
 
 
Na foto acima está a actual casa, que substitui uma outra, que pertenceu ao lavrador Manuel José de Andrade, onde dormiu D. Pedro IV, na noite de 8 para 9 de julho de 1832, sita no lugar de Pedras Rubras, na Rua de Pedras Rubras nº 88.


 

Praça do Carvalhido, em 1930
 
 
 
Sobre o Cerco do Porto, o professor e escritor Hélder Pacheco, em texto publicado no Jornal de Notícias, diz:
 
 
"O período mais empolgante da história do Porto é, para mim, o do Cerco que, entre 22 de Agosto de 1832 e 18 de Agosto de 1833, lhe foi imposto pelo exército Absolutista. Defendido por um corpo de 8 000 homens do exército liberal, o burgo foi sitiado por cerca de 80.000 soldados, providos de larga superioridade também de armamento. A partir de 26 de Julho, em que D. Pedro e o seu Conselho Militar, perante os insucessos das acções ofensivas, optaram por uma guerra defensiva, a sorte da cidade estava traçada resistir a todo o custo ("a guerra seria um cerco; o Porto um baluarte defendido pelas suas íngremes encostas, pelo fosso natural do rio, ligado ao Mundo pelo cordão umbilical da Foz; um baluarte de gente perdidamente heróica, no meio de um aluvião de soldados; um ponto, como uma ilha no vasto pélago do reino inteiro miguelista!", Oliveira Martins). Meses depois, a situação tornar-se-ia quase desesperada e tudo os portuenses tiveram de suportar: fome, epidemias (cólera e tifo), deserções de soldados, bombardeamentos e destruições. (Oliveira Martins: "As noites seguiram tremendas, com o céu constelado de estrelas errantes portadoras de morte. Havia tifos e a fome era já tanta que os soldados de Shaw saíam a caçar os cães que vinham cevar-se nos cadáveres, para os venderem à libra às casas de pasto. Havia frio sem lenha.")
A defesa da cidade, delineada por Bernardo Sá Nogueira, assentava num sistema de fortificações - as "linhas" - constituído por parapeitos, trincheiras e fossos, guarnecidos por estacadas. As linhas iam, inicialmente, da Quinta da China até ao Bicalho, passando pelo Padrão de Campanhã, Lomba, Bonfim, Póvoa de Cima, Aguardente, Monte Pedral, Carvalhido, Bom Sucesso. Ao longo delas, havia redutos e batarias. Posteriormente, seriam ampliadas do Carvalhido por Francos, Van Zeller e Pasteleiro até à Senhora da Luz.
Fora das linhas, nuns sítios próximos, noutros afastadas, os miguelistas construíram também batarias e fortes. Alguns destacavam-se pela sua importância, entre os quais o da Ervilha. Construído em 1832, aproveitando talvez a elevação (com 4x6 metros) já utilizada como Linha de Defesa do Porto, em 1809, contra os franceses, dominava a vizinhança e tinha ligação visual com elevações semelhantes, cuja utilização militar concedia relativo domínio sobre as forças inimigas postadas nas proximidades. Em cima, existiam duas pequenas grutas servindo de paiolins ou de abrigos das guarnições dos canhões ali postados.
O Espaldão ou Forte da Ervilha, juntamente com os do Monte do Crasto e de Serralves, integrava um conjunto fortemente organizado das linhas sitiantes. Eram obras bem concebidas e executadas, rodeadas por muros de sebes e estevas, reforçados com parapeitos à prova de bala. No interior, havia instalações para as guarnições. Em 24.1.1833, o forte foi atacado e temporariamente ocupado por uma força liberal, na tentativa de o neutralizar. O que resta do Forte da Ervilha constitui a única posição desta área fortificada ainda existente e único vestígio material da saga heróica das Linhas do Porto e testemunho essencial à memória histórica da cidade”.
 
 
 

Planta (1834) militar da cidade do Porto, durante o cerco, da autoria do Coronel Moreira
 
 
 
Devido à sua localização, um dos locais que foram alvo de disputa entre liberais e absolutistas, foi a Quinta do Covelo, que esteve na posse, alternadamente, dos dois contendores.
 
 
“A casa e a capela, um belíssimo conjunto da arquitectura setecentista, foram incendiadas e destruídas, em 16 de Setembro de 1832, na sequência de combates entre liberais e miguelistas, ocorridos durante o Cerco do Porto. Logo a seguir à entrada no Porto do Exército Liberal, a 9 de Julho de 1832, os miguelistas trataram de montar, a partir do que, então, eram considerados os arrabaldes da cidade, um apertado cerco aos sitiados. Nesse sentido, criaram posições ofensivas em sítios de onde mais facilmente, através das suas peças de artilharia, lhes fosse possível atingir o centro da cidade e, ao mesmo tempo, impedir o reabastecimento das tropas liberais e dos próprios civis.
O alto do Covelo, a que popularmente se chamava "o monte", foi considerado pelas tropas absolutistas como o sítio ideal para montar a artilharia que havia de metralhar o centro do Porto e vigiar as movimentações de civis no sentido de impedir, por exemplo, que os lavradores de Paranhos introduzissem na cidade mantimentos e outros víveres através da estrada da Cruz das Regateiras. E com estes propósitos criaram uma autêntica fortificação na Quinta do Covelo. Só que os liberais não ficaram quedos. Consta que por iniciativa do próprio D. Pedro IV as tropas constitucionais resolveram, em 16 de Setembro de 1832, desalojar os miguelistas do reduto do Covelo, a fim de ficarem com o controlo daquela zona, de grande importância estratégica para os combates que estavam para vir. Os objectivos dos liberais foram conseguidos. Uma força de "mais de 1400 baionetas", além de terem escorraçado os miguelistas, a quem causaram inúmeras baixas, ainda arrasaram fortificações e destruíram baterias e canhoneiras. Mas por muito pouco tempo os soldados de D. Pedro lograram manter as posições que haviam conquistado. Os absolutistas contra atacaram, em Março de 1833, e conseguiram, depois de renhidos combates, com enormes perdas para as duas partes, retomar as posições que pouco antes haviam perdido. De imediato iniciaram a construção de "defesas do monte" erguendo ao redor estacadas ou paliçadas, com o que pretendiam ocultar os trabalhos de fortificação que andavam a fazer. E os liberais? Que fizeram? Voltaram ao ataque. Numa das digressões que diariamente fazia aos locais onde o perigo mais se fazia sentir, D. Pedro passou pela Aguardente (actual Praça do Marquês de Pombal) e apercebeu-se do perigo que constituía para a sua causa o facto de os miguelistas terem retomado o Covelo e providenciou para aquela posição voltasse a ser ocupada pelos liberais. Isso aconteceu a 9 de Abril de 1833. E a delicada e arriscada tarefa foi confiada ao coronel José Joaquim Pacheco que, mais tarde, viria a morrer, em combate, na Areosa. A cidade, agradecida, deu o seu nome à antiga Praça do Mirante que é hoje a Praça do Coronel Pacheco”.
Com a devida vénia a Germano Silva
 
 
Uma crónica da época refere uma segunda tomada do Covelo pelos liberais, da seguinte forma:
 
 
“A 7 de Abril descobriu-se a longa estacada feita pelos miguelistas desde as primeiras casas de Paranhos até às eiras do Covelo. Queriam fortificar-se ali. Não havia tempo a perder. Era preciso desalojá-los. A artilharia dos liberais começou a responder desde as primeiras horas da manhã do dia 9 e durou o fogo até às seis da tarde. Cruzaram-se os fogos das baterias da Glória (Lapa), do Pico das Medalhas (Monte Pedral), do Sério (alto da Lapa), da Aguardente (Marquês de Pombal) e de S. Brás. Uma força de mil homens saiu fora das linhas para tomar de assalto o monte do Covelo. Mas no dia seguinte (10 de Abril) os absolutistas voltaram com o intuito de retomarem as posições perdidas e onde os liberais haviam levantado um reduto em menos de oito horas. Estavam lá dentro apenas 200 soldados. Foram atacados por mais de 2000 do inimigo. Foram momentos decisivos. Duzentos homens livres conseguiram pôr em fuga 2000 do inimigo.”
Fonte: “portoarc.blogspot.pt”
 
 
Um outro local de grande importância foi a Serra do Pilar que os Liberais defenderam até à exaustão.
 
 
 

Serra do Pilar durante o Cerco do Porto



Na Quinta da Fraga, na capela de Nosso Senhor do Carvalhinho, funcionou, durante o Cerco do Porto (1832/1834), o quartel da Marinha de D. Pedro IV.
A esquadra liberal estava fundeada na marginal do rio Douro num ancoradouro a montante da Calçada da Corticeira, protegida pela artilharia dos liberais, instalada na serra do Pilar.
Quando era necessário abastecer o reduto da serra do Pilar de munições, de mantimentos e de armas, peças de artilharia incluídas, os liberais faziam-no através de barcos que estabeleciam a ligação com a serra desde o local onde estava ancorada a armada liberal até ao cimo da serra, através da capela do Senhor de Além.
 
 
“Devido à sua privilegiada posição, no cimo do morro chamado, antigamente, da Meijoeira ou de S. Nicolau, as antigas instalações monásticas foram consideradas, logo nos primeiros dias do Cerco do Porto (1832/1833), de capital importância para a defesa da cidade.
Por esse motivo, as tropas liberais de D. Pedro IV ocuparam aquele espaço onde montaram um reduto ou baluarte, impedindo que os miguelistas ali se instalassem e de lá, facilmente, bombardeassem a cidade. A conquista da Serra pelos liberais e a sua permanência naquele posto, durante o período do Cerco não foi tarefa fácil, como veremos mais adiante, mas foi determinante para a vitória da causa de D. Pedro IV.
Cumpriu-se, aliás, o que já se sabia e que fazia parte de uma antiga tradição popular, que os militares não rejeitavam, quando se falava da defesa do Porto: "venceu sempre aquele que com a Serra contou e que dela se soube servir com inteligência e tenacidade". Assim aconteceu sempre, ao longo dos tempos. A primeira referência histórica à ocupação da Serra do Pilar como estratégia de defesa militar remonta ao século X, ao tempo em que D. Sancho I, rei de Leão, desceu pela Galiza para se dirigir a Santiago de Compostela e submeter à sua soberania o bispo rebelde D. Sesinando, que pretendia separar a Galiza do reino de Leão.
O prelado contava com a colaboração dos condes Gonçalo Mendes, que governava o Porto, e Gonçalo Moniz, que governava o território compreendido entre o rio Douro e o Mondego. Depois de castigar, severamente, o bispo recalcitrante, D. Sancho I avançou sobre o Porto com o intuito de submeter Gonçalo Mendes e Gonçalo Moniz, à sua jurisdição. O que aconteceu com o primeiro. Mas não com o segundo.
Prudentemente, Gonçalo Moniz, "com o seu numeroso exército, foi fortificar-se no alto da Meijoeira, onde resistiu ao todo-poderoso D. Sancho I". Aqui, temos como a Serra do Pilar, antes ainda de ter esta denominação, já servia como ponto estratégico de defesa da cidade do Porto.
Vieram depois as invasões francesas, e a Serra do Pilar voltou a ser determinante para a reconquista da cidade do Porto, que os soldados de Napoleão, durante a segunda invasão, haviam ocupado, nos finais de março de 1809.
Com efeito, no dia 11 de maio seguinte, o general inglês Wellesley, à frente do exército anglo-luso, contemplou do alto da Serra do Pilar o panorama da cidade ocupada e concebeu, logo ali, um audacioso plano para o desalojamento dos franceses do Porto. O que veio a acontecer com a debandada das tropas de Soult pela estrada de Valongo.
Seguiu-se a guerra civil e o Cerco, posto pelos miguelistas à cidade do Porto que durou de 1832 a 1833. Como é geralmente sabido, D. Pedro IV entrou no Porto, à frente do seu exército, no dia 9 de julho de 1832. O acolhimento da cidade foi caloroso. O "rei soldado", como ficaria conhecido aquele soberano, chegara com o propósito de acabar com o regime absolutista, imposto por D. Miguel, e restituir o liberalismo ao país. Mas a tarefa apresentou-se difícil, com os miguelistas a montar o cerco à cidade.
De imediato, os estrategas militares de D. Pedro IV constataram que era fundamental para a defesa do Porto a ocupação da Serra do Pilar, dominada pelo monumental edifício do mosteiro dos frades regrantes de Santo Agostinho que, entretanto, haviam abandonado o convento.
Logo no dia seguinte à ocupação do Porto, os liberais atravessaram o rio Douro e foram ocupar a Serra do Pilar, que fortificaram, de imediato, com a colaboração da população local.
Nos meses que se seguiram, por várias vezes os miguelistas tentaram, sem resultado, desalojar os liberais do seu reduto da Serra. Houve combates terríveis, que os soldados de D. Pedro enfrentaram heroicamente. Na defesa da Serra distinguiu-se, nomeadamente, o brigadeiro e depois general Torres, várias vezes distinguido por D. Pedro IV com as mais altas condecorações militares.
Em 1833, a "Crónica Constitucional do Porto", único jornal que se publicava à época, referindo-se ao baluarte defensivo da Serra do Pilar, "tantas vezes roto mas sempre impenetrável" na sua qualidade de parapeito de defesa do Porto, classificou-a como "templo da glória da liberdade"”.
Com a devida vénia a Germano Silva

 
 
 
Em 29 de Setembro de 1832, a queda da cidade do Porto para as mãos absolutistas esteve por um fio. Porém o trabalho das baterias, o comportamento estoico dos fortes e dos redutos que guarneciam a linha defensiva do Porto, sob o comando de D. Pedro, cumpriram plenamente pondo à prova, também, a capacidade ofensiva do exército miguelista, que se revelou ineficaz, perante a determinação do exército liberal.
Nesta batalha destacaram-se algumas das baterias liberais, como as do Cativo, a do Fojo, assim como as baterias do Bonfim e da Lomba. Esta última ficou assinalada pelos cronistas da época, como o Marquês de Fronteira que, nas suas “Memórias”, relata:
 
 
“O inimigo, apesar da carga de cavalaria conservava-se ainda na posse da bateria da Lomba, que tinha tomado no começo do combate e onde os bravos académicos [Batalhão Académico, composto por estudantes da Universidade de Coimbra] que guarneciam as peças preferiram a morte a retirar-se. O bacharel Negrão era o digno comandante: vi-o morto no centro da bateria. Os dois bacharéis e irmãos Luiz e José Serrão também os vi mortos, abraçados um ao outro junto de uma peça, e o bacharel Guilherme António de Carvalho também morto ao lado d’outro.”
Marquês da Fronteira
 
 
 
“A construção das linhas de defesa da cidade criaram, desde logo, certas limitações à circulação dos portuenses e os confrontos entre absolutistas e liberais foram deixando a cidade completamente arruinada. As explosões e os tiros aterrorizavam mulheres e crianças e os bombardeamentos constantes, aliados à fome e às epidemias (o tifo e a colera morbus), foram factores calamitosos para os habitantes do Porto. A doença começou a atacar a cidade, primeiro o tifo que matava em 24 horas, não havendo cura para esta doença infecciosa. Mas, foi a collera morbus, provocada pela falta de higiene e pelas águas conspurcadas, que mais devastou a população e, também, muitos animais. Segundo consta, a collera morbus entrou na cidade, após o desembarque do marechal Solignac que, acompanhado por alguns soldados belgas, veio colocar-se ao lado de D. Pedro.
Com o decorrer da contenda, os quatro principais hospitais existentes, no Porto, em 1832 – o da Misericórdia ou de Santo António, o da Ordem Terceira do Carmo, o da Ordem de S. Francisco e o da Caridade (Ordem do Terço), começaram a ficar sobrelotados e, as fracas condições sanitárias de cada um deles, criaram um cenário catastrófico, com um número exagerado de feridos e de doentes que de tudo careciam para a sua salvação. Por isso se gerou uma onda se solidariedade, através de donativos, envio de roupas, lençóis, panos para curativos, fios, panos de linho, travesseiros, candeeiros, garfos, fronhas, camisas, toalhas, colchões, cântaros, ligaduras, cobertores, mantas, malgas, aparadeiras, ataduras para sangrias novas, dinheiro, sapatos, entre outros artigos…À falta de carne, os doentes eram alimentados a sopa de bacalhau, temperada com açúcar e aguardente. Os colchões (enxergões), feitos de palha, eram desmanchados para alimentar os cavalos.
A mendicidade e a fome grassavam por toda a cidade e os próprios militares viam-se em condições deploráveis, não só pela falta de fardamentos adequados, como pela fraca alimentação, pois faltava o pão, chegando-se ao ponto de um pão ser dividido por quatro e, muitas vezes, nem pão tinham e só lhes eram dadas batatas ou arroz, pois faltava a carne e outros géneros, cuja entrada na cidade era muito condicionada, dado que os mantimentos só podiam chegar, vindos por mar mas, a descarga dos navios era perigosa, não só pelo receio devido à presença da forte esquadra de D. Miguel, como pela perigosa força do mar, durante um inverno rigoroso.
A cidade padecia da escassez de pão e carne, bem como de carvão e lenha para cozinharem e se aquecerem. As lojas que vendiam pão e farinhas, vinho, carnes e peixe, depressa ficavam vazias e os preços dos produtos subiam exageradamente. Começaram a surgir algumas iniciativas de solidariedade como a “Sopa Económica” (Fevereiro de 1833), para distribuição aos mais pobres. Também o Convento das Carmelitas distribuía uma sopa económica que, diariamente chegava a mais de oito mil pobres”.
Cortesia de Maximina Girão Ribeiro



Rua do Barredo, à noite, durante o Cerco do Porto
 
 
Estando a cidade sitiada, com falta de tudo, o pouco abastecimento entrava pela estrada da Cruz das Regateiras e algum outro por mar.
Neste último aspecto, uma pequena enseada onde mais tarde seria levantado o molhe de Carreiros, na Foz, foi crucial.
A referida enseada era delimitada por uns rochedos, de um lado e de outro, e usada para fazer descargas de bens, passageiros e correio, por intermédio de umas barcaças (pequenos barcos), que se serviam em navios estacionados ao largo, quando era impossível fazer a entrada na barra do rio Douro.
Dessa forma foi muito útil aquando do Cerco do Porto.
Segundo testemunhos da época o local foi utilizado, no mês de Janeiro de 1833, para as tropas liberais sitiadas no Porto continuarem a receber as provisões que lhes chegavam a bordo de navios. O desembarque era feito de noite, e abastecia a cidade dos bens de primeira necessidade.
Eram em grande número os barcos ancorados na costa com mercadorias, soldados e cavalos. O exército liberal foi reforçado com soldados chegados dos Açores, Inglaterra, França e Bélgica. E também de cavalos ingleses e franceses. Para execução destas tarefas era essencial o domínio do Monte da Luz que, de facto, estava na mão dos liberais e donde se podia controlar o que se passava em redor.
Contudo, a cidade continuava estrangulada e, por isso, em 24 de Julho de 1833, as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira e que tinham desembarcado no Algarve e atravessado o Alentejo, entram em Lisboa, sem dispararem um tiro, já que as tropas miguelistas tinham abandonado a cidade de madrugada. A capital do país é libertada das tropas absolutistas, antecipando o que iria acontecer no ano seguinte (1834), a vitória definitiva do Liberalismo em Portugal e o exílio de D. Miguel. 
No final do conflito, a cidade estava arruinada, quer economicamente, quer sob o ponto de vista humano – o exército liberal contava, entre mortos, feridos e prisioneiros, cerca de 3 478 perdas, enquanto o exército absolutista registava perdas na ordem dos 23 004 homens. A população da cidade teve, também, uma quebra substancial.
Após a obtenção da paz na Convenção de Évoramonte, em 26 de Maio de 1834, D. Pedro IV e a sua filha, a rainha D. Maria II, visitaram a cidade do Porto, em finais de Julho de 1834.
A comitiva real ficou alojada no Palácio das Carrancas, à Torre da Marca, residência que já tinha servido a D. Pedro durante o cerco, tendo visitado algumas instituições hospitalares, participado em bailes preparados em sua honra, assistido a espectáculos no Teatro Nacional de S. João e durante toda a estadia, recebendo sempre o carinho dos portuenses.
Para além, daquelas manifestações de simpatia, os reais visitantes participaram em cerimónias que recriaram algumas das batalhas acontecidas aquando do cerco, tendo, para o efeito, visitado diversas linhas que ficaram para a posteridade pelas acções importantes e decisivas que nelas se desenvolveram, aquando do cerco à cidade.
A 4 de Agosto, perante os olhares de quem assistia foi encenada uma batalha, desta vez, para dar uma imagem dos ataques que tinham tido lugar na Serra do Pilar, e da valorosa defesa que faziam os defensores daquele ponto. 
A recriação na Foz, no Crasto e nas baterias imediatas, fizeram recordar a forte oposição a que os liberais se sujeitavam, aquando dos desembarques das munições de guerra e dos mantimentos.
Em diversas ocasiões, D. Pedro IV proferiu algumas palavras alusivas às situações antes vividas, tentando demostrar as privações e apuros em que se viram as tropas sitiadas.
Num dos discursos disse:
 
 
 “(...) Eu não quis por mais tempo demorar a minha vinda a esta muito nobre e muito leal cidade, em companhia da vossa rainha, com o fim de me congratular pessoalmente convosco, pela terminação honrosa da guerra civil, cumprindo a promessa que vos fiz no dia 26 de julho do ano próximo passado, imediato aquele em que o vencedor de Argel, experimentou o primeiro revés em Portugal. Entre vós tendes a vossa rainha, que vos agradece tantos esforços e sacrifícios que por ela tendes feito, e vos louva, pela heroicidade que mostrásteis, a qual poderá vir a ser imitada mas nunca excedida. Eu me felicito a mim mesmo por me ver no teatro da minha glória, no meio dos meus amigos portuenses, daqueles a quem devo pelos auxílios que me prestaram durante o memorável sítio, o nome que adquiri, e que, honrado, deixarei em herança a meus filhos.”
 
 
E, parecendo que tudo correria no melhor dos mundos, na prática, não era bem assim.
Terminado o conflito, a Câmara enviaria à rainha uma conta corrente e documentação respectiva, justificativa e demonstrativa do quanto a cidade era credora, «quantia esta procedida de empréstimos gratuitos com que concorreu em dinheiro, e em géneros, para as urgências do Estado na época do Cerco” e que importava em 11.048$300 réis.
A dívida que o Estado tinha para com a cidade, no rescaldo da guerra e do cerco, respeitando directamente em moeda ou ao ressarcimento pelos danos infligidos em muitos edifícios, propriedade privada ou pública, seria reclamada, mas que se saiba, nunca satisfeita.
Disto, dava conta a “Chronica Constitucional do Porto”, nas suas páginas de 4 de Dezembro de 1834.




Veteranos do Cerco do Porto, em 29 de Julho de 1883
 
 
 

CERCO DO PORTO - Exposição de Amália da Silva Chaves, no início do século XX. Um salão com peças, fardas e desenhos alusivos ao Cerco do Porto
 
 
 
Muitas obras relataram pormenorizadamente “O Cerco do Porto” e uma delas foi o Coronel Owen, uma testemunha privilegiada do conflito. Este oficial vivia no Porto quando, em 1832, o exército liberal chegou dos Açores e ocupou a cidade. D. Pedro chamou-o para comandante da cavalaria, mas Owen, por ser cidadão britânico, recusou a proposta, de acordo com as ordens delegadas pelo governo do seu país. Não obstante, colaborou com os liberais durante o cerco da cidade e todas as noites D. Pedro recebia Owen no seu gabinete. O seu relato expõe as movimentações militares com bastante pormenor, assim como a configuração da situação sociopolítica da época.

 
 

O Cerco do Porto – coronel Owen