Companhia de Fiação
de Crestuma
«A industrialização em
Vila Nova de Gaia terá começado nas tanoarias da Companhia Geral da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro e na sua ferraria de Lever, como iremos referir mais à
frente, na Fábrica de Verguinha e Arcos
de Ferro de Crestuma, que mais tardiamente ergueu a Companhia de Fiação de
Crestuma.
(…) Não pode deixar de
ser referenciada, uma vez que constituiu uma ideia pioneira na indústria do
ferro, a Fábrica de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma, cuja fundação
remonta ao longínquo ano de 1790 e então sob a alçada da Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A fábrica marca um período importante na história
industrial do Porto, e eventualmente ajuda a justificar o porquê de
posteriormente Crestuma ter adquirido importância industrial, apesar da sua
pequenez e ruralidade. Francisco Queiroz refere que “a fábrica chegou ao ano de
1830 dotada de casa nobre para habitação e arrecadação, quatro moinhos, uma
casa de azenha, uma casa de lavoura e suas casas da eira, para além de vários
edifícios destinados exclusivamente à actividade industrial, com uma importante
secção de fundição, tudo movido por várias rodas hidráulicas montadas sobre um
canal do Rio Uíma!”. Apesar de empregar cerca de quarenta operários, a Fábrica
de Verguinha e Arcos de ferro de Crestuma adquiriu um papel importante ao que a
novas técnicas e mecanismos diz respeito. Aliás, terá sido nesta fábrica que
foi produzido armamento no período miguelista, durante o período do Cerco do
Porto».
Cortesia de Raquel Santos e Jorge Ricardo Pinto (ISCET –
Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo – Porto); II Congresso Internacional sobre Património
Industrial, 22-24 Maio de 2014
Um de dois canhões que ainda se encontram no solo da Companhia
de Fiação de Crestuma, possivelmente, usados nas lutas liberais de 1833 - Ed.
JPortojo, em 2014
Em 1853, a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro requereu
autorização para leiloar a antiga fábrica de fundição «no sittio de Crestuma da freguesia de Santo Andre de Lever».
A petição foi deferida em 20 de Outubro de 1853 e, em 29 de
Março de 1854, o cirurgião portuense António Ferreira Braga, lente da Escola
Médico-Cirúrgica, morador nos Lavadouros, arrematou-a com um lanço de 36 contos
e 201 mil reis.
António Ferreira Braga (1802-1870) formará uma parceria com
três capitalistas portuenses, um deles, o visconde de Castro e Silva e, só em
1870, por falecimento dele, essa parceria foi transformada na Companhia de
Fiação de Crestuma.
As posições accionistas dos 4 sócios eram as seguintes: Dr.
António Ferreira Braga, 37,5%; visconde de Castro Silva, 18,75%; António Ferreira
Baltar, 25%; Manuel Gualberto Soares, 18,75%.
O Dr. António Ferreira Braga terá para sempre o seu nome também
ligado ao Palácio de Cristal, pois, foi ele, durante uma reunião da Sociedade
do Palácio de Cristal, ocorrida a 7 de Julho de 1864, na sede da Associação
Comercial do Porto, quem avalizou com os seus capitais, para que fosse possível
a inauguração daquele empreendimento e ele decorresse com uma mostra
internacional.
Voltando ao tema da Fábrica de Fiação de Crestuma, ela seria
fundada por decreto de 26 de Junho de 1864, o qual aprovou os seus estatutos.
Contudo, em 1854 a fábrica começara já a fiar algodão, sendo, nesse tipo de
produção, a segunda no Norte do país.
Localizada no lugar das Hortas, da freguesia de Lever, a Fábrica
de Fiação de Crestuma começou, então, a funcionar em 1854, pelas mãos de quatro
capitalistas e negociantes da cidade do Porto, cujo objectivo principal era a
fiação de algodão.
Companhia de Fiação de Crestuma, perto da Estrada Nacional
222, em Crestuma, na freguesia de Lever, no início do século XX. Ao longe, à
direita, o chalet de António Pimenta da Fonseca
Em 30 de Agosto de 1878, a Companhia de Fiação de Crestuma,
para garantir um empréstimo de 50.000$00 réis, contraído à Companhia Utilidade
Pública, hipoteca os seus bens.
Até àquela data, a Companhia de Fiação de Crestuma já tinha
obtido distinções nas: Exposições internacionais de Londres de 1862, Portuguesa
de 1865 e de Filadélfia, 1876; Exposição Nacional de Lisboa em 1863, Industrial
do Porto, em 1861 e Universal de Paris em 1878.
Neste ano (1878), a estrutura de gestão mudou e ocuparam o
cargo, António Pereira de Loureiro e Augusto César da Cunha Morais.
“A hipoteca incluía a
maquinaria da fábrica, que vem descriminada no documento. Alguns anos depois,
quando da realização do Inquérito Industrial de 1891, um membro do concelho
fiscal da Companhia, Leonardo Torres, relata à Comissão de Inquérito os
problemas porque passava a fábrica, «em estado decadente», motivados pelo
excesso de produção e concorrência, e adianta as razões que estiveram na origem
da fundação dessa unidade fabril.
Segundo ele, o grande
lucro que a Fábrica de Vizela –a primeira do Norte - tinha obtido com a guerra
Civil nos EEUU, que fizera subir muito o preço do algodão, levara a que muitos
pretendessem imitar o seu sucesso, criando unidades industriais de fiação de
algodão. O conhecimento da existência de um açude com dez metros de altura em
Crestuma (Fig. 9) fez com alguns indivíduos se precipitassem para aí fundar a
Fábrica de Fiação, «que tem estado sempre em miséria constante» (INQUÉRITO,
1881:91-93). No fundo, as mesmas razões que tinham levado à instalação, nesse
mesmo local, dos antigos moinhos”.
Cortesia do Dr. José
Ferrão Afonso (Professor auxiliar da Escola das Artes da Universidade Católica
Portuguesa); II Congresso Internacional sobre Património Industrial, 22-24 Maio
de 2014
Trinta anos depois, da abertura da Companhia de Fiação de
Crestuma, em 1884, chega a seu director José Moreira Pimenta da Fonseca, ocupando
esse lugar até à data da sua morte, ocorrida em 1920, sucedendo-lhe no cargo
seu filho António Pimenta da Fonseca.
A propósito das unidades industriais existentes na região, o
Jornal dos Carvalhos, em 1891, dizia:
“Entre todas é digna
de louvor a Direcção actual da Fiação de Crestuma, composta dos Snrs. Manoel
Ribeiro Fernandes e José Moreira Pimenta da Fonseca. Este último é industrial
bem conhecido do operariado portuense que o respeita como pae terno e
carinhoso… isto nos seus estabelecimentos do Porto, aqui [C.F.C.] tem sido de
gigante o impulso dado por elle à indústria; não fosse elle o Director da
Fiação de Crestuma, a maior parte da população morreria à mingua, pois que,
graças á sua energia, e sábia administração se deve o trabalhar continuo da
fábrica, o que não sucedia em outro tempo”.
A sede da companhia, no Porto, chegou a ser na Rua Infante
D. Henrique, nº 25-A-1º.
A secção de tinturaria abriria em 1905, enquanto a de
tecelagem, cardação e acabamentos ocorreria em 1906.
Em 1912, na sequência de um grande incêndio, seriam
destruídos dois terços da secção de fiação.
Na década de 1940, em pleno conflito mundial, a fábrica vai
proceder à construção de um edifício para creche, refeitório, balneário e sala
de reuniões, de modo a atender às necessidades dos seus trabalhadores.
Acções com mesmo cariz assistencial aos trabalhadores,
consistindo no fornecimento de refeições, já tinham acontecido durante os anos
da 1ª Guerra Mundial.
Em 1979, abriria falência.
Em 1992, o cidadão brasileiro Ricardo Haddad comprou os 32
hectares da propriedade, do complexo fabril, totalmente demarcada por muros.
O grande impulsionador da companhia de Fiação de Crestuma, José Moreira Pimenta da Fonseca,
Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, foi condecorado como Comendador da Ordem
Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em 1897, pelo rei D.
Carlos. Foi membro da direcção do Hospital Geral de Santo António. Faleceu, no
Porto, na Rua de Santo Ildefonso, nº 433, onde residia, a 8 de Setembro de
1920, tendo deixado testamento.
Suceder-lhe-ia, à frente dos destinos da Companhia de Fiação
de Crestuma, o seu filho António Pimenta da Fonseca que obteria o estatuto de
comendador, em 21 de Maio de 1929.
Tendo sido mesário da Ordem do Carmo, no Porto, participou ainda,
no âmbito da sua actividade filantrópica, no apoio à construção da igreja do
Marquês, cuja escultura de Santo António, que ostenta a fachada, foi por si
patrocinada.
Tem ainda o seu nome ligado a escolas, em Lever, e ao parque
de jogos do Clube União Desportiva Lever (agremiação fundada, em 1939, por
Manoel Vieira Rocha), a cuja inauguração ainda presidiu, antes de morrer, em
1954.
Busto de António Pimenta da Fonseca, da autoria de Henrique
Moreira, junto do antigo edifício da administração – Ed. jornal “O Gaiense”
Edifício do corpo privativo dos bombeiros da Companhia de
Fiação de Crestuma, em 2014 – Ed. JPortojo
O comendador António Pimenta da Fonseca, que à data do
falecimento do seu pai (1920) ainda era solteiro, construiu um edifício
grandioso, onde predomina o azulejo, na Rua de Santa Catarina, no Porto, no
local onde já existia, há alguns anos, um outro dotado de uma torre e que foi
sua residência durante anos.
As intervenções principais ocorreram, a partir de 1923, pelas
licenças camarárias, nº 323 de 1923 e nº 917 de 1924.
Conhecido como Castelo de Santa Catarina é, agora, uma
unidade hoteleira.
Fábrica de Fitas e
Fiação de Algodão AC Cunha Morais
Uma outra unidade industrial, que marcou uma era, em
Crestuma, foi a Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais.
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais abriu
falência em 2007 e, actualmente, encontra-se num processo de leilão a fim de se
encontrar comprador.
Augusto César Cunha Morais (Coimbra, 1852 – 31 Jan 1939,
Porto), engenheiro de formação, criará uma empresa, em Crestuma, na década de
80, no século XIX, que se dedicava à produção de balões venezianos.
Talvez pelo facto de ter feito, em 1878, parte da direcção
da Companhia de Fiação de Crestuma, em 1890, Augusto César Cunha Morais voltou
a escolher Crestuma para a instalação da fábrica, o que viria a motivar o
estabelecimento da residência da família também em Crestuma, na denominada
Quinta da Estrela.
A casa da Quinta da Estrela foi projectada para ser uma
fábrica de balões e, mais tarde, seria adaptada para residência, sendo o seu
projecto anterior ao do edifício principal, tal como os jardins, foram traçados
pelo fundador desta empresa.
“A Quinta da Estrela
situa-se junto ao Lugar de Crestuma, a uma distância de 19,2 Km da foz do Rio
Douro e ocupa uma área de 4,48 hectares. Embora não seja marginal ao Rio Douro,
está situada muito perto deste, no sopé de uma encosta na qual foi instalado um
complexo fabril de finais do séc. XIX. Identifica-se pela estrela ajardinada em
talude que é visível até a partir do próprio rio. A habitação, com 2 pisos,
cave e águas furtadas, data de 1903 e apresenta um estilo revivalista, sendo o
autor do projecto João Teixeira Lopes. Está adossada ao antigo Complexo Fabril de
Fiação e Tecelagem A.C. Cunha Morães. Ambas constituem um património edificado,
de grande valor arquitectónico e cultural, com elevada possibilidade de
restauro. A vivenda está rodeada de áreas arborizadas com espécies ornamentais
de interesse, muitas delas características das quintas do séc. XIX. A vivenda,
o belo arvoredo que a rodeia e o próprio muro que cerca a propriedade causam um
certo impacto para quem passa junto à quinta. A propriedade é atravessada por
duas linhas de água que drenam directamente para o Rio Douro, estando toda ela
incluída na Estrutura Ecológica Fundamental. Algumas das áreas estão
classificadas também como Reserva Ecológica Nacional. Os grandes declives que
se verificam, aumentam o risco de erosão, pelo que é importante preservar e
requalificar as áreas arborizadas que ainda hoje existem”.
Fonte: cm-gaia.pt/; “O Património das Encostas do Douro”
Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais – Ed.
JPortojo, em 2014
A Fábrica de Fitas e Fiação de Algodão AC Cunha Morais seria
a primeira unidade fabril, em V. N. de Gaia, a ser dotada com um Posto de
Transformação.
“Unidade fabril de
enorme importância na indústria do concelho e até do país, uma vez que laborava
com teares e maquinaria muito sofisticada para a época, a Fábrica de Fitas e
Fiação de Algodão AC Cunha Morais participou em diversas exposições nacionais e
internacionais e foi premiada com medalha de ouro na “Exposição
Agrícola-Industrial de Gaya”, em 1894, com um tear movido a gás. (Guimarães,
1995: 229).
Para além deste
louvor, a mesma fábrica foi premiada na exposição de Paris, realizada em 1889,
bem como noutras que se podem ver no anúncio publicitário da fábrica”.
Cortesia de Daniela Raquel Ferreira dos Santos; Crestuma,
património e turismo industrial; ISCET – Instituto Superior de Ciências
Empresariais e do Turismo
O engenheiro Augusto César Cunha Morais, sendo uma pessoa de
grande poder económico, em Crestuma e no Porto, possibilitou igualmente a
construção da Igreja de Crestuma e de várias casas para os seus trabalhadores.
Considerando-se um republicano de esquerda, embora sem
filiação partidária, seguiu a facção de Afonso Costa e conspirou contra o
governo de Sidónio Pais, acabando por ser perseguido e preso.
Em 1923, chega a ocupar por um curto espaço de tempo, o
cargo de presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. Foi presidente da Secção
Algodoeira da Associação Industrial Portuense entre 1930/44.
“Representou a
indústria portuguesa do algodão em vários congressos internacionais e foi vogal
da Comissão Reguladora do Comércio de Algodão. Mais tarde foi conselheiro de
Salazar nos assuntos referentes a esta industria, chegando mesmo a ser
convidado a integrar a Câmara Corporativa do estado Novo, embora tivesse
declinado.
Já nos anos 60 e à
semelhança do seu mestre Leonardo Coimbra, converteu-se ao cristianismo, vindo
a falecer em Crestuma no ano de 1968”.
Cortesia de Gastão de Brito e Silva (06/11/2011)
De realçar a visita do almirante Gago Coutinho, amigo
pessoal de Augusto Morais, quando visitou Crestuma e a Quinta da Estrela, em
1922.
O engenheiro Augusto César da Cunha Morais seria, ainda, o
centro de uma discussão sobre qual deveria ser a nova centralidade da cidade
face à abertura da Avenida dos Aliados propondo, em sequência, que a Câmara
Municipal deveria ir para a Praça dos Leões.
“Em 1916, surge um
opúsculo intitulado "Os Melhoramentos da Cidade" da autoria do
Engº A. C. da Cunha Morais, cujo objetivo era o de elaborar um estudo que
fornecesse indicações sobre as necessidades prementes associadas à expansão da
cidade. Este plano ou projeto poderia contribuir com mais e melhor informação
para os melhoramentos da cidade. Nesta sua obra apresenta um pequeno texto de
fundamentação, uma planta à escala 1:10 000 com as vias existentes e as vias
propostas e, ainda, uma descrição dos traçados que propõe nessa planta. Este
documento era limitado a norte pela Avenida da Boavista e pelo Monte Cativo - e
abarcava toda a zona ocidental da cidade - e, a oriente, terminava no jardim de
S. Lázaro. Propõe um novo centro - a Praça de Carlos Alberto - e a sua
envolvente”.
Fonte: cm-porto.pt/
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