sábado, 30 de janeiro de 2021

25.111 Quando se morria por amor - Um drama camiliano

 
José Augusto Pinto de Magalhães era um frequentador do Café Guichard, onde se sentava, por vezes, com outros tertulianos, à mesma mesa de Camilo Castelo Branco, que sempre lhe mostrou uma certa indiferença.
 
 
 
Na Praça Nova, o Café Guichard na 3ª, 4ª e 5ª porta, a contar da esquina

 
 
Perspectiva actual, idêntica à da gravura anterior – Fonte: Google maps

 
 
José Augusto era órfão de pai e mãe, dos quais tinha herdado uma pequena fortuna e da qual vivia o seu dia-a-dia.
Na sua posse, por herança, tinha uma quinta, em Baião, em Santa Cruz do Douro – Quinta do Lodeiro.
Estudante matriculado em Coimbra passava, no entanto, a sua vida na cidade do Porto, onde frequentava os teatros e todos os salões de baile da burguesia citadina. Eram tempos dos jovens experimentarem as paixões platónicas, que estavam na moda. Eram tempos, em que faziam furor, os semblantes sem cor e as expressões de fastio.
Camilo não simpatizava com ele, vendo-o como um fidalgote de província.
As duas personagens passaram da indiferença ao antagonismo.
José Augusto fazendo parte dos partidários de Dabedeille e Camilo dos da Belloni, ambas cantoras célebres de ópera, que actuaram, no Porto, na época 1849/50.
Como o futebol ainda não tinha sido inventado, as paixões dirigiam-se para intérpretes do mundo teatral ou musical. Era este o caso.
Acontece que, passados alguns meses, dá-se um volte face na relação dos dois homens.
Um dia, a uma das mesas do café Guichard, José Augusto elogia Camilo, a propósito de uns versos publicados pelo escritor num jornal. Camilo gostou, e daqui iria surgir uma amizade.
Em 7 de Junho de 1849 (porventura, seria o ano de 1850), os dois amigos, na casa dos 24 anos cada um, rumavam à romaria do Senhor da Pedra, deslocando-se em cavalos, alugados na cidade do Porto.
Após cerca de uma hora de viagem, depois de terem atravessado o rio Douro pela ponte Pênsil, e subido as encostas de V. N. de Gaia, ao som da Sirandinha e Cana Verde, que os restantes romeiros interpretavam bailando, chegavam a Vilar do Paraíso.

 
 
Ponte Pênsil, D. Maria II
 
 
Nesta aldeia, José Augusto indica a Camilo uma casa, cercada por um jardim murado, na qual moravam duas mulheres muito belas.
Aguardaram alguns minutos pelo seu aparecimento, o que não aconteceu, e seguiram para o arraial.
 
 
 
 
Casa da família Owen, em Vilar do Paraíso – Foto de Joaquim Ferreira de Barros, In revista “O Tripeiro”, Vª série, Vº ano, Junho de 1949
 
 
 
Comido o peixe frito do costume, feitas as orações habituais na capelinha do Senhor da Pedra, uma volta pelo arraial e os dois amigos encetaram o caminho de regresso.

 
 
Capela do Senhor da Pedra, em 1900
 
 
 
Ao passarem novamente pela casa, atrás referida, em Vilar do Paraíso, depararam-se com as duas mulheres, que José Augusto tinha, anteriormente, enaltecido, passeando-se no jardim.
Lá estavam elas, muito loiras, muito brancas e muito elegantes - Fanny Owen e a sua irmã, Maria Owen.
Depois de breves instantes na contemplação das damas, ao longe, Camilo fica com a convicção de que seriam, de facto, muito belas e que José Augusto estava fascinado por elas.
As duas cândidas e jovens criaturas eram filhas do coronel Hugh Owen, comandante do exército inglês que serviu em Portugal durante a Guerra Peninsular, explicou José Augusto ao seu amigo.
Hugh Owen iniciou a sua carreira militar em 1803, na Grã-Bretanha, como voluntário, tendo entrado no exército, anos mais tarde, em 1809, embarcando logo para Portugal, onde foi promovido a capitão pelo marechal Beresford. Participou na Guerra Peninsular, defendendo o território Português e, no fim do conflito, foi promovido a tenente-coronel, do regimento de cavalaria nº 6 de Chaves.
Em 1820, recebe o título de coronel e acompanha Beresford numa viagem ao Brasil, regressando no mesmo ano, com a revolução liberal de 1820, já em marcha.
Na sequência desta revolução, foi afastado, assim como todas as autoridades britânicas, retirando-se do exército.
A 20 de Dezembro de 1820, casa com Maria Rita da Rocha Pinto Velho da Silva, uma viúva, filha de um grande negociante de Vinho do Porto, de quem teve quatro filhos, entre eles a jovem Fanny Owen.
No período de Inverno, os Owen viviam no Porto, na então denominada, Rua da Sovela, actual Rua Mártires da Liberdade e, no Verão, naquela freguesia gaiense.
Alguns meses passaram sobre os acontecimentos daquele dia de romaria, até que, durante um dos muitos bailes levados a efeito nos salões das casas da burguesia portuense, José Augusto descobre as duas beldades entre os presentes. Não descansando enquanto não arranjou forma de lhes ser apresentado, viria a conseguir o desiderato, que envolveu também Camilo.
Não passou muito tempo e José Augusto munido de alguns pertences da sua quinta de Santa Cruz de Baião, mobila e monta uma casa alugada em Vilar do Paraíso, ficando, assim, mais perto das suas apaixonadas. Sim, era este o caso, pois não havia forma de ele se decidir.
Em Dezembro de 1851, em Vilar do Paraíso, José Augusto, à lareira, fazia planos para se aproximar das duas beldades.


 
Ao fundo, à direita, Vilar do Paraíso, em perpectiva obtida a partir do cabeço do “Monte de Além” (Monte de São Caetano) - Foto de Joaquim Ferreira de Barros, In revista “O Tripeiro”, Vª série, Vº ano, Julho de 1949
 
 
 
Esse momento acabaria por chegar e ele torna-se visita da casa, onde convive com a esposa do coronel Owen e com as duas jovens.
Camilo visita o amigo e convive também com a família Owen, apercebendo-se que José Augusto continua indeciso quanto ao rumo a tomar.
Na primavera de 1851, Camilo aluga também uma casa em Vilar do Paraíso, abandonando a frequência do Seminário, após viver um breve devaneio místico, que o tinha assolado, alguns meses antes.
Estava formado um quarteto de namorados.
Maria aceitava o braço de José Augusto e Fanny, o de Camilo.
Camilo chega a dedicar a Fanny alguns versos, mas acaba por abandonar o local e a relação, abruptamente, talvez, na sequência de qualquer desentendimento entre os dois.
Mais tarde, Camilo justifica aquele desenlace com uma cena protagonizada por José Augusto, em que este dava a entender um sentimento de ciúme, que envolvia Camilo e Fanny.
O quarteto começava a desafinar!
 
 
 
 
À direita, a Vila Alice, Casa da família Owen, actualmente, na Rua Camilo Castelo Branco, Vilar do Paraíso – Fonte: Google maps
 
 
 
 
Os meses passaram e, à meia-noite de 11 de Julho de 1853, um cavaleiro, que não era senão José Augusto, cingido a um muro da propriedade dos Owen, em Vilar do Paraíso, esperava a sua amada para empreenderem uma fuga cujo destino seria um altar.
Um rapto, à moda desses tempos…e surpresa: a mulher que cai nos braços do cavaleiro não é a Maria, mas, sim, a Fanny.
Para trás, fica uma mãe chorando, uma filha rejeitada e um pai, que à época vivendo em Lisboa, não aprovava a união que lhe foi proposta e envolvia uma sua filha.
Um drama estaria agora prestes a começar.
O itinerário para a fuga tinha como primeiro destino Oliveira do Douro e, aí, seria continuado por barco, rio acima, até Santa Cruz do Douro, à Quinta do Lodeiro.
O cavalo que foi escolhido para o transporte, cedo se assustou, atirou com a carga ao chão e partiu à desfilada. Noite escura como o breu, com a lua escondida atrás das nuvens, e o caminho passa a ser feito a pé, às cegas, por entre as árvores.
Tendo-se dirigido, primeiro, por engano, em direcção a Ovar, os fugitivos guiados por umas peixeiras inflectiram para o lugar da Sueima, onde chegaram ao nascer do dia, junto do terreiro da quinta de José Correia de Melo,
Abaixo o percurso provável, feito pelos fugitivos.

 
 
Albano Moreira da Silva, In revista “O Tripeiro”, Vª série, Vº ano, Agosto de 1949
 
 
 
José Augusto e Fanny chegam, por fim, à Quinta do Lodeiro em 13 de Julho e casam, por procuração, na igreja de Santo Ildefonso, apenas, em 5 de Setembro de 1853, representados por José Correia de Melo Silveira, por parte da noiva e por Joaquim Marcelino de Matos, por parte do noivo.

 
 
Igreja de Santo Ildefonso, em 1833
 
 
 
 
Casa do Lodeiro
 
 
É que, entretanto, tinham chegado às mãos de José Augusto, umas cartas que Fanny tinha escrito, que nem configuravam nada de especial, mas numa passagem de uma delas, fazia alusão à “viuvez da sua alma e ao desespero por não encontrar coração que a compreendesse”.
O teor daquelas cartas, contemporâneas de outras que lhe eram endereçadas, contrariava tudo o que, a si, era transmitido, na apreciação de José Augusto.
Entre várias teorias, há quem afirme que as cartas que estavam na posse de Bernardo Rodrigues Fuentes, à data, Cônsul de Espanha, teriam sido dirigidas por Fanny, à sua mulher, em consequência de uma amizade entre as duas, tendo Fuentes servido de secretário ocasional.
Bernardo Rodrigues Fuentes, morador na Rua dos Ingleses, nº 4 e que, em 1856, se mudou para a Rua do Almada, era pai do José Rodrigues Fuentes, que casou com uma filha de Manuel Sousa Carqueja, negociante de Oliveira de Azeméis, fundador do jornal “O Comércio”, título depois substituído por “O Comércio do Porto” e morador na Rua das Congostas.
O tal destinatário das cartas, o Fuentes, neste caso Bernardo Rodrigues Fuentes, cônsul de Espanha, foi uma das testemunhas de defesa, apresentadas por Camilo, no processo que correu nos tribunais, a propósito das agressões ao jornalista do jornal “A Pátria”, João Augusto Novais Vieira, o “Novais dos óculos”.
Segundo a queixa que Novais Vieira apresentou às autoridades, uma agressão ocorreu no dia 23 de Janeiro de 1851, em pleno Teatro S. João, sendo intervenientes Camilo Castelo Branco e Dom Luís da Câmara.
No dia seguinte, 24 de Janeiro, a queixa referia-se a nova agressão, que teve por palco a Rua de Sá da Bandeira, protagonizada por Camilo.
Sobre este último acontecimento, o jornal “O Nacional” dava conta dele em 25 de Janeiro de 1851:
 
“Ontem houve murraça na rua de Sá da Bandeira entre dois escritores públicos: foram ambos presos e levados por amigos para o quartel do Carmo, donde saíram logo.”
 
 
No cerne daquelas agressões, estavam escritos de Novais Vieira que denunciavam relações promíscuas de Camilo com D. Maria Felicidade do Couto Browne, poetisa, senhora casada com o rico comerciante portuense Manuel de Clamouse Browne e reavivadas outras, protagonizadas por Camilo e envolvendo-o, neste caso, com Isabel Cândida, a freira que, no convento de S. Bento da Avé-Maria, era a guardiã da filha do escritor e de Patrícia Emília.
Quanto a Luís da Câmara Leme, um militar, político e escritor, referia-se a um caso amoroso por ele vivido com a sua amante, a actriz Emília das Neves (1823-1883) que ficou conhecida por Linda Emília, devido à sua grande beleza.
Desfecho do caso em tribunal: Camilo foi absolvido.
Voltando à amargura e auto flagelação que José Augusto experimentava, após muita hesitação, decide-se pelo casamento na sequência de aconselhamento com vários amigos.
Começava, então, um drama conjugal, perante o qual definhava o enlace, assim como, a vida dos participantes.
A tísica atinge Fanny, que definhava dia-a-dia.
No início de Julho de 1854, José Augusto e Fanny, esta devorada já pela tísica, hospedam-se no Hotel Bhartès, na Rua da Fábrica, onde Camilo visita o casal.
Passados alguns dias, avizinhando-se o fim próximo de Fanny, José Augusto diz a Camilo:
- “Mataram-na a ela e mataram-me a mim!”
- “Quem”, pergunta Camilo.
- “Mataram-na as cartas que me enviaram…” e continuou:
- “Desde essa hora tinha dois caminhos a seguir: um era o da liberdade, deixando-a; outro, era o do cativeiro com a morte, desposando-a. Meti-me ao caminho da honra e dei-lhe o braço de irmão”.
Em 3 de Agosto de 1854, na casa de Vilar do Paraíso, morria Fanny Owen e, um mês mais tarde, em 29 de Setembro, José Augusto dava também o último suspiro, suicidando-se, por envenenamento, num quarto de um hotel de Lisboa.
Hugh Owen e sua mulher, Josefina, estavam hospedados, à data, no mesmo hotel.
O corpo do morgado de Santa Cruz do Douro seria sepultado sem identificação, no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.
Entre o rapto e a morte de Fanny decorreram treze meses.
Camilo alude ao drama de Fanny Owen no romance “Bom Jesus do Monte” contribuindo, deste modo, para a divulgação de um caso, que deu brado, à época. Atente-se que Camilo tem na mão a pena, com que pode fazer-nos acreditar, bem como a ele próprio, no que mais jeito lhe der.
O Dr. Joaquim José Ferreira, “O Janota”, um “bon vivant” do círculo de Camilo, de quem era amigo e a pedido do escritor, confidenciou-lhe que Fanny morrera virgem, pelo que se pensa que José Augusto não terá sido “nem bom marido, nem bom amante”. Os ciúmes ter-lhe-iam toldado o discernimento.
No entanto, há quem afirme, que aquela confidência publicitada por Camilo, não é mais que um autoconsolo, já que, na realidade, Fanny tinha rejeitado os amores de Camilo, tomando-o, apenas, como um bom amigo.
Então, começaria a fazer sentido a cena da deserção de Camilo de Vilar do Paraíso.
Assim, o escritor António dos Reis Ribeiro, a propósito desta tragédia, afirma que não foi a fatalidade que tomou conta da situação, mas, sim, o ciúme.
 
 
 
 
Trecho da obra “Bom Jesus do Monte”, de Camilo Castelo Branco, após a morte de Fanny
 
 
 
Em alguns dos seus romances, de que “Bom Jesus do Monte” é um bom exemplo, há quem encontre cenas e narrativas de alguma justificação, consigo mesmo.
Parece já não oferecer muitas dúvidas de que foi Camilo quem encaminhou as cartas, nas mãos de Fuentes e as fez chegar, se bem que por interposta pessoa, a José Augusto.
Não é despiciendo também realçar, na apreciação sobre todos os factos inerentes a este caso, a importância da relação de proximidade entre Camilo e o tal Fuentes, que foi sua testemunha em tribunal.
 
 
“Em boa verdade, Camilo não fez chegar as tais cartas a José Augusto Pinto de Magalhães, mas a um amigo comum, Joaquim Marcelino de Matos, que desempenharia logo depois o papel de noivo, no casamento por procuração; mas foi como se tivesse sido, pois Camilo, ao contrário do que escreveu, bem sabia onde elas iriam chegar”.
Cortesia de Manuel, In “geneall.net/”
 
 
O coração de Fanny, que Camilo diz, foi conservado num frasco, em formol, perder-se-ia para sempre.
Guardado na capela da Quinta do Lodeiro, segundo descendentes de José Augusto terá sido recolhido, depois, em jazigo de família, em Amarante.
Para outros, teria sido levado para o hospital da Ordem da Trindade, no Porto, mas por deficiente manuseio de alguém, perdeu-se.
Camilo diz que o coração foi entregue a uma senhora da Foz do Douro com quem Fanny tinha convivido.
Vá lá saber-se. Perdeu-se!
O corpo de Fanny, segundo o escritor, na obra “Bom Jesus do Monte”, acabaria no jazigo da família Rocha Pinto, no cemitério da Lapa.
Nunca fez tanto sentido, como no caso presente, a afirmação de Raúl Brandão de que “onde Camilo põe a mão é tragédia certa”.
Em 1856, Hugh Owen regressou ao seu país, abandonando a mulher e os filhos. 
Em 1979, Agustina Bessa-Luís escreve Fanny Owen.
Em 1981, a história dramática ficou imortalizada no filme “Francisca” de Manoel de Oliveira, baseado no livro de Agustina.

sábado, 23 de janeiro de 2021

25.110 Janela manuelina em casa do Largo do Terreiro

 
Na Rua da Alfândega, na esquina das ruas da Alfândega e Fonte Taurina, em pleno Largo do Terreiro, contígua ao que se convencionou chamar Casa do Infante, esteve, em tempos, uma casa que foi alvo da atenção da objectiva do Barão de Forrester.
Todo o edificado entre a Rua do Infante D. Henrique e a Rua da Fonte Taurina, do seu lado nascente, bem como, alguns antigos armazéns nas suas traseiras é, hoje, propriedade da Câmara Municipal do Porto que, aí, tem a funcionar o Museu e o Arquivo Histórico Municipal.

 
 
Foto de Joseph James Forrester, 1º Barão de Forrester (Inglaterra, 27 de Maio de 1809; Cachão da Valeira, São João da Pesqueira, 12 de Maio de 1861)

 
 
Construção, cerca de 1887, do edifício anexo à Casa do Infante, à qual esteve ligado através de cinco portas e que, hoje, alberga o Arquivo Municipal do Porto e as suas salas de leitura – Fonte: AMP
 
 
 
 
Perspectiva semelhante à da foto anterior, em 1960 – Fonte: AMP

 
 
Largo do Terreiro, actualmente – Fonte: portopatrimoniomundial.com/
 
 
 
O prédio do anterior trabalho fotográfico atribuído a Joseph James Forrester, que ostenta no seu cunhal, uma janela estilo renascença, seria demolido quando foi aberta a Rua Nova da Alfândega, em 1880.
Aquela janela encontra-se hoje numa ilhota de um pequeno lago, na Quinta da Aveleda, em Penafiel.
O decreto de 16 de Junho de 1910, publicado no Diário do Governo, N.º 136, de 23 de Junho de 1910, declara-a como Monumento Nacional.
 
 
Janela de canto, que decorava um antigo prédio no ângulo das ruas da Alfândega e da Fonte Taurina – Fonte: AMP
 
 
Sobre o prédio alvo da objectiva do Barão de Forrester, Henrique Duarte Sousa e Reis afirmou que, quando a Rainha Dona Filipa de Lencastre atravessou o rio Douro para no Porto se casar com el-rei D. João I, várias autoridades esperaram a noiva naquele palacete, “e algum tempo se demoraram no miradouro descrito, por serem dele facilmente descobertas as embarcações, que deveriam fazer o cortejo da nova soberana portuguesa”.
Há, por outro lado, quem afirme que, a referida janela, pertencia a uma casa onde teria nascido o Infante D. Henrique.
É Thomas Glas Sandeman, na Revista “O Tripeiro”, 2º Ano, nº 67, 1 de Maio de 1910, que faz referência a uma janela transferida para a Quinta da Aveleda e nos conta como ela terá ido parar a Penafiel, do que se dá conta a seguir:

 
 


 
Tomando como certo que a referida janela foi para a casa de Thomas Glas Sandeman, em 1880, e permaneceu lá quinze ou dezasseis anos, podemos concluir que a janela manuelina foi para a Quinta da Aveleda em 1895, ou 1896.

 
 
Janela nos jardins da Quinta da Aveleda, em Penafiel – Fonte: “penafielterranossa.blogspot.com/”

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

25.109 Fajardices e outras aldrabices

O Fajardo
 
Quem é que já não ouviu alguém proferir a palavra fajardo ou uma sua derivação, fajardice?
Pois, essa personagem, “O Fajardo”, existiu mesmo na cidade do Porto e passou a ser essa a designação para todos aqueles que, por certas artes que desenvolveram e praticaram, ligadas ao engano,  providos de uma falsa ostentação, vivem à custa dos incautos.
Em 1908, Alberto Pimentel traçou-lhe o perfil de troca-tintas engenhoso, esperto e finório, na obra “O Porto há Trinta Anos”.
João da Costa Fajardo, tal era a sua graça, viveu da fraude e de enganar tudo e todos, tendo acabado por viver estendendo a mão à caridade, deambulando pelas ruas da cidade.
Seu pai foi um homem honrado, um dos muitos que desembarcaram na praia de Pampolido, para devolver a liberdade aos portugueses.
Em 1837, seu filho, João Fajardo, nascido em 1825, embarcou para o Brasil, tentando uma carreira comercial, num armazém de café no Rio de Janeiro. Esta decisão não teve qualquer efeito prático.
Despediu-se ao fim de um ano, em virtude do fastio que o trabalho lhe provocava.
Peregrinou pelo Estado do Rio de Janeiro e na pequena cidade de Mangarativa, no quarto de um hotel, perspectivou o seu futuro – viver enganando o próximo.
Naquela pequena urbe fez os primeiros ensaios, mas logo voltou para a capital do estado, onde vigarizou sempre que a oportunidade se lhe deparou.
João Fajardo estava, então, com 16 anos, homem alto e bem-parecido esteve quase a casar com a filha de uma baronesa, viúva, mas o negócio de altar esfumou-se à última da hora, devido a um rebate de consciência, contou Fajardo, mais tarde.
Em 1847, depois de explorado o filão brasileiro voltaria para a terra mãe, apresentando-se, algumas vezes, como um negociante do outro lado do mundo.
Numa das suas “fajardices” saca quatro libras a um abastado burguês.
Durante a visita a um brasileiro de torna-viagem, à data, à frente de uma Ordem Terceira da cidade, da qual o seu falecido pai tinha sido membro da irmandade, mostra-se interessado em prestar uma homenagem póstuma ao seu progenitor. Tratados que foram alguns pormenores e estando já de saída, apresenta-se à porta da casa do burguês, uma pedinte, que se diz fugitiva de Espanha, devido a um caso de momentânea loucura amorosa e que estava sem possibilidades de se recolher a casa dos seus pais.
João Fajardo vai ao seu porta-moedas, mas declara só ter notas de banco.
Pede então, ao seu anfitrião, quatro libras, que devolverá ao criado que o acompanhar ao hotel e entrega-as à rapariga.
O criado foi despistado no caminho e, mais tarde, a rapariga espanhola recebeu 4$500 réis de recompensa.
Vestindo bem, sempre de cartola ou chapéu de coco, luvas, gravata e bengala de castão de prata lavrada, vestia de preto, falava diversas línguas e sabia seduzir com toda a facilidade as vítimas de quem se abeirava.
Numa outra ocasião, João Fajardo compra um par de botas.
Ao sapateiro dá uma entrada e o restante propõe-se a pagar em três prestações, o que não cumprirá.
Um dia, ao passar na rua, pelo sapateiro, este exigiu-lhe a devolução do artigo.
João Fajardo ficou descalço, em meias, mas estendendo o chapéu à caridade e dizendo estar a cumprir uma promessa, angariou, logo ali, grossa maquia. Dizia, Fajardo:
 
«Por favor: fiz voto de pedir, descalço, esmola para uma missa de acção de graças…»

 
Em 1892, já andava pelo Porto uma versão do Fajardo, de acordo com a notícia de “O Comércio do Porto” de 26 de Maio.

 


 
 
 
Alves dos Reis
 

Passar de João Fajardo para Alves dos Reis é um salto enorme no abismo.
A cidade do Porto capitalista e burguesa desempenhou papel importante, em 5 de dezembro de 1925, quando foi descoberta toda a trama montada pelo falsário, num caso de âmbito nacional.
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de Setembro de 1896 – 9 de Junho de 1955) ficou conhecido pela maior falsificação de notas da história, efígie Vasco da Gama, em 1925. Antes, já tinha falsificado também documentos e respectivas assinaturas constantes dos mesmos, comprou acções de forma ilegal, além de também ter passado cheques sem cobertura.
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente).
Alves Reis chegou a estudar engenharia.
Inscreveu-se no primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que o negócio do pai faliu.
Para tentar fazer fortuna e, assim, escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família da mulher, devido à diferença de condição social, em 1916, emigrou para Angola, fazendo-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering.
Começou como funcionário público nas obras públicas de esgotos e com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola.
 
 
“Tornou-se rico e ganhou prestígio
De volta a Lisboa em 1922, comprou uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tentou apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em Julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
A Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, conhecida por Companhia de Ambaca (Angola, Cuanza Norte), acima referida, explorava o caminho-de-ferro entre Luanda e Ambaca.
Tendo estado preso apenas 56 dias, por razões processuais, foi Alves dos Reis libertado em Agosto de 1924 e, será por esta altura que é gizado o grande golpe.
A ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas, numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Apoiado por vários cúmplices, as 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama, chapa 2, com a data de 17 de Novembro de 1922, começam a ser distribuídas em Fevereiro de 1925.

 
 
Nota de 500 escudos, efígie Vasco da Gama
 
 
Em Junho de 1925, Alves dos Reis fundava o “Banco de Angola e Metrópole”, com os 25% das notas que lhe eram destinadas do bolo total.
Para abertura do banco recorreu também à falsificação do respectivo alvará, entre outros documentos.
Ainda nesse ano, investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou o Palácio do Menino de Ouro (actual edifício do British Council, em Lisboa), adquiriu quintas e uma frota de táxis. Tentou ainda comprar o Diário de Notícias.


 
Delegação no Porto do Banco de Angola e Metrópole – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
A delegação do Banco de Angola e Metrópole, no Porto, em foto acima, situava-se no que hoje é a entrada principal do Hotel Intercontinental, na Praça da Liberdade (Palacete das Cardosas)

 
 
Entrada do Hotel Intercontinental

 
A 23 de Novembro, devido a uma investigação jornalística do jornal “O Século”, que desconfia dos juros baixos praticados por aquele banco, começa-se a levantar uma ponta da tramoia.
 
 
“No Porto, os artigos desse jornal saídos em novembro são muito comentados nos cafés, e é certamente de uma dessas conversas que nasce a 'pulga atrás da orelha' ao tesoureiro da casa de câmbio José Pinto da Cunha, Sobrinho, fornecedor de moeda estrangeira ao banco de AR; pois ele sabia que as transações não eram escrituradas. Convencendo-se da falsidade das notas e comentando tal apreensão a colegas do Banco Espírito Santo, a notícia acaba por chegar ao BdP.
É então que o governador envia ao Porto inspetores bancários, acompanhados de agentes da polícia criminal, para investigar a casa José Pinto da Cunha, onde descobrem uma grande quantidade de notas de 500 escudos. Não obstante estas serem dadas como verdadeiras, a casa de câmbios é encerrada uma vez que o seu valor não estava lançado nos livros de caixa (são presos o gerente e guarda-livros). De seguida os inspetores visitam a caixa filial do Angola e Metrópole: mesmo sem provas, o banco é encerrado e apreendido todo o montante encontrado nos cofres, com a prisão do seu gerente. Desnorteados, um dos inspetores propõem levar as notas de 500 que estavam no banco para a caixa filial do BdP, ao largo de S. Domingos, e aí compará-las exaustivamente com as que lá existiam. O trabalho prolonga-se madrugada dentro, e é já no dia 5 de dezembro que finalmente surgem duas notas com o mesmo número de série”.
Cortesia de Nuno Cruz, admin. do Blogue “A Porta Nobre”


 
Casa de câmbios “José Pinto da Cunha, Sobrinho” – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
 
Perspectiva idêntica e actual, à da foto anterior, junto da igreja dos Congregados – Fonte: Google maps
 
 
 
 
“A burla é publicamente revelada em 5 de Dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$ novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves Reis é preso a 6 de Dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 27 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também identificados e presos”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
 
 
Entre os cúmplices de Alves dos Reis, contavam-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e José Bandeira, irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia e uma peça fundamental do esquema gizado.
As notas seriam retiradas imediatamente de circulação, tanto as legítimas como as maradas. Ficaram popularmente conhecidas por “VASCOS”.
 
 
Delegação do Banco de Portugal, no Porto, no Largo de S. Domingos – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de 1926
 
 
 
 
Na foto anterior, observam-se as imensas filas que se formaram para a troca das notas de 500 escudos, os “Vascos”.
O escudo, a moeda portuguesa, teve perturbações cambiais e perdeu muito da sua credibilidade e muitos historiadores afirmam, que este acontecimento foi a causa principal que facilitou a revolução de 28 de Maio de 1926, que derrubou o presidente da República Bernardino Machado e deu origem à ditadura e, mais tarde, ao Estado Novo.
O Banco de Portugal processou a Waterlow & Sons nos tribunais londrinos, a empresa que de boa-fé tinha sido vigarizada e que trabalhava habitualmente na impressão de moeda para o Banco de Portugal.
O caso só seria definitivamente resolvido, em 28 de Abril de 1932.
A empresa britânica pagaria uma indemnização ao Banco de Portugal e faliu.
 
 
 
“Alves dos Reis foi finalmente julgado, aos 32 anos de idade, em Lisboa no Tribunal de St.ª Clara em Maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Foi preso três anos antes do começo da era do Estado Novo. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em Maio de 1945, já durante a era do Estado Novo. Depois da sua saída, procurou a sua mulher, que infelizmente já tinha falecido quando saiu.
Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. E ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola. Mas já não cumpre pena. Morreu de ataque cardíaco a 9 de Junho de 1955, sem fortuna”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

25.108 Movimento associativo dos estudantes universitários portuenses

 
“Associação de Estudantes do Porto” e “Associação Filantrópica dos Estudantes de Medicina do Porto”
 
 
A “Associação de Estudantes do Porto” foi fundada pelo estudante de engenharia, Pedro Alcântara de Andrade Morais, formado em Matemática pela Universidade de Coimbra e matriculado em Engenharia na Universidade do Porto.
A possibilidade de formação daquela associação foi gizada à mesa do Restaurante Portugal, fronteiro ao actual edifício da Reitoria, na Praça Gomes Teixeira (Praça dos Leões) e teria a sua concretização em Abril de 1911, sendo que, cerca de um mês antes, a 22 de Março, tinha a Academia Politécnica do Porto dado lugar à Universidade do Porto.
Para angariar fundos para dar existência à associação de estudantes, já em 1910, tinha um numeroso grupo de estudantes levado à cena, no palco do Teatro Águia de Ouro, uma engraçada revista intitulada “É dos Livros”, com letra do estudante de medicina Artur da Cunha Araújo e música do maestro Manuel Benjamim, cuja receita reverteria para as inerentes despesas de instalação da associação, que começaria por ter morada num prédio da Praça Carlos Alberto, onde se instalaria em 1935, o “Café Luso”.

 
 


Os vários compartimentos em que se dividia a casa compreendiam, sala de leitura, biblioteca, gabinete da direcção, secretaria e sala de jogos, sendo a renda mensal de cem escudos, com os lentes da Universidade a contribuírem com 10 escudos e os estudantes com 30 centavos. Os estudantes pobres estavam isentos do pagamento de quota.
A maioria dos estudantes, à época, frequentava, nas imediações, o Restaurante Portugal e o Café Universidade.
Entretanto, e na mesma senda, alguns estudantes de medicina para ajudarem os estudantes mais necessitados, fundariam a “Associação Filantrópica dos Estudantes de Medicina do Porto”, fornecendo-lhes livros e pagando-lhes as propinas e acompanhando-os em caso de doença.
Esta associação de estudantes de medicina instalou-se na Praça Almeida Garrett, nº 14 (prédio do lado sul da nova passagem pedestre aberta para ligação da praça à antiga cerca dos padres Lóios).
Para fazer face às despesas, a associação lançava mão de actuações em diversos teatros, tendo até actuado no Teatro de S. Geraldo, em Braga, com a peça “Os Velhos”, com interpretações do conhecido e consagrado Vasco Verdial e ainda, Francisco Guimarães, Primavera Rodrigues e Maria do Patrocínio Tomás.
Da Praça Almeida Garrett, a associação transitou para a Rua do Almada, 358, e finalmente, para o Beco do Paço, à Praça do Duque de Beja (hoje conhecido, como Jardim do Carregal).

 
 
No prédio que ostenta o reclame esteve a “Associação Filantrópica dos Estudantes de Medicina do Porto”, na Rua do Almada – Fonte: Google maps
 
 
 
 
 
“Tuna Académica do Porto” e “Tuna Universitária do Porto” 
 
 
Aceitando-se o ano de 1888 como de surgimento duma tuna na academia portuense, na realidade, a primeira notícia que se conhece sobre a “Tuna Académica do Porto”, também conhecida por “Estudantina Académica do Porto”, data de 25 de Fevereiro de 1897, quando, em plena crise académica, em virtude de confrontos com as polícias, durante o carnaval desse ano, é noticiado que a “Tuna Académica do Porto” partia em digressão para Espanha.
Presidia ao grupo o estudante Félix Magalhães, do 5º ano de medicina, da Escola Médico-Cirúrgica do Porto e a estudantina teve ainda a companhia do seu grupo dramático-cómico, composto por César Viriato França, Francisco Ferreira Leitão, Luís Ferreira Gomes e Bernardo Dias Carvalho.
Antes, tinha chegado à secretária do Presidente da Academia de Santiago de Compostela uma carta, datada de 14 de Fevereiro de 1897, endereçada pelo presidente da “Estudantina Académica do Porto”, de cujo teor se dá conta a seguir:

In revista “O Tripeiro”, Vª série, ano VII, n.º 10 (Setembro de 1951), pág. 97
 
 
 
 
 
A chegada da estudantina a Santiago de Compostela ocorreu na noite de 28 de Fevereiro, tendo havido, antes, uma paragem em Pontevedra, onde no casino local foi “obrigada” a actuar a que se seguiu uma noitada no salão de baile.
Em Santiago de Compostela a sessão de boas-vindas ocorrida na universidade foi antecedida pela chegada, em apoteose, ao som de música e foguetes.
 
 
 
“Tuna Académica do Porto”, em 1897 – Fonte: Photo Moderna, In revista “O Tripeiro”, Vª série, ano VII, n.º 10 (Setembro de 1951), pág. 99
 
 
Em 6 de Julho de 1898, é noticiada uma homenagem, levada a efeito pela Tuna Académica do Porto, dirigida ao maestro Sousa Morais, a quem Santos Silva e Azevedo de Albuquerque entregam o diploma de sócio honorário da agremiação académica, como prova dos serviços prestados à Tuna e à cultura musical portuguesa.
Em 1902, é notícia uma outra digressão da Tuna Académica do Porto, por terras da Galiza, sob a regência Henrique Carneiro.
 
 
Jornal "A Voz Pública", em 6 de Janeiro de 1902


Tuna Académica do Porto, junto da igreja de Santo Ildefonso, em 1907



Até 1913, conhecem-se mais algumas actuações da Tuna Académica do Porto, mas, a partir daquele ano, não se tem notícias dela e, provavelmente, terá entrado em inactividade.
 
 
Tuna Académica do Porto, em 1909, na Galiza
 
 
A anterior e inactiva Tuna Académica reapareceria, em 1922, sob a regência de Modesto Osório, estudante da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que viria a organizar a “Tuna Académica do Porto”, apresentando-a no Teatro Carlos Alberto.
A Tuna, para os seus espectáculos, servia-se várias vezes do Teatro Carlos Alberto, mas chegou a actuar, também, no Teatro D. Afonso Henriques, em Guimarães.
A morte prematura de Modesto Osório mergulharia, novamente, a Tuna no caos e na desorganização.
Surgiria, de novo, em 1937, com a designação de “Tuna Universitária do Porto”, sob a batuta do Maestro Afonso Valentim, sendo, no entanto, efémera a sua existência.
Mais tarde, em Novembro de 1960, um grupo de Orfeonistas, desejosos de reatar a tradição, organizou um “Agrupamento” que actuou em todos os Saraus do Orfeão Universitário do Porto realizados no ano de 1960-61, sob o nome de Orquestra Típica.
A sede da Tuna e do Orfeão foi no Largo Moinho de Vento, onde se juntaria a Associação de Estudantes, que abandonaria a Praça Carlos Alberto, após o falecimento do seu fundador.
 
 
 
“Orfeão Académico do Porto” e “Orfeão Universitário do Porto”
 
 
O “Orfeão Académico do Porto” foi fundado em 6 de Março de 1912, nas comemorações do primeiro aniversário da Universidade do Porto.


“Desde 1864, data em que pelo Dr. Aires Borges foi escrito para um agrupamento coral, o «Hino Académico», que na Academia Portuense existia uma tradição orfeónica que, apesar disso, só em 1912 passou a ter tradução efectiva.
A 6 de Março de 1912, após animada e concorrida Assembleia Magna, realizada na Nave do Palácio de Cristal, fundara-se no Porto o Orfeão Académico, sendo atribuída a direcção artística ao ilustre regente Fernando Moutinho. Rapidamente surgiram candidatos e os 200 inscritos foram seleccionados e ensaiados na antiga sala de concertos do Orfeão Portuense à Rua do Laranjal, típica artéria do velho burgo portuense que ligava a Trindade à Praça Nova.
(…) Em Março de 1937, o maestro Afonso Valentim aceitou o encargo de ensaiar um grupo dedicado de rapazes e raparigas da nossa Universidade, satisfazendo o desejo formulado pelo Reitor Pereira Salgado.
E, a 15 de Abril do mesmo ano, decorrido pouco mais de mês e meio, é realizada uma Récita de Gala no teatro Rivoli em comemoração do 1º Centenário da Academia Politécnica é Escola Médico Cirúrgica do Porto, em que se faz ouvir, pela primeira vez, o Orfeão Universitário do Porto.
Revista mensal do Orfeão Universitário do Porto (Março de 1963, nº4)
 
 
 
 
O "Orpheon Académico do Porto", assim denominado nessa época, surgiu com o intuito de interpretar exclusivamente música portuguesa, contribuindo para o início de um período de renovada valorização da canção portuguesa. O seu primeiro director artístico foi o Maestro Fernando Moutinho. Sucederam-lhe o Eng. Futuro Barroso, o Dr. Clemente Ramos e, já nos anos trinta, o Maestro Afonso Valentim, que assumiria o cargo durante trinta anos.



Orfeão Académico do Porto, em 1912
 
 
“Nas Comemorações do Centenário da Academia Politécnica e da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, em março de 1937, o Maestro Afonso Valentim assume o cargo de regente do então chamado Orfeão Académico da Universidade do Porto que, depois de reformulado, foi o primeiro grupo coral universitário a apresentar naipes femininos.
Apesar da sua existência atribulada, a ideia de um Orfeão Académico persistiu e em 1942, reorganizado, ressurge em novos moldes com o nome de Orfeão Universitário do Porto.
É por esta altura, 1945, que pela primeira vez as universitárias passam a envergar o ainda atual traje académico, posteriormente adotado noutras universidades.
É também ao longo da década de 40 que o Orfeão passa a incluir regularmente nos seus espetáculos a Tuna Universitária do Porto, o fado académico, a orquestra de tangos, entreatos e rábulas humorísticas. Surgem também Grupos de Bailados e Cantares Regionais, passando o Orfeão a dedicar o maior interesse à divulgação do folclore nacional, através de recolhas etnográficas junto das diversas regiões do nosso país, procurando melhorar e aprofundar o reportório e a qualidade de cada grupo, dispondo hoje em dia de um valioso espólio de trajes regionais.
O Maestro Afonso Valentim manteve-se como regente até 1967, sucedendo-lhe os Maestros Günther Argleb (1967/1969), Fernando Jorge Azevedo (1969/1973) e Mário Mateus (1973/2006), sendo o Maestro António Sérgio Ferreira o atual regente.
O Orfeão Universitário do Porto comemorou, em 2012, um século de existência.”
Fonte: “orfeao.up.pt/”
 
 
 
Em 1942, o Orfeão Académico ressurge com o nome de Orfeão Universitário do Porto.
O Orfeão Universitário do Porto já teve actuações nos Estados Unidos da América, Brasil, Venezuela, Angola, Moçambique, Cabo Verde, África do Sul, França, Itália, Grécia, Inglaterra, Alemanha, Polónia, Suíça, Holanda, China, Hong-Kong, Índia, Macau, Malásia e Tailândia, entre outros.

 
 
Bandeira do Orfeão Universitário do Porto
 
 
 
Antigas instalações das oficinas de mecânica da Faculdade de Engenharia do Porto, na Rua dos Bragas, 289, sede actual do Orfeão Universitário do Porto
 
 
 
Lutas estudantis
 
 
 
No começo dos anos 20, assiste-se a um ressurgir da actividade da Academia Portuense sendo prova disso a disseminação do uso de capa e batina, a reorganização da Associação dos Estudantes, a criação do jornal "Porto Académico", sendo, esse, o período áureo do Orfeão e da Tuna.
 
 
 
“Em 1928 a Faculdade de Letras (politicamente indesejável) é extinta pelo governo da Ditadura (continuaria a funcionar até 1932 só para permitir aos alunos inscritos que terminassem os seus cursos); o Orfeão e a Tuna desaparecem em 1930, no rescaldo de sérios confrontos entre estudantes e a polícia, de que resultou a morte de um académico; o Porto Académico deixa de se publicar também nesse ano de 1930; a Associação Académica é extinta por despacho ministerial de 24 de Novembro de 1932. Os organismos que tinham sido os grandes bastiões da vida académica, e até uma das cinco faculdades da Universidade, desapareciam”.
 
 
Não se pense que, apenas, durante a ditadura do Estado Novo, ocorreram contestações estudantis.
Em 1897, durante o período do carnaval desse ano, a academia esteve a ferro e fogo.
Assim, no dia 19 de Fevereiro daquele ano, os estudantes da Politécnica iniciam os festejos da quadra carnavalesca. Com aquela escola como quartel-general, lançam sobre os passantes, grossa metralha de toda a qualidade. A “futricada tripeira” irrita-se, reage e a brincadeira descamba num arraial de pancadaria.
Uma força da Guarda da Cadeia e a infantaria e cavalaria da Guarda Municipal acode e a festa termina no Hospital da Misericórdia (Santo António), ali perto.
Nos dias seguintes, os confrontos continuaram e a Polícia recebe ordens para acabar com os desmandos, a qualquer preço.
No dia 23, os estudantes montando uns longos paus e com as cabeças cobertas por tigelas de barro, à laia de capacetes e munidos de colheres de pau, imitando espadas, são confrontados na Rua de Sá da Bandeira por uma barragem policial e as vítimas dos confrontos acontecidos recebem assistência nas farmácias da baixa e no posto da “Inspecção de Incêndios” que ficava atrás da Câmara Municipal, junto à capela dos Reis Magos.
A situação piorava de dia para dia, como nos dá conta um texto resumo, inserido na revista “O Tripeiro”, Vª série, II ano, 10 Fevereiro de 1947, que a seguir se apresenta:
 
 





No dia 3 de Março, dia seguinte à 3ª Feira de carnaval, reuniria num prédio da Rua do Laranjal a Comissão Académica de Resistência, para tratar do conflito, cujo auge, foi a 24 de Fevereiro, com a invasão da Politécnica.
Após, Santos Silva, que presidiu à reunião, e os estudantes Manuel Carvalho e Freitas Sanches terem informado das diligências feitas para desagravar a academia, ficou decidido o retorno às aulas.
No dia 6 de Março, é dado por concluído o inquérito, sendo os autos entregues no Governo Civil que, face à proposta do inquiridor, resolveu arquivar o processo.