sexta-feira, 19 de março de 2021

25.116 A propósito de uma capela de estilo neogótico

Com certeza que muitos portuenses já repararam, passando pela Praça da República (antigo Campo de Santo Ovídio ou Praça da Regeneração) num palacete a que o povo chama Palacete dos Pestanas e, nas suas traseiras, já com frente para a Rua do Almada, na existência também de uma capela que pertenceu aos donos do referido palacete.
De facto, assim é. 

 
 
Palacete dos Pestanas

 
 
Capela dos Pestanas ou Capela do Divino Coração de Jesus
 
 
 
José Joaquim Guimarães Pestana da Silva (Porto, Março de 1848; Matosinhos, Outubro de 1917) foi quem, dado como morador na Rua do Bonjardim, mandou construir o palacete e a capela.
Sabe-se que, para a Rua do Bonjardim, nºs 79-83, no local onde haveria de estar, muitos anos depois, o conhecido restaurante que lançou as francesinhas – Restaurante Regaleira – José Joaquim Guimarães Pestana da Silva, em 1902, solicitava à Câmara o licenciamento para a construção de um prédio.
O projecto da Capela do Divino Coração de Jesus foi aprovado em 12 de Setembro de 1878 e, nesse ano, é lançada a primeira pedra e o palacete teria sido começado a construir um ano antes.
Foram autores da obra os engenheiros José de Macedo Araújo Junior e Manuel Gomes da Silva.
O Barão de Béthune, decorador da Casa Wilmotte (Liège), foi o autor do desenho de várias peças de arte sacra.
O escultor Soares dos Reis foi o autor das esculturas de São José e São Joaquim, colocadas no exterior e Armando Pinto o das pinturas nos estuques interiores.
Em Março de 1890, o templo abre-se ao culto e, em 1898, a capela é benzida.
Antes, em 1885, os autores do altar-mor, já tinham recebido uma medalha na Exposição Internacional de Antuérpia.
 
 
 
 
“Arquitectura religiosa, revivalista neogótica. Capela neogótica composta por torre sineira, nave única de três tramos e cabeceira semicircular dispostos axialmente. Fachada-torre formando nártex inferiormente. Contrafortes rematados tipo agulha, aberturas e arcos em ogiva e os vitrais como elemento essencial na introdução da luminosidade. A rosácea e os quadrilóbulos repescam o vocabulário das catedrais góticas. Fachada principal precedida por torre sineira, inferiormente aberta criando alpendre, sob o qual se faz a entrada principal. Trata-se de um raro exemplar neogótico no Porto, marcado no seu interior por um excessivo decorativismo e com materiais extremamente onerosos. Detém grande coerência na sua expressão arquitectónica, decoração, mobiliário e peças litúrgicas. As pinturas interiores são inspiradas nas da Sainte Chapelle. Constitui, apesar de ter sido vandalizado, o elemento arquitectónico do conjunto do Palacete dos Pestanas, o que mais conservou a sua tipologia original e caracterização arquitectónica”.
Cortesia de Isabel Sereno, 1998; In “monumentos.gov.pt/”
 
 
 
Escultura de S. José – Autor: Soares dos Reis (1880)
 
 
Escultura de S. Joaquim – Autor: Soares dos Reis (1880)
 
 
 
Em 1928, já o palacete e a capela eram propriedade de Sebastião dos Santos Pereira Vasconcelos.
Na década de 1950, o Plano Director da cidade do Porto para alargamento da Rua Gonçalo Cristóvão e correcção de alinhamentos previa a demolição do palacete, o que não viria a acontecer.
Entre 1974 e 1975, o palacete passa a sede do partido do Centro Democrático Social e, posteriormente, é ocupada por 20 famílias.
No 11 de Março de 1975, a população assalta a capela e, em 1977, o templo sofre o assalto dos ocupantes do palacete, que seria ainda alvo de um incêndio. Mais tarde, sofreria obras de restauro.
A capela haveria de ser considerada, em 06 de Março de 1996, Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 2/96, DR, 1ª série-B, n.º 56.
Já no século XXI, o palacete é ocupado pelo Governo Civil do Porto, vindo dos lados da Praça da Batalha, do edifício da “Casa Pia”, por onde tinha estado mais de um século.
O Palacete dos Pestanas foi uma construção do século XIX, possuindo a maior área de jardim particular do Porto, só ultrapassada pela do Palácio de Cristal.
Hoje, essa área está ocupada por vários prédios, sendo, um deles, a sede de uma companhia de Seguros, proprietária do palacete.
 
 
 
Palacete dos Pestanas, em 1958 – Ed. Teófilo Rego
 
 
 
O engº José Joaquim Guimarães Pestana da Silva foi um grande proprietário, com prédios localizados em várias zonas da cidade, tendo junto à fortuna herdada da família e à por si obtida, a proveniente também de sua mulher, que era filha de um grande negociante do Porto, Manuel Ferreira Leão Guimarães.
Passaram pelas mãos de José Joaquim Guimarães Pestana da Silva, o prédio que foi sede da Real Vinícola do Norte, durante a primeira metade do século XX, o chamado palacete de Campos Navarro, na Rua de Entreparedes e a Quinta de Sam Thiago, em Custóias, onde viria a falecer.
Entre muitos outros, foi também proprietário de um prédio que ficou para a história por alojar a Farmácia Birra (ainda hoje ocupando o mesmo local), localizada desde o fim do século XIX na Praça D. Pedro e que foi alvo de um incêndio em 11 de Maio de 1906, facto que é narrado no texto abaixo, publicado na revista “O Tripeiro” , V Série, Ano XII, Nº 1
 
 
 
 


 
 
 
A Farmácia Birra, ao fundo, era contígua ao prédio que ostenta um toldo branco
 
 
A Quinta de Sam Thiago situa-se na Rua Cândido dos Reis, próximo da igreja paroquial e do local onde, semanalmente, aos Sábados, tem lugar a feira de Custóias, cujo espaço ladeia, pelo Norte,
Está, ainda hoje, nas mãos da família Pestana, sendo o seu actual proprietário o engenheiro José Manuel Pestana de Vasconcelos. Amputada duma enorme área que, noutros tempos, estava afecta à exploração agrícola, continua, no entanto, a sobressair, na actualidade, a antiga casa, que sofreria várias intervenções de ampliação ao longo de três séculos - Casa de Sam Thiago.
A Quinta de Sam Thiago foi, desde sempre, uma exploração agrícola da qual os seus proprietários tratavam de tirar os seus rendimentos.
Os seus terrenos de várzea, servidos por vários riachos e ribeiros, em plena bacia hidrográfica do rio Leça, eram propícios ao cultivo do milho grosso, às leguminosas, às vinhas de enforcado e às bouças.
A abundância de água contribuía para que nos lameiros e pauis se apascentasse o gado.
De boas fontes, sabe-se que a propriedade era foreira da Baliagem de Leça e que esteve na posse de Ana Maria Dias, que veio a contrair matrimónio com Domingos Gonçalves Lopes, vereador do concelho de Vila do Conde, celebrado na Igreja paroquial de S. Tiago, a 20 de Outubro de 1746.
A igreja paroquial de S. Tiago de Custóias, cujo orago é Santiago Maior, tinha sido construída, 13 anos antes, em 1733, pelo Balio do Mosteiro de Leça, ao qual a freguesia pertencia. Substituiria a antiga igreja medieval que era anterior ao século XIII.
Deste matrimónio são conhecidos dois filhos: José Gonçalves Lopes, que foi Capitão-mor das Ordenanças da Baliagem de Leça e Domingos Gonçalves Lopes que viria a residir na Quinta de S. Félix, em S. Mamede de Infesta, também conhecida por Quinta de Picoutos, por ter contraído matrimónio com uma de duas irmãs, herdeiras, em 1782, dessa quinta.
 
 
 
Igreja Paroquial de Santiago de Custóias
 
 
A família de Ana Maria Dias detinha, portanto, o domínio útil do prazo (propriedade), pagando um foro ao detentor do domínio directo, o senhorio ou seja, a Baliagem de Leça.
Daquele matrimónio, acontecido em Outubro de 1746, resultou a instituição dos bens patrimoniais para o regime de morgadio, passando a família e a casa a denominarem-se de «Morgados de Santiago».
Os morgadios eram instituições constituídas por um conjunto de bens ou rendimentos não divisíveis nem alienáveis, transmitindo-se nas mesmas condições, por morte do seu titular, ao descendente primogénito varão, o morgado.
Esta instituição vincular, cujo vínculo advinha da perpectuação do poder económico da família, tem origem na legislação castelhana e, embora seja adoptada pelo reino de Portugal antes, só entra na legislação portuguesa com as Ordenações Filipinas de 1603.
Os morgadios foram extintos em Portugal no reinado de D. Luís I por Carta de Lei de 19 de Maio de 1863.
O morgadio difundiu-se como uma forma de contrariar o empobrecimento das famílias devido às sucessivas partilhas, mas, por outro lado, uma das razões que levou à sua extinção foi o empobrecimento dos filhos não primogénitos.
No século XVIII, uma das fontes de rendimento mais importantes decorriam, portanto, das explorações agrícolas.
Os mais abastados baseavam a sua riqueza nos rendimentos extraídos dessa actividade, que lhes proporcionava a ascenção social e, bem assim, o desempenho de outros cargos na sociedade.
Um desses cargos era o de oficial das ordenanças que valia a obtenção de privilégios e de poder na governação local. Por essa razão, era disputado pela burguesia com elevado cabedal fundiário e financeiro.
As “ordenanças” começaram o seu desenvolvimento a partir de D. Sebastião.
 
“As ordenanças constituíram o escalão territorial das forças militares de Portugal, entre o século XVI e o princípio do século XIX.
A partir da Guerra da Restauração, as ordenanças passaram a constituir uma espécie de 3.ª linha do Exército, servindo de fundo de recrutamento e de complemento à 2.ª linha (tropas auxiliares ou milícias) e a 1.ª linha (tropas pagas).
(…) O Regimento dos Capitães-Mores prevê que as ordenanças se organizem com base nas capitanias, cada qual a cargo de um capitão-mor. Cada capitania correspondia à área territorial de uma cidade, vila, concelho ou território senhorial e incluía várias companhias de ordenanças, cada qual a cargo de um capitão e com um efetivo de cerca de 250 homens.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”

 
Devido aos privilégios de que gozavam os oficiais de ordenanças, a partir da revolução de 1820, começa a falar-se na possibilidade de que as tropas que lhe eram afectas fossem desactivadas, pois o povo não aceitava a situação.
No entanto, só em 24 de Março de 1831, um decreto poria fim à ordenanças. 
Oficial de ordenanças era, assim, José Gonçalves Lopes, que acaba por contrair matrimónio com a herdeira duma outra quinta, a Quinta do Rio (antigo Casal do Moinho) situada em Ramalde, mais propriamente, em Ramalde do Meio, situada junto da confluência dos dois cursos de água que, a partir daí, formam a Ribeira da Granja que vai desaguar no Rio Douro, no Largo António Calém.
Um desses ribeiros nasce em Arca d’Água e passando pela Prelada toma o nome de Ribeira da Prelada, o outro nasce no lugar do Seixo, no lado exterior da Estrada da Circunvalação.
Por sinal, o pai da noiva, Manoel da Silva Guimarães ascenderia ao posto de Capitão das Ordenanças e recebeu a patente, do Brigadeiro das Armas do Partido do Porto, João de Almada e Melo, a 16 de Julho de 1760, com todas as «honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas».
Manoel da Silva Guimarães, antes de ser o Capitão de Ordenanças de Ramalde, era “homem de negócios” e morava em “Sima do Muro dos Banhos”, na Ribeira, na cidade do Porto. Não tinha ascendência nobre, por isso, a ausência de pedras de armas na sua residência em Ramalde.
A 17 de Agosto de 1774, na Quinta do Rio, na Freguesia de Ramalde do Julgado de Bouças, é feita uma escritura de dote de casamento, por Manoel da Silva Guimarães e sua mulher, a sua filha Ana Maria Joaquina, para casar com o capitão José Gonçalves Lopes, acto ao qual esteve presente a mãe do noivo, Ana Maria do Espírito Santo, viúva de Domingos Gonçalves Lopes.
Como curiosidades, diga-se que, no contrato de casamento exarado entre as duas famílias, o noivo, entre outros bens, vinha dotado com “dois pretos velhos”, provando a existência de escravatura na região e, ainda, com o Privilégio das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora de Oliveira (que se achava confiscado pela fazenda), enquanto a noiva, entre outros bens, vinha dotada com o Prazo das Azenhas da Barca da Trofa, propriedade foreira do Convento de Landim.
Como se observa, tanto sogro como genro eram Oficiais de Ordenanças, o que lhes conferia um enorme poder.
 
 
 
Quinta do Rio – Ed. Teófilo Rego, 1958


 
Em 1909, à esquerda, a Quinta do Rio, com a sua capela, sendo visível, à direita, a ponte que em Ramalde do Meio permitia o atravessamento da Ribeira da Granja, na estrada que ligava o Porto à Senhora da Hora – Ed. J. Bahia Júnior
 
 
Em 1796, o capitão José Gonçalves Lopes haveria de redigir o seu testamento na Quinta da Neta, na freguesia de Santo Ildefonso, uma propriedade que hoje situaríamos próximo do local onde está o Palácio Atlântico, na Praça D. João I.
Institui, então, como seus herdeiros universais, os seus nove filhos Domingos, Manoel, Rodrigo, António, Ana, Maria, Francisca, Florida e Margarida e um outro, póstumo.
Como os filhos eram menores, nomeia para procurador o seu irmão Domingos Gonçalves Lopes, morador na Quinta de S. Félix, em S. Mamede de Infesta.
Por curiosidade, diga-se que, mais tarde, o filho Rodrigo, de seu nome completo, Rodrigo Gonçalves Lopes, acabará por receber por herança do seu tio, Domingos Gonçalves Lopes, a Quinta de S. Félix ou Quinta de Picouto, em S. Mamede de Infesta, de cuja memória, apenas resta a sua capela.


 
Capela de S. Félix de Picoutos, na Rua da Mainça – Fonte: Google maps
 
 
Em 1807, era proprietário da Casa de Sam Thiago, o filho de José Gonçalves Lopes, Domingos Gonçalves Lopes, tendo requerido um “Processo de Justificação de Nobreza”, com a Carta de Brasão a ser passada em 7 de Outubro de 1807 e, em 1808, contrairia matrimónio com Margarida Rosa de Araújo, tendo assumido o posto de Capitão-mor da Baliagem de Leça, um título proveniente da venalidade dos cargos, como era usual.
 
“Em 1841, a viúva Dona Margarida Rosa de Araújo Lopes e o seu filho Domingos andavam desavindos com Maria Margarida Meneses, viúva de Bernardino José Machado de Meneses, negociante e residente na Rua das Flores, no Porto, por causa de uma dívida de “[…] oitenta e cinco mil cento e cinco réis metal proveniente da Fazenda da Lã […] no ano de 1830”.
Cortesia do Doutor Manuel Almeida Carneiro
 
 
A dívida mencionada não foi liquidada. O caso foi para os tribunais e aconteceu a penhora de bens.
Nas duas décadas seguintes, a situação não apresentava melhoras e por endividamento dos proprietários, à época, a Quinta de Sam Thiago vai ser vendida à família Pestana da Silva, em 1850.
 
 
 
“ (…) dá-nos conta de um empréstimo de 300.000 réis,216 cuja dívida foi saldada em 1850 em casa de D. Rodrigo em Picoutos, certamente com o dinheiro da venda da Casa de Sam Thiago à família Pestana da Silva”.
Cortesia do Doutor Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
 
Perspectiva das fachadas a Poente e Sul, da Casa de Sam Thiago - col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro

 
 
Fachada a Norte da Casa de Sam Thiago - col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
 
Por sua vez, já na posse da família Pestana, a Casa de Sam Thiago foi renovada e ampliada, entre os finais do século XIX e as primeiras décadas do Século XX, por José Joaquim Pestana da Silva.

 
 
 
Planta (Esc 1:100) esquemática sobre a cronologia das intervenções na Casa de Sam Thiago - Desenho elaborado a partir do projecto original dos arquitetos Guilherme Salvador e Teresa Mano; In: Dissertação de Doutoramento, em 2016, na área de História de Manuel Almeida Carneiro


 
Pátio da Casa da Quinta de Sam Thiago – col. do Dr. Manuel Almeida Carneiro
 
 
 
“Próxima da igreja paroquial, junto ao largo da feira, a casa de Sam Thiago é um dos imóveis mais belos e emblemáticos da freguesia de Custóias. É um magnífico exemplo da arquitectura civil dos finais do século XVII e do poder económico que algumas famílias conseguiram alcançar nessa época. O conjunto arquitectónico é rodeado por belos jardins e possui uma casa senhorial, capela privada anexa às dependências.
A casa nasceu a partir de um terreno que pertencia ao Bailiado de Leça, que em 1604 era conhecido pelo nome de Meio Casal de Justa Gonçalves. Em 1804 pertencia à família Lopes e Domingos Gonçalves Lopes, capitão-mor e administrador da casa, que requereu o título de nobreza e o uso de brasão. Hoje podemos apreciar, no portão principal, o brasão de armas de que consta um escudo de forma elíptica, no qual estão representadas, no campo esquerdo, as armas dos Lopes (palmeira e um corvo de asas estendidas pousado nela) e, no campo direito, as armas dos Silvas (um leão). No entanto, é aqui que a decadência económica da casa de Sam Thiago se inicia, com o endividamento do capitão-mor Domingos Lopes, o que vai obrigá-lo a vender a propriedade, em 1850, à abastada família portuense Pestana da Silva”.
Fonte: “jf-custoias-lecabalio-guifoes.pt/”
 
 
 
Brasão de armas encimando o portão principal de entrada da Casa da Quinta de Sam Thiago
 
 
O Município de Matosinhos tem em curso um processo de classificação da Casa de Sam Thiago, como imóvel de interesse público.

quarta-feira, 10 de março de 2021

25.115 “José Rosas & C.ª” e o negócio do ouro, na Rua das Flores

 
Durante mais de um século, a partir de meados do século XIX, que a Rua das Flores, na sua ala setentrional, foi ocupada por ourivesarias, porta sim, porta sim.
Em 1955, ainda eram dezanove os estabelecimentos daquele ramo de actividade.
Entre eles, um dos mais antigos, veio a tornar-se a firma “José Rosas & C.ª”, na Rua das Flores, nº 245.

 
 
“José Rosas”, na Rua das Flores, em meados do século XX
 


A ala meridional dessa rua era ocupada pelas lojas dos mercadores, especialmente do ramo têxtil.
No século XIX, era moda, sobre a Rua das Flores, ser entoada a canção com o seguinte estribilho:
 
Adeus, cidade do Porto
Adeus, Rua das Flores
De um lado tens só ourives
Do outro tens mercadores
 
 
“José Rosas & C.ª” teve a sua origem na primitiva firma “Couto & Moura”, fundada em 1851, pelos sócios, Manuel Dias Couto e Vicente Manuel de Moura (1815-1908).
Este último, natural de Montalegre, tendo iniciado a sua aprendizagem, em ourivesaria, com cerca de 16 anos, na oficina do mestre Manuel Dias do Couto, tornar-se-ia sócio do seu professor e, a partir de 1865, exerceu o importante cargo de Contraste Ensaiador do Ouro no Porto.
Esta sua actividade, por razões desconhecidas, acabaria por suscitar animosidade no poderoso meio corporativo portuense dos artesãos do ouro, demitindo-se no ano de 1881. Prosseguiria, no entanto, com esse ofício na Caixa Filial do Banco de Portugal, no Porto, tendo falecido no ano de 1908.
Por morte de Manuel Dias do Couto, ocorrida em 1865, Vicente Moura ficou à frente do negócio até 1876, ano em que trespassou a loja ao genro José Aires da Silva Rosas, que já exercia a actividade de ourives, surgindo, assim, “José Rosas – Ourivesaria”.
José Rosas vai remodelar todo o funcionamento da ourivesaria e fazer-se acompanhar, na vertente da concepção das peças, da colaboração do escultor José Joaquim Teixeira Lopes.




José Ayres da Silva Rosas e Maria da Glória Moura com o seu filho José Rosas Junior 

 
 
 
Cartão Comercial de “José Rosas- Ourivesaria”

 
 
Catálogo de “José Rosas”, em 1903

 
 
Cartaz publicitário de “José Rosas – Ourives Joalheiro”, em 1905
 
 
 
Em 23 de Julho de 1909, entram para sócios da firma, seu filho José Rosas Júnior (1885-1958) e João Teixeira Duarte.
Com o falecimento de José Rosas (pai) em 7 de Setembro de 1923, na sua casa da Rua das Flores, e de João Teixeira Duarte, em 21 de Junho de 1944, a sociedade seria renovada.
Assim, em 1944, entra para a firma, Manuel Rosas, filho de José Rosas Júnior e de Maria Antónia de Castro Ramos Pinto Rosas, os quais passam a constituir a sociedade com denominação social de “José Rosas & C.ª”.

 
 
Logotipo de “José Rosas & C.ª”
 
 

De referenciar como marcos importantes para a sociedade, durante o século XX, o facto de José Rosas Júnior ter feito estudos em Londres e Paris e o seu filho Manuel Rosas ter tirado o curso de Gemólogo FGA, em Londres.
Sobre os trabalhos executados ao longo dos anos ficaram para a posteridade, entre outros, a “Espada de Honra de Mouzinho de Albuquerque”, que lhe foi oferecida pela Associação Comercial do Porto, em 1898, o “Cofre D. Manuel II”, oferecido pelas senhoras do Porto a este monarca por ocasião do seu casamento, em 1913, o “Cofre século XII”, oferecido pela Câmara do Porto ao Presidente da República, Marechal Carmona, em 1944, a “Cruz-Relicário S. João de Brito”, oferecida pelo governo Português ao Papa Pio XII, em 1947, a “Miniatura da Capela do Senhor do Padrão”, oferecida pela Casa dos Pescadores de Matosinhos ao Presidente do Conselho, Oliveira Salazar e o restauro das joias da coroa Portuguesa.
A aplicação de filigranas em peças de cristal e cerâmica e a edição, em 1903, do 1º catálogo de encomendas de joias por correio foram, também, marcos importantes na vivência da firma, durante o século passado.


 
“Cofre D. Manuel II” – Ed. Emílio Biel
 
 
 
 
“José Rosas & C.ª”, esteve presente em diversos eventos internacionais em representação de Portugal e nos quais foram obtidos assinaláveis prémios atribuídos às Secções Portuguesas de Ourivesaria, tendo concorrido e estado presente em exposições nacionais de que são prova, entre outras, as realizadas no Porto, em 1894, Lisboa ( 1905-1910-1923) e Lourenço Marques (actual Maputo) em 1948.


Publicidade a José Rosas & C.ª, em 1934


Em 1951, decorridos 100 anos sobre as primitivas origens da firma, o Dr. Artur Magalhães Basto acabou por escrever um livro comemorativo daquele centenário.


 
 
Obra comemorativa do centenário de “José Rosas & C.ª”

 
 


“José Rosas & C.ª”, na Rua das Flores, nº 245, no prédio à esquerda




“José Rosas & C.ª” localiza-se, actualmente, na Rua Eugénio de Castro, nº 280, ao Foco

 
 
“…a casa continuou com seu filho, Dr. Manuel Ramos Pinto Rosas, nascido em Nevogilde em 21 de Julho de 1921, biólogo de formação, mas com um curso de Gemologia em Londres. Nos anos 70 as instalações comerciais migraram para a zona da Boavista, na Rua Eugénio de Castro, onde se mantém até hoje”.
Fonte: “comerciocomhistoria.gov.pt/”

terça-feira, 2 de março de 2021

25.114 Associações de Trabalhadores (II) e Lutas Operárias



A cidade do Porto foi, desde sempre, um baluarte no que respeita à defesa dos interesses dos trabalhadores, com uma história muito rica nesse capítulo, e nas quais alguns tombaram naquelas lutas.
É o caso lembrado no muro de suporte do arruamento de acesso à Estação Ferroviária de S. Bento, que exibe uma placa de um dos mártires, que tombou por um ideal, em 1 de Maio de 1982.


 
 

Homenagem a Pedro Manuel Sarmento Vieira





À direita, o muro (gradeado) de suporte do acesso à Estação de S. Bento, em 1935
 
 
 
Mas, tudo começou muito antes.



 
Liga das Artes Gráficas
 
 
Vinha do ano de 1768, a criação do estabelecimento tipográfico estatal…,em 1863, eram 28 as tipografias existentes na cidade.
Em 1889, acontece em Lisboa, na Companhia Nacional Editora, uma greve, cujo principal objectivo é a obtenção das 10 horas de trabalho.
Os trabalhadores são despedidos e os patrões contratam no Porto substitutos para os grevistas. Estes, chegados a Lisboa, aderem também ao protesto.
Os patrões cedem com Azedo Gneco a pontificar nas hostes operárias.


 
Azedo Gneco, com a profissão de gravador, um dos fundadores do Partido Socialista Português, num comício republicano em 1 de Maio de 1907
 
 

Na falange socialista, a mais numerosa, pontificava por essa altura, José Fontana, seguido de Azedo Gneco, que lhe sucedeu à frente do partido.
As movimentações de protesto dos operários tinham a sua génese na luta pela jornada de 8 horas de trabalho diárias, tese que começada a germinar entre 1803 e 1806, acabou por ser defendida em Boston, no ano de 1832, continuando por 1845 e 1846, com os episódios de Pittsburgh.
Em Baltimore, em 1866, a jornada das 8 horas ganha corpo, sendo, com agitações operárias entre 1873 e 1876, ratificada em Chicago, em Outubro de 1885, desembocando na greve geral do 1º de Maio de 1886.
No ano de 1890, animados pelo êxito dos colegas lisboetas, a classe portuense vai fundar a “Liga das Artes Gráficas do Porto”.
No Porto, no prédio da esquina das ruas de Santa Catarina e Formosa, onde acabaram por se instalar, mais tarde, os “Armazéns Bacelar”, teve a sua sede o “Clube de Propaganda Democrática do Norte”.
Nessas instalações funcionavam um serviço de restaurante, um botequim, bilhar e, ainda, um salão onde eram organizados luzidos bailes e outras diversões, para além da existência de outras salas reservadas às reuniões privadas dos corpos gerentes do clube.
Por essas instalações, paravam alguns tipógrafos, entre outros, Francisco Lisboa, Tomás Gasparinho, Guilherme José Vilela e o seu irmão, António Peixoto e João Guilherme Peixoto, estes estabelecidos com um estúdio de fotografia à Rua do Almada, sob a razão social de “Peixoto & Irmão”.
Não ligado ao sector gráfico, Viterbo de Campos era também presença frequente nas instalações do clube.
Desse local, dizem, Alves da Veiga teria delineado, também, a revolução de 31 de Janeiro de 1891, sendo aí que, em 1980, muitos trabalhadores do sector gráfico determinaram a existência da ambicionada Liga das Artes Gráficas.
O Dr. Alves da Veiga foi o chefe civil daquela malograda revolução e o fundador do Centro Republicano Democrático do Porto, em 1876, com sede na Rua de S. Bento da Vitória (mais concretamente no rés-do-chão da casa habitada ao tempo por José Pereira de Sampaio (Bruno).

 
 
Cartão de membro do Centro Republicano Democrático do Porto, c. 1920
 
 
 
Ora, aqueles Peixotos, cunhados daqueles Vilelas, há muito que pretendiam fundar um organismo sindical que agregasse todos os intervenientes no sector das artes gráficas, sem distinções de categorias sociais, como sejam as existentes entre patrões e operários.
Por esse tempo, clamava-se pela obtenção da lei das 8 horas de trabalho diário e lavrava o descontentamento pelo impiedoso regime de trabalho aplicado a menores e às mulheres.
 
 
 
Prédio em 1907, onde, 16 anos antes, tinha estado “Clube de Propaganda Democrática do Norte” e o Café Lusitano
 
 
No dia 4 de Maio de 1890, pelas nove horas da noite, era o sector gráfico convocado para uma assembleia geral a efectuar na sede do “Clube de Propaganda Democrática do Norte”, graciosamente cedida para o efeito.
Entretanto, e na sequência daquela assembleia geral, que foi presidida pelo tipógrafo Francisco Lisboa, a associação passou a funcionar de imediato, de modo provisório, apoiada numa assembleia geral, uma comissão administrativa e um conselho fiscal.
A liga arrancaria com 200 associados e, em 30 de Maio, atingiria os 354.
Nos quatro anos seguintes, até à aprovação oficial dos estatutos, nada há a assinalar digno de registo.
Importa referir que daquela primeira reunião resultou a nomeação de uma comissão de cinco membros para elaborarem e redigirem os respectivos estatutos para o sector, os quais só viriam a ser aprovados em assembleia geral de 16, 17 e 18 de Junho de 1892, e publicados em 15 de Novembro de 1894, após as alterações introduzidas e sugeridas pela Direcção Geral do Comércio e Industria.
Quando viu a luz do dia, o documento nas suas linhas gerais, dirigia-se a todos aqueles que exerciam a indústria tipográfica, compreendendo os proprietários das oficinas, compositores, impressores e maquinistas; escritores e redactores de periódicos; litógrafos, encadernadores, fundidores de tipo, fotógrafos, gravadores.
Era objectivo da liga desenvolver moralmente, intelectualmente e artisticamente o operário gráfico, para o que interessava criar escolas, montar uma biblioteca com obras científicas, literárias e tecnológicas e promover conferências de divulgação dos diversos saberes.
A Liga das Artes Gráficas começaria por ter a sua sede na Rua Formosa, tendo mudado em 1902, para o Largo da Cancela Velha, onde se manteve até Setembro de 1906, transferindo-se então, para a sua última sede, na Rua de Entreparedes, 33 - 1º.

 
 
No 1º andar do prédio ao centro, esteve a “Liga das Artes Gráficas”, na Rua de Entreparedes, 33 – Fonte: Google maps
 
 
 
Em 1915, com a intervenção decisiva de Francisco da Silva Pereira, o sector veria aprovada a jornada das 8 horas de trabalho, objectivo que tanto tinha custado a atingir.
Em 1932, pelo Estatuto do Trabalho Nacional que passou a reger as associações de classe, a Liga das Artes Gráficas do Porto transformou-se no “Sindicato Nacional dos Tipógrafos, Litógrafos e Ofícios Correlativos do Distrito do Porto”.
De destacar da acção da LIga das Artes Gráficas do Porto a publicação da “Revista Gráfica”, cujo primeiro número saiu a 10 de Julho de 1904, sendo editor Tomás Gasparinho.
Para assinalar aquela primeira publicação, ficou célebre um pic-nic, em Paranhos, no Lugar da Patusca, junto a um riacho, para os lados da Areosa.
Saía sempre ao Domingo.
Para além da “Revista Gráfica”, o órgão oficial da classe, publicou-se um pequeno jornal intitulado “Solidariedade Gráfica”, com redactor principal, Clemente Vieira dos Santos.
Saiu a primeira folha em 1 de Maio de 1923, mas suspendeu a publicação ao fim do 18º número.
Em 1924, nos dias 29 e 30 de Novembro, durante um congresso realizado na Casa do Povo Portuense, à Rua do Paraíso, foram distribuídos dois números, com datas de 15 e 26 de Novembro, de uma folha volante intitulada “A Conferência Gráfica”.
Um terceiro número com as conclusões daquele congresso saiu no mês de Janeiro de 1925, mas sem data…e por aqui, se ficou esta folha.
 
 
 
Cabeçalho do papel de carta da Liga das Artes Gráficas do Porto
 
 
 
 
 
As Maias e os Festejos do 1º de Maio
 
 
Muito antes da comemoração, nesta data, do Dia do Trabalhador, um outro costume antiquíssimo existiu, que consistia na noite de 30 de Abril para 1 de Maio, as gentes adornarem as janelas, portas e outras entradas das habitações com giestas ou Maias.
“Maia” era a deusa romana da fecundidade e significa “pequena mãe” sendo, tradicionalmente, dado a uma avó, ama-de-leite ou parteira.
A tradição surge associada a uma festa que celebrava a fertilidade e pedia que a Terra desse bons frutos no novo ano agrícola, muito importante para os Romanos, chamada Floralia e que se realizava nos primeiros 3 dias de Maio, em honra da deusa Flora e da Primavera.
Actualmente, esta tradição vai caminhando para o seu apagamento da memória.

 
“Esta é uma tradição muito antiga, ligada à primavera e aos rituais da agricultura. Acredita-se que os nossos antepassados também cumpriam esta tradição como uma forma de assinalar o fim do inverno, para pedir proteção e fertilidade para a terra e para afastar os maus espíritos.
As casas são enfeitadas de noite com giestas amarelas e outras flores e, em alguns lugares, também com bonecas de palha. Há quem chame esta tradição de “as maias”, “os maios” ou “a flor do maio” e é diferente consoante as regiões do país. Usam-se giestas porque são flores muito abundantes nesta altura do ano e como são amarelas representam a luz e a vida.
(…) Na tradição Celta, a primeira noite de maio celebrava a fertilidade da terra, em que as pessoas pediam que a natureza lhes desse bons frutos nesse ano.
Em maio há por toda a Europa inúmeras celebrações ligadas à fertilidade. Num período em que a natureza já começou a despontar e já se vêem as primeiras flores e as árvores já estão cobertas de verde, estes rituais celebram a vida, a luz, o fogo e servem também para afastar o medo do desconhecido, as doenças, as trevas.”
Cortesia de Ângela Coelho
 
 
 
Giesta ou Maia

 
Por cá, uma cerimónia de origem pagã, ligada ao culto da fertilidade, que consistia numa dança na qual os participantes dançavam em volta de uma boneca de palha, chegou a ser proibida por determinação régia.



“Também é o pouco que resta d'essa antiga usança popular das maias: alguma giesta espetada na porta d'uma casa pobre ou na aza da canastra d'uma lavradeira.
Ainda me lembro de em quasi todas as casas, ricas ou pobres, haver giestas à janella no dia 1.° de maio.
A tradição foi declinando, e hoje apenas se conservam aquelles ténues vestígios.
Não assim ao norte do Porto, em Traz-os-Montes, por exemplo, onde o maio tem ainda uma celebração mais pittoresca.”
“ O Porto na Berlinda” (1894) Alberto Pimentel
 
 
 
No que à festa dos trabalhadores diz respeito, na cidade do Porto, há registos de que o 1º de Maio de 1897, foi comemorado pelo operariado portuense com grande pompa e entusiasmo.
Aliás, o dia do trabalhador sempre teve uma grande aceitação entre os trabalhadores portuenses.
Naquele ano, os festejos compreenderam um desfile de um cortejo alegórico no qual, em sequência, passaram os carros dos Manipuladores do Tabaco, Artes Gráficas, Chapeleiros, Metalúrgicos, Tecelões, Cooperativa de Crédito e Consumo, União das Classes Obreiras do Porto, Correeiros, Fiandeiros e alguns outros.
 
 
 
 
Carro alegórico da Liga de Artes Gráficas, que figurou no cortejo do 1º de Maio de 1897
 
 
 
Seguidamente, durante uma romagem ao cemitério do Prado do Repouso, foram ornadas com flores as campas dos companheiros falecidos e a do Dr. Rodrigues de Freitas.
Após aquela cerimónia, teve lugar um grandioso comício no campo de manobras do quartel da Serra do Pilar.
À noite, as ruas seriam percorridas por diversas bandas de música, tendo subido ao ar, também, alguns foguetes.
Em algumas sedes de associações operárias decorreriam concorridas sessões solenes que encerrariam as festividades e que prenunciavam o dia prestes a nascer, no qual teriam lugar importantes eleições.
Assim, no dia 2 de Maio de 1897, os Progressistas que ocupavam o governo do País, defrontaram nas urnas, os Conservadores, que antes tinham sido depostos.
Acabariam por triunfar os Progressistas, tendo sido eleitos deputados pelo Porto, o Conselheiro A. Veiga Beirão, Dr. Adriano Antero de Sousa Pinto e Dr. Leopoldo Mourão.
Em 1898, as comemorações do 1º de Maio, foram planeadas de modo a serem mais imponentes, dado que caíram a um Domingo.
Porém, ficariam um pouco amputadas no seu programa e seriamente afectadas, devido ao mau tempo, não se tendo realizado nem o cortejo cívico nem realizado o comício na Serra do Pilar.
Melhor. Um pouco após o meio-dia, tendo parado de chover, com o que restava e com alguns dos resistentes à chuvada que se tinha abatido sobre a cidade, principalmente, aqueles mais ligados às Artes Gráficas e, ainda, com os representante de “Biscaia Arrabidense”, “Filarmónica Valboense” e “20 de Maio”,“ foi organizado um cortejo de improviso que partindo do Campo da Regeneração, percorreu as ruas do Duque do Porto, Bonjardim, Gonçalo Cristovão, Almada, Praça D. Pedro, Sá da Bandeira, Rua Formosa, onde pararam em frente à sede da Liga das Artes Gráficas tomando, por fim, o rumo da Serra do Pilar.
Recomeçando a chover, todos tiveram que retroceder, sem chegar à outra margem do rio Douro.
Todavia, oito dias depois, em 8 de Maio, com a devida autorização do Governador Civil, realizaram-se as acções alusivas à festa dos trabalhadores que a chuva tinha impedido de terem lugar no dia habitual.
No ano seguinte, 1899, já tudo decorreu dentro dos trâmites habituais.

 
 
Carro alegórico da Liga de Artes Gráficas, que figurou no cortejo do 1º de Maio de 1898, passando na Rua Formosa – Ed. Guedes de Oliveira
 
 
 
 
 
 Lutas operárias
 
 
Greve dos Tecelões. Uma noite de S. João de arromba
 

Em 3 de Junho de 1903, decorridas cerca de três semanas sobre o começo de uma greve de tecelões, continuava o conflito na cidade do Porto.
Após tão longo período de abandono do trabalho, a miséria instalou-se nos lares dos grevistas e das suas famílias.
Centenas de operários, acompanhados por suas mulheres e filhos, concentraram-se na Praça D. Pedro e, aqui, caindo de joelhos diante das forças Policiais e da Guarda Municipal, que chegavam de todas as direcções clamaram a uma só voz:
“Temos fome! Matem-nos, mas não sairemos daqui! Queremos que se faça justiça. É só o que pedimos!”
Tal clamor condoeu e inibiu as próprias forças da ordem, tendo o Comissário da Polícia informado que o Governador Civil envidaria todos os esforços para resolver urgentemente a situação em que se encontravam.
Centenas de pessoas que acompanharam estas cenas contribuíram, logo ali, com o que puderam e foram abertas diversas subscrições.
 
 
Polícia Civil, em 1898



Guardas Municipais, na Rua do Anjo (actual Rua do Dr. Ferreira da Silva), em 1894, durante as comemorações Henriquinas




Guarda Municipal do corpo de cavalaria, em 1900
 
 
 
Praça D. Pedro
 
 
 
No dia seguinte, reuniram no Governo Civil, delegações de operários e patrões, com o objectivo de colocar um fim ao conflito, o que não se veio a verificar.
Enquanto isso, são distribuídos os primeiros socorros aos grevistas, tendo o Governo, em Lisboa, ordenado ao Governador Civil para que a ordem fosse mantida, por precaução, o cruzador D. Amélia deveria seguir para Leixões.

 
 
Cruzador “D. Amélia”

 
 
No dia 13, atendendo que o conflito continuava extremado e sem solução à vista, começam a circular rumores, que têm confirmação no dia seguinte, das ordens dadas a partir de Lisboa, para que as forças da ordem abrissem as fábricas e permitissem a liberdade de trabalho a quem o quisesse fazer.
O conflito agudiza-se, os confrontos com as polícias provocam várias prisões e feridos, tendo sido requisitadas forças de cavalaria das guarnições de Aveiro, Castelo Branco, Chaves e Bragança.
As fábricas, apesar das medidas impostas, não conseguem laborar, pois não se apresentam ao serviço operários suficientes.
No dia 16, aderem à greve os chapeleiros e os metalúrgicos e, no dia seguinte, 1500 operários cigarreiros e outros.
Não podendo o cruzador D. Amélia receber mais presos, a corveta “Estefânia” é transformada em Aljube flutuante.

 
 
Corveta “Estefânia”

 
 
No dia 23, numa reunião presidida por António Calem, os industriais portuenses aprovam os termos de uma plataforma de acordo para acabar com a greve dos tecelões, que é aceite por estes.
A noite de S. João desse ano é, como se compreenderá, de festa redobrada.
No dia 6 de Julho, o Governador Civil Adolfo Pimentel é louvado, devido à sua intervenção, com inteligência e zelo, durante o período em que decorreu a greve dos tecelões.
 
 
 
 
Revolta na Fosforeira
 
 
Em 27 de Julho de 1898, as forças de Polícia e de Cavalaria da Guarda Municipal são chamadas pela gerência da Fábrica de Fósforos de Lordelo do Ouro para conter os protestos dos trabalhadores amotinados.
O conflito teve origem em alterações introduzidas nas tabelas salariais.
Cerca de um ano antes, em 9 de Maio de 1897, a gerência da Fábrica de Fósforos de Lordelo do Ouro tinha também chamado as forças de Cavalaria e Infantaria para pôr termo a uma greve, em virtude dos salários não terem sido pagos de harmonia com o que estava estipulado.
Aquelas forças da ordem, dizem as crónicas, viram-se e desejaram-se para conter, principalmente, as operárias.

 
 
Instalações da “Companhia Portugueza de Phósphoros”, em Lordelo do Ouro. À esquerda, no canto superior, observam-se terrenos do que é hoje o Jardim Botânico
 
 
 
 
Revolta na Fábrica do Jacinto
 
 
Em 19 de Março de 1902, um grave conflito de trabalho eclode na Fábrica do Jacinto, tendo sido suspensos de funções 586º trabalhadores desta importante fábrica têxtil.
Devido à luta entre os operários e as forças de Polícia e de Cavalaria da Guarda Municipal, resultam imensos feridos e de reclusos que recolheram ao Aljube, por esta altura, ainda instalado na Rua de São Sebastião, na Sé.
Só no mês seguinte, veio autorização governamental para que o Aljube fosse transferido para instalações do convento de Santa Clara.

 
 
 
Instalações das duas unidades fabris da Fábrica do Jacinto, em 1902