segunda-feira, 26 de junho de 2023

25.197 Firmino Pereira e a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto

 
Desde a sua fundação, em 1882, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) teve várias moradas até se fixar, finalmente, na actual, numa rua que tem o nome de um distinto jornalista – Rodrigues Sampaio.
Os seus estatutos foram redigidos em 1885, por Sampaio Bruno.
 
 
 

Percurso encetado pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, até se instalar na morada que hoje ocupa - Fonte: revista "O Tripeiro, série VIª, 2º Ano, pag. 43




A Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto foi, então, constituída a partir de uma reunião de jornalistas, a convite dos redactores de O Comércio do Porto, realizada na noite de 20 de Setembro de 1882, na Sociedade de Geografia Comercial, na Rua Formosa, no Porto. Nessa reunião, foram aprovadas duas propostas: uma, destinada a nomear uma comissão para “promover uma condigna manifestação de sentimento pela morte do ilustre jornalista António Rodrigues Sampaio e que promova uma subscrição para se instituir um prémio que, na escola de instrução primária de S. Bartolomeu do Mar, seja anualmente conferido ao aluno que mais se distinguir na mesma aula”; outra, a sugerir que, na sequência da comemoração da morte “do ilustre decano da imprensa portugueza, se lancem as bases de uma Associação de Jornalistas, que tenha por um dos seus fins principais a creação de um montepio destinado a socorrer as famílias dos jornalistas que faleçam em circunstâncias precárias”.
Menos de um mês decorrido sobre a referida reunião, mais precisamente no dia 13 de Outubro de 1882, no salão nobre do Teatro Príncipe Real, decorreu a instalação solene da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, tendo-se registado, desde logo, a inscrição de 35 sócios. Durante a cerimónia, foram registados vários apoios, entre os quais se destaca: o do dr. Soares Franco, a oferecer os seus serviços médicos aos membros da Associação; e do jornalista e professor António José da Silva Reis, a oferecer-se para ministrar, gratuitamente, o ensino das línguas francesa e inglesa aos filhos dos associados. “Foi assim que, para honrar a memória de António Rodrigues Sampaio, insigne jornalista portuguez, benemérito da pátria e da liberdade, se instituiu no Porto, no trigésimo dia do seu passamento, a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto”.


 
 
 

Palacete do conde da Trindade, ao centro, c. 1919, na Praça Carlos Alberto, onde esteve (1896 a 1906) a AJHLP, dividindo instalações alugadas com o Centro Comercial do Porto
 
 
 

Para lá dos Grandes Armazéns do Chiado (exibindo as bandeiras), já em plena Praça Santa Teresa, o prédio no qual a AJHLP dividia instalações com o Centro Comercial do Porto


 
Firmino Pereira (Porto ??? – Porto, 17 Março de 1918), um reputado jornalista, exerceria, durante alguns anos, o cargo de primeiro secretário da Direcção da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Firmino Pereira deixou-nos uma obra de leitura obrigatória para quem se interessa pela história da cidade do Porto, tendo sido, ainda, para além de escritor, jornalista, crítico de arte e teatrólogo. Usou o pseudónimo F. P..
Como escritor Firmino Pereira escreveu “O Cerco do Porto”, “A Glória de Portugal”, “A Primeira Nuvem”, mas a sua obra emblemática é aquela em que traça uma panorâmica do Porto da 2ª metade do século XIX – O Porto d’outros tempos”.






A quinzenal folha portuense “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Fevereiro de 1882, dá conta da actividade teatróloga de Firmino Pereira, durante um espectáculo oferecido por amadores aos sócios da Associação dos Bombeiros Voluntários do Porto, que teve lugar no fim do mês de Janeiro, daquele ano, no Teatro Gil Vicente, ao Palácio de Cristal.

 
 


 
 
Cerca de dois anos antes, a mesma revista, “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Setembro de 1880, informava sobre as comemorações do primeiro lustro da existência da Real Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto, entre os dias 25 e 29 de Agosto de 1880.
Para narrar o sarau acontecido no dia 27 de Agosto, no Teatro Gil Vicente, do Palácio de Cristal, socorria-se, para o efeito, do material publicado no jornal “A Actualidade”, no qual era feita referência à peça exibida, da autoria de Firmino Pereira, intitulada “ A Primeira Nuvem”.
A festa começou com a execução do hino dos bombeiros voluntários.
 
“Às 8 horas e meia a orchestra da sociedade dramática de amadores Luz e Caridade, que generosamente se prestou a abrilhantar a festa, executou o hymno dos bombeiros voluntários, composição do sr. Douwens, inteligente director da banda de infantaria 10”.
In jornal “A Actualidade”

 
Sobre aquela peça teatral, dizia a referida revista “O Bombeiro Portuguez”:

 
 
In revista “O Bombeiro Portuguez”, de 1 de Setembro de 1880  (Cit. jornal “A Actualidade”)




A foto abaixo (tirada no Bom Jesus do Monte, em Braga) apresenta Firmino Pereira na qualidade de repórter, durante uma visita do rei Luís I ao norte de Portugal, estando também representados os enviados de diversos jornais de Lisboa e Porto que cobriram o acontecimento.



 
 
A meio, de pé, Firmino Pereira
 
 

A seguir, se dá conta de uma notícia publicada no nº 3 do jornal semanário "O Imparcial", sobre uma reunião, na qual Firmino Pereira desempenhou o cargo de secretário, acontecida na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, no mês de Outubro de 1899, em plena pandemia de peste bubónica vivida na cidade.









O semanário “O Imparcial”, que teve uma existência breve, tinha a sua administração e redacção na Praça D. Pedro, nº 95, em instalações contíguas às do "Restaurante Porto", cujo chão é hoje ocupado pela agência do Banco de Portugal.
Na qualidade de jornalista, Firmino Pereira exerceu a actividade no “Commercio Portuguez”, n’ “A Actualidade” e n’ “A Lucta”.
O “Commercio Portuguez” estaria nas bancas entre 1876 e 1890, “ A Actualidade” entre 1874 e 1891 e “A Lucta”, entre 1874 e 1890.
 
 
 
«Com efeito, a Actualidade, apesar de ter um carácter independente, “serviu mais ou menos a política regeneradora”. O primeiro número saiu a 1 de Fevereiro de 1874, sendo seu director e proprietário Anselmo Evaristo de Moraes Sarmento e tendo como redactores Elvino José de Sousa, Alfredo de Matos Angra, José Caldas, Júlio Caná, Firmino Pereira e “outros jornalistas da velha guarda”. Era considerado “um dos melhores jornais diários que o Porto tem possuído”, tendo cessado a sua publicação em 31 de Julho de 1891, e sido substituído pelo Ideia Nova. Refira-se igualmente que os números deste jornal, por nós consultados e respeitantes aos anos de 1890 e 1891, não manifestam qualquer hostilidade para com Alves da Veiga e os restantes revoltosos do 31 de Janeiro, facto a que não será alheia a pretérita colaboração do izedense neste periódico portuense.
Vide a este respeito, «Jornais da minha terra; subsídios para uma História do jornalismo portuense”, O Tripeiro, 2ª Série, n.º2, Porto, 15 de Janeiro de 1919, p.41».
Cortesia de Guilherme Martins Rodrigues Sampaio (Tese de mestrado da U.L. Departamento de História – 2009)



 
Capa d’ “O Sorvete” (revista humorística), Nº 312, 7º Ano, Porto, 4 de Maio de 1884. Firmino Pereira anuncia a sua saída do jornal “A Lucta”, diz: - A chronica? Morreu! Sahí da “Lucta”



 
No fim do ano de 1897, Firmino Pereira viria a tornar-se um funcionário público.
Assim, em 23 de Outubro de 1897, foi nomeado para exercer interinamente o cargo de secretário da Administração do 1º Bairro do Porto, cargo que, pouco depois, se tornou definitivo.
O Decreto de 21 de Outubro de 1868 modificou a divisão geográfica e administrativa do concelho do Porto, sendo criados o Bairro Oriental (1.º Bairro) e o Bairro Ocidental (2.º Bairro).
O Bairro Oriental ou 1º Bairro compreendia as freguesias do Bonfim, Campanhã, Santo Ildefonso, Paranhos e Sé.
Faziam parte do Bairro Ocidental (2.º Bairro) as freguesias de Cedofeita, Foz do Douro, Lordelo do Ouro, Massarelos, Miragaia, São Nicolau e Vitória. A partir de 1895, as freguesias de Aldoar, Nevogilde e Ramalde, anexadas ao concelho do Porto, passam a integrar o Bairro Ocidental, de acordo com o decreto de 21 de Novembro desse ano.
A Lei n.º 8/81, de 15 de Junho de 1981, extinguiu as administrações dos bairros, passando a Câmara Municipal do Porto a assumir as suas competências. O Município do Porto criou para o efeito a Repartição Administrativa Oriental, no seguimento da Ordem de Serviço da Presidência nº 438/82.

 
 

Firmino Pereira, c. 1898 – Ed. Foto Guedes; Fonte: AHMP

 
 
 Na época natalícia do ano de 1914, no jornal “O Primeiro de Janeiro”, nos dias 24, 25, 27 e 30 de Dezembro, Firmino Pereira publica uns artigos sob o título «O Natal na Igreja, no Teatro e na Rua».
O texto que se segue é de um seu amigo, Emídio de Oliveira, constituindo um elogio fúnebre ao Firmino Pereira, que terá partido, sem o amparo dos seus.



 
 
Jornal “República” de 30 de Março de 1918
 
 
 
Voltando à história da AJHLP, era costume todos os anos a AJHLP levar a cabo um festival num dos teatros da cidade. Foi o caso do acontecido em 1902, a seguir narrado.
 
 
 
In jornal “A Voz Pública” de 28 Fevereiro de 1902, pag. 2
 
 
 
 
Durante os anos que se seguiram foram várias as acções para recolha de fundos que permitissem o levantamento do edifício próprio da AJHLP.





Sarau de ópera a favor da AJHLP, em 8 Fevereiro de 1907
 
 
 
Finalmente, em 1916, o Presidente da República, Bernardino Machado lançava a primeira pedra para o novo edifício da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP).

 
 
 

Lançamento da 1ª pedra da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, em 1916, com a presença do chefe do Estado Bernardino Machado, acompanhado por Afonso Costa, António Loureiro Dias e José Barros Júnior



No dia 13 de Outubro de 1921, a Associação assinalou 39 anos de existência, e foi então que um grupo, auto denominado “Velhada do Jornalismo Tripeiro”, decidiu conjugar esforços para reconstituir quase meio século da vida portuense, no que aos jornais e jornalistas diz respeito. Reconstituição que culminou na publicação, em 1925, da obra “Os Jornalistas do Porto e a sua Associação”, compilada por Luiz Ferreira Gomes, quatro anos após ter sido lançada a ideia de reunir testemunhos de reconhecida idoneidade, como: Alfredo de Matos Angra, Catão Simões, José António de Souza Moreira, António Maria Lopes Teixeira, Marcos da Silva Nunes Guedes, Alberto Bessa, Júlio de Oliveira e Henrique António Guedes de Oliveira. E é com base nestes preciosos testemunhos que é descrito, com grande minúcia, “como eram feitos os jornaes há cincoenta anos” (finais do séc. XIX e início do séc. XX), desde os tempos de predomínio de O Primeiro de Janeiro (1871) e O Comércio do Porto até ao aparecimento do Jornal de Notícias (1879), após uma fracassada experiência como título de uma gazeta que durou pouco mais de um ano. Eram os três jornais diários da cidade do Porto que tinham as suas posições consolidadas.
No ano de publicação daquela obra falecia, no Porto, o jornalista Marcos Guedes, um dos mais entusiastas servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
 
 
“Marcos da Silva Nunes Guedes (Poiares da Régua, 30/4/1858-Porto, 1925). Poeta, director literário d’O Sorvete, jornalista, redator d’ O Primeiro de Janeiro – durante 29 anos; colaborador d’O Século; com Guedes de Oliveira fundou a Tipografia Guedes. Correspondente do Correio da Manhã do Rio de Janeiro – cf. Cor­reio da Manhã. Ano IV, n.º 1.125. Rio de Janeiro: 12 de Julho de 1904, p. 3, col.as 1 e 2). O Sorvete. N.º 108, 14.º Ano. Porto: 22 de Maio, 1892 (centrais) (a suspirar pela sua amada a atriz Geraldine); O Sorvete. N.º 82, 22º Ano, 2.ª Série. Porto: 8 de Janeiro de 1899 (capa) (este conjuntamente com Sanhudo vêm agradecer a todos aqueles que lhes deram os parabéns pela passagem do 21.º aniversário d’O Sorvete)”.
Cortesia de Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão); In “Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra (20/2/1851-17/8/1901)”
 
 
 
“Marcos Guedes foi um verdadeiro Artista e um devoto trabalhador em prol de todas as causas Nobres e humanitárias. Foi um dos mais apaixonados servidores da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e foi também um dos mais típicos e respeitáveis intelectuais portuenses. Prestou valioso concurso a diferentes instituições culturais e era sócio benemérito do Ateneu Comercial do Porto, tendo sido director desta florescente colectividade quando ela ainda se denominava Sociedade Nova Euterpe”.
Fonte: Revista “O Tripeiro” Nº 12, Abril 1958, V Série, Ano XIII


 
 

Marcos Guedes em fotografia resultante de trabalho de estúdio – Foto Guedes
 
 
 
Marcos Guedes versejava como poucos do seu tempo. São dele as quadras que se seguem escritas no álbum de D. Celeste Gonçalves e publicadas no Almanaque de “O Primeiro de Janeiro” para 1917:
 
 
É tanta a sua beleza,
Tão rara e tão singular,
Que foi feita, com certeza,
Dum pedaço de luar.
 
A sua voz é tão doce
Que a virgem mão se pudesse,
Queria que ela fosse
A que seu filho tivesse.
 
A sinfonia divina
Que se forma do seu riso
É a mesma que Deus ensina
Aos anjos no Paraíso.
 
 
Por volta de 1930, a nova sede da associação estava pronta, na Rua Rodrigues Sampaio, topónimo que homenageava um jornalista, à data, já desaparecido.



“António Rodrigues Sampaio (São Bartolomeu do Mar, Esposende, 25 de Julho de 1806 — Sintra, 13 de Setembro de 1882) foi um jornalista e político português que, entre outras funções, foi deputado, par do Reino, ministro e presidente do Conselho (chefe de governo).
Rodrigues Sampaio foi um dos maiores vultos do liberalismo português de oitocentos, jornalista ímpar e parlamentar de excepção. Personalidade controversa, polémica, mesmo revolucionária, mas sempre coerente e fiel aos seus princípios e desígnios, foi um agitador de renome nacional, o que lhe valeria a alcunha de o Sampaio da Revolução, já que se notabilizou como redactor principal do periódico “A Revolução de Setembro”. Era um jornalista de causas, não de notícias, como aliás era o jornalismo do século XIX. Apesar da violência verbal e da forma assertiva que sempre utilizou nos seus ataques políticos, Rodrigues Sampaio nunca promoveu o ataque ad hominem. Mesmo quando os seus correligionários lhe pediram que pusesse em causa a dignidade e honradez de D. Maria II e da Corte, negou-se terminantemente, escrevendo que um antro de corrupção política não faria da Corte um lugar de devassidão moral. Foi esta postura de grande escrúpulo, associado a um incansável labor na defesa dos valores pelos quais pugnava, que lhe concedeu um lugar cimeiro no jornalismo político português.
Era membro importante da Maçonaria.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
 
 
 
Firmino Pereira sobre António Rodrigues Sampaio, contava o seguinte episódio:
 
“Um dia, numa polémica com um jornal de Lisboa, disse umas verdades amargas ao seu adversário, e este, em lugar de se confessar vencido, declarou que bem conhecia a mão que o queria aniquilar. Sampaio, no dia seguinte, respondia triunfantemente:
 – Ora ainda bem que o animal conhece pelas esporadas que leva no lombo quem é o cavalheiro que o monta”!
 


 No dia 12 de Outubro de 2022, nas comemorações dos 140 anos da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, foi descerrado junto da sede da AJHLP um busto de António Rodrigues Sampaio, da autoria de José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918), escultor que ficaria conhecido por Teixeira Lopes (pai) e, ainda, por ser o autor da estátua de D. Pedro V, localizada na Praça da Batalha.


 

Busto de António Rodrigues Sampaio



 
O edifício da AJHLP, com os seus cinco pisos, sito na Rua Rodrigues Sampaio, esquina com a Rua do Bonjardim, seria alvo de várias intervenções ao longo dos anos.
Os dois últimos andares destinam-se à instalação da Biblioteca/Hemeroteca, Sala de Leitura, e do Auditório Multiusos com capacidade para cem lugares. No terceiro piso, fica o bar/ café-concerto. O restante espaço destina-se aos serviços da AJHLP, depósito de espólio, arquivos e ateliers de criação.


 
 

À esquerda, o edifício da AJHLP, em 1948, quando decorriam as demolições para abertura do espaço onde iria surgir a Praça D. João I
 
 
 
 
Em 1974, perante alguns sinais de degradação que o edifício já anunciava, a associação tenta alguns apoios financeiros para a sua conservação e construção de mais dois pisos, sendo o projecto da autoria dos arquitectos António Portugal e Fernando Lanhas. As obras são iniciadas, mas por falta de verbas, são interrompidas e o edifício fica votado à degradação até 2009.
Finalmente, o último projecto é reformulado pelos arquitectos Emílio Teixeira Lopes e Pedro Gomes e, hoje, o edifício está completamente recuperado.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

25.196 “A Coxinha do TIDE”, “Simplesmente Maria” e “Gabriela”


 
As três referências, em título, cada uma acontecida em determinada época, embora originassem factos que obtiveram uma repercussão nacional, não deixaram também de ter um papel de relevo no quotidiano dos portuenses.
Acresce, aliás, que o Porto já tinha, alguns anos antes, ensaiado algo semelhante.
Assim, se recuássemos a 1866, veríamos começar a sair no “Jornal do Porto”, em folhetim, a obra de Júlio Diniz “As Pupilas do Senhor Reitor”.
O autor começara a escrever folhetins para aquele diário em 1862.
Os capítulos, cheios de diálogos entre as diversas personagens, terminavam com suspense e interrogações. "Que mais irá acontecer?", perguntava-se.
A resposta obtinha-se comprando o jornal no dia seguinte.
Um outro escritor que, por esses tempos, viu divulgada nos jornais, em episódios, alguma da sua obra, foi Camilo Castelo Branco.
Assim, a partir de 2 de Julho de 1864, seria publicado, periodicamente, no jornal "O Commercio do Porto", a sua obra "Vinte Horas de Liteira".
“As Pupilas do Senhor Reitor” estariam presentes, nos anos 40 do século passado em folhetins, passados na Emissora Nacional, numa adaptação de Adolfo Simões Müller. 
Em meados dos anos 50, o detergente "Tide" patrocinaria um dos maiores sucessos da rádio.
Aliás, em 25 de Maio de 1955, noticiava-se que o Porto recebia a visita de dois directores da multinacional Procter & Gambler, que tinha escolhido a cidade para lançamento do “Tide”, um produto que viria a ter muito sucesso.
O Teatro Radiofónico já existia, então, na então Emissora Nacional, mas é a transmissão do folhetim, ou radionovela, "A Força do Destino" gravada e transmitida na Rádio Graça, com as respectivas cópias depois executadas e passadas para a Rádio Clube Português, Emissores do Norte Reunidos e Emissores Associados de Lisboa, que consegue um impacto que marca, decisivamente, a história da rádio em Portugal.
Como diz Matos Maia no seu livro "Telefonia":
«emocionou o país, fez chorar centenas de pessoas, criou revolta e raiva noutras tantas.» e diremos nós - a cidade do Porto não fugiu à regra.
Popularmente o folhetim era conhecido como o "Folhetim da Coxinha" ou “A Coxinha do Tide”.
A história era a adaptação de Eduardo Damas e Manuel Paião de um folhetim de origem sul-americana.
É graças ao folhetim que o Tide se consolida em Portugal.





Publicidade em 1955
 
 
 
“A primeira radionovela portuguesa de grande êxito popular teve um título melodramático apropriado, roubado ao título da ópera de Verdi: A Força do Destino (1955).
Passou na Rádio Graça e os 300 episódios deram para um ano. O argumento centrava-se na personagem do médico Figueirola (Ricardo Isidro), casado com uma mulher má (Lurdes Santos), e apaixonado por Margarida (Lily Santos), que era coxa (como a protagonista de L'Assomoir).
Ficou conhecida por "A Coxinha do Tide", pseudónimo popular que condensava as duas características essenciais do género: o melodrama e o patrocínio dum detergente.
Em 1973-4, muitas mulheres de Portugal renderam-se à novela radiofónica «Simplesmente Maria» (passava na Rádio Renascença), vinda do além-mar latino-americano e adaptada ao rincão português. Recordo-me bem de ver, ao princípio da tarde, mulheres populares sós ou em magotes agarradas aos transístores rua fora, fábricas adentro. Era o 25 de Abril a chamar por elas aos gritos e elas absorvidas apenas pela estória de Maria”. 
Cortesia de Eduardo Cintra Torres, In Jornal Público, 2009/06/13
 
 
 
“Ricardo Isidro e Lily Santos Frias foram os célebres protagonistas dos folhetins Tide, da Rádio Graça, que, depois, vieram a ser conhecidos pelos folhetins da Coxinha. Ele encarnava a personagem de um médico, ela a de uma deficiente (coxeava). Propôs-se operá-la e torná-la uma pessoa normal. Mas apaixonou-se por ela. Após a morte da esposa do médico, este ficou livre e casou com a antiga coxinha. O enredo lento da história, no tocante à agonia de Raquel, a má da radionovela, exasperou as ouvintes do programa das 14:30.
O rápido casamento e o nascimento de uma criança fizeram chegar à estação roupas para bebé, numa confusão entre ficção e realidade. O detergente patrocinador dos folhetins cessou a sua ligação à rádio em 1961, mas ficou marcada na cultura popular radiofónica essa relação, nomeadamente com a Rádio Graça”.
Fonte: Rogério Santos, In “industrias-culturais.blogspot.pt”

 
 
Lily Santos, a protagonista-principal da história, que fez o papel da coxinha Margarida, era filha do proprietário da Rádio Graça, que viria a dar emprego a diversos membros da família.
Outra radionovela de grande audiência chamou-se “Simplesmente Maria” e durante a sua exibição de 500 episódios, aconteceria a revolução de 25 de Abril.
 
 
Simplesmente Maria era um folhetim que passou na Rádio Renascença, ao longo de 500 episódios (ena tantos...), entre Março de 1973 e Novembro de 1974, transpondo, por isso, o tempo da Revolução do 25 de Abril de 1974. 
Cada episódio ia para o ar depois do almoço, entre as 13:30 e 14:30 horas, mais coisa menos coisa.
A história deste folhetim radiofónico, uma espécie de telenovela sonora, girava à volta de amores e desamores da figura central, uma jovem criada chamada Maria.
Era uma história de "faca e alguidar", muito característica das novelas mexicanas.
Certo é que folhetim prendeu literalmente a atenção de milhares e milhares de portugueses (mulheres em particular) durante quase dois anos. Após o almoço, as mulheres da altura, quase todas domésticas, ficavam de ouvido colado ao aparelho de rádio e lenço na mão para enxugar as lágrimas. Era uma hora "solene" tudo parava para não se perder pitada dos diálogos e discussões da Maria com o Alberto, o Tony, filha da Maria, do Estevão e todos os outros. Só visto...ou melhor...só ouvido. Depois, eram as conversas à volta do assunto, as opiniões e os palpites quanto ao rumo da história. Situação parecida, só se verificaria uns poucos anos mais tarde (1977) com a telenovela brasileira "Gabriela", a primeira a passar na RTP.
A popularidade era tal que, a par da versão radiofónica, era publicada semanalmente a versão em revista, a chamada fotonovela, com edição a cores, que se tornou assim muito popular, rivalizando com as famosas fotonovelas da Corin Tellado que nessa época eram devoradas pelas mulheres portuguesas”.
Fonte: “comolhosdeler.blogspot.pt”
 
 
Sinopse da radionovela “Simplesmente Maria”:
 
Contava-se a história de uma rapariga humilde, analfabeta, de 20 anos, de seu nome Maria Ramos, com oito irmãos, que deixava a aldeia natal para trabalhar como empregada (criada de servir) em Lisboa. Na capital vive um romance com um jovem de boas famílias, condenado pelos costumes da época. São inúmeras as peripécias que preenchiam o enredo, que dia após dia prendia a atenção de quem escutava rádio.
 
 
 
 

A revista (fotonovela) semanal “Simplesmente Maria”
 
 
 
“A radionovela teve um enorme sucesso em parte da sociedade portuguesa, na época em transformação devido aos progressos tecnológicos que facilitavam a escuta, sendo habitual ver-se algumas pessoas levarem ao ouvido os seus pequenos rádios transistorizados para a ouvir. Porém, o grande trunfo da novela radiofónica era o segredo que envolvia os atores que a interpretavam, impedidos de revelar que participavam na novela e proibidos de dizer o nome da atriz principal. Assim, só muitos anos mais tarde o elenco foi revelado, pelo que praticamente não há imagens dos participantes, sendo que a atriz principal, que fazia o papel de Maria, até já tinha falecido”.
Fonte: “mundoportugues.pt/”

 
 
 

Cartoon publicado na revista Flama, 1 de Junho de 1973
 
 
 
Quanto ao elenco, só muito mais tarde se conheceram os protagonistas reais.
 
 
“Maria (interpretada por Francisca Maria, já falecida) acabaria por conhecer um jovem de boas famílias a acabar medicina, Alberto (João Lourenço, actual responsável pelo Teatro Aberto), de quem engravidou e teve um filho, Tony (interpretado por Carlos Queiroz, a trabalhar actualmente no Reino Unido). A família de Alberto, que condenou o romance entre ele e Maria, mandou-o para África. Outras personagens principais seriam a patroa de Maria (Adelaide João no papel), Teresa, a criada da casa ao lado (com Mimi Gaspar no papel), Carlos, o amigo de Alberto (desempenhado por Rui Mendes), que namorava Teresa. Se Teresa critica a jovem criada de trabalhar muito e lhe dava dicas para se relacionar com a patroa, Carlos gracejava sobre os avanços da conquista de Alberto. 
(…) A radionovela passou a telenovela no Brasil, através da TV Tupi, ao cinema em Espanha e a história de Maria também chegou à Rússia. Em Portugal, a presença de uma criança na história levou a que a produtora (e a Renascença) recebessem presentes, como brinquedos, cartas e dinheiro. A Maria, por seu lado, eram enviadas máquinas de costura, para ajudar na sua nova carreira. 
Cortesia de Rogério Santos - Fonte: “radio.hypotheses.org/” (17/03/2019)
 
 
 

Francisca Maria
 
 
 
Por fim, surgia em Portugal a primeira telenovela: “Gabriela”, versão de 1975, da Rede Globo de Televisão.
Telenovela baseada no romance de Jorge Amado, “Gabriela, Cravo e Canela”, de 1958, cuja narrativa se centra no período áureo da exploração do cacau na região de Ilhéus, no Brasil.
 
 
“Vinda do agreste, Gabriela chega a Ilhéus em 1925, em busca de trabalho. É levada do “mercado dos escravos”, lugar onde acampam os retirantes, pelo árabe Nacib. O dono do bar Vesúvio não atenta de imediato para a beleza da moça, escondida sob os trapos e a poeira do caminho. Não tarda, porém, a descobrir que ela tem a cor da canela e o cheiro do cravo. Em breve, todos os homens da cidade vão se render aos encantos de Gabriela.
Ela assume a cozinha do bar, e o Vesúvio ferve por conta do tempero e da presença inebriante de Gabriela. Apaixonado, o ciumento Nacib decide que o melhor é se casar. Gabriela passa a ter obrigações que não combinam com seu espírito livre e rústico. No entanto, não se deixa subjugar. Nacib a flagra na cama com Tonico Bastos e manda anular o casamento. Mas Gabriela ainda voltará a ser sua cozinheira e a freqüentar sua cama”.
 
 
 
A televisão ainda era a preto e branco, mas a história de Gabriela conquistou os portugueses. Protagonizada por Sónia Braga, "Gabriela, Cravo e Canela" foi a primeira telenovela brasileira a ser emitida em Portugal e estreou a 16 de Maio de 1977.
Seria Carlos Cruz, como Director de Programas da RTP, o responsável pela introdução das telenovelas brasileiras em Portugal ao comprar “Gabriela, Cravo e Canela” à TV Globo.
 
 
 
 
 

Gabriela (Sónia Braga) no bar do senhor Nacib (Armando Bógus, falecido em 1993) – Fonte: Foto editada do acerbo da Globo
 
 
 
“O impacto da novela em Portugal foi semelhante ao do Brasil: Por diversas vezes, a Assembleia Nacional adiou ou suspendeu sessões para que os deputados pudessem assistir a “Gabriela, Cravo e Canela”. Em 1977, o romance de  Jorge Amado foi também a obra mais vendida na Feira do Livro de Lisboa, recorda a RTP1.
A primeira novela da Globo a chegar à TV portuguesa esteve no ar seis meses e chegou a um pico de quatro milhões de espectadores, apesar da escassez de televisores - havia uma média de 150 por cada mil habitates, o que ajudou vários estabelecimentos e associações populares.
Frases como "moço bonito", "sapato não, seu Nacib", "já lhe dei meu cartão?" ou "cuidar das viúvas e das órfãs" entraram de rompante nas conversas dos portugueses. Em algumas regiões, os mais poderosos começaram ainda a ser conhecidos por "os coronéis", tal como na novela”.
Fonte: “mag.sapo.pt/”
 

 

Gabriela e o siô Nacib foram ao  notário
 
 
 
"Na época da primeira versão eu era menino e lembro que todo mundo comentava a cena do telhado [quando Gabriela sobe a um telhado de vestido]. Se por um lado há o exagero no apelo, com pernas e rabos, por outro aspeto, temos um menino como eu, que ao ouvir os comentários, interessou-se em ler o livro".
Cortesia de Gildeci Leite (professor da Universidade Estadual da Baía, especialista em Jorge Amado)

domingo, 18 de junho de 2023

25.195 Visita da rainha D. Maria II, ao Porto, em 1852

 
Em 1852, D. Maria II encetaria uma visita ao Norte do País, começada em 15 de Abril, em Lisboa.
Assim, a comitiva que acompanhava o séquito real começou essa viagem em 15 de Abril de 1852, em direcção a Vila Franca, a bordo do vapor “Terceira” (esteve ao serviço da Real Marinha desde 1836 a 1856), tendo seguido depois, em carruagem, para a Ota, onde pernoitou.
No dia 16, chegou às Caldas da Rainha; a 18, estava em Alcobaça; a 20, em Leiria; a 21, em Pombal; a 22, em Condeixa; a 23, em Coimbra, seguindo-se Buçaco, Águeda e Albergaria e, por fim, o Porto, com entrada a 29 de Abril, um Sábado, tendo por cá ficado até ao dia 5 de Maio, quando a comitiva real rumou ao Minho.
Antes da chegada à cidade invicta, aquela comitiva pernoitou nos Carvalhos, onde as autoridades portuenses e da região se deslocaram para integrarem a caravana nas últimas léguas da jornada, com a chegada à margem esquerda do rio Douro a fazer-se pela Rua Direita (actual Rua Cândido dos Reis).
Dos preparativos realizados no Porto, da chegada real e da sua passagem pelo Minho, nos haveria de deixar rico testemunho o escritor Júlio Dinis, na sua obra "Serões da Província", no conto "Justiça de sua Majestade".
À data da visita real, Júlio Dinis tinha 13 anos e aquela obra é publicada cerca de dez anos depois, em fascículos, no "Jornal do Porto". No entanto, comparando com os factos narrados pelos periódicos de então, o escritor revela-se muito factual.


(…) no centro da Praça de D. Pedro terminava-se um obelisco, diversamente comentado pelos cadeirinhas do passeio do poente, pelos políticos do sul, pelos vigias e empregados municipais do norte, e do lado do nascente pelos grupos de elegantes, e literatos, que então estacionavam nas imediações do Guichard, aquele café que há de merecer uma menção honrosa na história da literatura portuense, se alguém se lembrar de a escrever um dia.
Júlio Dinis, In Serões da Província; Conto: A Justiça de Sua Majestade



Obelisco provisório instalado na Praça D. Pedro



Ao Porto, depois dessa deambulação pelo norte do País, haveria D. Maria II de voltar, aquando do retorno a Lisboa.
A rainha fazia-se acompanhar do rei consorte, D. Fernando II e dos príncipes que seriam, mais tarde, os reis D. Pedro e D. Luís.
O Presidente da Câmara do Porto era, à data, José António de Sousa Basto.
Chegada a comitiva real à margem esquerda do rio Douro, segundo Júlio Dinis, o atravessamento do rio é feito num escaler, desconhecendo-se a razão de não ter sido usada a ponte pênsil.
Na Ribeira, a rainha receberia, num palanque montado para o efeito, as boas-vindas.
A recepção à rainha continuou de acordo com a programação traçada, e depois do beija-mão inicial no Paço dos Carrancas, destacam-se, em resumo,  as visitas feitas ao Palácio de Entre-Quintas, onde tinha falecido há três anos atrás o Rei Carlos Alberto, ao Castelo da Foz, à Escola Médico-Cirúrgica, à Academia Politécnica, ao Museu, à Feitoria Inglesa, a vários estabelecimentos comerciais e fabris e, marcando ainda presença, no habitual baile de gala na Assembleia Portuense.
A Academia Politécnica viria, também, a receber a rainha D. Maria II, durante a qual, não perdeu a oportunidade, o professor de Matemática Joaquim Torcato Álvares Ribeiro, de lhe recordar a falta que faziam os laboratórios práticos e os prejuízos causados pela paragem das obras no edifico, decorrente da apropriação pelo Tesouro Nacional da dotação feita por D. João VI.
Na preparação da visita real à Academia tinha sido pela 1ª vez decidido pelo Conselho Académico, os lentes apresentarem-se de “casacas, coletes e calças pretas, sapatos e meias de seda preta e lenço branco ao pescoço”.
Na sequência da visita real foi ainda projectado um obelisco a erigir na Praça de Dom Pedro da autoria de Luís Augusto de Parada e Silva Leitão.
Detalhando, no dia seguinte, após a chegada, os monarcas convidaram muitas personalidades para jantar, entre as quais o visconde de Terena, conde Ferreira, visconde de Oliveira, visconde de Gouveia, visconde de Podentes, barão de Ancede, Pessanha, presidente da Relação, Passos José, Matos, Martins da Costa, Norton e Silva Amaral, João Elias da Costa, Manuel Castro Pereira, e general Ferreira.
Os monarcas visitariam, durante a sua estadia, o Hospital Real de Santo António, da Misericórdia do Porto, a Roda dos Expostos, na Cordoaria e o Museu. Estiveram ainda presentes nos bailes da Assembleia e da Feitoria.
Visitaram, igualmente, fábricas e, entre essas, a Fábrica de Tecidos de Manuel Joaquim, ao Carregal, a Fábrica do Bicalho, onde foram recebidos pelos directores Hargreaves e Mesnier e a Fábrica de Jacinto da Silva Pereira.
Manuel Joaquim Machado, proprietário da fábrica de tecidos, ao Carregal, era, à data, talvez, o industrial têxtil mais considerado da época, dando trabalho a 437 operários, sendo ainda um dos mais activos no associativismo industrial, fundador tanto da Associação Industrial do Porto como da Associação Industrial Portuense e tendo já estado presente na primeira tentativa associativa que, desde 1838, procurava a legalização da associação do sector.
A comitiva real visitaria, ainda, a Fábrica de Oleados de Domingos José da Fonseca Pascoal, na Rua das Fontainhas, a de Sedas do sr. Barbosa, a do sr. Raimundo, estabelecida ao cimo da Calçada do Luciano, hoje, a Rua da Escola Normal e a do sr. Silva, na Boavista.
No dia 1 de Maio, os monarcas visitaram a quinta da baronesa de Vilar e o jardim da marquesa de Terena e, ainda, deram beija-mão, no Paço.
No dia 3 de Maio, a visita foi ao palácio do barão do Bolhão, a que se seguiria, no fim da jornada, o baile na Feitoria.
A notícia destas visitas teria sido publicada em vários jornais.
A seguir se dá conta de uma delas na qual o periódico da capital “A Revolução de Setembro”, de 10 de Maio, transcreve uma outra, saída no portuense jornal “O Braz Tizana”, em 4 de Maio.
Refere-se à visita real ao palácio do barão do Bolhão.
 
 
 
 
In “A Revolução de Setembro”
 
 
 
A 5 de Maio, os reis, finalmente, lá seguiram para o Minho.
O jornal “ A Revolução de Setembro” transcreveria, alguns dias depois, o que tinha sido escrito no jornal “O Nacional” sobre a partida da comitiva real para o Minho.

 
 
“A Revolução de Setembro” de 11 de Maio de 1852

 
 
Por sua vez, o brasileiro “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro, de 11 de Junho de 1852, referia que na viagem para o Minho, a comitiva tinha almoçado, a convite do município da Maia, no Castedo, a sua sede de concelho desde a reorganização administrativa de 1836. A importância do sítio advinha de se encontrar à face da estrada Porto – Braga.
O Castedo é, hoje, Castêlo da Maia, sim, castêlo e não castelo, pois uma tal fortaleza existiu, de facto, para as bandas de Águas Santas. Por aqui, poderá ter existido, quando muito, uma torre de vigia.
Naquele almoço, teria sido servido um prato de lampreia.
 
 
“As dez horas chegaram ao Castedo no meio de povo imenso. A câmara recebeu SS. MM. e AA. debaixo do pálio, e conduziu a rainha, el-rei e os príncipes à sala do almoço. A rainha gostou muito da lampreia que lhe apresentaram, e a câmara anunciou com ênfase que por três vezes reformou a mesa das pessoas que acompanhavam SS. MM. o que denuncia fome canina servindo[?] a profusão dos nossos banquetes provincianos.”



Acontece que aquele dia, 5 de Maio de 1852, fora escolhido para inaugurar as carreiras de diligências entre o Porto e Vila Nova de Famalicão pela Companhia de Viação Portuense que, no entanto, não tinha ainda construído a ponte pênsil da Trofa. Por esta razão, a comitiva real teve que fazer o atravessamento do rio Ave, na famosa Barca da Trofa, antes da chegada a Vila Nova de Famalicão e ao fim da jornada.
Vila Nova de Famalicão tinha sido elevada a vila, por D. Maria II, em 1841.
Segundo Júlio Dinis, os soberanos ficam alojados em casa de familiares do Exmo. Sr. António Emílio Brandão.
De seu nome completo, António Emílio Correia de Sá Brandão (1821-1909) era filho de José Maria Brandão de Melo Cogominho Correia Pereira de Lacerda e Maria Emília Jácome Correia de Sá, 2.ª condessa de Terena, 2.ª viscondessa de São Gil de Perre e casado com Carlota Inês O'Neill.


 
Nesta casa, na Rua Direita, em Vila Nova de Famalicão, ficaram alojados D. Maria II, o rei consorte e os príncipes, em 5 de Maio de 1852 – Fonte: Google maps


Passados dois dias sobre a partida da cidade do Porto e tendo a urbe voltado já ao seu quotidiano habitual, os telégrafos informam que, na noite anterior, pelas onze horas, tinha deflagrado um incêndio na residência onde se alojavam os monarcas, em Barcelos, tendo a rainha escapado em trajes menores e o rei em ceroulas e descalço.
A Casa da Nogueira, assim se chamava a residência referida, ardeu por completo tendo, porém, sido possível salvar o recheio.
Ana Joaquina da Silveira era, à data, senhora da Casa da Nogueira (nela faleceu em 1858) e viúva (desde 1828) do negociante e procurador camarário, José Simões Gomes, o fundador da casa em 1816.
A comitiva real iria então ser alojada numa outra residência daquele que, um ano depois, mercê da sua hospitalidade, haveria de ser o barão da Retorta.

 
 
 

Casa da Nogueira, em Barcelos

 
 


Casa do barão da Retorta, no Largo José Novais (antigo Largo da Cadeia), em Barcelos
 
 
 
 
Prosseguindo o seu périplo, em 8 de Maio, a comitiva já estava por Viana que, por decisão da soberana, se tinha passado a designar por Viana do Castelo, desde 1848.
Seguir-se-iam na visita, Braga e Guimarães. A vila do Gerês seria retirada do itinerário, devido à má qualidade das estradas, e na caminhada de regresso a comitiva real ainda pernoitou em Barcelos, em casa de José Vilas Boas, um deputado barcelense e um conhecido miguelista tendo, para o efeito, desempenhado um papel de intermediação decisivo o Duque de Saldanha. Diz-se que os monarcas ficaram admirados pela opolência exibida pelo anfitrião.
No ano seguinte, desde o exílio, D. Miguel atribuía a José Vilas Boas o título de conde de Alvelos.
O retorno a Lisboa, pela cidade do Porto, deu-se entre 18 e 22 de Maio de 1852.
A entrada na cidade do Porto foi antecedida por uma visita real ao Concelho de Valongo.

 
 
“O Diário do Governo, do dia 24 de maio de 1852, na primeira página, publica uma carta do Governador Civil do Porto, Visconde de Podentes, dirigida ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, relativamente à visita que a Comitiva Real (Rainha D. Maria II, seu marido com o título de Rei, D. Fernando II, e os príncipes, que, mais tarde, viriam a ser reis de Portugal, D. Pedro e D. Luís) fez ao Norte do Reino, e onde se faz referência ao almoço que foi oferecido a Suas Majestades, nesta cidade, no lugar da Travagem, por parte da Câmara de Valongo em forma de gratidão pela criação do novo concelho de Valongo.”
“avozdeermesinde.com”
 
 
A seguir se dá conta de teor da carta do Governador Civil do Porto a propósito da passagem real por Valongo.
 
 
«Governo Civil do Districto do Porto / Ill.mo e Ex.mo Sr.
Tenho a honra de participar a V. Ex.ª, que tendo Suas Magestades e Altezas saído hoje de Santo Thyrso ás oito horas da manhã, e tendo-se dignado acceitar um bem servido almoço que tinha feito preparar, e lhes ofereceu na ponte da Travage a Camara de Vallango, a sua entrada se verificou nesta cidade pelas duas horas da tarde, dirigindo-se Suas Magestades á Real capella de Nossa Senhora da Lapa, aonde assistiram a um solemne e pomposo Te-Deum, preparado e dirigido pela irmandade da mesma capella, no qual celebrou S. Ex.ª o Bispo da diocese. (...) / Deos guarde a V. Ex.ª / Porto 18 de Maio de 1852, ás quatro horas da tarde. = Ill.mo e Ex.mo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, Ministro e Secretario de Estado dos negocios do Reino. = Governador civil, Visconde de Podentes».
 
 
Aproveitando a presença da Rainha, e quando o protocolo já se mostrava completamente livre de compromissos, um grupo de senhoras da alta sociedade resolveu dar uma festa, na Quinta das Águas Férreas, programando-a para a ante-véspera do dia de retorno dos monarcas e respectiva comitiva a Lisboa.
 
 
 

Palacete da Quinta das Águas Férreas
 
 
Sobre esta festa, fala-nos também um texto inserido n’ O Tripeiro, Série 5, Ano 9, nº 12, com o título de  As consequências de um dia de chuva”.
 

“Em 1852, em honra da visita ao Porto da Rainha D. Maria II e de el-rei D. Fernando, a alta sociedade da cidade decide organizar uma festa elegante e original ao ar livre, sendo escolhido para tal efeito a Quinta das Águas Férreas, considerada na altura uma das mais belas do Porto. De modo a preparar tudo para a festa, terraplanou-se os terrenos e cobriu-se de saibro vermelho um campo para nele se improvisar uma esplanada. Foram contratados carpinteiros para construir barracas para os fornos e para as cozinhas ao longo dos muros de Cedofeita. Levan­taram-se vários tablados e construiu-se um imenso pavilhão quadrado, coberto com um toldo, para dançar e proteger do sol, sendo as mesas para o almoço colocadas debaixo das laranjeiras. Infelizmente a festa não terminou nas melhores condições, devido à intensa chuva que nes­se dia se fez sentir”. 
 
 
A comissão organizadora da festa era constituída pela Marquesa de Terena, Condessa de Terena, Viscondessa de Alpendurada, Viscondessa de Balsemão, Viscondessa de Castro Silva, Baronesa de Ancêde, Baronesa do Bolhão, Maria Ermelinda Woodhouse e muitas outras senhoras da alta sociedade, tendo como adjuntos António Bernardo de Brito e Cunha, Francisco de Oliveira Chamiço, Ricardo de Clamouse Brown, José Pedro Barros Lima e mais uns quantos.
Quem não esteve pelos ajustes, foi o S. Pedro. Foi água até dizer basta. E, lá se perderia uma oportunidade, para as meninas casadoiras serem apresentadas na corte. 
O Palácio das Águas Férreas, após várias utilizações ao longo dos anos está, hoje, na posse da Direcção Geral dos Serviços Prisionais.
 
 
 
Palácio das Águas Férreas, na Rua do Melo, nº 5 - Fonte: Google maps