segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

25.107 O Crime da Rua das Flores

 
Urbino de Freitas era irmão do capitalista João António de Freitas Fortuna e amigo (e médico) de Camilo Castelo Branco e, apesar dos esforços denodados do escritor para o ajudar a provar a sua inocência, em tribunal, foi condenado, em 1893, a uma pena de prisão de oito anos (que cumpriria em Lisboa), seguida de 20 anos de degredo em Angola.
Indultado em 1898, de parte da pena, em 1904, recebe um indulto total, com a obrigação de se exilar em solo estrangeiro.
Urbino de Freitas exilou-se, então, no Brasil, a partir de onde tentou reabrir o seu processo e provar a sua inocência.
Não conseguiu fazê-lo; nem mesmo quando, em 1913, decidiu regressar ao Porto com o mesmo objectivo. Deu então uma longa entrevista ao Jornal da Tarde, mas acabaria por morrer menos de um mês depois, a 23 de Outubro.
 
 
João Freitas Fortuna vivia na Rua das Flores (no edifício onde, anos mais tarde, se instalaria a Papelaria Reis), onde tinha um estabelecimento de papelaria e livraria que fora do seu pai, o comerciante João Freitas Fortuna Júnior.
A loja de Freitas Fortuna, que também era muito dado ao tratamento das coisas do espírito, era visitada com frequência pelo seu amigo íntimo, Camilo Castelo Branco que retribuía com a abertura das portas de sua casa de S. Miguel de Seide.
Freitas Fortuna teve um irmão, Vicente Urbino de Freitas, nascido em 1849, que se formaria em Medicina e que ficou célebre no Porto.


 
Rua das Flores, em perspectiva obtida, c. 1860, a partir do Largo da Porta de Carros (Praça Almeida Garrett) – Calótipo de Frederick Flower
 
 
 
 
Assim, entre 30 de Março e 2 de Abril de 1890, aconteceram vários casos de envenenamento entre alguns membros de família Basto Sampaio, moradores na Rua das Flores, 72 a 76.
O patriarca da família e comerciante possuía uma das maiores fortunas da cidade.

 
 
O prédio da família Sampaio, na Rua das Flores, com o lampião público à sua porta



No prédio ao centro, de rés-do-chão e três andares, na Rua das Flores, 72-76, vivia a família Basto Sampaio – Fonte: Google maps
 
 
 
A família, em causa, era constituída por um comerciante de linhos, sua esposa, sua irmã, seus netos, duas criadas e os caixeiros da loja.
O referido casal teve três filhos.
O primeiro, Guilherme Sampaio, morreu pouco depois de casado, deixou dois filhos (Mário e Augusta), que ficaram ao cuidado dos avós.
O segundo, tendo casado, enviuvou e, pouco tempo depois, também se finou, deixando como descendência uma filha, Berta, que ficaria ao cuidado dos avós.
José António Sampaio Júnior, assim se chamava o falecido, morreu no Hotel Paris, durante uma visita ao Porto, para tratar de um novo casamento que tinha combinado com uma cidadã inglesa, caixeira num bazar do Chiado, em Lisboa. Na morte, com sintomas de envenenamento, tinha sido assistido pelo cunhado, Dr. Vicente Urbino.
O terceiro, uma filha, Maria das Dores, com 18 anos, casou em 1877, com o Dr. Vicente Urbino de Freitas, precisamente, no ano da formatura deste. O Dr. Vicente Urbino viria a ser catedrático da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, tendo ficado conhecido, no âmbito da profissão, como um entendido no tratamento da lepra, morando, à data dos trágicos acontecimentos, na Rua da Sovela, nº 160 (actual Rua dos Mártires da Liberdade).
 
 
 
À esquerda, em primeiro plano, morava Vicente Urbino de Freitas
 
 
No dia 29 de Março de 1890, véspera de Domingo de Ramos, chega à morada da Rua das Flores, uma encomenda postal endereçada a uma das meninas, expedida de Lisboa, que continha umas amêndoas e um bolo de coco e chocolate.
Por desconhecimento do remetente (Dom Lúcio Artins), a avó das crianças achou prudente não comerem os doces, mas como no Domingo seguinte as crianças e a cozinheira insistissem em provar as iguarias, a anciã acabou por concordar.
Comeram as amêndoas e não tocaram nos bolos.
Na 2ª Feira, como nada de especial tinha acontecido no dia anterior, a autorização estendeu-se aos bolos, que as três crianças deglutiram, bem como a avó e a cozinheira que foram instadas a fazer também uma prova.
Não tardou que todos se sentissem indispostos.
Havia que chamar um médico e lá, apareceria, o Dr. Urbino, que receitou às mulheres um vomitório e às crianças, que até já se sentiam um pouco melhor, uns clisteres. O estado dos adultos melhorou, o das meninas, também, mas o menino Mário continuava a sofrer.
São chamados outros médicos e o comissário geral da Polícia, Adriano Acácio de Morais Carvalho.
Apresenta-se o médico Adelino Leão da Costa.
Vicente Urbino informa-o de que os sobrinhos foram envenenados «por uma ingestão de doces, vindos de Lisboa». Não alude aos clisteres.
Depois aparece o médico José Godinho de Faria. Presta-lhe também esclarecimentos, mas é igualmente omisso na aplicação dos clisteres.
Quando, algumas horas depois, entra no quarto do menino Mário o médico Joaquim José Ferreira (o janota, o psiquiatra), exclama: o menino está morto.
Quando o afamado médico Joaquim Ferreira da Silva também chega à casa da família Sampaio, limita-se a verificar o óbito do menino Mário.
 
 
 
Mário e a irmã Augusta
 
 
O menino morre, em completa agonia, e as outras crianças acabam por sobreviver, pois tinham expelido o clister, mal o Dr. Urbino virou costas.
O médico Joaquim José Ferreira (o Janota) que assiste à morte do menino, suspeitando de um crime, pede a comparência urgente do comissário-geral da polícia, Adriano Acácio de Morais Carvalho.
À baila vem, então, o envenenamento do cunhado do Dr. Urbino, José António Sampaio Júnior, filho do comerciante de linhos, ocorrido num hotel da cidade, algum tempo atrás. Também por envenenamento. Neste caso, o Ministério Público, cujo delegado era Miguel Pestana da Silva, não conseguiu obter a prova do alegado crime.
Começam as investigações e as contradições nos depoimentos de Vicente Urbino.
Interrogado pela polícia, o médico conta que esteve em Lisboa, entre 5 e 8 de Março, tendo ficado em casa do professor de Letras Adolfo Coelho, a fim de seguir de perto a tradução de um trabalho seu. Revela também que, a 27 de Março, partira para Lisboa no “rápido”, com o mesmo propósito, mas perdera o comboio na estação de Coimbra, “por força de um acidente intestinal”, e regressara ao Porto na madrugada de 28.
A polícia descobre que tinha estado em Lisboa, mas hospedado no Hotel Central, surgem testemunhos de confeiteiros que identificam Vicente Urbino e certificam da compra, por ele, de amêndoas de Páscoa.
Sobre a mentira exposta pelas investigações da hospedagem em casa do colega Afonso Coelho, Vicente Urbino refaz o discurso dizendo ter estado em Lisboa, mas não em casa de Adolfo Coelho, e só faltou à verdade, no dever sagrado de salvaguardar o nome e a honra duma senhora casada que ali foi visitar.
Essa senhora viera ao Porto, acompanhado pelo marido, já velho, de propósito para o consultar na qualidade de médico. As relações criadas no seu consultório do Porto, com a cliente, converteram-se a breve trecho em relações amorosas, disse Vicente Urbino.
Ao comissário da polícia, à parte, ainda diz que a senhora mistério se chamava Berta e que dava o nome de Franco, ao marido.
Ninguém acredita nisto e recebe voz de prisão.
Cerca de duas semanas, após a tragédia acontecida, entra nos calabouços da Relação do Porto.
Entretanto, tinha sido colocada a hipótese, por Ana Plácido, de Urbino se recolher a S. Miguel de Seide, à casa de Camilo para, daí, dar o salto para Espanha, e de lá poder organizar com os seus advogados, a sua defesa, o que não veio a acontecer.
Tinha passado, então, praticamente dois anos, sobre a presença de Vicente Urbino, juntamente com o seu irmão Freitas Fortuna e outras personagens, no casamento de Camilo e Ana Plácido, acontecido no 2º andar de um prédio da Rua de Santa Catarina, no dia 9 de Março.
Em pleno período de averiguações dos crimes, em Abril de 1893, surge uma carta anónima dando conta da permanência, em Arcos de Valdevez, da pessoa que tinha expedido de Lisboa a caixa com as amêndoas envenenadas.
Descobre-se, entretanto, a identidade do denunciante, que é Bento Agostinho da Costa Guimarães, um ourives na Rua das Flores.
Explica que soube de tudo, por intermédio de Manuel Tinoco, um seu conhecido, irmão de um emigrante no Brasil.
O delegado do Ministério Público e o chefe da polícia Cardoso Lopes vão aos Arcos e ouvem a testemunha, em causa, que se encontrava enferma, na cama.
Afirma, essa personagem, que num comboio que fazia a viagem entre o Porto e Lisboa, em 27 de Março de 1890, para onde se deslocava para embarcar para o Brasil, lhe foi feito por um companheiro de viagem, de ocasião, que se identificou como sendo Eduardo Mota, o pedido para expedir de Lisboa para o Porto, uma caixa de chocolates, dirigida à noiva de um amigo, tarefa que prometera cumprir. Caso aceitasse, poupava-lhe a maçada da viagem. Para o efeito, foi-lhe entregue o pacote da encomenda e 300 réis para despesas postais.
Pretendia, o tal amigo, explicou, dar a entender à namorada, que estaria na capital, por aquelas datas. Coisa de namoricos.
O tal companheiro de viagem, que identificava ao fim de mais de três anos ser o Vicente Urbino, ausentou-se, dizendo que se juntaria a um amigo noutra carruagem e que sairia em Coimbra, onde aproveitaria para tratar de alguns assuntos.
A testemunha chegada do outro lado do Atlântico dava pelo nome de Brito e Cunha, e chegava do Brasil para que fosse feita justiça, dizia.
Foi a machadada fatal na defesa de Vicente Urbino, que teve a liderança de Alexandre Braga (pai), um “expert” nestes assuntos de tribunais, em colaboração com o Dr. Temudo Rangel.
Segue-se, ao fim de pouco mais de três anos, o julgamento, presidido por Ernesto Kopke da Fonseca e Gouveia.
Alexandre Braga consegue, apesar de tudo, dividir a opinião pública, face aos factos em evidência:
Vicente Urbino declarou os sobrinhos envenenados e aplicou-lhes clisteres, aplicação ocultada a médicos e autoridades; disse que estivera em Lisboa a tratar da tradução dum seu trabalho médico, e que se hospedou em casa de Adolfo Coelho, o que se provou ser falso; não fez a menor prova que tornasse verosímil a existência da dama misteriosa de Lisboa – a qual, por sua vez, não apareceu a salvá-lo, em circunstâncias tão afrontosas da sua honorabilidade de homem e da sua dignidade profissional; afirmou que, a 27 de Março, indo a Lisboa, ficou na Estação-Velha, tendo-se apurado que o comboio na Estação-Nova, em que foi à cidade estudantil, partiu antes de seguir o seu rumo, o de Lisboa – salientando-se, além disso, a coincidência da ida a Lisboa, de 27 para 28, sendo as amêndoas despachadas em Lisboa, precisamente a 28 de Março.
As dúvidas colocavam-se:
Quem despachou as amêndoas? Não foi Vicente Urbino, pois ficou em Coimbra; a morte do Mário foi a resultante de envenenamento pelos bolos ou pelos clisteres? Os peritos da acusação juram que foi envenenado – os peritos da defesa a jurarem que não, apoiados por sumidades estrangeiras em matéria toxicológica.
No final, Vicente Urbino foi condenado a uma pena de 8 anos de prisão, seguida de degredo por 20, ou, em alternativa, a 28 anos no degredo, 8 dos quais em prisão no mesmo país.
Móbil do crime: “Se os sobrinhos morressem, Maria das dores, a mulher de Vicente Urbino, herdaria a vasta fortuna do pai”.
A defesa recorre para a Relação e para o Supremo, mas sem resultados: a pena é agravada para 9 anos de prisão, seguida de degredo por 20 anos, os dois primeiros dos quais passados na prisão. Na manhã de 28 de Maio de 1894, Urbino de Freitas torna-se o presidiário nº 544 da Penitenciária de Lisboa.
Em 1898, é indultado da quinta parte da pena. Transita para o degredo em Angola, em 1901, já depois da morte do seu irmão, que tinha falecido em Agosto de 1899, gastando boa parte da sua fortuna na tentativa de provar a sua inocência.
A sogra Maria Carolina, de 70 anos, que enviuvara em 1891, entretanto, teria desposado um jovem estudante da Academia Politécnica de 25 anos.
Em 1904, D. Carlos indulta-o da pena restante com a cláusula de não pisar território português, pelo que, de África passou para o Brasil.
Em 1913, consegue, já em plena República, vir a Portugal, mas adoece e morre em Outubro desse ano e recebe sepultura no jazigo do cemitério da Lapa, onde já estavam os restos mortais do seu irmão.
Tem a companhia, até ao fim de Maria das Dores, que nunca o abandonaria.
Nos dias de hoje, este episódio da vida da cidade do Porto, que assumiu destaque nacional e rivalizou com a indignação patente, perante o Ultimato Inglês acontecido em Janeiro daquele ano, continua a dividir opiniões, pois há quem continue a acreditar na inocência de Vicente Urbino de Freitas e argumentam:
“Ele era, à data, um bem-sucedido médico e professor da Escola Politécnica e o herdeiro único da fortuna do seu irmão, que não tinha descendência”.
 
 
 
Rua das Flores no fim do século XIX
 
 
 
Prédio onde está, hoje, o “A.S. 1829 Hotel”, no início do século XX, tendo a fonte, que se vê, à esquerda, sido demolida em 1922
 
 
 
 
O drama de Clementina Sarmento
 
 
O Dr. Vicente Urbino teve cinco filhos. Um deles, Emílio Urbino, depois de ter andado pela Bélgica, onde se formou em engenharia, regressou a Portugal e veio encontrar no lugar de perceptora de suas irmãs, uma atraente jovem descendente de fidalgos alentejanos, entretanto, empobrecidos. Chamava-se Clementina Sarmento.
Juraram amarem-se para sempre. Estávamos em 1902.
A mãe do Urbino Emílio, Maria das Dores, não gostou do idílio e despediu a perceptora das filhas. Nesse tempo, Vicente Urbino de Freitas, ainda penava no degredo africano.
A mulher do catedrático, que tinha tomado sobre os seus ombros a educação dos filhos, fez saber ao Urbino Emílio que, para ele, tinha em vista um casamento social e economicamente vantajoso.
Ele é que não aceitou a imposição. Saiu de casa, viajou para Lisboa onde, num quarto de hotel, se suicidou com um tiro na cabeça.
O corpo do infeliz veio para o Porto e foi sepultado no jazigo de família no cemitério da Lapa.
Germano Silva conta a seguir o que se passou:
 
“Dias depois da chegada do corpo do infeliz rapaz, uma jovem rapariga vinda do Alentejo, hospedou-se no melhor hotel que naquele tempo havia na cidade: o Hotel de Francfort, entretanto demolido para a abertura da Avenida dois Aliados.
No dia seguinte, perguntou onde ficava o cemitério da Lapa. Saiu, regressou e não mais foi vista. Quando abriram a porta do quadro onde se hospedara encontraram-na morta com um tiro na cabeça. Era o cadáver da Clementina Sarmento.
Ao lado do corpo estava um pequeno revólver e um papel com um pedido dirigido às suas antigas pupilas:
«… tenho no vosso jazigo um lugar ao lado do nosso mártir. Não se opõe, não? Se acaso derem comigo a tempo, não me chamem á vida, ajudem-me a morrer. As nossas vidas pertenciam-se…»”

 
 
Jazigo de João Freitas Fortuna Júnior, no cemitério da Lapa – Fonte: Revista Visão
 
 
Na foto acima, a primeira lápide superior, à esquerda, é a de Camilo Castelo Branco. A do meio, à direita, com a indicação de CS, é a de Clementina Sarmento.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

25.106 Residências no Porto dos familiares dos Barões de Mogofores e de Sanhoane, no século XIX

 
Nota: O texto que se segue teve como fonte principal, entre outras, o “4º Congresso Internacional Casa Nobre – Um património para o futuro (2017)”.
Com a cortesia de Jorge Ricardo Pinto e outros
 
A Rua Mártires da Liberdade, antiga Rua da Sovela e, antes, Rua de Santo Ovídio, era uma via importante de saída da cidade e de ligação a Braga.
No início do século XIX, a zona a ela envolvente, começava a ser alvo de urbanização e de crescimento urbanístico.
Na parte da rua, mais a norte, próxima já da Praça da República, surgem, então, prédios com um certo porte e afectos a uma burguesia em expansão.
O correr de quatro prédios de 3 pisos, entre os números de polícia 300 e 320, pertenceu, em tempos, aos senhores da Casa da Fábrica, da Rua da Fábrica.
 
 
 
Prédios na Rua Mártires da Liberdade que foram dos senhores da “Casa da Fábrica” – Fonte: Google maps
 
 
 
Construídos, possivelmente, a partir de 1847, um deles foi ocupado intermitentemente pela família e, os restantes três, sucessivamente arrendados.
Foi o caso, em 1848, pois a senhora da Casa da Fábrica, Maria Vitória de Meneses e Vasconcelos, já aí habitava.
Entre 1857 e 1863, uma destas moradas, a que tem o nº 304, foi ocupada pelo Barão de Mogofores.
O Barão de Mogofores (1786-1872), conselheiro Manuel Ferreira de Seabra da Motta e Silva, foi um dos que acompanhando D. Pedro IV, desembarcaram na praia da Memória, em 1832.
Foi casado com Ana Felícia de Seabra e Sousa.
Alguns desses bravos, muitos deles oriundos de outras localidades, terminado o cerco, acabaram por fixar residência, com a sua família, no Porto.
 
 
 
Barão de Mogofores e a sua prole masculina – Fonte: Reis, J. M. (1998) – Genealogia da Família Seabra de Mogofores
 
 
 
 
Barão de Mogofores, as suas noras e a filha Júlia, estando ausente a filha mais velha, Dulce – Fonte: Reis, J. M. (1998) – Genealogia da Família Seabra de Mogofores
 
 
 
 
 
 
Do outro lado da rua, um outro edifício com algum realce, mais antigo, pois já estava edificado em 1833, pertencia a Nicolau Clamouse Browne, casado com Emília Cristina Ribeiro Braga, com filhos, o primogénito, Nicolau e ainda, um outro, de nome Roberto e, cujos descendentes, por lá se mantiveram, até que, em 1900, o último morreu sem descendentes.
O filho mais novo casaria com Joana Guedes da Silva e morreu sem descendência em 1868. O mais velho, Nicolau, nunca casou e sem descendentes deixou a herança que tinha recebido por morte de sua mãe, a Olívia Correia Gonçalves Telles, que no testamento era descrita como se fosse sua filha e por si criada desde tenra idade, que era casada com António Ribeiro Telles.
O patriarca deste ramo dos Clamouse Browne, Nicolau, era irmão de Manuel Clamouse Browne, sócio fundador da Associação Comercial do Porto, casado com Maria da Felicidade do Couto, conhecida como Soror Dolores, poetisa, e de quem se diz que teve um envolvimento amoroso com Camilo Castelo Branco e, por isso, os filhos da senhora se terão batido em duelo com o escritor.
Emília Cristina, acima referenciada, pertencia à família dos Ribeiro Braga que eram proprietários de todos os terrenos anexos ao Largo do Mirante (Praça Coronel Pacheco), integrando a Quinta dos Carvalhos do Monte ou Quinta do Mirante, de que fazia parte a área ocupada pela Faculdade de Engenharia hoje, a Faculdade de Direito.

 
 
Casa dos Clamouse Browne – Fonte: Google maps
 
 
 
O conjunto habitacional da Rua Mártires da Liberdade, nº 144-150, constituía, inicialmente, um único conjunto.
Em 1833, nele, era dado como morador, um tal Smith, negociante e, em 1837, Alípio Antero da Silveira Pinto, juiz do Tribunal da Relação do Porto, que foi também um dos resistentes do Cerco do Porto e, cuja família, era dona do Palacete de São Paio, na Afurada, em V. N. de Gaia.
Na última metade do século XIX, pertenceu ao segundo filho do Barão de Mogofores, Acácio Alfredo de Seabra, que nele habitou entre 1866 e 1874 e que aqui viveu com a sua mulher Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
Então, retirou-se para Mogofores, para a Quinta do Caneiro, que herdou do seu pai.
O lote mais a sul, com o nº 146, encontrava-se dividido em quatro partes, tendo três delas transitado para Domingos Gonçalves de Araújo, residente no Largo de São Domingos e, uma quarta parte sido, por si, também comprada, a Júlia Guedes de Sousa Pimentel, viúva de Carlos Pimentel, residente em Lisboa e familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
O lote com o nº 148 é o que mais se destaca, constituindo o núcleo central do conjunto, ladeado pelos outros dois anexos.
À morte dos seus proprietários ficou na posse de Ana Augusta de Sousa Pimentel, também familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
A casa foi comprada, em 1919, pelo Dr. Joaquim da Costa Carvalho Júnior, comerciante e residente na Rua de Entre-Quintas.


 
 
Rua Mártires da Liberdade, 144-150. Em primeiro plano o lote principal
 
 
 
 
O edifício que tinha o nº 152, mais a norte, já não existe. Pertencia também a Acácio Alfredo e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, e à morte de ambos, foi herdado por uma sobrinha, Hermínia Augusta Seabra, que morreria solteira. Em 1953, passou para as mãos da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
 
 
 
O edifício, mais a norte, na Rua Mártires da Liberdade, nº 150 e que foi demolido



 
Edifício que substituiu o anterior, construído na década de 1960
 
 
 
 
 
Quinta do Pinheiro
 

O palacete da Quinta do Pinheiro é aquele que muitos dos portuenses reconhecem, ainda, como o prédio onde funcionou a Escola Académica, a partir de 1882, até ao último quartel do século XX.
Antes da abertura da Rua do Pinheiro e de outras, envolvendo o Bairro do Laranjal, a Quinta do Pinheiro era muito mais extensa, tendo sido retalhada, em meados do século XVIII, para urbanização.
 
 
“Em 1508, João Rodrigues de Avelar e sua mulher Grácia Luís, venderam o seu campo no Casal do Pinheiro «junto aos Carvalhos do Monte, prez da cidade» e um par da estrada pública. Em 1533, nova venda do «Lugar ou Casal do Pinheiro, situado entre a estrada que vem de Guimarães (actual Rua Mártires da Liberdade) para a Porta do Olival (actual Cordoaria) e o caminho de Liceiras (ainda existe a Rua de Liceiras, junto à Trindade, cerca de duas centenas de metros abaixo). Tinha, então, esta propriedade, um pombal e várias árvores de fruto, entre as quais se mencionam laranjeiras que, mais tarde, com outras por ali existentes, dariam ao Casal do Pinheiro o nome de Quinta do Laranjal de Cima, que já tinha em 1661. A Quinta do Pinheiro foi alienada há poucos anos pelos últimos sucessores dos Monteiros, na posse desta bela propriedade desde princípios do século XVIII.”
Fonte: Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas
 
 
Desde o início do século XVIII, a quinta do Pinheiro esteve na posse da família Monteiro.
Em 1789, teria sido João António Monteiro de Azevedo que, segundo o padre Agostinho Rebelo da Costa, na Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, teria mandado construir o edifício no meio da quinta e que, hoje, está com entrada localizada próximo das Escadas do Pinheiro.

 
 
Aqui funcionou a Escola Académica
 
 
 
Aqui, iria viver a filha mais velha do Barão de Mogofores, Dulce Augusta de Ferreira Seabra e Sousa, casada com Albino Raimundo de Sousa Pimentel, irmão de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, ambos filhos do Barão de Sanhoane e, de cujo casamento, houve uma filha, Maria Joana Gramaxo.
O Barão de Sanhoane, José de Sousa Pimentel de Faria, foi também um lutador, desde 1820, da causa liberal, tendo sido ainda, deputado, Marechal de Campo e portador de várias condecorações. Era casado com Joana Perpétua de Sousa, senhora da Quinta do Pinheiro e Baronesa de Sanhoane.
Por morte do Barão de Sanhoane, foi concedido por despacho régio, em Diário do Governo, de 9 de Agosto de 1848, um soldo por inteiro correspondente à patente de Marechal de Campo, metade à viúva e a outra metade a dividir pelas três filhas, Teresa Ludovina de Sousa Pimentel, Joana Carolina de Sousa Pimentel e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, sem supervivência de umas para outras.
Albino Raimundo (1805-1866) foi, assim, senhor da Quinta do Pinheiro e conhecido, por ter sido um dos que participaram na compra do Museu Allen, em representação da Câmara Municipal e por ser um amigo de Camilo que, por isso, frequentava de vez em quando a quinta.
Maria Joana Gramaxo casaria, em 1885, com Cristovão Almeida Azevedo de Vasconcelos Gramaxo, cujo pai era, também, proprietário de vários terrenos, na Rua dos Mártires da Liberdade.
A família Gramaxo, da qual se destacou o lente da Escola Médico- Cirúrgica do Porto, José Andrade Gramaxo, tinha residência na Rua Mártires da Liberdade, nº 122.
Diz-se que a Quinta do Pinheiro estava ligada com uma casa localizada na Rua dos Mártires da Liberdade, e que seria aquela onde viveu Acácio Alfredo Seabra, filho do Barão de Mogofores.
 
 
 
 
Palacete do Largo Moinho de Vento
 
 
Desconhecendo-se a data do lançamento dos seus alicerces e de quem o ordenou, sabe-se que, durante o Cerco do Porto, ali vivia um ramo da família Morais Sarmento e que, mais tarde, em 1837, ali residiam Miguel Joaquim Gomes Cardoso e o seu filho Miguel Joaquim Gomes Cardoso Júnior, ambos advogados, tendo este, sido Presidente da Câmara do Porto, em 1839.
Depois, a casa foi habitada pelo Presidente da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, o segundo visconde da Várzea, João da Silveira Pinto da Fonseca.
Em 1843, o foro da casa apalaçada, pertencia a António Barbosa de Albuquerque, casado com Maria Augusta Soares Barbosa, já falecida naquela data, de cujo casamento houve uma filha, única herdeira, Amélia Augusta.
A Casa do Moinho de Vento constaria da herança de Amélia Augusta, bem como, a determinação de que o seu tutor e administrador dos bens, seria Francisco Diogo de Sousa Cyrne, senhor da Casa do Poço das Patas, e irmão de Maria Isabel de Sousa Cyrne, casada com o senhor da Casa da Fábrica, Diogo Francisco.
Destinada por seu pai, para casar quando atingisse a idade conveniente com o seu tio, Amélia Augusta não cumpriria esta vontade do progenitor e acabou por casar, sim, com Armando Artur Ferreira de Seabra da Motta e Silva, filho mais novo do Barão de Mogofores.
Deste casamento resultaram três filhos, uma menina que morreu na infância, Artur Augusto Albuquerque e Seabra, que foi escritor e jornalista e Laura Augusta de Albuquerque Seabra.
Na década de 1880, a casa do Moinho de Vento foi dada como garantia de uma dívida, entretanto resgatada por Laura Augusta, filha de Amélia.
Por morte de Laura Augusta herda a propriedade o seu marido, o General Francisco Leite Arriscado.
Por ausência de descendência, herdam então a propriedade, os filhos naturais do seu já falecido cunhado, mantendo-se nesta família, a propriedade, até 1998.


Palacete no Largo Moinho de Vento


 
 
Rua Miguel Bombarda - Conclusão
 
Sobre as várias residências de parentes das famílias referenciadas, poder-se-ia ainda, apontar, entre muitos outras situações, a do quarto filho do Barão de Mogofores, Aloísio Augusto Seabra, que foi administrador do Bairro de Cedofeita e casado com Maria da Graça Barros Lima, filha de José Pedro Barros Lima, senhor da Quinta da Ramada Alta.
Aloísio foi amigo de Camilo Castelo Branco e aquela personagem envolvida com o escritor numa cena de pancadaria, muito conhecida, de homenagem à cantora Dabedeille, acontecida na Estalagem da Ponte da Pedra.
Aloísio Augusto teve o seu escritório de advogado num prédio de dois pisos, que adquiriu na Rua do Príncipe (Rua Miguel Bombarda), a um dos seus irmãos e cunhada, em 1850, ficando, ainda, proprietário de uma área anexa de terrenos sem edificado, que passaria, mais tarde, a comportar com aquele prédio inicial, um conjunto de três, instalados em quatro lotes.
Em 1850, ano também do seu casamento, Aloísio Seabra requereu à Câmara o acréscimo de um terceiro piso ao prédio adquirido.
O prazo do terreno, constituído por dois lotes, onde nasceria o prédio, mais a poente, seria adquirido, em 1857, pelo negociante de vinhos do Porto, António de Ferreira Menères, casado com Emília dos Santos Menères.
O negócio subjacente teve lugar no Palácio das Sereias, dos Portocarrero, em Miragaia, já que eram o senhorio do terreno referido.
Antes o prazo tinha pertencido a domingos Rosário do Nascimento Almeida, tio de Almeida Garrett, que foi quem emprestou o nome à Rua do Rosário.
O lote do meio em 1880 ainda estava vago, o prazo pertencia a Maria da Glória Pizarro da Cunha Portcarrero e quem pagava foro era Aloísio Augusto e a sua mulher.
Em 1876, André Michon adquiriu o prédio de escritórios e respectivo terreno anexo a Maria da Graça Barros Lima Seabra e ao seu filho e nora, Aloísio Augusto Seabra e Almira Silva de Seabra, tendo, em 1880, solicitado uma autorização de construção à Câmara, do prédio ainda hoje no local.
Esse edifício central, com o nº de polícia (actual), 208, está identificado na foto abaixo, bem como, o situado mais a nascente (escritório).
 
 
Em primeiro plano, o prédio do conjunto localizado ao centro e, em segundo plano, o situado a nascente, já desaparecido e que teria sido o escritório de Aloísio Seabra – Fonte: Google maps (2009)
 
 
 
Em primeiro plano o prédio do conjunto situado mais a poente – Fonte: Google maps

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

25.105 Tertúlias e Sociedades Recreativas de há mais de 100 anos

 
Sociedade da Ervilha
 
Esta colectividade tinha a sua sede na esquina das desaparecidas ruas de D. Pedro e Cancela Velha, no prédio onde tinham consultório os Drs. Figueirinhas, Mendes Correia, Henrique Maia e Godinho Faria.
João Baptista de Lima Júnior, Presidente da Câmara do Porto, entre 20/01/1898 e 26/07/1900, sensivelmente os mesmos anos em que existem documentos da ‘Sociedade da Ervilha’ (1895 a 1901), presidiu também à Sociedade da Ervilha.
Funcionava como uma tertúlia. Jogavam baston, conversavam, e quando algum sócio fazia anos ou entrava um novo elemento, faziam uma sessão solene, durante a qual serviam o punch (Ponche da Ervilha), um preparado de vários licores.
Nessas ocasiões, os sócios tinham que usar uma casaca de chita, às flores, com um crachat de ervilhas e todos faziam um discurso de cariz humorístico.
Faziam teatro e todos os anos davam uma récita, no dia do aniversário do presidente, em V. N. de Gaia, na sua Quinta do Vale da Glória.
 
 
“A Quinta do Vale da Glória, localizada entre a Ponte do Infante D. Henrique e a Ponte Maria Pia, destaca-se pela sua posição sobranceira ao Rio Douro e pela presença de uma extensa mina cavada no granito, que se divide em dois ramais, denominada “Fonte da Gruta”. Outrora, a água desta fonte era comercializada como “Água da Gruta”. Nos seus terrenos armados em socalcos, evidencia-se para além de folhosas, um conjunto de Palmeiras das Canárias - Phoenix canariensis.”
Fonte: “cm-gaia.pt/”


 
Casa da Quinta do Vale da Glória – Cortesia de Helga Nair, 2010
 
 
 
 
Ponte Maria Pia
 
 
 
Sabe-se que, Mendes Corrêa, João Figueirinhas, Manuel Rodrigues da Silva Pinto, Engº Júlio Portela, comendador António Joaquim de Morais, Abel Brandão, Zeferino de Serpa Quaresma, António Patrício (pai do poeta), etc, faziam parte do grupo.
Ao palco subiu a comédia “Viriato”, a tragicomédia de Francisco Palha “A morte de Catimbau” e a paródia “As três graças”, desempenhada em travesti pelos sócios Dr. Narciso Carvalho, Engº Júlio Portela e comendador Morais, sendo que, o papel de guarda ficou a cargo do Dr. Maximiano Lemos.
O jornal da tarde “A Província” encarregava-se de dar conta da actividade da colectividade.
Mais tarde, foi fundada a “Sociedade dos Ervilhinhas”, de que faziam parte os filhos de alguns sócios.
Estes, também faziam teatro, tendo levado à cena em casa do presidente Lima Júnior, na Foz do Douro, algumas comédias e até uma revista escrita por Maximiano Rica, com música de Júlio Moutinho, que era o ensaiador e com a caracterização das personagens a cargo do padre Francisco Patrício.

 
 
Postal de aniversário dirigido ao presidente da “Sociedade da Ervilha”
 
 
 
 
Sociedade do Calhau Provisório
 
 
Os fundadores do grupo foram homens para além dos 30 anos de idade, todos do Bonfim e de várias condições sociais.
Proprietários, negociantes e industriais que, terminado o labor quotidiano, gostavam de passar algumas horas, em convívio, em agradável passatempo.
Foram desde o início sócios: José Maria Ferreira, Alfredo José Pinto Osório, António Araújo Corrêa, Francisco Pereira de Loureiro Barboza, Manuel d’Almeida Machado, José Alves Netto, José Coelho Vital, Francisco Jorge Gonçalves d’Oliveira Torres, João Francisco d’Oliveira Guimarães, João José Pinto Osório e António Peres Dias Guimarães.
A assembleia de organização da sociedade, acontecida em 8 de Novembro de 1901, determinou que o número de associados poderia atingir os dezanove.
Em casa do José Maria Ferreira, o Zé Maria, decorreu o acto solene que determinou, que a sociedade se chamasse, “Sociedade do Calhau Provisório”.
Tal nome ficou a dever-se ao Zé Maria que, quando instado a liderar a formação dum grupo de lazer, respondeu: “vamos lá tratar de assentar o primeiro calhau no alicerce da sociedade”.
A primeira deliberação, para além do nome, foi a construção de um palco para actuações musicais e de teatro.
A ocupação dos tempos livres assentava muito, naqueles anos, na exibição de amadores em representações teatrais e musicais.
Levantado o palco por quem dominava a arte da trabalhar a madeira, depois do Loureiro Barboza forrar os cenários e do Francisco Torres exibir os seus dotes de pintura, no dia 7 de Dezembro de 1901, realizou-se uma brilhante sessão solene e um sarau dramático-musical a que assistiram as famílias dos associados.
A partir daí, todas as noites, era a jogatina que tinha lugar de destaque.
Por essa altura, já com os Estatutos, em forma de letra, o Zé Maria incumbiu o Loureiro Barboza, para junto de um merceeiro da Rua do Bonfim, o convencer a apresentar-se no clube de manto de arminho, coroa real e ceptro, para ser aclamado como rei Hilário I e avalizar os referidos Estatutos.
No dia 2 de Fevereiro de 1902, o rei Hilário compareceu e munido com uma pena de pato, assinou aquele importante documento.
A 11 daquele mês, aconteceu um baile de máscaras, que deu brado, mas seria no dia em que foi cumprido o 1º aniversário da sociedade que foi feita história, com um magnífico repasto servido na sala da secretaria e que terminou pelas três horas da madrugada.
A seguir se dá conta do menú.

 
 


 
 
O grupo de amigos divertia-se como podia e a imaginação grassava.
Então, o divertimento supremo e constante, era pregar partidas a quem calhava, principalmente a indivíduos ingénuos, mas, ao mesmo tempo, ambiciosos.
Uma delas, radicava na habilidade do Zé Maria, para a carpintaria, pois era essa a sua profissão.
Na sua oficina, construiu uma caixa de fazer dinheiro, em notas.
Na caixa, introduzia sorrateiramente algumas notas de banco por meio de dois rolos, que enrolava em pano preto ficando ocultas.
Introduzindo papéis brancos em sentido contrário, estes entravam e, pelo outro lado, saíam as notas verdadeiras.
Numerosos ingénuos, os quais eram apelidados de “Portas” (burro que nem portas), foram apanhados na armadilha, pois a partir da primeira demonstração a que assistiam, prestavam-se a obedecer a todas as tropelias que, entretanto, eram montadas, de modo a adquirir a famosa máquina.
Da tramoia que era montada, destacava-se um juramento de sigilo, sobre a máquina e o seu funcionamento.
O juramento de um “Porta” ficou para a posteridade, na foto abaixo.


 
 
Juramento de um “Porta”
 
 
 
 
 
Club Bay-Boden
 
 
Com uma existência efémera de uma época balnear, cerca de 1879, nasceu o clube numa casinha da Rua da Senhora da Luz e faleceu numa casa da Avenida de Carreiros.
Grupo composto por banhistas, integrantes da fluorescente burguesia portuense, juntavam-se à noite para recitarem, cantarem, tocarem e mostrarem as suas habilidades artísticas.
Outros, sem qualquer dote naquelas áreas, contavam anedotas ou improvisavam palestras.
O encerramento da época balnear, nesse ano, para os componentes do grupo, aconteceu num prédio da Avenida de Carreiros, que ficava junto ao portão de ferro do banheiro Magalhães, e foi servido pelo restaurante de Cadouços.
Os presentes no jantar, devidamente enfarpelados, eram recebidos a toque de sineta à porta do prédio, o qual tinha sido cedido para esse efeito pelo seu proprietário, ao membro do grupo, João Vieira da Silva.
Com a casa profusamente iluminada e de portas cerradas, os aldeões comentavam que o “mafarrico” tinha tomado conta do espaço, pois o rebentar das garrafas de champagne e o hip-hip-hurrah, da praxe, montaram o cenário perfeito.
No dia seguinte, os factos ocorridos na noite anterior eram tema de conversa.
E, assim, se encerrava mais uma época balnear na Foz do Douro.



Membros do Club Bay-Boden, In revista “O Tripeiro”, 2º Ano, nº 49, 1 de Novembro de 1909