terça-feira, 30 de julho de 2019

25.59 Portuenses, acordem!


Na esquina das ruas Ciríaco Cardoso e Carlos Dubini, está situada uma casa, que se descobriu ter sido projectada pelo arquitecto Raúl Lino (1879 – 1974), e que corre o risco de desaparecer.
Será, por certo, única obra projectada para a cidade do Porto, por aquele famoso arquitecto.
Com projecto de 1930, aquela descoberta foi feita por Carla Garrido de Oliveira, em 2014, durante a elaboração da sua tese de doutoramento, e dedicada à obra daquele arquitecto.
Durante as suas investigações, Carla Garrido revelou que o projecto fora uma encomenda do médico João de Almeida, tendo sido assinado pelo arquitecto José dos Santos e não, por Raul Lino, por razões que se desconhecem, mas usuais na actividade.
Estando em marcha um processo para demolição do imóvel, e reconversão do espaço que ocupa, para um novo empreendimento imobiliário, várias personalidades portuenses, entre elas, Alexandre Gamelas, Carlos Machado e Moura, Francisco Queiroz, José Costa Marques, José Pedro Tenreiro, Nuno Gomes Oliveira, Nuno Quental, Paulo Ferrero, Sérgio Braga da Cruz e Virgílio Marques enviaram uma mensagem de alerta para o Presidente da Câmara, começando por dizer:

“Esta casa, embora actualmente abandonada e vandalizada, é um exemplar de referência na obra de Raul Lino, tendo sido por este arquitecto destacada no livro Casas Portuguesas por si escrito. É de notar que existem poucas obras de Raul Lino na região Norte, sendo esta uma das poucas casas edificadas neste território e a única conhecida na região do Porto”.

Raúl Lino (Lisboa, 1879 - Lisboa, 1974) fez os seus estudos na Grã-Bretanha e Irlanda, para onde se deslocou com 10 anos de idade e, depois de 1893, na Alemanha, onde trabalhou no atelier de Albrecht Haupt, com quem manteve uma longa amizade.
Da sua vasta obra, destacam-se a “Casa da Quinta da Comenda” (1903), em Setúbal, a “Casa dos Patudos”(1905), em Alpiarça e o Teatro Tivoli (1925), em Lisboa.

“Raul Lino regressou a Portugal em 1897, onde continuou os seus estudos. Foi uma personalidade única no que se refere ao panorama das artes em Portugal, muito devido ao facto de ter conseguido articular a tradição portuguesa com as inovadoras correntes europeias, do início do séc. XX. Com 70 anos de atividade profissional, Lino é autor de mais de 700 obras. Também é importante referir que apesar do seu leque de projetos, ele também foi um homem com uma vasta obra teórica ou escrita, o que se tornou muito determinante, para os seus seguidores ao longo de décadas em Portugal.
(…) Desempenhou cargos no Ministério das Obras Públicas e foi Superintendente dos Palácios Nacionais. Foi membro fundador da Academia Nacional de Belas Artes, sendo seu presidente no momento da sua morte. No setor da imprensa, foi colaborador artístico em diversas publicações periódicas, nomeadamente nas revistas: Atlantida (1915-1920), Homens Livres (1923), Ilustração (1926) e na Revista Municipal de Lisboa (1939-1973).”
Fonte: “pt.wikipedia.org”



Casa de Raúl Lino, com vista obtida a partir da Rua Carlos Dubini – Ed. Google maps


Aspecto da fachada voltada para a Rua Ciríaco Cardoso – Ed. Manuela Campos


Desenhos de projecto inserido na obra de Raúl Lino, intitulada “Casas Portuguesas” – Cortesia de Abel Coentrão, In jornal “Público” de 28 de Fevereiro de 2019


Capa do livro “Casas Portuguesas” de Raúl Lino


Sobre este achado, mais uma joia a acrescentar a muitas outras para o engrandecimento da história da arquitectura da cidade do Porto, qualquer portuense, que se preze, deve defender que, pelas suas características e pela sua raridade, a obra de Raúl Lino deverá ter, da parte das autoridades, uma protecção patrimonial.
A Drª Carla Garrido de Oliveira está de parabéns.
Espera-se que, à “Casa de Raúl Lino”, não ocorra o mesmo que aconteceu, há poucos meses, com uma moradia histórica, situada na Rua de Pinto Bessa.
Tendo deixado de integrar, há 15 anos, a lista de imóveis de interesse municipal, foi completamente demolida, da noite para o dia, como resultado de alguma magia.
Em Janeiro de 2019, a Câmara do Porto deu um parecer positivo para novo projecto, mas nada parece ter sido feito, para de algum modo, ser preservada a memória, que se impunha.
O edifício, de 1913, tinha arquitectura de Francisco de Oliveira Ferreira (discípulo de Marques da Silva e Teixeira Lopes), sendo um dos arquitectos que mais marcaram a cidade, na primeira metade do século.
Francisco de Oliveira Ferreira, nascido a 25 de Setembro de 1884, projectou a Câmara Municipal de Gaia e alguns outros edifícios emblemáticos – como o do Clube Fenianos Portuenses ou a Clínica Sanatorial Heliantia, em Valadares.


Moradia com risco de Francisco Oliveira Ferreira, na Rua de Pinto Bessa (Desaparecida)


“A moradia da Rua de Pinto Bessa era o primeiro projecto de habitação do arquitecto Oliveira Ferreira no Porto e representante de uma “transição entre uma arquitectura vagamente eclética, com alguns aspectos de arte nova, e uma arte com algumas marcas portuguesas, como é o caso dos azulejos.” Guardava algumas preciosidades do trabalho de Oliveira Ferreira com o seu irmão, o escultor José de Oliveira Ferreira, e era “o último vestígio” de uma certa tipologia de habitação burguesa no Porto do início do século XX”.
Cortesia de Mariana Correia Pinto, In jornal “Público” de 17 de Maio de 2019


Azulejos do edifício demolido na Rua de Pinto Bessa - Cortesia de Francisco Queiroz



Há já, alguns anos, que na cidade do Porto, existe um processo que não se compreende e que vai, sucessivamente, apagando parte da nossa história edificada.
O primeiro passo, consiste em desafectar da protecção do “Interesse Municipal” alguns edifícios icónicos da cidade. São exemplo disso, os dois casos a seguir referidos.


“O Bloco Residencial Manuel Duarte, do arquitecto Januário Godinho, na rua de Santos Pousada, apeado, em 2006; ou o edifício multifuncional (residência, escritório, armazém, fábrica) requerido por João da Fonseca Carvalho, nos anos 30 do século passado, na Avenida Fernão de Magalhães, recentemente demolido para a construção de um hotel.”
Cortesia de Jorge Ricardo Pinto (Doutor, mestre e licenciado em Geografia pela UP)



Bloco Residencial na Rua de Santos Pousada, de Januário Godinho


A mesma perspectiva da anterior foto – Fonte: Google maps



Fábrica/Armazém de João F. Carvalho, na Avenida Fernão de Magalhães - Cortesia de “portosombrio.blogspot.com”



“Foi no início dos anos 30 do século XX, quando a Avenida Fernão de Magalhães ainda não havia chegado ao Campo 24 de Agosto que o industrial João da Fonseca Carvalho requereu licença para a construção deste prédio (…).
Constituído por três pisos, sob uma linguagem mais austera da Art Deco, o projecto do prédio esteve a cargo do engenheiro Joaquim de Oliveira Ribeiro Alegre, muito envolvido nos projectos de urbanização nas colónias portuguesas (principalmente em Moçambique); continha uma garagem no rés-do-chão e um escritório no primeiro andar, enquanto as partes restantes serviriam para habitação. O último piso tornou-se um salão único, servindo de ampliação à fábrica do proprietário que já funcionava num prédio contíguo, onde foram instalados teares.”
Cortesia de “portosombrio.blogspot.com”

Hoje, este edifício, depois de recuperado, está ocupado por um hotel.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

25.58 O Molhe de Carreiros


O Molhe de Carreiros, que haveria de dar existência ao Porto de Carreiros, composto, na realidade, por dois molhes contíguos, tem um comprimento total de 165 metros, cabendo ao molhe baixo 115 metros, e ao molhe alto 50 metros.
O Porto de Carreiros tinha uma importância fundamental para embarques e desembarques de mercadorias e passageiros, quando tal se mostrava impossível de ser executado, durante os temporais que assolavam a entrada da barra do Douro. De notar, que o porto de Leixões, ainda era um sonho, começado a ser concretizado em 1882.
Segundo investigações do engenheiro Henrique Vieira de Oliveira, o início das obras do Porto de Abrigo de Carreiros, seria em 1825, com uma primeira fase concluída em 1862.
Neste período, em 1833, durante o Cerco do Porto, este local revelou-se fundamental, pois, neste ponto da costa, foi possível ao exército sitiado movimentar alguma logística.
Naquele ano, os trabalhos de edificação do molhe eram inexistentes, pois, segundo Adolpho Loureiro, um entendido nestas matérias, dizia:

“Depois da restauração do governo legítimo…em 1838, só havia aplicáveis os fundos destinados ao varadouro de Carreiros”.

Ainda assim, era possível, devido às condições naturais do local, tirar algum proveito do mesmo.
Em 1869, o engenheiro Afonso Nogueira Soares toma conta da obra e, em 1882, é concluído o prolongamento do paredão, que passa a apresentar o seu molhe alto.
Em 1884, é lançado concurso para fornecimento do gradeamento do molhe alto. Ganhou a fundição “Devesas-Porto”, o que era observável na base de algumas das suas colunas.
Os dois molhes não estão alinhados, apresentando um desvio de 7 graus, que deve ter sido determinado pela disposição dos afloramentos de rocha no qual assenta.
Em 1989, o engenheiro Henrique Vieira de Oliveira, natural de Nevogilde, solicitou à APDL (Administração dos Portos de Douro e Leixões) que fosse colocada no piso do molhe baixo uma placa com a orientação Norte-Sul e de uma placa de bronze, à entrada do molhe alto, com a história breve sobre o Porto de Carreiros.


Placa indicativa da orientação Norte-Sul cravada no piso do molhe baixo – Ed. Graça Correia



Placa de bronze, à entrada, à esquerda, do molhe alto


Reprodução do texto da placa de bronze


Molhe de Carreiros c. 1900

Na foto acima, é possível verificar que, no molhe baixo (na sua parte mais estreita, na rampa de acesso à praia), à sua entrada, à esquerda, existiam dois bancos de pedra colocados contiguamente.



Em primeiro plano, é possível observar-se que os dois bancos de pedra, no início do molhe baixo, em 08 Novembro de 1931, já foram substituídos – Foto de Rodolfo Silva; colecção de João Macedo Silva; Fonte: “Achegas para a História do Porto de Carreiros” de Henrique Vieira de Oliveira



O Molhe de Carreiros - Ed. José Fernando Magalhães


Na foto acima, é possível ver, em primeiro plano, um dos bancos de pedra que substituiu um outro, que tinha desaparecido. Simetricamente (do lado direito da foto) encontra-se o outro, que não está visível.
Pode ainda apreciar-se, o desvio entre os molhes baixo e alto e o afloramento rochoso que invade um pouco o molhe baixo, e que é chamado de “Flor Granítica”.
Foi assim, que Ramalho Ortigão (1836/1915), portuense e habitual frequentador da Foz, escreveu a propósito desse rochedo, que possui uma lápide alusiva:

“No paredão do quebra-mar sobressai da superfície plana da cantaria uma ponta da rocha negra, áspera, duramente recortada, como uma grande flor granítica.
Essa rocha, em que eu me sentei em criança, com o meu chapéu de palha, e o meu bibe cheirando ao algodão novo azul e branco da Fábrica do Bolhão, reconheci-a com a mesma ternura saudosa com que se torna a ver um velho móvel de família! Boas pedras! Entre tantas cousas que desapareceram, ou se transformaram, umas para mal outras para pior, vós, somente, persistis como éreis! Servistes de canapé a minha avó, que muitas vezes me trouxe aqui pela mão, pensativa e triste, porque já a avó dela a trouxera também em pequena a ver o mar, deste mesmo sítio…Eu vos abençoo e peço às vagas do mar e ao fogo do céu, que vos poupem, até que os que descendem de mim, que não tenho eira nem beira nem ramo de figueira que testar aos netos, venham encontrar no vosso conhecido relevo amigo a lembrança que em vós fica daqueles que passam, como fica num travesseiro tépido o vestígio da cabeça de um ente amado…”.




Embarques e desembarques no Porto de Carreiros


Na crónica de uma viagem da carreira de navios a vapor, de propulsão por rodas, da “Companhia a Vapor da Península” que ligava, então, o porto do Sul de Inglaterra, Southampton, com Lisboa, tocando na Corunha e em Vigo, fundeando em frente à Foz do Douro, seguindo depois para Lisboa, dizia-se:

“As sobras da noite tinham acabado de cair sobre o mundo (como cantam os poetas) quando chegamos ao largo da Foz do Douro.
A escuridão tinha pouca importância, pois a noite estava bela, o mar calmo, e Nossa Senhora da Luz brilhou benignamente para tornar bem-vinda e guiar a nossa rota.
Este farol está sobre um monte a cerca de um quarto de milha da Foz do Douro, do lado norte, e logo a seguir à localidade de S. João da Foz.
As rodas de pás pararam, e um tiro de canhão foi dado para chamar a atenção de um piloto, cujo barco se mantem sempre pronto para desembarcar os sacos de correio e os passageiros. (…)
(…) O conjunto da casas caiadas, com uma igreja no meio, o farol num monte à esquerda, e o castelo baixo que guarda a entrada do rio à direita, é a povoação de banhos, pesca e pilotagem de S. João da Foz.
Observa-se outra elevação para norte do farol (Monte Crasto).
Poucos centos de jardas mais para norte aparecem alguns abrigos de barcos, e aqui um belo molhe de pedra entra pelo mar formando um porto pequeno para barcos. (Molhe de Carreiros).
Neste molhe construído ultimamente, quando a corrente do rio é demasiado forte, ou o mar está muito agitado na barra, para se entrar com segurança, o navio do correio desembarca os sacos e os passageiros.”




Catraia. Era o barco usado para ir buscar o correio ao largo e fazer o transporte de passageiros - Fonte: Portugal Illustrated. Rev. W. Kinsey B. D. 1829



Numa outra descrição de um desembarque no Porto de Carreiros, Dorothy Wordsworth filha do famoso escritor e poeta romântico inglês William Wordsworth descreve na sua obra “Diário de uma viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”:

 
Chegada ao porto de Carreiros do vapor Queen, em 12 de Maio de 1845


 
Em 1 de Abril de 1846, Dorothy Wordsworth, ainda no porto de Carreiros, embarcava no Queen rumo a Inglaterra.
Desde uma pousada dirigida por uma irlandesa, casada com um português, situada na Rua Direita, até ao bote (catraia) que a conduziu a ela e aos companheiros de viagem, o trajecto foi cumprido a pé.

 
 

Embarque de Dorothy Wordsworth no Porto de Carreiros em 1846



Molhe de Carreiros no fim do século XIX



O Farol da Senhora da Luz e um alinhamento de 2 marcas de pedra, uma situada num rochedo e outra na então Estrada de Carreiros, permitiram ao longo dos anos a entrada no Porto de Carreiros.
O Farol da Senhora da Luz foi construído junto da Ermida da Senhora da Luz, à época, existente no mesmo local.
Situa-se no Alto do Monte da Luz, ao cimo da Rua do Farol.



Farol de Nossa Senhora da Luz em 1833 – Gravura de Joaquim Vilanova



Alto do Monte da Luz, actualmente – Fonte: Google maps



As “Marcas”, dentro das elipses desenhadas, permitiam o alinhamento para a entrada no Porto de Carreiros



“Marca” de pedra assente num rochedo



“Marca” na Avenida Brasil



Nota: As informações baseadas nos estudos do Engenheiro Henrique Vieira da Silva, bem como, a transcrição da crónica do desembarque do navio da "Companhia a vapor da Península", foram obtidas por consulta da obra daquele estudioso, intitulada "Achegas para a História do Porto de Carreiros", da qual foram impressos 100 exemplares numerados, patrocinada pelo grupo "RAR" e com a colaboração da Junta de Freguesia de Nevogilde, Associação de Cultura e Turismo da Foz e Progresso da Foz.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

25.57 O Porto teve um Tivoli (Actualização em 29/11/2020 e 17/04/2021)


Poucos portuenses saberão que o Porto já teve o seu Tivoli. Aliás, parece ter tido dois.
Um, na Praça da Alegria e, mais tarde, outro, na Rua Formosa.
Alberto Pimentel na sua obra “O Porto há 30 anos”, fala num Tivoli situado para as bandas da Rua Formosa, onde, em rapaz, teria assistido ao lançamento de um balão.
Essas ascensões aerostáticas ocorreriam nas tardes de Domingo.
Este Tivoli, era propriedade ou, pelo menos, tinha por gerente, Bernardo Morelli Chaves.
Na página 56 da sua obra, dizia, então, Alberto Pimentel:
 
 


 



“Por volta da década de 50 do século XIX existiu, não muito longe do local onde o Jardim Passos Manuel foi construído e localizado nuns terrenos que pertenciam à antiga Quinta das Lamelas e com ligação pelas ruas Formosa e da Alegria, um Teatro denominado Tivoli, sobre o qual encontramos escassas referências mas que, das que existem serviram para aguçar a nossa curiosidade, que foi acentuada por uma alusão encontrada na revista O Tripeiro (Série 1, Ano III, Nº 77, p. 79). Na revista, numa secção onde havia a troca de correspondência entre o público leitor, referem que o Tivoli era perto do Palácio Pereira Machado e que ocupava parte da rua Formosa, da rua de Santo Ildefonso (…) sendo inspirado no Tivoli de Copenhaga, um famoso parque de diversões, considerado um dos mais antigos do mundo.”
Cortesia de Liliana Isabel Sampaio Fortuna Duarte


Pelo texto anterior, poder-se-á concluir que, aquele Tivoli, ocuparia um terreno que, indo da Rua Formosa à Rua de Santo Ildefonso (terrenos da antiga Quinta das Lamelas), corresponderia a uma área separada pelo aparecimento da Rua de Passos Manuel e, mais tarde, ocupada pelo Grémio Recreativo e pelo Jardim Passos Manuel.
Diga-se que, este troço superior da Rua de Passos Manuel, só começaria a ser rasgado em 1881, pelo que, a entrada para o Tivoli, teria que ser feita pela Rua Formosa, como conta Alberto Pimentel.


 


Anúncio publicado no jornal “O Comércio do Porto” de 22 de Maio de 1858


Alguns meses antes da divulgação do anúncio anterior, temos notícia do Tivoli, num texto de uma carta enviada, em 4 de Agosto de 1857, pelo balonista Eugène Poitevin a um jornal e transcrita e publicada, em 18 de Setembro de 1857, no jornal “Correio Mercantil” do Rio de Janeiro. Aí, o balonista dá conta de que subiu aos ares no Tivoli, no Domingo, 2 de Agosto.







Sobre este Tivoli, a revista “O Tripeiro”, anteriormente referida, dava conta das lembranças de alguns dos seus leitores, de que a seguir se dá nota.


 


 
 




Um outro local de divertimento do género, denominado “Tivoli Portuense”, esteve situado, uns anos antes, nos terrenos que acabaram por ser jardins do “Palacete Braguinha”, com uma das serventias a fazer-se pelo Largo de S. Vítor (Praça da Alegria).
Sobre este Tivoli, aberto em 1839, noticiava o jornal "Periódico dos Pobres" naquele ano da sua inauguração, no dia 12 de Agosto (2ª Feira):


“Tivoli Portuense: Quinta 15 estará aberto, além dos jogos do costume haverá um novo denominado Serpentes Boas.”

 
E alguns meses depois anunciava-se:
 
 
“O Tivoli Portuense informa que estará aberto, amanhã, Domingo, prevenindo o respeitável público que a Montanha Russa foi aumentada em 130 palmos.”
In jornal “Periódico dos Pobres no Porto”, 18 Abr.1840, p. 416



Entretanto, Joaquim Ferreira Moutinho no seu livro “A Creche”(1884), faz alusão a este Tivoli, com uma chamada à sua memória, do seguinte modo:

 

 



 
Há a informação de que, em 1849, o Tivoli da Praça de S. Vítor já não existiria de acordo com a notícia seguinte:


"Antigo Tivoli: M. Menay anuncia a função no domingo no sítio onde esteve o antigo Tivoli, com entrada pela praça S. Vítor. O divertimento consistirá em física, deslocação, pantomina, ascensão por uma corda, etc."
“Periódico dos Pobres”, de 15 Jun.1849, p. 557 – 6ª Feira

 
O jornal “O Porto e a Carta” de 16 de Maio de 1859, dava conta de uma ascensão aerostática no Tivoli, da companhia de Salvador Siciliani, realizada na véspera, tendo-se o aeróstato despenhado num telhado duma casa da Praça da Alegria, após breve voo.
O espectáculo da ascensão de balões continuou por muitos anos e, um deles, entre muitos outros que foram notícia, envolveu a primeira subida aos céus do Balão “Liberal” que, sob o comando do cigarreiro Francisco de Carvalho, a 14 de Outubro de 1906, partindo da Praça da Alegria, subiu 300 metros e foi estatelar-se no lugar de Azevedo de Campanhã.






Grémio Recreativo e Salão Jardim Passos Manuel


Em 1875, seria rasgada a Rua de Passos Manuel, cujo primeiro troço foi aberto entre as ruas de Sá da Bandeira e Santa Catarina.
O segundo troço, entre as ruas de Santa Catarina e o Largo de Santo André, foi começado a abrir, em 1881.
Já em pleno século XX, por aqui, iriam surgir o Grémio Recreativo, o Salão-Jardim Passos Manuel, o Teatro Cinema Olympia e o Coliseu do Porto.


“Em 1903 surge a primeira referência a um novo estabelecimento denominado Grémio Recreativo que se situava entre o nº 2 da Praça da Batalha e o nº 176 da rua de Passos Manuel. A referência mais antiga que encontramos foi uma licença de espetáculo de junho de 1903 requerida por Manuel Monteiro de Souza para dar espetáculos de canto, declamação, concertos musicais e outros divertimentos próprios de café-concerto ao ar livre, nos jardins da sua casa. No ano seguinte, surge um auto de vistoria de 9 de julho de 1904, feito ao palco-coreto do Grémio Recreativo. Por este documento ficamos a saber que este teria entrada pelo nº 2 da Praça da Batalha e pela rua de Passos Manuel, sendo o seu proprietário Manuel Monteiro de Souza. Na descrição percebemos que este encontrava-se por detrás da Igreja de Sto. Ildefonso. Em abril de 1907 surge nesse lugar um cinematógrafo com o nome de Salão Popular que funcionaria até março de 1908. Em agosto de 1909 começa a surgir nos periódicos, publicidades referentes a um Circo de Variedades naquela rua que, pelas licenças de espetáculos, percebe-se que seriam no antigo Grémio Recreativo mas a sua inauguração só se concretizou em abril do ano seguinte. Em 1911 ele é denominado como Novo Teatro-Circo de Variedades e no ano seguinte o seu nome é alterado para Colyseu de Variedades. Este espaço terá funcionado consistentemente até finais da década de 10 e, a partir daí, ficamos alguns anos sem informação até que em 1934 surge novamente referência a ele como «Circo de Variedades da Empresa António Castro, onde estiveram as encomendas postais». Não sabemos até quando terá funcionado um cinematógrafo no local já que na maior parte das referências apenas nos dizem que havia espetáculos de variedades. Sabe-se que naquele local foi construído no final da década de 30, a partir do ano de 1937, a Garagem Passos Manuel, que seria propriedade de Rocha Brito e das irmãs Chambers”.
Com a devida vénia a Liliana Isabel Sampaio Fortuna Duarte, In Mestrado em História da Arte Portuguesa (Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Setembro de 2017


Área ocupada pelo Grémio Recreativo – Fonte: Planta de Telles Ferreira de 1892


Na planta acima, é possível localizar o Grémio Recreativo, entre a Rua de Passos Manuel e a igreja de Santo Ildefonso, em local, mais tarde, ocupado pela Garagem Passos Manuel.
Em Abril de 1907, pela mão de António Hipólito d’Aguiar, surgirá um barracão, nos jardins do Grémio Recreativo, onde funcionará um cinematógrafo, denominado – Salão Popular.


Pelo canto, à esquerda (ao lado da igreja de Santo Ildefonso), se fazia a entrada, pela Praça da Batalha, para o Grémio Recreativo



Peça de processo de licenciamento de um barracão, para funcionamento de um cinematógrafo (Salão Popular), aprovado pela CMP, em 27 de Abril de 1907


Publicidade na qual é mencionado o Salão do Grémio Recreativo, no jornal "A Voz Pública" de 11 de Abril de 1907





Publicidade ao Novo Teatro-Circo Variedades, em 1911, funcionando no Grémio Recreativo


Em Março de 1908, mais concretamente, no dia 25, houve um Comício do Partido Republicano, no Porto, que aparece frequentemente associado ao Jardim Passos Manuel, o que não é verdade.


Comício Republicano realizado em 25 de Março de 1908, no Grémio Recreativo (O Jardim Passos Manuel, na foto, tinha sido inaugurado, há uma semana) – Fonte: “Illustração Portuguesa” (06/04/1908); Cliché de Carlos Pereira Cardoso



Acima, observa-se uma força de infantaria da Guarda Municipal do Porto, em formação, e o desfazer do comício.
É frequente referir, como local da realização daquele comício, o Jardim Passos Manuel, o que o texto de um artigo alusivo ao facto, publicado na revista Illustração Portuguesa, de 6 de Abril de 1908, desmente, e as conclusões de Liliana Isabel Sampaio Fortuna Duarte, na sua tese de mestrado, confirmam. O comício realizou-se, sim, no Grémio Recreativo.
Quanto aos antecedentes do Jardim Passos Manuel, inaugurado em 17 de Março de 1908, para a imprensa e, no dia seguinte, para o público, não há certezas sobre qual o seu embrião.
À data, estava em moda o lançamento de cinematógrafos e, pode ter sido, esse, o caso a que alude um documento, datado de 24 de Agosto de 1907, onde é feito um pedido de vistoria aos terrenos que ficam por detrás da fotografia Alvão, pois, o requerente Alberto Joaquim, pretendia ali construir um cinematógrafo.
Em janeiro de 1908 um artigo no jornal “O Comércio do Porto” dava conta, de que a construção, do que viria a ser o Jardim Passos Manuel, estava em marcha.

“N’um vasto terreno da rua de Passos Manuel está sendo construído um amphiteatro, medindo 10 metros de raio e 20 de diâmetro e para as galerias do qual dão ingresso duas amplas escadas lateraes, sendo aquellas formadas por pilastras, columnas e balaustres, imitando granito
e mármore, e a cornija revestida de azulejos (arte nova).
Ao centro do amphiteatro ficará uma fonte luminosa, encimada por elegante torre, d’onde um holophote, collocado n’uma altura de 12 metros acima do sólo, projectará luz a grande distancia. Por debaixo d’essa fonte será formado um pequeno lago.
A galeria do lado esquerdo dá entrada para o jardim e a do lado direito também para aquelle recinto e para um grande salão...”
In jornal “O Comércio do Porto” de 28 de Janeiro de 1908


A 17 de Março de 1908, era então inaugurado o espaço de diversão que, durante as próximas décadas, seria uma referência na cidade do Porto

“O publico, que enchia literalmente o salão, aplaudiu enthusiasmado vários dos quadros apresentados. Não podia, pois, ser mais auspiciosa a experiencia.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 18 de Março de 1908 – 4ª Feira


Luiz Alberto de Faria Guimarães surge, em Maio de 1908, em requerimento de pedido de licenciamento para construção de uma bilheteira (Licença de obra nº: 385/1908), como proprietário do Jardim Passos Manuel.
Nos anos seguintes, os melhoramentos e os sucessos sucederam-se, até que surgiria uma outra sala icónica para os portuenses – O Coliseu do Porto.


“A partir de 1911 e, provavelmente, com o constante aumento do público e de forma a visar a comodidade do mesmo, a empresa que o geria sentiu necessidade de o expandir e, a partir daí, aparecem associadas ao Jardim Passos Manuel as seguintes dependências: uma bilheteira voltada para a rua Formosa; a criação de mais dois palcos-coreto, um próximo do salão de inverno/hall e o outro construído também para os lados das casas da rua Formosa; os camarins que ficavam ao lado poente do salão teatro/cinematográfico; a casa das máquinas, construída próximo dos terrenos adjacentes às casas da rua de Sta. Catarina; o ringue de patinagem/salão de festas que, até aos nossos dias, se encontra atrás do Olympia; a escola de tiro que se localizaria imediatamente ao lado da casa das máquinas; um novo WC, construído próximo dos terrenos das casas da
rua de Sta. Catarina; a tipografia, os escritórios e o Club Português que se encontravam também, para os lados da rua Formosa; um pequeno teatro no jardim; um chalet, que foi construído mais tarde no lugar da escola de tiro e, por fim, uma sala de espelhos, sobre a qual não temos praticamente nenhuma informação”.
Com a devida vénia a Liliana Isabel Sampaio Fortuna Duarte, In Mestrado em História da Arte Portuguesa (Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Setembro de 2017)



Pavilhão da Escola de Tiro pertencente ao "Jardim Passos Manuel", em 1923 – Ed. Foto Guedes


Entre muitas outras diversões, uma das mais famosas, era denominada de “Pim Pam Pum”, nome que era dado, naquela época, a todas as actividades relacionadas com jogos de perícia, pontaria ou força, tais como aqueles jogos, que ainda hoje se encontram nas barracas das feiras populares.
A Escola de Tiro, em 1923, seria alvo duma intervenção e apareceria como a “Nova Escola de Tiro” (junto da nova Casa das Máquinas) e, antes (1910), teria estado ao lado do palco-coreto.


Lago e Gruta do Jardim Passos Manuel (1914) – Fotograma extraído de filme da Cinemateca Portuguesa, O debute de um patinador”, realizado pela Invicta Film


No fotograma acima, um dos figurantes acaba por cair ao lago.




Ringue de Patinagem do Jardim Passos Manuel (1914) – Fotograma extraído de filme da Cinemateca Portuguesa, O debute de um patinador”, realizado pela Invicta Film


Central Eléctrica do Jardim Passos Manuel (1923) – Fonte: “gisaweb”


Hall de entrada no Salão Jardim Passos Manuel


Aspecto do Salão de Festas, Sala de Concertos e Teatro – Ed. Alvão



Aspecto do Salão de Festas, Sala de Concertos e Teatro


Pátio do Jardim Passos Manuel


Vista geral da fachada principal do "Jardim Passos Manuel", voltada para a Rua de Passos Manuel, 1923 – Ed. Foto Guedes




A parceria entre o Jardim Passos Manuel e a produtora cinematográfica “Invicta Film”


Num campo entre o Castelo do Queijo e o final da Estrada da Circunvalação, coincidente com terrenos hoje pertencentes ao Parque da Cidade e devidamente vedado (nele, só se podia entrar mediante o pagamento de 200 réis que revertiam a favor da organização do evento) decorreriam, em Setembro de 1912, várias demonstrações de voos em aeronaves, às quais assistiram, na primeira sessão, cerca de 60 000 pessoas, que se deliciaram com os voos dos consagrados pilotos aviadores franceses Leopold Trescartes, Isidore Auguste Marie Louis Paulhan (Pézenas, 19/07/1883 - Saint-Jean-de-Luz, 10/02/1963) e Roland Garros (Saint-Denis, Reunião, 06/10/1888 - Ardenas, 05/10/1918).
O Jornal de Notícias foi um dos que registaram, aquele que estava anunciado como o primeiro voo de avião, em Portugal, feito a partir de um aeródromo improvisado junto ao Castelo do Queijo, no Sábado 7 de Setembro de 1912.
Pretendiam aqueles voos de demonstração, angariar dinheiro para a construção da obra social das “Creches do Comércio do Porto", o que refira-se, desde já, foi um êxito.
Foi o industrial e proprietário António da Silva Marinho, em 1909, residente na Rua da Piedade e, em 1920, na Rua da Índia, que adquiriu o aparelho, em Paris.
Um MF-4, construído pelo francês Maurice Farman, o qual seria, depois de transportado por barco, desembarcado em Leixões.
Tratava-se de um biplano militar de reconhecimento aéreo.
Entre 7 e 15 de Setembro de 1912, no Porto, o piloto francês Leopold Trescartes, sempre acompanhado pelo mecânico montador M. Bouvier, efectuou diversos voos naquele avião, após ter estado desde o dia 1 de Setembro, em exposição, na nave central do Palácio de Cristal.


Maurice Farman 4 (MF 4 -1) em exposição no Palácio de Cristal


Realizaram-se 12 espectáculos até ao dia 15.
Assistiram mais de 60.000 pessoas ao primeiro voo no campo do Castelo do Queijo. O aeroplano fez evoluções sobre a cidade do Porto, Foz e Matosinhos, chegando a elevar-se a 300 metros de altura.
As imagens do histórico evento ficaram registadas, em filme realizado pela Invicta Film, o qual se encontra, hoje, nos arquivos da Cinemateca Portuguesa com o título “1ª SEMANA DE AVIAÇÃO”.


Maurice Farman 4 (MF 4 -1) voando sobre o Porto


“O aparelho ficou em exposição na nave central do Palácio de Cristal. A concorrência foi muito numerosa, pois a receita proveniente da venda de bilhetes e diversos emblemas atingiu a bonita cifra de 625$165 reis. A angariação dos fundos destinava-se à creche Comércio do Porto. A subida do avião ia ser feita no terreno em frente ao Castelo do Queijo entre a estrada da Circunvalação e a estação transformadora que a Cª. Carris ali possuía… O único automóvel de aluguer que então existia no Porto também não ficou inactivo, fazendo frequentes carreiras. Calculou-se em 60.000 o número de pessoas que no local se juntaram… Perante aquele público, verdadeiramente emocionado, o aparelho descolou lentamente às quatro e meia da tarde, para realizar o seu primeiro voo; ergueu-se até à altura de 250 metros evolucionando sobre a Foz e Matosinhos. Às cinco horas realizou-se então o chamado voo oficial… depois de subir à altura de 300 metros seguiu em direcção ao Porto, à velocidade horária de 90 Kms, passando por cima do Rio Douro, Praça da Liberdade, Marquês de Pombal e Torre dos Clérigos. Tinha permanecido 16 minutos no ar… o aparelho seguiu depois para Lisboa… o Porto pode ufanamente orgulhar-se de ter sido a primeira terra do país donde descolou um avião.” 
O brigadeiro Luís Nunes da Ponte, In "Recordando o Velho Porto" (1949);
Cortesia de Rui Cunha do “portoarc.blogspot.com”




Na Rua Oliveira Monteiro existiu um “Hipódromo- aeródromo”


No mês seguinte, o Porto voltaria a assistir a mais algumas evoluções aéreas que ficaram também registadas em filme.


“A partir de 11 de Outubro, no Porto, num hipódromo que existia então na rua Oliveira Monteiro, iniciaram-se uma série de voos num aparelho «Borel», aos comandos de um piloto francês de seu nome Poumet.

Cortesia de “portadembarque04.blogspot.com”


O produtor portuense Alfredo Nunes de Matos tinha a sede de uma modesta empresa, fundada em 1910, no nº 135 da Rua de Santo Ildefonso, no Porto.
Em 1912 muda-se para uma dependência do Jardim Passos Manuel, dando à firma o nome de "Nunes de Matos & Cia – (Invicta Film)".
Um trecho publicitário do jornal “O Comércio do Porto” de 17 de Outubro de 1912, dava conta da exibição, no cinematógrafo do Jardim Passos Manuel, de um filme/documentário intitulado: “Aviação e corridas de cavallos no aerodromo-hippodromo Oliveira Monteiro”.
Registe-se então, que na Rua Oliveira Monteiro existia, em 1912, um hipódromo que, por vezes, serviu de aeródromo para exibição de acrobacias aéreas.