terça-feira, 17 de dezembro de 2019

(Conclusão)


Boxing Day à moda do FC Porto


Até à década de 50, não só o futebol não parava como havia jogo em dia de Natal

Era uma espécie de Boxing Day à moda do FC Porto. Durante as primeiras décadas de vida do clube era frequente que o Natal não só não significasse uma pausa no futebol como acabasse por constituir uma ocasião excelente para a bola voltar a rolar.
Nos anos 30, então, houve jogos praticamente todos os anos. Chamava-se mesmo “Jogo de Natal” ou “Jogo de Boas Festas” e trazia ao Porto equipas de nomeada, algumas formadas de propósito para a ocasião.
Os eternos rivais Sporting e Benfica, por exemplo, passaram pelo “Jogo de Natal”. As relações eram outras. A revista Stadium de 28 de dezembro de 1932, por exemplo, cita uma passagem curiosa na crónica do jogo em que o FC Porto venceu o Benfica por 4-2: “Vítor Silva, capitão da equipe lisboeta, transporta um lindo ramo de flores, oferecendo-o a Waldemar – o capitão dos campeões.”
Antes disso, ainda, há registo de um FC Porto-Sporting, com vitória por 4-1 em 1929, no dia de Natal. No mesmo dia do ano seguinte, o adversário foi o Salgueiros, o resultado pouco importa e fica para a história uma estreia no FC Porto: Artur de Sousa, que para o futebol ficaria conhecido por Pinga.
Em 1933, o convidado especial veio do estrangeiro. Jogadores do Honved, MTK e Ujpest Doszda formaram uma seleção de Budapeste. Na altura, recorde-se, a Hungria era uma das principais potências da Europa do futebol. O FC Porto venceu por incríveis 7-4 e, segundo a revista Stadium “fez a melhor exibição do ano”. No ano seguinte vem o Ujpest, sozinho, e o FC Porto vence outra vez, por 2-1. Joseph Szabo, o treinador do FC Porto, não revela problemas em reconhecer a desilusão pela réplica do rival e o presidente da Federação Húngara, presente no Ameal, diz-se mesmo “horrorizado”.”
Cortesia de “fcporto.pt/”



Revista Stadium em 1934, dando conta do jogo de Natal, realizado no Campo do Ameal



 Alguma imprensa natalícia



Capa do “Diário de Notícias Ilustrado” no Natal de 1911 com desenho do pintor José Malhoa



Capa da revista “Terra Portuguesa” no Natal de 1916 – Fonte: “hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/”



Crónica publicada no “Jornal de Notícias” sobre os preços dos víveres nos mercados do Bolhão e Anjo para o jantar da consoada de 1927, com ilustrações de Cruz Caldas – Fonte: AHMP




Capa do “Comércio do Porto Ilustrado” no Natal de 1931 – Fonte: AHMP



Capa da revista “Editora Civilização” no Natal de 1936 com gravura da autoria do caricaturista Cruz Caldas – Fonte: AHMP



Capa do bissemanário “Sporting” no Natal de 1938 – Fonte: AHMP




Capa da revista “Faísca” no Natal de 1943 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “Diabrete” no Natal de 1946 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “Diabrete” no Natal de 1947 – Cortesia de “ogatoalfarrabista.wordpress.com”


Acima é exibida uma capa da revista “Diabrete”. Esta revista infanto-juvenil, durante um longo período, de 1941 a 1951, ofereceu aos seus leitores, por tradição, as mais belas capas de Natal de toda a imprensa portuguesa.



Capa da revista “O Gafanhoto” no Natal de 1948 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “O Mosquito” no Natal de 1950 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “Diabrete” no Natal de 1950 – Cortesia de “ogatoalfarrabista.wordpress.com”



Interior da edição natalícia da revista “Diabrete” em 1950 – Cortesia de “ogatoalfarrabista.wordpress.com”



Poema de Natal de Adolfo Simões Müller publicado na revista “Diabrete” – Cortesia de “ogatoalfarrabista.wordpress.com”



Capa da revista “O Mundo Ilustrado” no Natal de 1952



Capa da revista “Cavaleiro Andante” no Natal de 1953 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “Titã” no Natal de 1954 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “O Pirilau” no Natal de 1963 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”




Gravura publicada no jornal “O Comércio do Porto” da autoria do caricaturista Cruz Caldas no Natal de 1972




Capa da revista “Crónica Feminina” no Natal de 1976 – Fonte: “santanostalgia.com/”



Capa da revista “Jornal do Cuto” no Natal de 1977 - Cortesia de José Alberto Varandas; Fonte: “divulgandobd.blogspot.com/”



Capa da revista “Crónica Feminina” no Natal de 1986 – Fonte: “enciclopediadecromos.blogspot.com/”





Festas de Natal de antigamente



Notícia sobre festa de Natal no Palácio de Cristal em 1907, In jornal “A Voz Pública”



Festa de Natal na Escola Primária nº 1 do Porto em 1931 – Fonte: AHMP


Festa de Natal para os filhos dos funcionários da fábrica de Lordelo da Sociedade Nacional de Fósforos, em 1940 - Fonte: Hélder Pacheco, "O Porto no tempo da Guerra 1939-1945"



Natal do Instituto Britânico do Porto em 1943


Festa de Natal no Palácio de Cristal, com distribuição de brinquedos e bolos aos filhos dos funcionários da Câmara Municipal do Porto, em 1963 – Fonte: AHMP



Festa de Natal no Palácio de Cristal, com distribuição de brinquedos e bodos aos filhos dos funcionários da Câmara Municipal do Porto, em 1963 – Fonte: AHMP

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

(Continuação 3)


O Presépio


“Natal é a festividade cristã que enaltece o nascimento de Jesus. A origem do Natal é algo controverso e discutível por muitos entendidos e estudiosos da matéria, no entanto, e segundo a tradição da religião católica, é comemorado anualmente em 25 de dezembro pela Igreja Católica Apostólica Romana. Já nos países eslavos e ortodoxos, cujos calendários eram baseados no calendário Juliano, o Natal é comemorado no dia 7 de janeiro. O Natal é, de resto, encarado mundialmente por pessoas de diferentes credos, como o dia consagrado à família, à paz, à fraternidade e à solidariedade entre os homens. Um dos grandes símbolos religiosos, que retrata esse evento do Natal e o nascimento de Jesus é o presépio. De acordo com Rafael Bluteau e Cândido de Figueiredo, a palavra "presépio" provem do latim praesepium, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos. O presépio de Natal é uma tradição que remonta ao século XIII e que ainda hoje se cumpre na maior parte dos lares cristãos. Quanto à origem dos presépios, alguns pesquisadores reportam-se aos primeiros séculos da era cristã, considerando como elementos precursores do presépio de Natal, as representações da natividade em frescos das catacumbas de Santa Priscila, em Roma, bem como na ornamentação dos sarcófagos nelas recolhidos. Dessas antigas representações da arte cristã primitiva preservou-se uma cena  esculpida sobre um sarcófago datado do século IV d.C..  Esta comemoração começou em Roma, enquanto no cristianismo oriental o nascimento de Jesus já era celebrado em conexão com a Epifania (revelação ou a primeira aparição de Jesus aos Reis Magos), em 6 de janeiro. Ainda que os presépios já fossem uma tradição pelo menos do século II a. C., a verdade é que para os pagãos os deuses solares também nasceram em grutas: ZeusDionysius e Agni”
Fonte: “historiaschistoria.blogspot.com”




O presépio barroco de Natal, em Portugal, desenvolveu-se no reinado de D. João V (1689 - 1750), recebendo influência dos presépios congéneres de Nápoles, do mesmo período. Os mais famosos presépios portugueses de Natal, barrocos, foram atribuídos  ao escultor Joaquim Machado de Castro (1731 - 1822).



Joaquim Machado de Castro


“Joaquim Machado de Castro (Sé, Coimbra, 19 de Junho de 1731 - Mártires, Lisboa, 17 de Novembro de 1822) foi um dos maiores e mais renomados escultores portugueses. Machado de Castro foi um dos escultores de maior influência na Europa do século XVIII e princípio do século XIX.
(…) Em 1746 foi para Lisboa, onde trabalhou na oficina do santeiro (comerciante que vende estampas e imagens de santos) Nicolau Pinto, passando depois pelo atelier de José de Almeida, que frequentara a Academia de Portugal em Roma. Em 1756, ingressou na chamada Escola de Escultura de Mafra (criada em 1754 por D. José I), tornando-se assistente de Giusti. No ano de 1771, era incumbido de esculpir a Estátua Equestre de D. José I, destinada ao Terreiro do Paço, projectada por Eugénio dos Santos. A estátua foi inaugurada em 1775 e, posteriormente, foi chamado a coordenar o programa escultórico da Basílica da Estrela (…).”
Fonte: “pt.wikipedia.org”




O Presépio ou Natividade, geralmente, por cá, é composto por figuras de barro, na sua maioria dos barristas de Barcelos e, em conjunto, representam o Nascimento de Jesus Cristo em Belém.
No Porto, o melhor local para os encontrar, para além das casas dos portuenses devotos, é nas igrejas e em alguns museus.
O primeiro Presépio, como o conhecemos, foi criado por S. Francisco de Assis em Greccio em 1223, na Itália. Era um Presépio vivo, com pessoas e animais, como já se viu algumas vezes na Igreja da Lapa, durante a Missa do Galo.
Em Portugal, no século XVI, já existiam inúmeros exemplos, mas o período Barroco é que marca o apogeu da arte, destacando-se Machado de Castro que, no Porto, conta pelo menos com dois exemplares, nas Igrejas de S. José das Taipas e das Almas do Corpo Santo de Massarelos.
Assim, num presépio exposto no mini-museu da igreja de S. José das Taipas, é possível observar-se que ele apresenta um 4º mago.
No tempo em que S. Francisco de Assis instituiu que o nascimento de Jesus se passasse a fazer por intermédio de um presépio alusivo, as figuras dos reis magos estariam em linha com o que vinha transcrito na bíblia. Seriam reis que viriam de longas paragens, adorar o menino. Seriam, em suma, representantes do mundo conhecido à data, que compreendia 3 continentes: Europa, Ásia e África.
O presépio da igreja de S. José das Taipas (que tudo indica tem a autoria de Machado de Castro ou pelo menos tem origem na sua escola) será de um tempo em que já a humanidade tinha conhecimento de um quarto continente – o americano. Daí, a representação do 4º mago, na pessoa de um índio conduzindo o seu lama.
Não se sabe, porém, quem teria sido o primeiro detentor do presépio ou quando entrou na posse da Irmandade de S. José das Taipas.
Depois de recuperado está agora em exposição permanente.





Presépio exposto na Igreja de S. José das Taipas – Ed. Graça Correia



Em ampliação da foto anterior, no canto superior, à direita, dentro da oval amarela, divisa-se um índio conduzindo um lama 



Na igreja das Almas do Corpo Santo de Massarelos, existe exposto no seu Núcleo Museológico, um presépio muito parecido com o de S. José das Taipas, que se julga ser de Machado de Castro, que também exibe 4 reis magos.
Encontrando-se na posse da confraria desde tempos que não se tem memória, aquele presépio foi recuperado para ser apreciado, há cerca de 2 anos, pela quantia de 6000 euros.



Presépio da igreja das Almas do Corpo Santo de Massarelos – Ed. Graça Correia


O 4º mago, representando o continente americano, está na foto anterior, no canto superior direito, um pouco encoberto pelo corpo de um anjo e em destaque, na ampliação seguinte, dentro da elipse amarela.



Presépio da igreja das Almas do Corpo Santo de Massarelos com 4º Mago, em destaque – Ed. Graça Correia


Outros presépios podem ser apreciados durante a época natalícia e, embora sem confirmação, alguns deles, dizem que possuem algumas características atribuídas a Machado Castro.
É o caso dos exibidos nas igrejas de S. Lourenço (igreja dos Grilos) e de Nossa Senhora da Esperança (S. Lázaro).



Igreja de São Lourenço ou dos Grilos. Presépio de Natal do século XVII, construído em madeira, papel, metal e vidro, de autor desconhecido



Presépio da igreja dos Grilos


Presépio da igreja dos Grilos – Fonte: “pt.wikipedia.org”



A igreja de Nossa Senhora da Esperança, a S. Lázaro, também tem um presépio guardado na sacristia que pela época natalícia é exposto, que dizem ser da escola de Machado de Castro.



Presépio da igreja de Nossa Senhora da Esperança - Ed. Graça Correia


Mas, espalhados pela cidade, muitos outros presépios podem ser dignos de registo.



Este presépio costuma estar em exposição na Igreja de Santo Ildefonso



No presépio da foto anterior, o Menino Jesus ainda não está colocado porque, segundo a tradição, por nascer no dia 25 de Dezembro, só neste dia pode ser colocado.




Presépio que costuma ser armado na igreja do Carmo




Presépio que se armava a meio do Mercado do Bolhão



Anúncio do “Jornal do Porto” em 25 de Dezembro de 1891


O “Jornal do Porto” com Redacção e Administração na Rua dos Caldeireiros, nº 26, com a entrada do ano 1892, começou a ser publicado à tarde.



In Jornal “A Voz Pública”, em 28 de Dezembro 1900, p. 2




Construindo um presépio


Há três personagens fundamentais para contar a história. Pai, Mãe e Menino. O cenário, segundo as escrituras, apresenta um telheiro (manjedoura), umas palhas (servindo de berço) e uns animais (uma vaca e um burrito e umas ovelhas) para dar movimento ao estábulo.
A construção com método impõe que, até ao dia 24 de Dezembro, apenas estejam como figurantes, os progenitores.
No dia seguinte, instala-se o rebento e uns pastores para dar movimento e uma estrela anunciadora e condutora de magos.
Assim se vai seguindo as escrituras.


”Ora havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo. Pois, na cidade de Davi (Belém), vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura.”
(Lucas 2:8-12)


A 6 de Janeiro, acrescentam-se três reis magos. Os mais eruditos poderão acrescentar o quarto rei mago, o tal índio, representando o Continente Americano.

“E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande alegria. E, entrando na casa acharam o menino com Maria sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra.”
(Mateus 2:9-11)


No Porto, o dia de Reis e o período que o antecede, já foi de grandes festejos, a exemplo do que se passa na vizinha Espanha.
É Germano Silva que disso nos dá conta.


“Em tempos idos houve, no Porto, uma festa que chegou a ombrear com a do S. João. Foi a festa aos três Reis Magos, também referenciados como “três santos reis Magos”
Em tempos idos houve, no Porto, uma festa que chegou a ombrear com a do S. João. Foi a festa aos três Reis Magos, também referenciados como “três santos reis Magos”, que se celebra entre os dias 1 e 6 de Janeiro.
O costume é antigo e evoca os três reis do oriente que, segundo uma antiquíssima tradição, mais ou menos fantasiosa, se chamavam Baltasar, Gaspar e Belchior. Estes Magos aparecem tratados como santos, pela primeira vez (1133), nas obras do arcebispo Hildeberto, do Tours, em França. A palavra Mago é de origem indo - europeia e não hebraica, como às vezes se tem escrito, e significa “grande, ilustre”.
Os Magos da lenda eram originários da Pérsia. Logo nos começos da era cristã uma tradição conferiu – lhes o título de “reis”. A lenda diz que eram três. Mas os cristãos orientais contaram doze e, nas pinturas e nos mosaicos primitivos, aparecem dois, três, quatro ou mais. A Igreja fixou-lhe o número de três.
Pois era a e estes três reis Magos que, em tempos antigos, o Porto fazia uma grande festa. Grupos de pessoas, mais ou menos organizados, por ruas, a “trupe das Eirinhas ”; por profissões, “o grupo dos empregados da Carris”; por coletividades, “os reiseiros dos Unidinhos da Sé ”, percorriam as ruas da cidade cantando os reis de porta em porta, sempre de noite, em atenção ao pormenor de os Magos terem sido guiados por uma estrela, logo de noite. A festa era animada e chegou, em certas épocas, a rivalizar, em popularidade e entusiasmo popular, com a do tradicional S. João tripeiro.
O costume era antigo. Na ata de uma reunião camarária do século XV, por exemplo, aparece referenciada a petição de um grupo de cidadãos, moradores à Cruz do Souto, que solicitam da Câmara autorização para, no sítio onde moram, montarem um tablado a fim de sobre ele realizarem uma pantomina em louvor dos três reis Magos.
O costume chegou até aos primeiros anos do século XX. Por essa altura os festejos eram organizados em torna da capela dos Três Reis Magos que existiu, contigua ao palácio onde, na praça de D. Pedro, atual praça da Liberdade, funcionou, por quase um século, a Câmara Municipal do Porto. Tudo agora é passado: o edifício onde esteve a Câmara e a capela, apeadas para a abertura da avenida dos Aliados e a própria festa que já só é recordada em louváveis evocações de ranchos folclóricos”.



Hotel Francfort em 1905


Sobre a foto acima considerar que: a rua que sobe pela direita é a antiga e desaparecida Rua D. Pedro, que a partir de 1910 será a Rua Elias Garcia e, hoje, é sensivelmente a via lateral ascendente da Avenida dos Aliados; no local da fachada frontal do Hotel Francfort estará hoje a estátua da “Menina da Avenida”; a rua pela esquerda, apenas parcialmente visível, era a Rua do Laranjal, onde, nesse troço inicial, pela esquerda, encontrávamos a capela dos Três Reis Magos (Por pouco não a vislumbramos nesta foto).
A Rua do Laranjal também desapareceu para ser construída a actual Avenida dos Aliados e, o seu leito corria, sensivelmente, pelo chão que é hoje o meio daquela avenida.


(Continua)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

(Continuação 2)


O Bacalhau

Por cá, o bacalhau ou o “ fiel amigo”, como o trata o povo, pode encontrar-se nas mercearias tradicionais do Porto, no formato espalmado, esfiapado, em cabeças e línguas, contudo, ele é o sabor da noite de Natal, hoje, como há mais de cem anos atrás.


“O consumo de bacalhau (Gadus Morhua) faz parte da dieta dos portugueses desde, pelo menos, a Idade Média, sendo conhecidos tratados, datados do século XIV, em que Portugal trocava sal por bacalhau com a Inglaterra. 
Datam do século XVI, porém, os primeiros registos de barcos portugueses envolvidos na pesca do bacalhau na Terra Nova, região situada na costa ocidental do Canadá e onde se encontram os grandes "bancos" deste peixe, "(...) imensas plataformas submarinas a pequena profundidade onde o bacalhau se concentra aproveitando o plâncton, as pescadas e a lula (...)" (GARRIDO, 2010: 26)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”



A vermelho, pode-se distinguir a Terra Nova


“Já no séc. XVII, se vendia no Porto o bacalhau, que em 1671 tinha o preço máximo de 25 reis o arrátel (459 gramas). Este peixe era vendido na Ribeira, junto da antiga fonte e só por negociantes devidamente autorizados pela câmara. Os barqueiros e particulares estavam proibidos de transportar para Gaia este portuense pitéu, salvo com licença da mesma.
Só a partir de 1830, quando foi elaborada legislação fiscal conveniente aos armadores portugueses, reuniu a frota portuguesa condições para se desenvolver, mesmo assim recorrendo a barcos e tripulações inglesas. A sua vigência foi, no entanto, breve, o que determinou que o número de navios empregue na faina maior tenha oscilado ao sabor das mudanças legislativas que a partir daí foram sendo operadas, nem sempre favoráveis à indústria. Em 1896, para se ter uma ideia, existiam apenas 12 veleiros portugueses empregues na pesca do bacalhau. (MOUTINHO, 1985)
Em 1901, contudo, é dado um importante impulso fiscal para o desenvolvimento da actividade de forma mais sustentada, estabelecendo-se um imposto de 12 réis por quilo de pescado, quando anteriormente, para as novas embarcações que queriam entrar ao serviço, estava previsto um imposto de 39 réis por quilo. Reflexo disso mesmo, em 1924 eram já 65 os veleiros que demandavam os bancos da Terra Nova e com uma tonelagem maior relativamente ao que sucedia no início do século. (MOUTINHO, 1985)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”


Há referências ao bacalhau seco nas listas de compras dos hospitais e das misericórdias portugueses. Além disso, o bacalhau era um recurso alimentar na Quaresma e quando a Igreja indicava que não se podia comer carne. A facilidade da sua conservação possibilitava também que fosse para terras do interior.


“Não há prova inequívoca de que o bacalhau fosse um alimento dos pobres, mas há prova de que era um alimento popular e urbano de largo consumo”.
Cortesia Álvaro Garrido


Vindo de paragens distantes, o bacalhau é preservado seco e salgado.
O processo de salga e de secagem tem como objectivo eliminar uma grande percentagem de água do bacalhau, assim neutralizando a acção de enzimas e bactérias que, de outro modo, iriam concorrer para a deterioração do produto. Ao permitir conservar as propriedades do bacalhau por um período alargado de tempo, a salga e a secagem do bacalhau tornaram possível a expansão do seu consumo muito para lá do seu território de origem, como é o caso do nosso país.
Secas do bacalhau à volta do Porto, durante o século XX, havia uma área ao fundo da Estrada da Circunvalação, próximo ao Castelo do Queijo, e outra em Lavadores, ao Parque de S. Paio, V. N. de Gaia.
Esta área, em V. N. de Gaia, era da responsabilidade da Empresa de Pesca de Bacalhau do Porto, Lda., que a licenciou em 1937.



Lugre motor “Oliveirense” da SNAB (Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau) amarrado ao cais do Jones, em V. N. de Gaia, a descarregar bacalhau para a seca de Lavadores. Imagem obtida no blogue “Navios à Vista”




Local da antiga Seca do Bacalhau em Lavadores. A meio da foto (ao longe) o antigo depósito de água que servia o complexo – Fonte: Google maps



No Porto, ao fundo da Estrada da Circunvalação, durante anos, os portuenses habituaram-se a observar uma imagem muito idêntica à da foto seguinte.



Na Seca do Bacalhau, no fim da Estrada da Circunvalação, os bacalhaus secando ao ar livre, com o oceano em fundo




Foto aérea da zona envolvente ao Porto de Leixões e entre a Estrada da Circunvalação e a Avenida da Boavista, c. 1950 – Ed. Alvão


Legenda

1. Farolim do Esporão
2. Molhe Sul
3. Molhe Norte
4. Estrada da Circunvalação
5. Área da Seca do Bacalhau (Hoje, o Queimódromo)
6. Bairro (de lata) de Xangai
7. Avenida da Boavista
8. Castelo do Queijo
9. Praia de Matosinhos
10. Avenida de Montevideu
11. Porto de Leixões
12. Local do actual Parque da Cidade



Seca do Bacalhau, em 1939, junto da Estrada da Circunvalação – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca



Frota Bacalhoeira, em 1939, junto do Cais de Massarelos e da “Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau – Armazéns Frigoríficos” – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca



O bacalhau vendia-se para a consoada e durante todo o ano em quase todas as mercearias. Para aqueles que faziam questão de ter à mesa também o polvo, recorriam aos mercados e peixarias de todos os dias.
A gente abastada recorria a mercearias finas, de produtos escolhidos, como se diz hoje, “gourmet”. Tanto para o bacalhau, como para o polvo. Este era apresentado seco e com cura de lixívia que, alguns poucos, apreciam.



“Feira do Bacalhau” na Rua do Bonjardim, 498 – Fonte: “jpn.up.pt”


Hoje, a concorrência aumentou e outros protagonistas tomaram conta do mercado.
Tudo aconteceu nas vésperas do Natal de 1985.


“No dia 10 de Dezembro de 1985, a tempo das compras de Natal, surgiu o primeiro hipermercado em Portugal, com a inauguração do Continente de Matosinhos. Foi o início de uma revolução no sector.
Resultado de uma parceria entre a Sonae (grupo proprietário do PÚBLICO) e os franceses da Promodès, o hipermercado do Continente de Matosinhos foi construído num terreno comprado à diocese do Porto. É Narciso Miranda, presidente da câmara de Matosinhos em 1985, quem conta a história, recordando que a escolha de local surgiu num almoço com Belmiro de Azevedo, presidente da Sonae.” 
Fonte: Luís Villalobos, In “publico.pt”


E, de repente, dá-se uma revolução. Todos estavam fascinados com a possibilidade de comprar todos os produtos que precisavam para o dia-a-dia no mesmo espaço. A entrada dos clientes era controlada por um funcionário com um apito que avisava sobre a abertura e fecho das portas. Excursões faziam-se a Matosinhos vindas de todo o País.



Continente-Matosinhos em 1985



Vista aérea do Continente-Matosinhos em 1985


(Continua)