terça-feira, 14 de março de 2023

25.181 Duas revoluções falhadas com a mesma rua como cenário

 
Revolta de 31 de Janeiro de 1891
 
 
No dia 31 de Janeiro de 1891, na cidade do Porto, registou-se um levantamento militar contra as cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890, por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique.
A 1 de Janeiro de 1891, reuniu-se o Partido Republicano em congresso, de onde saiu um directório eleito, constituído por: Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Homem Cristo, Jacinto Nunes, Azevedo e Silva, Bernardino Pinheiro e Magalhães Lima.
Estes homens apresentaram um plano de acção política a longo prazo, que não incluía a revolta que veio a acontecer, no entanto, a sua supremacia não era reconhecida por todos os republicanos, principalmente por aqueles que defendiam uma acção imediata. Estes, além de revoltados pelo desfecho do episódio do Ultimato, entusiasmaram-se com a recente proclamação da República no Brasil, a 15 de Novembro de 1889.
As figuras cimeiras da "Revolta do Porto", que sendo um movimento de descontentes grassando, sobretudo, entre sargentos e praças careceu do apoio de qualquer oficial de alta patente.
Assim, foram o capitão António Amaral Leitão, o alferes Rodolfo Malheiro, o tenente Coelho, além dos civis, o Dr. Alves da Veiga, o actor Miguel Verdial e Santos Cardoso, além de vultos eminentes da cultura como João Chagas, Aurélio da Paz dos Reis, Sampaio Bruno, Basílio Teles, entre outros, aqueles que tomaram as rédeas da revolta.
Esta tem início na madrugada do dia 31 de Janeiro, quando o Batalhão de Caçadores nº 9 (sedeado no convento de S. Bento da Vitória), liderados por sargentos, se dirigem para o Campo de Santo Ovídio, hoje Praça da República, onde se encontra o Regimento de Infantaria 18 (R.I. 18). Ainda antes de chegarem, junta-se ao grupo, o alferes Malheiro, perto da Cadeia da Relação; o Regimento de Infantaria 10, sedeado na Torre da Marca, liderado pelo tenente Coelho; e uma companhia da Guarda Fiscal. Embora revoltado, o R.I. 18, fica retido pelo coronel Meneses de Lencastre que, assim, quis demonstrar a sua neutralidade no movimento revolucionário.
Às 4 horas da manhã, o jornal “A República Portugueza” imprimia o seguinte comunicado:


 




Eram 4 da manhã, quando as forças sublevadas (os quartéis de Caçadores 9, Infantaria 10 e Infantaria 18, este último invadido por populares que puseram fim às hesitações quanto à sua adesão), comandadas pelo alferes Malheiro, capitão Leitão e tenente Coelho, se encaminharam para a Praça D. Pedro, posicionando-se frente aos Paços do Concelho.
À frente da coluna, uma banda militar tocava “A Portuguesa”, de Alfredo Keil.
Os revoltosos descem a Rua do Almada, até à Praça de D. Pedro, (hoje Praça da Liberdade), onde, em frente ao antigo edifício da Câmara Municipal do Porto, ouviram Alves da Veiga proclamar da varanda a Implantação da República. Acompanhavam-no Felizardo Lima, o advogado António Claro, o Dr. Pais Pinto, Abade de São Nicolau, o Actor Verdial, o chapeleiro Santos Silva, e outras figuras.
 
 
 
 

Alves da Veiga
 
 
 
Verdial leu a lista de nomes que comporiam o governo provisório da República e que incluíam: Rodrigues de Freitas, professor; Joaquim Bernardo Soares, desembargador; José Maria Correia da Silva, general de divisão; Joaquim d'Azevedo e Albuquerque, lente da Academia; Morais e Caldas, professor; Pinto Leite, banqueiro; e José Ventura Santos Reis, médico.

 
 
 

Quartel de Infantaria nº 18, à Praça da República - Ed. Estrela vermelha
 
 
 
Foi, então, hasteada uma bandeira vermelha do “Centro Democrático Federal de 15 de Novembro” (a bandeira vermelha e verde só será adoptada a partir de 1910) no mastro do frontão, apoiado pelos vivas e pelo entusiasmo da multidão.
É Santos Cardoso, um dos chefes civis da revolta, proprietário, editor e redactor do jornal “A Justiça Portuguesa”, que atiçou durante longos meses a violência contra a Monarquia, e constituiu o elemento preponderante da aliciação dos militares que participaram na revolta quem irá subir no mastro da varanda da Câmara aquela bandeira vermelha.
Com fanfarra, foguetes e vivas à República, a multidão decide subir a Rua de Santo António, em direcção à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos.
No entanto, o festivo cortejo foi barrado por um forte destacamento da Guarda Municipal, posicionada na escadaria da igreja de Santo Ildefonso, no topo da rua. O capitão Leitão, que acompanhava os revoltosos e esperava convencer a guarda a juntar-se-lhes, viu-se ultrapassado pelos acontecimentos.
 
 
 

Capitão Leitão – Foto In “A república Portuguesa” de João Chagas
 
 
 
Em resposta a dois tiros, que se crê terem partido da multidão, a Guarda solta uma cerrada descarga de fuzilaria vitimando indistintamente militares revoltosos e simpatizantes civis. A multidão civil entrou em debandada e, com ela, alguns soldados.
 
 
 
“ A Guarda Municipal abrigada pelas varandas de pedra que guarnecem as escadas e patamares que dão acesso à Igreja de Santo Ildefonso … que permitem estabelecer como começou e desenvolveu o combate da Rua de Santo António… inesperadamente, e por via da falta de disciplina militar que a Polícia Fiscal não possuía, uma ou duas praças dessa polícia, saindo da forma fizeram 2 ou 3 tiros sobre a guarda municipal. O Major Graça (comandante da Guarda Municipal) … logo que ouviu aqueles tiros ordenou o toque de fogo às suas forças, reiterando-o, e mandando em seguida que se fizesse fogo vivo, pelo corneteiro sob as suas ordens…
Refeitos, porém, dessa desordem e do espanto que causara o início da luta, em pequenos grupos, ou isoladamente, os soldados da revolta começaram um fogo nutrido contra a Guarda Municipal… até que as munições se lhes esgotavam”. 
A Revolta do Porto de João Chagas e ex-Tenente Coelho

 
 

Confrontos junto da igreja dos Congregados durante a revolta de 31 de Janeiro de 1891
 
 
 
 
Os mais bravos tentaram ainda resistir. Cerca de trezentos barricaram-se na Câmara Municipal, mas, por fim, a Guarda ajudada por artilharia da serra do Pilar, por Cavalaria e pelo Regimento de Infantaria 18, sob as ordens do chefe do Estado Maior do Porto, General Fernando de Magalhães e Menezes força-os à rendição, às dez da manhã. Terão sido mortos 12 revoltosos e feridos 40.
Alguns dos implicados conseguiram fugir para o estrangeiro: Alves da Veiga iludiu a vigilância e foi viver para Paris; o jornalista Sampaio Bruno e o advogado António Claro alcançaram a Espanha, assim como o Alferes Augusto Malheiro que, daí, emigrou para o Brasil.
 
 
 
 

Croquis de L. Freire sobre o bombardeamento dos Paços do Concelho no 31 de Janeiro de 1891 - Ed. “O Occidente n.º 437 11de Fevereiro de 1891
 
 
 
Os nomeados para o "Governo Provisório" trataram de esclarecer não terem dado autorização para o uso dos seus nomes. Dizia o prestigiado professor Rodrigues de Freitas, enquanto admitia ser democrata-republicano:
 
 
"…mas não autorizei ninguém a incluir o meu nome na lista do governo provisório, lida nos Paços do Concelho, no dia 31 de Janeiro, e deploro que um errado modo de encarar os negócios da nossa infeliz pátria levasse tantas pessoas a tal movimento revolucionário."
 
 
A reacção oficial seria, como de esperar, implacável, tendo os revoltosos sido julgados por Conselhos de Guerra, a bordo de navios, ao largo de Leixões: o paquete Moçambique, o transporte Índia e a corveta Bartolomeu Dias.
Para além de civis, foram julgados 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e 15 anos de degredo, em África, cerca de duzentas e cinquenta pessoas. Em 1893, alguns seriam libertados em virtude da amnistia decretada para os então criminosos políticos da classe civil.
Em memória desta revolta, logo que a República foi implantada em Portugal, a então designada Rua de Santo António foi rebaptizada para Rua de 31 de Janeiro, passando a data a ser celebrada, dado que se tratava da primeira de três revoltas de cariz republicano efectuadas contra a monarquia constitucional (as outras seriam o Golpe do Elevador da Biblioteca e o 5 de Outubro de 1910).
 
 
 

No cemitério do Prado do Repouso, o Monumento de homenagem aos mortos da revolta de 31 de Janeiro
 
 
 
Revolta de Fevereiro de 1927
 
 
A Rua de Santo António ficaria também ligada a outra revolta importante ocorrida na cidade e que seria votada ao insucesso.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias. Foi a primeira tentativa consequente de derrube da Ditadura Nacional que então se consolidava em Portugal, na sequência do golpe de 28 de Maio de 1926.
A intentona terminou com a rendição e prisão dos revoltosos e saldou-se em cerca de 80 mortos e 360 feridos no Porto e deu início ao período chamado “ O Reviralho”.
 
 
“A rebelião iniciou-se pelas 4:30 da madrugada do dia 3 de Fevereiro, com a saída do Regimento de Caçadores 9, a que se juntou a maior parte do Regimento de Cavalaria 6, vindo de Penafiel, vários núcleos de outros regimentos da cidade e uma companhia da Guarda Nacional Republicana aquartelada na Bela Vista, Porto.
O comando das forças fora confiado ao general Adalberto Gastão de Sousa Dias, tendo como chefe do estado-maior o coronel Fernando Freiria, apoiado por um comité revolucionário constituído por Jaime Cortesão, Raul Proença, Jaime Alberto de Castro Morais, João Maria Ferreira Sarmento Pimentel e João Pereira de Carvalho. Entre os apoiantes incluía-se também José Domingues dos Santos, o líder da esquerda democrática que em 1918 dirigira a conspiração civil contra a Monarquia do Norte.
Jaime Cortesão foi de imediato nomeado governador civil do Porto e Raul Proença, além de conspirador, foi organizador e combatente de armas na mão, servindo de ligação aos co-conspiradores de Lisboa.
Durante a madrugada e manhã do dia 3 de Fevereiro, as forças dos revoltosos dirigiram-se para a zona da Praça da Batalha, onde estavam as sedes do quartel-general da Região Militar e do Governo Civil e a mais importante estação do telégrafo. As forças governamentais, depois de algumas horas de desorganização, passaram a ser constituídas por uma parte reduzida do Regimento de Infantaria 18, que tinha como comandante o coronel Raul Peres, o Regimento de Cavalaria 9 e o Regimento de Artilharia 5, este aquartelado na Serra do Pilar. Na tarde do dia 3 de Fevereiro, sob o comando do coronel João Carlos Craveiro Lopes, chefe do estado-maior da Região Militar e governador militar da cidade, as forças pró-governamentais concentraram-se no quartel da Serra do Pilar e abriram fogo de artilharia contra os revoltosos.
Na manhã desse mesmo dia 3 de Fevereiro, numa manobra arriscada, mas indicativa da certeza de que estava assegurada a fidelidade ao Governo das tropas de Lisboa, o Ministro da Guerra, coronel Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa, saiu de Lisboa num comboio com destino a Vila Nova de Gaia, onde chegou ao anoitecer. Assumiu então o controlo operacional das forças pró-governamentais ali instaladas sob o comando do coronel João Carlos Craveiro Lopes, mantendo-se na frente de combate até à subjugação dos revoltosos”.
In Wikipédia
 

 

Trincheira ao cimo da Rua de 31 de Janeiro

 
 

Revolta de 1927, na Rua de Santo António
 
 
 
 

A trincheira da morte, ao cimo da Rua de 31 de janeiro, na revolta de 1927 - Ed. monumentosdesaparecidos.blogspot

 
 
 

Trincheira, em Fevereiro de 1927, na confluência da Rua de Entreparedes e Praça da Batalha
 
 
 

Trincheira na Sé, no acesso à ponte Luís I, na revolta de 1927 - Ed. monumentosdesaparecidos.blogspot
 
 
 
Raúl Proença, em 4 de Fevereiro, tenta que os civis se juntem ao movimento, solicitação que não vai ter grande adesão.
Quanto a forças militares, aderem tropas pertencentes a unidades aquarteladas em Viana do Castelo, Figueira da Foz e Faro, estas últimas apoiadas por forças de Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.
Pior é que o esperado envolvimento das unidades militares lisboetas não acontecem. Pela capital o quotidiano é feito de hesitações, que irão durar até ao fim dos confrontos. É quando tudo já está perdido para o lado dos revoltosos portuenses, que Lisboa esboça algo que irá ficar conhecido como a “Revolta do Remorso”.
 
 
 
 

Trincheira na Rua Alexandre Herculano
 
 
 
O quartel general das tropas governamentais assentou arraiais nas Devesas, em V. N. de Gaia.

 
 

Embarque junto da Estação das Devesas, em V. N. de Gaia, para o Porto a 5 de Fevereiro de 1927 - Ed. Ferreira da Cunha, Arquivo Municipal de Lisboa


 
Na manhã do dia 5 de Fevereiro o vapor Infante de Sagres chegava a Leixões, com tropas governamentais, comandadas pelo coronel Augusto Manuel Farinha Beirão, enquanto mais forças governamentais atravessavam o Douro em Valbom e se encaminhavam para o centro da cidade.
Sem o apoio das unidades militares de Lisboa, os revoltosos tentam uma conciliação, que leva o comandante Jaime de Morais e o major Severino a visitar o quartel-general do Ministro da Guerra, instalado num prédio da Avenida das Devesas, em Gaia, numa tentativa de negociar a rendição em troca da liberdade para os revoltosos.
Os parlamentários dos revolucionários foram obrigados a atravessar a cidade vendados, mas o resultado foi inconclusivo já que o Ministro recusou uma rendição que não fosse incondicional: ou a rendição total ou o bombardeamento da cidade.


 
 

Os parlamentários, comandante Jaime Morais e o major Severino dirigindo-se vendados para o quartel-general das forças governamentais

 
 
Na sequência do malogro das conversações, as duas partes começaram a metralharem-se.

 
 

Altar da igreja dos Congregados atingido por um projéctil lançado pela bataria governamental instalada na serra do Pilar. Ainda hoje é visível o dano e, a propósito, numa vitrina está exposta a munição referida, que acabou por não explodir. Eram quatro e um quarto da tarde do dia 6 de Fevereiro
 
 
 
 
“Finalmente, na tarde do dia 7 de Fevereiro, esgotadas as munições, o quartel-general dos revoltosos, instalado no Teatro de S. João, manda dispersar os civis ali aquartelados. À meia-noite o general Sousa Dias faz chegar ao Regimento de Artilharia 5, em Gaia, por intermédio do major Alves Viana, da GNR, um documento apenas por si subscrito, em que propõe a rendição, com salvaguarda da isenção de responsabilidades de sargentos, cabos e soldados. Passos e Sousa aceita apenas a isenção de cabos e soldados, declarando que os oficiais e sargentos envolvidos seriam punidos. Qualquer civil apanhado de armas na mão seria imediatamente fuzilado.
Sem mais opções, pelas 3:00 horas da madrugada do dia 8 de Fevereiro Sousa Dias aceita as condições propostas e ordena a rendição dos revoltosos. Pelas 8:30 horas, Passos e Sousa entra triunfalmente na cidade, pela Ponte D. Luís. Estava terminada a revolta no Porto.
Durante os 5 dias que durou a revolta no Porto perderam a vida mais de 100 pessoas, entre militares e civis, entre os quais o jornalista António Maria Lopes Teixeira, director do Diário do Porto. Foram mais de 500 os feridos, alguns dos quais viriam a sucumbir nos dias imediatos. Os estragos causados pelos bombardeamentos e tiroteios também foram grandes, com muitas casas devastadas e muitos edifícios públicos grandemente danificados”. 
In Wikipédia
 
 
 

Cortejo fúnebre de uma vítima dos confrontos
 
 
A malograda revolta de Fevereiro de 1927 foi a última tentativa séria de colocar o País no rumo da democracia. Tal só seria alcançado com a revolução do 25 de Abril.

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