domingo, 22 de junho de 2025

25.282 Pesquisa das moradas de Ana Plácido na Rua do Almada

 
Rua das Hortas e Rua do Almada
 
 
Segundo Horácio Marçal, a Rua das Hortas ia da Calçada dos Clérigos até à Rua de Santo António dos Lavadouros depois, Rua dos Lavadouros (actual Rua Elísio de Melo), como é explicitado, abaixo, na porção de um texto daquele historiador.

 
 

In revista “O Tripeiro”, Vª Série, Ano IX, Março de 1954, pág. 339
 

 
A partir dali, para norte, começou a ser aberto em 1761, o arruamento que começou por chamar-se Rua Nova do Almada e que, mais tarde, passaria a ser a Rua do Almada
Naquela data, a Rua das Hortas já existia há alguns anos.
Em 29 de Julho de 1760, D. José I tinha autorizado a construção da Rua do Almada. As obras de abertura e calcetamento começaram em 1761 e duraram até 1785.
 
 
 

Planta de 1761 de Francisco Xavier do Rego, sargento-mor de Infantaria, com o exercício de engenheiro, técnico escolhido por João Almada para abertura da Rua do Almada
 
 
Legenda da planta acima:
 
- A Rua de Santo António dos Lavadouros (1) seguiria, para poente, pela antiga Rua da Picaria (2), que era no lado Norte da actual Praça de Filipa de Lencastre. A actual Rua da Picaria era a antiga Travessa da Picaria (3), que termina na Praça da Conceição.
- Na parte nascente do Monte da Douda (4) foi construída, mais tarde, a igreja da Trindade.
- A Rua das Hortas (5) estendia-se para lá da Rua da Fábrica (6)
 
 
 
 
Atribuição de n.ºs de polícia
 
 
Para fazer a identificação de algumas moradas, na cidade do Porto, é necessário ter como referência a data de Abril de 1860.
Acontece que, antes daquela data, as moradas eram identificadas por um n.º de polícia, cuja atribuição ocorreu gradualmente, ao longo do tempo, com o objectivo de organizar e facilitar a localização de edifícios, principalmente, para distribuição do correio e que era atribuído da seguinte forma:
Começava-se numa origem e a rua ou praça, em causa, era percorrida no sentido dos ponteiros do relógio.
Como se depreende da aplicação daquele método, os n.ºs de polícia eram corridos.
As identificações eram afixadas às habitações pela distância de portas e janelas ao ponto de origem.
Aquela distância era executada em metros ou varas (1,10 metros) de acordo com os técnicos que procediam à tarefa.
A obrigatoriedade da aplicação do sistema métrico, só se verificaria no início do século XX, pelo Código de Posturas do Município do Porto de 1905, nomeadamente, no seu n.º 3, do art.º 186.
Da aplicação prática daquela determinação resultaram alterações óbvias, com algumas excepções, pois algumas moradas mantiveram-se.
A partir de 1860, o visconde de Gouveia, Governador Civil do Porto faz publicar um edital com um conjunto de regras que subsiste até hoje.
Assim, o método de determinação dos n.ºs de polícia continuaram a ser corridos, apenas para os largos e praças.
No caso das ruas, um lado passa a ter números pares (direita) e o lado oposto ímpares (esquerda), de acordo com a orientação a partir de uma origem, na qual o observador tomava o rio Douro, nas suas costas, como referência.
No caso das ruas paralelas ao rio Douro o sentido de orientação era o do seu fluxo para a foz.
Segue texto de parte do edital atrás referido.
 
Edital
 
Jozé Freyre de Serpa Pimentel de Mansilha e Silva Donnas Botto de Mesquita Sequeira e Vasconcellos, 2.º visconde de Gouveia, par e grande do reino, moço fidalgo com exercicio no paço, socio do real conservatorio de Lisboa, e do instituto de Coimbra, juiz no quadro da magistratura judicial, e governador civil do districto do Porto. 
Convindo ao bom regimen policial, economico, e administrativo, e ao interesse particular dos cidadãos, que as ruas, praças, largos, e mais logares publicos desta cidade, Villa Nova de Gaia, e seus suburbios, sejão conhecidos por denominações claras, simples, e distinctas; e que a numeração dos predios siga uma ordem regular e methodica; considerando que as inscripções de muitas ruas e logares publicos se acham apagadas ou deterioradas pelo tempo, e não são em numero sufficiente carecendo-se portante d'uma renovação geral, - sendo esta a melhor occazião d'emendar os defeitos de muitas denominações, já por haver ruas que se prolongão mudando de nome, já porque outras tem denominações repetidas, vagas, ou confuzas; - attendendo a que differentes reprezentações me teem sido inderessadas, pedindo providencias sobre a numeração dos predios, em razão das muitas irregularidades, a que dão logar não só as multiplicadas edificações e reformas, mas também a má ordem da antiga numeração em partes interpolada, em partes apagada; - tendo colhido as convenientes informações dos respectivos administradores dos bairros, e concelhos, e da camara municipal; - ouvindo o conselho do districto, que conveio na oportunidade das medidas; - e visto o codigo administrativo, os artigos 224 e 227; e as portarias de 27 de setembro de 1843, e 9 de julho de 1859, determino o seguinte:  (…) 
O lado direito de uma rua, travessa, ou viella (tanto aquém, como além Douro) será determinado nas que correrem perpendicular, ou obliquamento ao rio, pela direita do viandante, que marchar afastando-se do mesmo rio; - e nas que forem paralelas, pela direita do que marchar no sentido da corrente. 
Porto 20 d'Abril de 1860. - O governador civil, Visconde de Gouvêa
 
 
 
O edital atrás transcrito concluía com a publicação de uma reorganização toponímica que, entre outras alterações, provocou que a rua, até aí conhecida como Rua das Hortas, passaria a fazer parte da Rua do Almada.

 

Casa onde nasceu Ana Plácido
 
 
 
Ana Augusta Vieira Plácido era filha de António José Plácido Braga (1795-1852) e de Ana Augusta Vieira (1799-1855), tendo nascido em 27 de Setembro de 1831, na Travessa da Praça D. Pedro, nºs 5 a 9.
Hoje, o perfil correspondente à tal travessa coincide com a Rua do Dr. Artur Magalhães Basto, pelo que, a casa onde teria nascido Ana Plácido, não existe mais, como se verá.
Na igreja de Santo Ildefonso, no registo do seu baptismo, é dada uma morada da Praça Nova.
Os pais de Ana Plácido construíram uma família numerosa e, para além dela, conceberam Antónia Cândida Plácido Braga, Eduardo Augusto Plácido, Alberto Augusto Plácido, Emília Antónia Plácido e 10 outros.
Assim, impunha-se que os cómodos para alojar tamanha prole tivessem de ser de uma certa envergadura.
Acontece que, em 14 de Julho de 1838, António José Plácido Braga fez um pedido de licenciamento, para executar obras num prédio, de que se dizia proprietário, sito na Travessa D. Pedro, nºs 3 a 9, com frente para a Rua das Hortas, nºs 149 a 151.
Pelas regras de atribuição de números de polícia e para o caso concreto anterior, se pode concluir que, no caso da Rua das Hortas, a numeração tinha a sua origem na sua confluência com a Calçada dos Clérigos e continuava pelo lado poente da rua passando, depois, para o lado nascente, seguindo o sentido dos ponteiros do relógio.
 
 
 
 

Pedido de licenciamento de 14 de Julho de 1838, que originou a licença nº 169/1838 – Fonte: AHMP


 
Assim, se pode concluir, que o prédio onde teria nascido Ana Plácido fazia esquina com a Rua das Hortas. Falta saber se seria a esquina a norte ou a sul.
Um requerimento dirigido por José António Silva Braga, à Câmara do Porto, três anos após a morte de António José Plácido Braga, para execução de obras num prédio e que obteve a licença nº 434/1855, parece resolver a dúvida.
O requerente, junto dos serviços camarários, apresenta-se como proprietário do prédio em causa e solicita o lançamento nele de mais um andar.

 
 

Requerimento apresentado à Câmara por José António da Silva Braga, solicitando o acrescento de um andar num prédio, que obteve o nº 434/1855
 


 

Desenho das fachadas do prédio integrante de projecto apresentado à Câmara do Porto, que obteve o nº 434/1855, para solicitar o acrescento de mais uma andar
 
 
 
No desenho anterior, a fachada, ao centro, é indicada como sendo a da Travessa da Praça D. Pedro, a da direita, como a voltada para a Rua das Hortas e, a da esquerda, a voltada para a Praça D. Pedro (antes, Praça Nova).
Acrescenta-se que, no mesmo desenho, está representada, à esquerda, uma fachada identificada como voltada para a Praça, o que está de acordo com o registo de baptismo de Ana Plácido, existente na igreja de Santo Ildefonso, que a dá como nascida, algures, na Praça Nova.
Pode, então, concluir-se, que o prédio onde nasceu Ana Plácido é o da esquina a sul que, hoje, é chão da delegação do Banco de Portugal, no Porto. 
O requerente, anteriormente mencionado, José António da Silva Braga, passados cerca de oito anos, encontrava-se comerciando, naquele local, de acordo com o anúncio seguinte.
 
 
 
 

In jornal “O Comércio do Porto” de 30 de Abril de 1863
 
 
 
 
Antes da edificação da actual delegação do Banco de Portugal, no prédio do gaveto formado pela Praça D. Pedro (Praça da Liberdade), Travessa da Praça D. Pedro (Rua Dr. Magalhães Basto) e Rua do Almada (nesse local, antes, a Rua das Hortas), aí estava, a firma de materiais de construção e aparelhos sanitários "Arnaldo Lima" e a empresa de transportes L'Éclair.


 
 

No início do século XX, o prédio, mais à direita, do qual se observa uma nesga e, ao qual, ao longo dos anos, foram acrescentados mais andares, é aquele onde nasceu Ana Plácido
 
 
 
 

Esquina da Travessa da Praça D. Pedro e Rua do Almada, antes da construção do Banco de Portugal




Casa onde morou, em jovem, Ana Plácido
 
 
 
Tudo aponta que Ana Plácido viria a mudar-se, ainda muito jovem, para a Rua do Almada, nºs 27 a 30, acompanhando a família e aqui viveu até se casar.
De facto, em Fevereiro de 1839, António José Plácido Braga solicita à Câmara do Porto a realização de obras em duas moradas de casas que possuía na Rua Nova do Almada, nºs 27  e 30, que obtém a Licença de obra n.º 221/1839, dizendo-se, então, morador na Travessa da Praça D. Pedro, nºs 5 a 9 (morada atribuída para o nascimento de Ana Plácido).
Durante muitos anos a Rua do Almada era denominada Rua Nova do Almada e, a Rua das Hortas, por Rua Nova das Hortas.
De acordo com o anúncio abaixo, aquelas duas moradas de casas, de dois andares, tinham ligações à Picaria e, por isso, situar-se-iam, na Rua do Almada, no sentido ascendente, à esquerda.
De notar, que aquele n.º de polícia é anterior a 1860.
 
 
 
In jornal "O Comércio do Porto" de 27 de Outubro de 1859
 
 
 
 
A arrematação anunciada, acima, realizava-se após decorridos, cerca de sete anos, sobre o naufrágio do vapor Porto, no qual morreu o pai de Ana Plácido e decorreria de um processo de partilhas.


 

Porto, na Planta de George Balck, em 1811
 
 
Legenda da planta acima:
 
1. Rua das Hortas
2. Rua dos Lavadouros
3. Travessa da Picaria
4. Rua do Almada
 
 



Planta de Perry Vidal de 1844
 
 
Legenda da planta acima:
 
1. Rua das Hortas
2. Rua do Almada
3. Rua dos Lavadouros
 
 
 
De acordo com a atribuição dos n.ºs de polícia, antes de 1860, a morada da Rua do Almada, 27 a 30, distaria entre 27 a 30 varas ou metros da confluência das ruas das Hortas e dos Lavadouros, á esquerda, sentido ascendente.
 
 
 
 

Planta de Joaquim Costa Lima de 1839

 
 
Considerações sobre a planta anterior:
 

- Todas as moradas englobadas na elipse preta já existiam desde o lançamento da Rua do Almada, em 1761, pelo que, à data de 1839, faziam e fizeram parte da Rua das Hortas;
- A elipse amarela aparentemente numa área não construída era o local de implantação daquela que ficou conhecida como a Primeira Fonte da Rua do Almada e que tinha existência desde 1795.
- O prédio, mais a poente, na esquina da Rua da Picaria, dentro da elipse azul, tinha existência desde há mais de um século quando, em 1865, viu ser-lhe acrescentado mais um andar.
Pertencia, à data, ao visconde da Penna (título nobiliárquico atribuído pela corte espanhola).
 
 
 
 

Primeira Fonte da Rua do Almada, em 1909
 
 
 

À esquerda, o aglomerado de pessoas encontra-se junto da Primeira Fonte da Rua do Almada
 
 
 
A atribuição de números de polícia, na Rua do Almada, antes de 1860, tinha a sua origem, no seu lado poente, após a fonte da foto e passaria, depois, para o lado nascente, seguindo o sentido dos ponteiros do relógio.
 
 
 

Local actual onde se encontrava a Primeira Fonte da Rua do Almada
 
 
 
 
Morada de Ana Plácido, após casamento
 
 
 
Em 28 de Setembro de 1850, no dia seguinte ao seu 19º aniversário natalício, Ana Augusta Vieira Plácido iria casar e passaria a ser Ana Augusta Plácido Pinheiro Alves, passando a viver, ao que se sabe, na casa alugada onde vivia na Rua do Almada o seu marido, Manuel Pinheiro Alves (1807-1863).
Àcerca deste casamento, Camilo Castelo Branco ironizava:
 
"E no Porto? Isso então, rapariga bonita, às duas por três, está num papo dum brasileiro que tenha 50 contos, tanto faz que ele seja velho, com zarolho, como raquítico".
 
O romance de "A Paixão de Camilo (Ana Plácido)" de Rocha Martins, Lisboa, 1900, sobre o afortunado noivo, narrava:
 
 
“Tinha quarenta e tres anos e era do logarejo de Souto, visinho de S. Miguel de Seide, um povoado triste, à beira de Famalicão onde se chegava por atalhos e quinteiros, saltando barrocos, à sombra das uveiras; os seus labutavam na chã e ele, depois de talhar a estrada do ganho, comprar a casa de portão na aldeia, acomodara-a, tomara servos e deixando os parentes a lidar partira para o Porto, abrira escritório de corretagem de barcos, instalara-se num andar espaçoso no 378 da rua do Almada donde espreitava a noiva que ia completar o seu sonho de “brasileiro” opulento.
Puzera-se a auxiliar o futuro sogro e talvez fosse esta ajuda o motivo primaz daquela união. Os cônjuges diferiam tanto em edades que não se poderia levar á conta de reciproca simpatia o acto que se ia realizar”.
 
 
 
Sobre a imposição deste casamento a Ana Plácido, por parte da família, ela acabaria por descrever o acto como a busca da felicidade pela abastança.
Sendo a obra acima citada uma das mais conceituadas sobre a vida de Camilo Castelo Branco, começou a aceitar-se, desde a sua publicação, que a morada do primeiro casamento de Ana Plácido fosse a da Rua do Almada, n.º 378.
Naquela obra, era apresentada uma foto do prédio, em causa, exibida a seguir.


 


 
 


Actualmente, em primeiro plano, o prédio da Rua do Almada, n.º 378, onde está o Restaurante Camilo que é o mesmo da foto anterior


 
 
Desconhece-se como Rocha Martins resolveu a conversão do n.º de polícia anterior a 1860 para o actual.
Para complicar a situação, no romance, o seu autor legenda a foto, colocando o prédio exibido, na Rua do Almada, n.º 385, como se mostra, na foto abaixo, em destaque.

 
 
 


 
 
 
Acreditando, que esta última morada é anterior a 1860, podemos concluir que nela viveu Ana Plácido até a 28 de Janeiro de 1859, quando foi expulsa de casa, com o seu filho pequenito, Manuel Plácido.
Então, Rocha Martins teve acesso a documentos que não divulgou.

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