Segundo alguns
autores, terá sido, o bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, quem introduziu no
reino a prática de embelezar os jardins com plantas ornamentais, entre os anos
de 1527 e 1540.
Na construção dos
jardins, para além dos elementos vegetais, muitos deles de natureza exótica, trazidos
pelos navegadores envolvidos nos descobrimentos, empregavam-se também uma série
de outros recursos arquitectónicos.
Os mosteiros estão
na primeira linha de exibição daqueles jardins.
É exemplo maior, o
de Vale da Piedade, antes, Vale de Amores, de cujos jardins o próprio Almeida
Garrett fez eco.
No entanto, as
actividades agrícolas, ligadas à jardinagem, desenvolveram-se, sobremaneira,
após a vinda para o Porto do arquitecto paisagista alemão, Émille David,
encarregado do levantamento dos jardins do Palácio de Cristal, inaugurado em
1865.
Dotado de
conhecimentos técnicos, que hoje atribuímos aos arquitectos paisagistas,
Emille David introduziu e divulgou, também, entre nós, o traçado do jardim
romântico.
Na sua concepção,
Émille David privilegiava o uso da pedra, com a qual elaborava grutas
artificiais (com ares de naturais), caminhos sinuosos ou alamedas ladeadas de
árvores de grande porte, muitos pontos de água correndo em bicas, chafarizes e
fontes ou brotando simplesmente e escorrendo sobre paredes. E, sempre que
possível, lagos com ilhotas, idealmente, com barcos a remos sulcando as suas
águas.
Uma burguesia
endinheirada, alguma dela constituída por brasileiros de torna-viagem, vai
aderir à moda instalada e dotar a área envolvente aos seus palacetes com belos
jardins desenhados por técnicos competentes e bem informados, sobre o que se
fazia no sector por essa Europa fora.
Assim, para além do
muito conhecido José Marques Loureiro, outras personalidades desenvolveram os
seus negócios, no Porto, tendo-se tornado, em sequência, conhecidos em todo o
País, nesta importante actividade económica.
São os casos de
Jerónimo Monteiro da Costa, Alfredo Moreira da Silva, Jacinto Matos e Aurélio
da Paz dos Reis, entre muitos outros.
José Marques Loureiro
A quinta anexa ao Solar do Capitão Meireles, localizado na
Rua dos Fogueteiros (Rua Azevedo Albuquerque), também chamado de palacete da casa
da Quinta das Virtudes, seria transformada num horto (algures, dentro das
primeiras décadas do século XIX), o horto de Pedro Marques Rodrigues, o “Pedro
das Virtudes”.
Mais tarde, aquele horto prosperaria, em resultado do
aproveitamento que o horticultor Marques Loureiro fez dele, a partir de 1844, depois
de o ter adquirido ao Pedro Rodrigues em troca do pagamento de um estipêndio
(espécie de salário com isenção de trabalho) diário.
O "Jardim do Senhor Loureiro" passa, então, em
1849, a “Horto das Virtudes”.
José Marques Loureiro (1830-1898) seria nomeado fornecedor
da Casa Real em 1865, e nos anos de 1869 e 1870, associa-se ao arquitecto
paisagista Émile David (Berlim, 1839 – Porto, 1873) com quem divide a direcção
do Horto das Virtudes.
Émile David iniciara o seu percurso na cidade do Porto
em 1864, ano em que foi convidado para o planeamento e a direcção dos jardins
do Palácio de Cristal, cargo que ocupa até 1869. É, durante este mandato, em
1865, que executa em paralelo os planos para o Jardim da Cordoaria e para o
Jardim do Passeio Alegre e, ainda, os jardins do Palacete da baronesa do
Seixo, na Rua de Cedofeita.
Após 1870, Émile David abre um gabinete próprio junto à Rua
de Santa Catarina, onde projecta jardins — sobretudo para residências privadas
— e se dedica ao comércio de plantas, sobretudo exóticas.
Entretanto, José Marques Loureiro lançaria, também, o Jornal
de Horticultura Prática, que foi publicado mensalmente, ao longo de 23 anos,
entre 1870 e 1892.
Reunidos em 23 volumes, cada um deles, correspondente a um
ano de publicação do Jornal de Horticultura Prática, possui cerca de 240
páginas de texto (algumas delas com gravuras), descrevendo uma série de
espécies vegetais, as inovações das ferramentas de auxílio à agricultura e
algumas intervenções notáveis, como foi o Palácio de Cristal, entre muitos
outros assuntos.
Devido a doença, o
“Jardineiro das Virtudes”, como gostava que lhe chamassem, afastou-se do
negócio, criando com outros sócios a “Real Companhia Horticolo-Agricola
Portuense”, que continuou a publicar os costumados catálogos e para a
posteridade ficaria o mérito de ter publicado catálogos de flores e frutos,
facto inédito naqueles tempos, tendo obtido grande sucesso e fama em todo o
país.
Assim, em 1890, o
Horto da Quinta das Virtudes viria a chamar-se “Real Companhia
Horticolo-Agricola Portuense”, passando a estar a cargo de Jerónimo
Monteiro da Costa, que se tinha associado a José Marques Loureiro.
Então, na sequência
daquela parceria, uma outra área afecta ao mesmo sector de actividade haveria
de ser utilizada, em terrenos que haveriam de ser também ocupados pelo F. C.
Porto - o Campo da Rainha, na Rua da Rainha.
José Marques
Loureiro faleceu em 14/7/1898, aos 68 anos.
Em homenagem a José
Marques Loureiro seria erguida uma estátua, em bronze, denominada “A Flora”, da
autoria de Teixeira Lopes (filho) foi inaugurada em 20 de Agosto de 1904, no
Jardim João Chagas, na Cordoaria.
Na foto acima, à
esquerda, destaca-se o tronco da sequóia gigante (Sequoiadendron giganteum) da
Cordoaria e, ao fundo a Araucaria bidwilli recentemente classificada como
árvore de interesse público (ambas plantadas em 1867).
“Ainda está na memoria de todos os grandes
serviços que Marques Loureiro prestou á horticultura portugueza, da qual foi,
por assim dizer, o seu creador. Ainda não se pensava em todo o paiz no que ella
era e poderia vir a ser, quando esse homem corajoso e apaixonado por Flora,
lançava os primeiros alicerces para o vasto e sumptuoso templo que lhe elevou
no Porto. É gloria para esta terra! Foi d’aqui que se propagaram todas as
especies e variedades que embellezam e enriquecem o paiz; como foi aqui que se
realisaram os mais brilhantes torneios floraes, graças ao seu enthusiastico
apoio.
É assim que elle tem direito ao
reconhecimento de todos quantos, mais ou menos, são apaixonados pelo mundo
vegetal, que ainda hoje seria, provavelmente, o que era ha meio seculo, se um
Marques Loureiro não houvera apparecido entre nós.”
Jornal
Horticola-Agricola, Dezembro de 1899
A Quinta das
Virtudes passaria, em 1965, a fazer parte do património da Câmara Municipal do
Porto.
Hoje, o solar alberga
a Cooperativa Árvore e a quinta é o Parque Municipal das Virtudes.
Jerónimo Monteiro da Costa
Para além da sua
actividade profissional, Jerónimo Monteiro da Costa ficaria conhecido por ser
pai de José Monteiro da Costa, o presidente do Grupo do Destino, que seria o
embrião do F. C. Porto e, ainda, porque seria em terrenos de que fazia parte a
sua firma hortícola, situados na Rua da Rainha (Rua Antero de Quental) que, por
amabilidade sua, haveria de surgir, por cedência, numa pequena porção de
terreno afecto ao mesmo, o primeiro campo de futebol do F. C. do Porto.
Estava-se no ano de 1906.
Jerónimo Monteiro da
Costa havia estado associado a José Marques Loureiro (1830-1898), uma das
maiores referências no sector hortícola destacando-se, como resultado daquela
sociedade, a construção do Parque de Vizela, junto das suas antiquíssimas
termas.
“Localizado no centro da cidade, o Parque das
Termas foi construído entre 1885 e 1886, tendo sido delineado e plantado pelo
distinto floricultor e horticultor José Marques Loureiro, proprietário do Horto
das Virtudes, e pelo jardineiro paisagista Jerónimo Monteiro da Costa, autor
dos jardins de Arca D'Água, do Carregal e de outros históricos jardins do
Porto. Este espaço é considerado como sendo o “pulmão” de Vizela, devido à sua
vasta vegetação, distinguindo-se aqui inúmeras espécies de árvores, algumas
delas centenárias. Com uma vasta área de densa vegetação, este é o local ideal
para passear, descansar, fazer desporto (nomeadamente ténis) ou simplesmente
desfrutar da natureza no salão.”
Fonte: A Nossa Terra
– Minho em mil sugestões
O desempenho de
Jerónimo Monteiro da Costa vai, de facto, ser decisivo, no avanço do projecto
do Jardim do Passeio Alegre.
Pela observação da
foto acima pode concluir-se que a icónica casa do Maia, com as duas torres,
começada a construir em 1855, já está acabada.
Alguns factos
conhecidos como seja o pedido de licença para a construção do que veio a ser
chamado de “Chalet do Carneiro”, em 1873 e, ainda, a notícia de terem sido
derrubados alguns bancos e árvores no Passeio Alegre, em 18 de Março de 1875,
levam a concluir que um pequeno jardim já existiria naquela data.
Antes, em 1869, já
tinha por aqui sido implantado o chafariz comprado há três anos atrás, vindo do
convento de S. Francisco, mas que do qual a água só brotaria, no ano seguinte.
Tudo isto nos leva a
concluir que um primitivo Jardim do Passeio Alegre teve existência nesses
tempos.
Aliás, a foto que se segue é ilustrativa deste raciocínio.
No areal, à esquerda, haveria de nascer o Jardim do Passeio
Alegre – Ed. Emílio Biel, c. 1880; Fonte: gallica.bnf.fr, Bibliothèque
nationale de France
Por ampliação da foto anterior, parece que o Chalet do
Carneiro já existe, em destaque pela elipse, na foto seguinte.
Como se pode observar, na foto acima, parte da área que
seria afecta ao actual jardim, ainda era uma enseada e podemos ainda constatar
o que parecem ser os carris do “americano”, transporte inaugurado em 1872.
Junto da estrada, que segue em frente, em área em que parece
divisar-se, tenuemente, o Chalet do Carneiro, parece existir uma faixa de
terreno triangular ajardinado.
Segundo as orientações do arquitecto paisagista Jerónimo
Monteiro da Costa, entre 1888 e 1892, decorreria a implantação do Jardim do
Passeio Alegre, cujo projecto inicial tinha sido encomendado em 1870, pela
Comissão de Banhistas, ao arquitecto paisagista alemão, Emílio David e que,
entretanto, já tinha falecido.
Em Dezembro de 1888 seria, finalmente, entregue à Câmara,
por portaria, os terrenos do Passeio Alegre, cedendo o Ministério de Obras
Públicas quaisquer direitos que sobre eles tivesse.
Acontece, então, a conclusão dos aterros iniciais e são
plantadas as árvores, que vêm de Hamburgo.
Em 1893, finalmente, são adjudicadas as obras para conclusão
dos aterros de toda a área.
O jardim irá crescer, então, para as dimensões actuais.
Jerónimo Monteiro da
Costa seria, em 1897, já na qualidade de Director dos Jardins Municipais do
Porto, ainda, o responsável pelo projecto de concepção e a respectiva execução
dos Jardins do Carregal ou Jardim de Carrilho Videira.
Mais tarde, já em
pleno século XX, em 1928, seria inaugurado o Jardim de Arca D'Água, na Praça 9
de Abril, também projectado por Jerónimo Monteiro da Costa e caracterizado
pelos seus 22.000 m2 onde, entre diversas árvores frondosas, se destacam um
magnífico conjunto de magnólias que envolvem o seu coreto.
Alfredo Moreira da Silva
Alfredo Moreira da Silva (Grijó, 1859 – 1932) começou a
trabalhar na Quinta das Virtudes, no Porto, sob orientação de José Marques
Loureiro. Já na posse dos conhecimentos que pensou serem necessários para se
abalançar num negócio próprio, aluga em Grijó, em 1894, no Largo da Senhora da
Graça (lugar de Corveiros), uma quinta, para aí construir um viveiro,
expandindo o seu negócio para a cidade do Porto, logo no ano seguinte, onde se
estabelece num pequeno estabelecimento.
O crescimento do negócio vai permitir que arrende, em 1911,
a Quinta da Pena, em Perosinho e, mais tarde, a Quinta da Revolta, em Campanhã,
passando então a deter um dos maiores hortos agrícolas da Península Ibérica.
À pequena loja primitiva, situada em Cedofeita, próximo de
onde haveria de ser implantada, muitos anos mais tarde, a igreja paroquial de
Cedofeita, em virtude dos primeiros trabalhos para a construção daquele templo,
foi mudada para instalações, em 1899, passando a ocupar um estabelecimento mais
moderno, com um horto anexo, na Rua do Triunfo, hoje D. Manuel II, mesmo em
frente ao Palácio dos Carrancas (Museu Soares dos Reis).
No fim do dia 8 de Novembro de 1908, após a chegada à cidade
para uma visita de alguns dias, o rei acenou da varanda do Paço dos Carrancas
aos milhares de pessoas.
À noite, chovia a cântaros, mas a multidão assistiu ao espectacular
fogo-de-artifício lançado do horto de Alfredo Moreira da Silva.
Em 17 de Julho de 1916, os jornais da época davam conta de um banquete oferecido por Alfredo Moreira da Silva & Filhos, na Quinta da Pena, a Perosinho, à imprensa portuense, na qual foram anfitriões Albano Moreira da Silva e sua esposa, Ana Carvalho da Silva.
O Jardim do Morro, levantado em 1927, é uma obra atribuída a Alfredo Moreira da
Silva.
Os jardins do Parque da Quinta das Devesas, uma referência
no cultivo e exibição de camélias, apresentam uma variedade criada por Alfredo
Moreira da Silva (1902-1971), neste caso, um neto do iniciador do negócio, com
o mesmo nome do seu conhecido avô, que acabou, assim, por imortalizar.
Placa identificativa referente à firma Alfredo Moreira da
Silva & Filhos, existente no Jardim das Camélias do Parque da Quinta das
Devesas
Camélia Maria Manuela – Fonte: Placa identificativa
referente à firma Alfredo Moreira da Silva & Filhos, existente no Jardim
das Camélias do Parque da Quinta das Devesas
Alfredo Moreira da Silva não poderia sonhar que, passado
mais de um século, a sua empresa existiria ainda nas mãos dos seus
descendentes.
Assim, o negócio de Alfredo Moreira da Silva seria
continuado com sucesso pela família até aos dias de hoje. A empresa “Viveiros
Alfredo Moreira da Silva & Filhos Lda.” continua a deter os hortos da
Quinta da Revolta e de Grijó, assim como outros nos concelhos de Mira e
Coimbra, mantendo a conhecida divisa da empresa, "Plantai as nossas
árvores e colhereis os melhores frutos."
(Continua)
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