As três referências, em título, cada uma acontecida em determinada época, embora originassem factos que obtiveram uma repercussão nacional, não deixaram também de ter um papel de relevo no quotidiano dos portuenses.
Acresce, aliás, que o Porto já tinha, alguns anos antes, ensaiado algo semelhante.
Assim, se recuássemos a 1866, veríamos começar a sair no “Jornal do
Porto”, em folhetim, a obra de Júlio Diniz “As Pupilas do Senhor Reitor”.
O autor começara a escrever folhetins para aquele diário em
1862.
Os capítulos, cheios de diálogos entre as diversas
personagens, terminavam com suspense e interrogações. "Que mais irá acontecer?",
perguntava-se.
A resposta obtinha-se comprando o jornal no dia seguinte.
Um outro escritor que, por esses tempos, viu divulgada nos
jornais, em episódios, alguma da sua obra, foi Camilo Castelo Branco.
Assim, a partir de 2 de Julho de 1864, seria publicado, periodicamente, no jornal "O Commercio do Porto", a sua obra "Vinte Horas de Liteira".
“As Pupilas do Senhor Reitor” estariam presentes, nos anos
40 do século passado em folhetins, passados na Emissora Nacional, numa
adaptação de Adolfo Simões Müller.
Em meados dos anos 50, o detergente "Tide"
patrocinaria um dos maiores sucessos da rádio.
Aliás, em 25 de Maio de 1955, noticiava-se que o Porto
recebia a visita de dois directores da multinacional Procter & Gambler, que
tinha escolhido a cidade para lançamento do “Tide”, um produto que viria a ter
muito sucesso.
O Teatro Radiofónico já existia, então, na então Emissora
Nacional, mas é a transmissão do folhetim, ou radionovela, "A Força do Destino" gravada e transmitida na Rádio
Graça, com as respectivas cópias depois executadas e passadas para a Rádio
Clube Português, Emissores do Norte Reunidos e Emissores Associados de Lisboa, que
consegue um impacto que marca, decisivamente, a história da rádio em Portugal.
Como diz Matos Maia no seu livro "Telefonia":
«emocionou o país, fez
chorar centenas de pessoas, criou revolta e raiva noutras tantas.» e
diremos nós - a cidade do Porto não fugiu à regra.
Popularmente o folhetim era conhecido como o "Folhetim da Coxinha" ou “A
Coxinha do Tide”.
A história era a adaptação de Eduardo Damas e Manuel Paião
de um folhetim de origem sul-americana.
É graças ao folhetim que o Tide se consolida em Portugal.
“A primeira
radionovela portuguesa de grande êxito popular teve um título melodramático
apropriado, roubado ao título da ópera de Verdi: A Força do Destino (1955).
Passou na Rádio Graça
e os 300 episódios deram para um ano. O argumento centrava-se na personagem do
médico Figueirola (Ricardo Isidro), casado com uma mulher má (Lurdes Santos), e
apaixonado por Margarida (Lily Santos), que era coxa (como a protagonista de
L'Assomoir).
Ficou conhecida por "A Coxinha do Tide",
pseudónimo popular que condensava as duas características essenciais do género:
o melodrama e o patrocínio dum detergente.
Em 1973-4, muitas
mulheres de Portugal renderam-se à novela radiofónica «Simplesmente Maria» (passava na Rádio Renascença), vinda do
além-mar latino-americano e adaptada ao rincão português. Recordo-me bem de
ver, ao princípio da tarde, mulheres populares sós ou em magotes agarradas aos
transístores rua fora, fábricas adentro. Era o 25 de Abril a chamar por elas
aos gritos e elas absorvidas apenas pela estória de Maria”.
Cortesia de Eduardo Cintra Torres, In Jornal Público,
2009/06/13
“Ricardo Isidro e Lily
Santos Frias foram os célebres protagonistas dos folhetins Tide, da Rádio Graça, que, depois, vieram a ser
conhecidos pelos folhetins da Coxinha. Ele encarnava a personagem de um médico,
ela a de uma deficiente (coxeava). Propôs-se operá-la e torná-la uma pessoa
normal. Mas apaixonou-se por ela. Após a morte da esposa do médico, este ficou
livre e casou com a antiga coxinha. O enredo lento da história, no tocante à
agonia de Raquel, a má da radionovela, exasperou as ouvintes do programa das
14:30.
O rápido casamento e o
nascimento de uma criança fizeram chegar à estação roupas para bebé, numa
confusão entre ficção e realidade. O detergente patrocinador dos folhetins
cessou a sua ligação à rádio em 1961, mas ficou marcada na cultura popular
radiofónica essa relação, nomeadamente com a Rádio Graça”.
Fonte: Rogério Santos, In “industrias-culturais.blogspot.pt”
Lily Santos, a protagonista-principal da história, que fez o
papel da coxinha Margarida, era filha do proprietário da Rádio Graça, que viria
a dar emprego a diversos membros da família.
Outra radionovela de grande audiência chamou-se “Simplesmente Maria” e durante a sua
exibição de 500 episódios, aconteceria a revolução de 25 de Abril.
“Simplesmente
Maria era um folhetim que passou na Rádio Renascença, ao longo de 500
episódios (ena tantos...), entre Março de 1973 e Novembro de 1974, transpondo,
por isso, o tempo da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Cada episódio ia para
o ar depois do almoço, entre as 13:30 e 14:30 horas, mais coisa menos coisa.
A história deste
folhetim radiofónico, uma espécie de telenovela sonora, girava à volta de
amores e desamores da figura central, uma jovem criada chamada Maria.
Era uma história de
"faca e alguidar", muito característica das novelas mexicanas.
Certo é que folhetim
prendeu literalmente a atenção de milhares e milhares de portugueses (mulheres
em particular) durante quase dois anos. Após o almoço, as mulheres da altura,
quase todas domésticas, ficavam de ouvido colado ao aparelho de rádio e lenço
na mão para enxugar as lágrimas. Era uma hora "solene" tudo parava
para não se perder pitada dos diálogos e discussões da Maria com o Alberto, o
Tony, filha da Maria, do Estevão e todos os outros. Só visto...ou melhor...só
ouvido. Depois, eram as conversas à volta do assunto, as opiniões e os palpites
quanto ao rumo da história. Situação parecida, só se verificaria uns poucos
anos mais tarde (1977) com a telenovela brasileira "Gabriela", a
primeira a passar na RTP.
A popularidade era tal
que, a par da versão radiofónica, era publicada semanalmente a versão em
revista, a chamada fotonovela, com edição a cores, que se tornou assim muito
popular, rivalizando com as famosas fotonovelas da Corin Tellado que nessa
época eram devoradas pelas mulheres portuguesas”.
Fonte: “comolhosdeler.blogspot.pt”
Sinopse da radionovela “Simplesmente Maria”:
Contava-se a história
de uma rapariga humilde, analfabeta, de 20 anos, de seu nome Maria Ramos, com
oito irmãos, que deixava a aldeia natal para trabalhar como empregada (criada
de servir) em Lisboa. Na capital vive um romance com um jovem de boas famílias,
condenado pelos costumes da época. São inúmeras as peripécias que preenchiam o
enredo, que dia após dia prendia a atenção de quem escutava rádio.
“A radionovela teve um
enorme sucesso em parte da sociedade portuguesa, na época em transformação
devido aos progressos tecnológicos que facilitavam a escuta, sendo habitual
ver-se algumas pessoas levarem ao ouvido os seus pequenos rádios
transistorizados para a ouvir. Porém, o grande trunfo da novela radiofónica era
o segredo que envolvia os atores que a interpretavam, impedidos de revelar que
participavam na novela e proibidos de dizer o nome da atriz principal. Assim,
só muitos anos mais tarde o elenco foi revelado, pelo que praticamente não há
imagens dos participantes, sendo que a atriz principal, que fazia o papel de
Maria, até já tinha falecido”.
Fonte: “mundoportugues.pt/”
Quanto ao elenco, só muito mais tarde se conheceram os
protagonistas reais.
“Maria (interpretada
por Francisca Maria, já falecida)
acabaria por conhecer um jovem de boas famílias a acabar medicina, Alberto (João Lourenço, actual responsável pelo
Teatro Aberto), de quem engravidou e teve um filho, Tony (interpretado por Carlos Queiroz, a trabalhar actualmente
no Reino Unido). A família de Alberto, que condenou o romance entre ele e
Maria, mandou-o para África. Outras personagens principais seriam a patroa de
Maria (Adelaide João no papel),
Teresa, a criada da casa ao lado (com Mimi
Gaspar no papel), Carlos, o amigo de Alberto (desempenhado por Rui Mendes), que namorava Teresa. Se
Teresa critica a jovem criada de trabalhar muito e lhe dava dicas para se
relacionar com a patroa, Carlos gracejava sobre os avanços da conquista de
Alberto.
(…) A radionovela
passou a telenovela no Brasil, através da TV Tupi, ao cinema em Espanha e a
história de Maria também chegou à Rússia. Em Portugal, a presença de uma criança
na história levou a que a produtora (e a Renascença) recebessem presentes, como
brinquedos, cartas e dinheiro. A Maria, por seu lado, eram enviadas máquinas de
costura, para ajudar na sua nova carreira.
Cortesia de Rogério Santos - Fonte: “radio.hypotheses.org/”
(17/03/2019)
Por fim, surgia em Portugal a primeira telenovela: “Gabriela”,
versão de 1975, da Rede Globo de Televisão.
Telenovela baseada no romance de Jorge Amado, “Gabriela,
Cravo e Canela”, de 1958, cuja narrativa se centra no período áureo da
exploração do cacau na região de Ilhéus, no Brasil.
“Vinda do agreste,
Gabriela chega a Ilhéus em 1925, em busca de trabalho. É levada do “mercado dos
escravos”, lugar onde acampam os retirantes, pelo árabe Nacib. O dono do bar
Vesúvio não atenta de imediato para a beleza da moça, escondida sob os trapos e
a poeira do caminho. Não tarda, porém, a descobrir que ela tem a cor da canela
e o cheiro do cravo. Em breve, todos os homens da cidade vão se render aos
encantos de Gabriela.
Ela assume a cozinha
do bar, e o Vesúvio ferve por conta do tempero e da presença inebriante de
Gabriela. Apaixonado, o ciumento Nacib decide que o melhor é se casar. Gabriela
passa a ter obrigações que não combinam com seu espírito livre e rústico. No
entanto, não se deixa subjugar. Nacib a flagra na cama com Tonico Bastos e
manda anular o casamento. Mas Gabriela ainda voltará a ser sua cozinheira e a
freqüentar sua cama”.
A televisão ainda era a preto e branco, mas a história de
Gabriela conquistou os portugueses. Protagonizada por Sónia Braga,
"Gabriela, Cravo e Canela" foi a primeira telenovela brasileira a ser
emitida em Portugal e estreou a 16 de Maio de 1977.
Seria Carlos Cruz, como Director de Programas da RTP, o
responsável pela introdução das telenovelas brasileiras em Portugal ao comprar
“Gabriela, Cravo e Canela” à TV Globo.
Gabriela (Sónia Braga) no bar do senhor Nacib (Armando
Bógus, falecido em 1993) – Fonte: Foto editada do acerbo da Globo
“O impacto da novela
em Portugal foi semelhante ao do Brasil: Por diversas vezes, a Assembleia
Nacional adiou ou suspendeu sessões para que os deputados pudessem assistir
a “Gabriela, Cravo e Canela”. Em 1977, o romance de Jorge Amado
foi também a obra mais vendida na Feira do Livro de Lisboa, recorda a RTP1.
A primeira novela da
Globo a chegar à TV portuguesa esteve no ar seis meses e chegou a um pico de
quatro milhões de espectadores, apesar da escassez de televisores - havia uma
média de 150 por cada mil habitates, o que ajudou vários estabelecimentos e
associações populares.
Frases como "moço
bonito", "sapato não, seu Nacib", "já lhe dei meu
cartão?" ou "cuidar das viúvas e das órfãs" entraram de rompante
nas conversas dos portugueses. Em algumas regiões, os mais poderosos começaram
ainda a ser conhecidos por "os coronéis", tal como na novela”.
Fonte: “mag.sapo.pt/”
"Na época da
primeira versão eu era menino e lembro que todo mundo comentava a cena do
telhado [quando Gabriela sobe a um telhado de vestido]. Se por um lado há o
exagero no apelo, com pernas e rabos, por outro aspeto, temos um menino como
eu, que ao ouvir os comentários, interessou-se em ler o livro".
Cortesia de Gildeci Leite (professor da Universidade
Estadual da Baía, especialista em Jorge Amado)
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