14.1 A Cadeirinha, Liteiras,
Diligências e Mala-Posta, Omnibus, Carroção, Caleches e “Americano”
A cadeirinha era à época um tipo de transporte sem rodas,
carregado por dois ou quatro homens que suportavam o peso com a ajuda de correias
de couro suspensas aos ombros, utilizando dois varais.
As Cadeirinhas continuaram a ser utilizadas para
além dos meados do século XIX, quando se difundiu a utilização privada e
pública dos carros puxados por cavalos.
Sobre as cadeirinhas no Porto de meados do século XIX
escreveu A. de Magalhães Basto (1894 - 1960):
“Junto do chafariz de que já falámos andavam sempre uns
cavalheiros muito graves de chapéu alto, de oleado ou polimento, na cabeça, e
cobertos, dos ombros até aos pés, de amplo capote azul, ou cor de pinhão, com
vivos encarnados. Encarnada era também a fita da cartola. Estes senhores chamavam-se
cadeirinhas e alugavam e … carregavam os veículos que lhes deram o nome.
Mas este modo de transporte era moroso, bom para ir dormindo
e sonhando pelo caminho.
Quem tivesse pressa de chegar aos confins da Aguardente
ou de Campanhã alugava um dos jericos, havia-os aparelhados para homem ou para
senhora, que no mesmo local estacionavam: em coisa de uma hora (!) o viajante
ia e voltava e fazia uma altíssima figura. (Este superlativo é pura retórica,
esclareça-se...).
Mas continuemos o nosso passeio pelo Porto de 1850.”
Magalhães Basto (1894 - 1960) – “O Porto do Romantismo”, 1934
Magalhães Basto (1894 - 1960) – “O Porto do Romantismo”, 1934
Cadeirinha
A liteira era à época um meio de transporte muito usado a
par da diligência.
A Liteira
No desenho acima está representada uma liteira de caixa
fechada, atrelada a dois machos arreados à moda mediterrânica e que era
conduzida por um ou mais liteiros a pé ou a cavalo.
Em 1864, Camilo Castelo Branco (1825-1890), publica em
fascículos no “O Comércio do Porto”, a novela “Vinte Horas
de Liteira”.
O escritor encontra numa estalagem no Marão o amigo António
Joaquim que lhe oferece boleia para o Porto na sua liteira. Entre eles, e dada
a duração da viagem, vão contando histórias até chegarem ao Porto passadas
vinte horas!
“Volvidos doze anos, a
liteira de alquilaria será uma tradição, nem sequer perpetuada na gravura. No
recanto de alguma cavalariça de palacete provincial, apodrecerão ainda as
relíquias da liteira fidalga; mas esta não é a liteira posta em holocausto ao
macadame, à diligência, à mala-posta, e ao carril. A liteira sacrificada dos
dois machos pujantes e das cinquenta campainhas estrídulas, essa é a que se vai
de uma assentada, desfeita à serra e enxó para remendos de ignóbeis carrinhos e
carroções. Esta é que é a liteira das minhas saudades, porque se embalaram nela
as minhas primeiras peregrinações; porque, dos postigos de uma, vi eu, fora das
cidades, os primeiros prados e bosques e serras empinadas; porque o tilintar
das suas campainhas me alegrava o ânimo, quando a toada festiva me interrompia
as cogitações da tarde, por essas estradas do Minho e Trás-os-Montes: porque,
finalmente, foi numa liteira, que eu encontrei o livro, que o leitor, com a sua
paciente benevolência, vai folhear”.
Camilo Castelo Branco In “Vinte horas de Liteira”
“O carácter irregular,
a reduzida lotação e a crescente procura destes meios de transporte, terá
motivado que em 1840 tenham surgido novos veículos colectivos no Porto: os
carroções (carros puxados por bois com bancos laterais para 8 ou 10 pessoas),
existentes antes ainda dos ómnibus (carros puxados por duas parelhas de cavalos
e muares) de Lisboa, constituíram os primeiros serviços de transporte de passageiros
com carácter regular de que há notícia. Artur Magalhães Bastos, Ramalho Ortigão
e Alberto Pimentel, lembram nalgumas das suas obras o serviço de aluguer
promovido pelo popular Manuel Zé, afirmando que era de carroção que os
portuenses se deslocavam à Foz, às romarias e aos espectáculos do Teatro de S.
João e, embora extremamente morosas, estes veículos efectuavam também viagens
para Braga e Guimarães.
As precárias condições
de comodidade que os carroções proporcionavam promoveram o aparecimento dos
char-à-bancs, carruagens mais modernas, puxadas por cavalos que, à semelhança
do acontecido anteriormente, iniciam a sua actividade na linha da Foz.
Esboçam-se desta forma
dois tipos de transporte: por um lado, os que efectuam as ligações entre o centro
e as áreas próximas (a antiga periferia
urbana), associados
essencialmente a actividades lúdicas da população e, por outro, os que tinham por objectivo ligar
os grandes centros populacionais da
época (abrangendo um espaço regional).
Mediante este incipiente
quadro de transportes colectivos, não pode
ainda falar-se em meios de transporte urbanos, uma vez que os existentes
diluiam-se tanto pelos
arredores como por áreas mais longínquas. Nos anos seguintes, a introdução de
veículos colectivos mais rápidos e com lotação superior, aliada à extensão do
povoamento para os arredores próximos, iria alterar a imagem da cidade do
Porto”.
Com o devido crédito a Elsa Maria Teixeira Pacheco
Até meados do século XIX, o transporte mais utilizado para
as viagens, sobretudo nas idas à Foz do Douro, pela beira-rio era o carroção ou
os char-à-bancs e, antes destes, era usual no séc. XIX, fazerem-se alegres passeios
entre o Porto e a Foz montados em burros e mulas e segundo algumas
opiniões, “até os ingleses e inglesas gostavam…”
Mula é o animal híbrido do sexo feminino resultante do cruzamento de um
jumento, com uma égua.
Se for do sexo masculino o resultado desse cruzamento é chamado de
burro.
O cruzamento inverso, de um cavalo com uma jumenta, gera o
bardoto.
No seu Romance “Os Tripeiros”, que se desenrola
no século XIV, António Coelho Lousada refere que:
E nos finais do século XVIII, apenas existia um tortuoso
caminho até à Foz que prolongava a estrada entre a cidade até Massarelos.
Apenas em meados do século seguinte, ao construir-se o
paredão da Cantareira, foi possível abrir uma verdadeira estrada, permitindo
que os portuenses pudessem deslocar-se a banhos nas praias da Foz.
A estrada em macadame é assim descrita por
Lady Jackson (Catherine Hannah
Charlotte Elliott) - Fair Lusitania – Formosa Lusitânia, traduzida e anotada
por Camilo Castello Branco 1878), nos anos 70 do seculo XIX:
“É uma estrada cheia de vida; assim tivesse menos pó, que
forma sobre ella uma nuvem continua, em consequência do tranzito constante dos
carros de bois, passando e repassando, de cavalgaduras, de pequenos carros de
cortinas com gente da província, ou banhistas que não chegaram a tempo ou não
acharam logar nos Americanos”.
O Char-à-Bancs era uma carroça de madeira com dois bancos
laterais e paralelamente colocados, puxados por cavalos.
Porém, após as
invasões francesas e por falta de cavalos, passou o veículo a ser puxado por
uma junta de bois, tendo aumentado muito o seu uso e passando a chamar-se
carroção.
Segundo Camilo o
carroção já existia no séc. XVII.
Havia carroções de
aluguer e as famílias abastadas tinham carroções particulares, para as suas
viagens pelos arredores da cidade, idas à Foz, mas, também, para irem ao
teatro.
Por cabeça, para a
Foz do Douro o preço era de 80 ou 120 reis, conforme partiam da estação do
Carmo ou da Porta Nova.
O char-à-bancs reapareceria. Sucederia ao carroção também
com uma nova denominação, de omnibus, como transporte colectivo urbano, puxado
por cavalos e antecedendo o "americano" que passou a circular sobre
carris. Este meio de transporte espalhou-se a partir de Paris por todas as
cidades do mundo.
Omnibus junto à
capela da Senhora da Lapa na Cantareira, Foz do Douro
Na imagem acima
vê-se um omnibus junto da capela de Nossa Senhora da Lapa em
direcção ao Porto.
Em 12 de Agosto de 1839, o jornal "O Periódico dos Pobres no Porto", na Pág. 835, anunciava:
"15 de agosto de 1839 – Omnibus: principiam as carreiras diárias desta cidade para a Foz, partindo do largo da Ribeira, por 160 réis."
Em 12 de Agosto de 1839, o jornal "O Periódico dos Pobres no Porto", na Pág. 835, anunciava:
"15 de agosto de 1839 – Omnibus: principiam as carreiras diárias desta cidade para a Foz, partindo do largo da Ribeira, por 160 réis."
Em 22 de Agosto de
1846, o jornal “O Gratuito” num anúncio ilustrado publicitava:
“O omnibus de António Carneiro a partir
daquela data, passaria a fazer três corridas, começando na praça de D. Pedro e
na Foz, por 240 réis por corrida”.
Dos carroções, omnibus e char-à-bancs que partiam do Carmo, fala Júlio
César Machado:
“A cidade n’essa
epocha não poderia dizer-se bella, mas as camélias, o Douro, a Foz, compensavam
tudo. Uns omnibus, uns char-à-bancs, uns diabos de carros fantásticos, venciam
a passo por minuto a légua do Porto à Foz; porém, logo que desciam a
Restauração, começava a deleitar-se a vista n’um panorama admirável, que se
descobria em todo aquelle passeio à beira do Rio”.
O Char-a-Bancs puxado por cavalos
Char-à-Bancs – Ed. J. Nogueira
Carroção tradicional puxado por junta de bois
“Manel Zé de Oliveira,
ou simplesmente Manel Zé,
como por elegante abreviatura se lhe chamava, alugava os seus carroções, por um
pinto (...). Por tão módica quantia teve Manel Zé por muitos anos o glorioso
privilégio de fazer viajar a população portuense pelos diversos subúrbios tão
pitorescos da sua cidade invicta.
…O primeiro golpe na
popularidade enorme de Manel Zé foi-lhe verberado pelo segeiro Tavares,
da rua da Boavista. Em certo dia de função suburbana Tavares pôs na rua três
carroções novos, de cores extraordinárias, maiores do que os de Manel Zé e
aperfeiçoados com o apenso festival de uma bandeira. Estes três carroções chamavam-se
o Rápido, o Veloz e o Ligeiro. Do Porto à Foz, uma légua,
ida e volta, grande celeridade, a toda a força dos bois, - um dia”.
Ramalho Ortigão, In aportanobre.blogspot
Sobre o carroção o historiador
do Porto Dr. Artur de Magalhães Basto escreveu:
“ O Papá, a mamã,
as meninas, a criada, os marçanos da loja, sempre às cortesias, aos cotovelões
e às cabeçadas uns aos outros, por causa dos solavancos da caranguejola,
chegavam ao lugar do destino com a roupa num figo, o estômago na boca e um
apetite devorador. No regresso as cestas vinham vazias e os passageiros, uns
por cima dos outros, chegavam a casa a dormir.”
Além daqueles carroções de aluguer puxados por bois, havia,
então, os carroções particulares.
Também os havia
pequenos em forma de coche, para 4 pessoas, e esses tinham, como o da gravura
abaixo, as portinholas de lado. Eram, por via de regra, assim os particulares,
isto é, os que havia nas casas de mais tratamento da cidade, ou nas terras
principais da província.
Carroção Particular - Fonte: portoarc.blogspot
Carroção particular
Carroção numa pintura de Roque Gameiro
Tendo como fonte o
blogue, portoarc.blogspot, ainda
a propósito do transporte em carroção, transcreve-se a seguir uma
passagem de um texto de Alberto Moreira em O Tripeiro, série V, Ano XI, sobre a
viagem de Rodrigues de Freitas a Braga:
“À meia-noite do
dia 14 de Agosto de 1856, tomaram na Praça da Batalha o carroção que ligava o
Porto à cidade dos arcebispos. A partida do moroso veículo, que conduzia 20
passageiros, foi assinalada do forte badalar de uma sineta e, iniciada a
marcha, às duas horas da madrugada estavam em Leça (do Balio) e às cinco
chegavam à Carriça (Muro, Trofa), já maçados por uma viagem de cinco horas, num
carroção puxado por bois!... Duas horas depois, já a diligência continuava
viagem, e Rodrigues de Freitas ia satisfeito, pois o almoço fora admirável e
servido por uma mocetona linda e gentil… Nos seu lento rodar, e em constantes
solavancos a diligência chegara a Famalicão pelo fim da tarde. Todos os
passageiros se foram hospedar na estalagem “Real”, única existente na pitoresca
paragem, descansaram algumas horas e, no começo da madrugada, retomaram a
viagem… Naquele caminhar monótono chegaram a Braga ao toque das Avé Marias…
Nesse tempo algumas pessoas que precisavam de se deslocar a Braga… quando não
tinham possibilidades de arranjar um alazão, preferiam ao carroção a jornadear
a pé – economizavam dinheiro e poupavam tempo.”
Fonte: portoarc.blogspot
“Aos omnibus seguiram-se os chars-a-bancs; e desde que
estes entraram na carreira da Foz, partindo do Carmo e da Porta Nobre, o
movimento de banhistas aumentou extraordinariamente e a vida n’esta praia
entrou na sua phase moderna”. Como eram insufficientes as casas da antiga
povoação, circumscripta aos pequenos bairros do Monte, da Praia e da
Cantareira, as novas edificações
começaram a estender-se por Carreiros, aonde se abriu a formosa estrada
de Lessa, batida pelo Oceano, varrida pela brisa marítima, impregnada das
penetrantes exhalações salgadas. Alguns dos novos prédios construídos n’este
sítio, um dos mais bellos do nosso litoral, seguiram os modelos das
construcções francezas do mesmo género e offerecem o elegante aspecto modesto e
confortável, tão raro nas casas portuguezas.”
Ramalho Ortigão – As Praias de Portugal, guia do banhista e do viajante, Porto 1876
Outro tipo de Carroção, Museu do carro Eléctrico – Fonte:
JPortojo
Quando D. Maria I subiu ao trono em 1777, o país não possuía
estradas. O Marquês de Pombal apenas mandara fazer uma estrada até à sua
propriedade em Oeiras, e a Companhia dos Vinhos do Alto Douro mandou abrir
algumas estradas no Douro.
Assim, D. Maria l mandou construir em 1788 uma estrada de
Lisboa ao Porto, mas que, apenas, se construiu até Coimbra.
De qualquer modo, com a construção desta estrada surgiu um
serviço regular de transportes para passageiros utilizando os carros de
transporte do correio, a mala-posta, à semelhança do que já existia noutros
países europeus.
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