13.2 Praças de Touros
Horácio Marçal
escrevia:
«A mais
remota notícia acerca de touradas na cidade do Porto, pelo que sabemos, data de
24 de Junho do recuado ano de 1785, e refere-se a uma corrida de touros
efectuada, com todo o esplendor, por ocasião das luzidas Festas Reais, em praça
especialmente construída para o efeito no lugar da Torrinha, à estrada de
Cedofeita».
Naquela data referida por Horácio Marçal, ainda era vivo (só
morreria um ano depois) o Presidente da Junta das Obras Públicas (1763-1786)
e Governador das Justiças e Casa do Porto (1765-1786), João de Almada e Melo.
Uma outra corrida terá ocorrido oito anos depois, a 2 de
Junho de 1793, num redondel construído no Campo de Santo Ovídio, actual Praça
da República para celebrar o nascimento de uma nova princesa, Maria Teresa, a
primeira filha de D. João VI.
A iniciativa foi do próprio Francisco de Almada e Mendonça,
que mandou montar uma praça de touros no novo logradouro, "a mais bela e
magnífica até então vista no reino", escreveu-se na época, e aí realizou
uma deslumbrante tourada de gala. Com a construção da praça e os honorários
aos toureiros gastaram-se 240$000 réis.
Não havendo mais notícias tauromáquicas durante umas dezenas
de anos, apenas em 1869 há registo de a 19 de Agosto desse ano a Câmara
Municipal do Porto ter autorizado a Raimundo dos Santos Natividade a aquisição
de uns terrenos em Cadouços, na Foz (provavelmente no actual Largo do Capitão
Pinheiro Torres), para implantação de uma praça de touros.
Embora o recinto estivesse ainda em construção, a primeira
tourada ocorreu logo a 24 de Agosto, com grande sucesso de público. Mas, tal
recinto, que ainda viu mais alguns espectáculos, não durou mais do que três
anos.
O mesmo proprietário, a 7 de Fevereiro do ano seguinte
(1870) requer autorização para a construção de uma praça de touros a nascente
do Largo da Aguardente (actual Praça do Marquês de Pombal), onde se vieram a
efectuar algumas corridas.
No entanto, segundo informação de Alberto Pimentel, no “Guia
do Viajante na cidade do Porto e seus Arrabaldes”, em 1876, a Praça de Touros
do Largo da Aguardente, já teria sido demolida.
Um outro empresário, José Moreira Matos dá início, a 26 de
Janeiro de 1870 à construção de uma praça de touros na Avenida da Boavista, ao
lado do Hospital Militar (a poente), a qual foi inaugurada a 25 de Março desse
mesmo ano.
O Hospital Militar tinha tido o lançamento da 1ª pedra em
1862.
A tourada foi assim,
em tempos, um dos divertimentos preferidos dos portuenses.
«Em 1870 encontravam-se em construção as duas primeiras
praças de touros permanentes da cidade do Porto: uma na Boavista e a outra no
Largo da Aguardente (actual Praça Marquês de Pombal), esta com construção
iniciada em 7 de Fevereiro daquele ano, por iniciativa do alquilador Raimundo
dos Santos Natividade.
As notícias que se seguem são retiradas, de “O Comércio
do Porto”. Abaixo vem a descrição da praça de touros da Aguardente
aquando da ultimação dos trabalhos de construção:
"O espaço reservado às corridas mede 36m de largura;
a distância da primeira à segunda trincheira é de 1,2m e o espaço desta ao
tapamento; isto é, à largura das galerias é de 7,5m.
Além de uma ordem de 52 camarotes, tem no correr destes
uma galeria superior. Em frente da porta do cavaleiro fica o camarote da
autoridade.
Por baixo desta ficam a enfermaria, o escritório e outros compartimentos. O camarote real fica superior ao da autoridade.
Por baixo desta ficam a enfermaria, o escritório e outros compartimentos. O camarote real fica superior ao da autoridade.
Por cima da porta do cavaleiro fica o camarote da empreza
(sic) e por cima deste o coreto de música.
Nos corredores, por baixo das galerias ficam as
cavalariças e quartos para os moços e homens de forcado.
A praça é toda construída de madeira de forma quase
idêntica à da Boavista e tem lugar para 8.000 pessoas."
In “O Comércio do Porto”, 31 de Março de 1870
Na altura em que esta notícia era publicada já a praça da
Boavista tinha sido inaugurada. Tendo sido portanto essa e não esta a primeira,
pela diferença de uns dias.
Continuando o relato da inauguração das primeiras praças
de touros permanentes do Porto em 1870, ficamos agora com alguns apontamentos
noticiosos sobre a primeira delas, a da Boavista, inaugurada umas semanas antes
da praça da Aguardente.
A fonte é, como sempre, o Comércio do Porto, nesta
notícia temos a chegada do gado que iria ser corrido:
"Ante-ontem à noute atravessou a cidade o gado que
vem para ser corrido na [inauguração] da praça de touros da Boavista…”
In “O Comércio do Porto”, 22 de Março de 1870
A notícia abaixo descreve um pouco do que foi a inauguração em 25 de Março de 1870, da primeira praça de touros (de madeira) permanente na cidade do Porto. Foi levantada na Rua da Boavista, num local que era, à data, longe do centro da cidade, tendo sido lidados 3 toiros e brilhado o cavaleiro Batalha e os bandarilheiros Pontes e Calabaça.
"Inaugurou-se na 6ª feira, com a primeira corrida,
como estava anunciado, a praça de touros que se acaba de construir na rua da
Boavista”.
In “O Comércio do Porto”, 27 de Março de 1870»
Fonte: “aportanobre.blogspot”,
com a devida vénia a Nuno Cruz
«Construíram-se duas praças (no Porto) e as touradas
principiaram. Êxito enorme! Concorrência immensa! Geral frenesi de enthusiasmo!
A sociedade tomou um certo ar toureiro. As senhoras mostravam-se interessadas
na qualidade dos curros, queriam ver o gado, punham gravatas vermelhas e
ofereciam-se para dar monas. Muitos cavallos appareciam arreados ao modo do
Ribatejo, com xairel de pelle e estribos de pau. Os mancebos à moda vestiam-se
de jaleca e cinta, com calcas de boca-de-sino, aos sabados de tarde. As duas
praças eram insufficientes para a multidão dos aficionados. Os lidadores eram
cobertos de charutos, de rebuçados, de palmas e de gritos de triumpho.
Finalmente, um delírio!
Ao cabo de dois annos ninguém mais voltou aos touros. Os
elegantes deram as jalecas e as calcas de boca-de-sino aos seus criados de
cavallarica; as senhoras nunca mais tornaram a fallar em gado; as guitarras
que haviam sido importadas desappareceram da circulação; o fado que alguns
dedos femininos dedilhavam nos teclados de Herard, deixou de accordar os eccos
surprehendidos e vexados dos salões portuenses; as duas praças, não tendo outra
coisa que fazer, começaram a apodrecer e esperam anciosas o primeiro momento,
pretexto decerto para se deixarem cahir.
Mas Lisboa tinha recebido uma lição terrível! O Porto
tinha-lhe mostrado que se quizesse gostar de touros, ninguém gostaria mais,
ninguém seria mais maniaco, mais doudo, mais frenético por touros, do que elle!
É para que se saiba!»
Ramalho Ortigão –
“As praias de Portugal” - guia do banhista e do viajante, Porto
1876
Anúncio do arrendamento da Praça de Touros da Aguardente, no "Jornal do Porto", em 30 de Setembro de 1870
Como se pode observar no anúncio acima, um dos sócios da
sociedade proprietária da praça, era Raymundo dos Santos Natividade, um alquilador que tinha a sua alquilaria, na Rua Formosa, no local em que no século XX esteve a conhecida casa de artigos para o lar, a "Lã Maria" e, entre muitas outras propriedades, era o dono de uma vasta área de terrenos, em Ramalde, por onde hoje passa a Avenida Antunes Guimarães.
“Às duas praças, a que Ramalho Ortigão allude, haviam
sido construídas, uma na Boavista, outra na Aguardente. Acabaram por não ter
ninguém; a tauromachia portuense deu em vasa barris. Mas, passados annos, o touro
tornou a passar do prato para o circo. Construiram-se duas novas praças, uma na
Boavista, outra na serra do Pilar, em substituição d'aquellas. Funccionam
ambas. Mas o povo portuense não tem educação de toureiro, nem condições para o
ser. Não ha no norte vastas lezírias, como no Ribatejo, onde possa crear-se o
gado bravo. De modo que a tauromachia no Porto é um divertimento emprestado,
que mette touros e campinos do sul. Estou em dizer que, apesar das duas praças
actuaes, o Porto acha mais sabor ao boi no prato do que ao touro na arena. “
Alberto Pimentel – “O Porto na Berlinda”, 1894
A Praça de Touros da Serra do Pilar, a que alude Alberto Pimentel, ficou situada à saída do tabuleiro superior da ponte, à direita, onde depois seria levantado um jardim.
As considerações de Alberto Pimentel parecem colocar um ponto de ordem sobre o modo como, passada a novidade, os portuenses ostracizaram as corridas de touros. É que, o argumento de que os nortenhos não suportavam o tratamento bárbaro infligido aos animais, não colhe, se considerarmos a época em que ocorriam. Esses sentimentos apareceram muitos anos depois e são mais do nosso tempo.
A Praça de Touros da Serra do Pilar, a que alude Alberto Pimentel, ficou situada à saída do tabuleiro superior da ponte, à direita, onde depois seria levantado um jardim.
As considerações de Alberto Pimentel parecem colocar um ponto de ordem sobre o modo como, passada a novidade, os portuenses ostracizaram as corridas de touros. É que, o argumento de que os nortenhos não suportavam o tratamento bárbaro infligido aos animais, não colhe, se considerarmos a época em que ocorriam. Esses sentimentos apareceram muitos anos depois e são mais do nosso tempo.
Anúncio para o arrendamento da Praça de Touros da Serra do Pilar, no "Jornal do Porto", de 6 de Outubro de 1888
No final do século XIX, foi realizada a última grande ofensiva para tentar ressuscitar a afición dos portuenses com a construção de duas novas praças de touros na cidade – Rotunda da Boavista e Rua da Alegria – a que se juntaram as praças erguidas na Serra do Pilar (V. N. de Gaia), Foz do Douro, Matosinhos e Granja.
No início do século XX, foi montada uma outra praça, para lide dos touros, no Campo das Manobras do quartel da Serra do Pilar.
Antiga praça de touros da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia,
em 1902, no campo de manobras do quartel - Aurélio da Paz dos Reis (CPF)
Em 1888, já se
realizavam touradas em Matosinhos.
Em 1901, seria
inaugurado um novo redondel junto do Senhor do Padrão, ou Senhor do Espinheiro,
ou ainda como também se chamava, Senhor da Areia.
Em 13 de Julho e 24 de Agosto de 1902, 9 de Agosto de 1903 e 7 de Agosto de 1907, ficaram célebres as garraiadas que por lá se realizaram naquelas datas, nas quais participaram destacados membros da burguesia portuense.
Na última delas, organizada por José da Fonseca, participaram os amadores José Barbosa, Martins da Costa (que veio a ser governador civil) Guilherme Castilho, Carneiro de Melo e o distinto Jaime Valado.
O programa foi redigido por Sá de Albergaria o autor da crónica "De Raspão" do Jornal de Notícias.
A praça de touros
junto do Senhor do Padrão, nem uma década durou, seguindo-se uma outra no Campo
de Sant’Ana, que teve existência efémera.
O Coliseu Portuense
na Rotunda da Boavista foi inaugurado em 28/7/1889.
Possuía 2
restaurantes, camarotes, bancadas, salão de bilhares, cafés e quiosques de
venda de jornais, além de dispor de iluminação elétrica.
Esta praça foi
construída por dois empresários que fizeram fortuna no Brasil, mas 6 anos
depois estava ao abandono e demolida no segundo semestre de 1898.
Por ela passaram os
grandes cavaleiros, amadores e profissionais, da época: o marquês de Castelo
Melhor, os viscondes de Alverca e da Várzea, D. Luís do Rego, Fernando de
Oliveira, Alfredo Tinoco e Manuel Casimiro. A pé, matadores espanhóis da
categoria de Guerrita, Espartero e Cara Ancha.
Na tourada inaugural
os bilhetes custavam o seguinte: Sol, 300rs; Sombra, 600rs; Tribuna, 1200rs;
Camarotes de Sol, 3.000rs; Camarotes de Sombra, 4.500rs. Tinha cerca de 8.000
lugares.
O Coliseu Portuense
Cartazes de corridas no Coliseu Portuense
Assistência na Praça de Touros do Coliseu Portuense
Coliseu Portuense em dia de corrida
Interior do Real Coliseu Portuense
O Coliseu Portuense situava-se na actual Rotunda da Boavista, onde hoje fica o Tabernáculo Baptista.
A poucos meses da inauguração do Coliseu Portuense, o entusiasmo pelas touradas, no Porto, era de tal modo intenso que, num Domingo de Setembro, ocorreram duas corridas em praças diferentes, como se pode observar na publicidade às mesmas, abaixo.
A 4 de Maio de 1902, foi inaugurada uma praça de touros na
Rua da Alegria, por Álvaro de Almeida Pinto, a qual se manteve em actividade por poucos
anos. Foi construída em madeira, ao gosto árabe, e tinha uma lotação para 7 mil
pessoas. Recebeu numerosos toureiros portugueses e espanhóis, mas encerrou
passados poucos anos.
Esteve em terrenos anexos à fábrica Matos & Quintans, um pouco mais a norte.
Esteve em terrenos anexos à fábrica Matos & Quintans, um pouco mais a norte.
Em 15 de Maio de 1904, nesta praça, durante uma sessão de embolação dos animais, que antecedia a corrida, mas que tinha sempre público a assistir, um touro saltou para as bancadas e investiu sobre vários espectadores, ferindo alguns com gravidade.
Em 20 de Fevereiro, já um touro tinha fugido para a rua, por descuido de um tratador e foi o bom e o bonito. Da Rua da Alegria o touro passeou-se até Lamas (aldeia junto à nova faculdade de engenharia), parando na propriedade do lavrador António José Guimarães da Silva.
Interior da Praça de Touros da Rua da Alegria – Fonte: CMP,
Arquivo Histórico Municipal
Praça de Touros da Rua da Alegria, em 1909
Praça de Touros da Rua da Alegria
Em 1909, entra na Câmara do Porto um requerimento de Manuel
Fernandes da Silva Prata pedindo a aprovação de um projecto de prolongamento da
Rua da Alegria e a abertura de uma nova rua ligando esse troço à Rua de Costa Cabral,
e o loteamento dos terrenos envolventes, dos quais é proprietário, onde se
encontra a Praça de Touros da Rua da Alegria.
Pela observação da planta anterior pode concluir-se que: a
Viela do Seixal desapareceu, nos dias de hoje, tendo o seu chão, nesse local,
sido ocupado por um prédio; a Rua da Alegria, aquando do requerimento, ficava
pela confluência com a Rua do Lima; a nova rua proposta é, hoje, a Rua
Professor Correia de Araújo, que substituiu a rudimentar Travessa de Costa
Cabral.
A vila da Senhora da Hora também teve a sua praça de touros e nela funcionaria a Escola Tauromáquica Portuense, inaugurada em 2 de Setembro de 1902.
Em 14 de Abril de 1910, acontece a fundação do “Tauromáquico Clube do Porto”, na Rua do
Almada, 356, a fim de realizar espectáculos a favor das casas de caridade
portuenses.
Na mesma época (1915), existiria uma praça, no Bessa, à
Boavista, da qual nos dá conta a revista Illustração Catholica, 28 de Agosto de
1915, em fotos abaixo.
Inauguração de Praça de Touros do Bessa - Ed. Illustração
Catholica, 28 de Agosto de 1915
Praça de Touros do Bessa - Ed. Illustração Catholica, 28 de
Agosto de 1915
Em 17 de Setembro de 1916, na Granja, estância balnear para onde a alta burguesia portuense ia a banhos, foi inaugurada uma praça de touros que deu brado.
A festa brava juntava-se, assim, às festas no Parque Burnay e na Assembleia.
Já a 19 de Abril de 1920 inaugurou-se uma outra praça, na
Areosa, à Circunvalação, pela Sociedade Tauromáquica Portuense, a qual veio a
ser destruída por um incêndio em 1926.
Esta praça teria sido levantada no local em que se
encontrava uma outra, em 21 de Maio de 1916, quando foi completamente destruída
pelos espectadores, que, furiosos com a mansidão dos touros, a reduziram a
cacos.
Ainda se tentou erguer uma praça de touros nas Antas, na actual
Praça Velasquez, mas o projeto não saiu do papel.
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