Antigamente, o pão e a broa que eram confeccionados nas
padarias do Porto não tinham a qualidade mínima, sendo consumidos, apenas,
pelas classes mais pobres.
De boa qualidade, o pão de trigo chegava de Valongo e, o de
milho, a broa, vinha de Avintes, suplantando, em qualidade, a de milho-comum
confeccionada nas padarias da cidade.
Assim, perante a má qualidade do pão fornecido pelas padarias
da cidade, os mesários da Santa Casa da Misericórdia do Porto decidiram já, em
1700, que o fornecimento do pão do Hospital D. Lopo de Almeida, situado no
gaveto da Rua das Flores com a Rua dos Caldeireiros, passasse a ter origem em
Valongo, o que nos leva a concluir que a fama da qualidade do pão fabricado naquelas
bandas, já vinha de longe.
«Como era muito grande
a despesa " que se fazia com o pão das padeiras da cidade, que
os doentes não comiam por ser mal amaçado, sendo tão preto que parecia se lhe
não tirava o rollão, trazendo-o muitas vezes quente, assim como saía do forno
para logo se gastar, e se não ver depois de frio a ruindade dele",
decidiu-se, "dar aos doentes pão das Padeiras de Valongo, e vindo uma
delas com várias formas dele respeitando ao valor de seiscentos réis que inda
tinha trigo, se achou convinha dar-se a cada doente, em cada dia, dois pães, de
preço ambos de 25 réis e com efeito, por ordem da Mesa, se ajustou com a
padeira a trazer todos os dias o pão que fosse necessário"».
Fonte: Livro de
Lembranças (registo regular) da Mesa da Misericórdia do Porto, do dia 16 de Fevereiro
de 1700
Em tempos que já lá vão, a qualidade do pão que se fabricava
no Porto deixava, então, muito a desejar. Por isso, os cidadãos que tinham
algumas posses recorriam a outras fontes, como nos narra o texto que se segue:
Durante muitos e muitos anos, Valongo forneceu pão para
muitas outras terras à sua volta. Os campos de cultivo eram férteis e os
moinhos dos rios Ferreira e Leça, com a força das águas, moíam o grão e faziam
a farinha.
Nesses tempos, o transporte
do pão de Valongo para a cidade era feito pelas padeiras ou padeiros em
jumentos carregados e conduzidos à arreata. Saíam de manhã, de madrugada, e
percorriam as estradas de ligação ao Porto, via Rio Tinto, S. Roque da Lameira
e Bonfim, na chamada Estrada do Pão,
ou pela Estrada de Guimarães, vindos
da Areosa até à Cruz das Regateiras (local onde seria edificado, na década de
1880, o Hospital do Conde de Ferreira) onde se juntavam e se dirigiam às feiras
fazendo, por vezes, pequenas paragens às portas das casas de família ou
mercearias locais, vendendo o pão mais típico e apreciado - a regueifa.
Após a venda, ao fim
do dia, tratavam de se juntar todos para o regresso, em grupo, de forma a
defenderem-se de possíveis assaltos, pois já chegavam de noite ao destino e era
obrigatório atravessar a serra de Valongo.
As padeiras
regressavam no dorso do animal, regaladamente instaladas adormecendo, por isso,
no trajecto e só acordavam à porta de casa. Os jumentos já sabiam o caminho e
não se enganavam, como resultado da repetição do ritual diário.
“As padeiras de
Valongo envergavam, consoante as estações, saias de pano de lã ou de riscado,
uma espécie de jaqueta curta e, sobre os ombros, capa de fazenda. Chapéu
pequeno e redondo na cabeça, chinelos nos pés (com ou sem meias) e, no pescoço,
invariavelmente, ostentavam grossos cordões de ouro, com medalhas, figas,
corações ou cruzes pendentes. Nas orelhas, era essa a moda, seguravam volumosas
arrecadas.
Os padeiros da mesma
região vestiam calça, colete e jaqueta. De Verão, faziam uso da calça branca de
sarjão ou de linho e, durante a venda, habitualmente, despiam a jaqueta,
ficando em mangas de camisa. Na cabeça, usavam chapéu preto de abas largas,
redondo e baixo e, nos pés, chinelas de couro grosso, com ou sem peúgas”.
Horácio Marçal, In
revista “O Tripeiro”, VIª série,
ANO VII, página 140
Escultura inaugurada em 8 de Abril de 2005, no centro de uma
rotunda de Valongo, de homenagem aos seus padeiros e padeiras
No século XVIII, a
moagem dos cereais, operação prévia à confecção da broa, era a principal ocupação
em Avintes, tornando-se o seu ex-libris de excelência.
Em 1747, segundo
algumas crónicas, coziam-se, por semana, na freguesia, 96 carros de pão. Em
1758, as águas do rio Febros faziam girar cinquenta rodas de moinhos.
De acordo com algumas
opiniões, esta actividade deve ter surgido no reinado de D. Dinis (1261-1325). Este monarca, receoso dos
incêndios, terá restringido a cozedura do pão na cidade do Porto.
Estavam, então,
abertas as portas da oportunidade para Avintes. A produção aumentava.
O especial paladar da
sua broa abriu-lhe fronteiras e trouxe-lhe a fama.
No dealbar do século
XIX, contavam-se na freguesia mais de 50 padeiros e de 300 carros de pão, por
semana.
Sobre a broa de
Avintes, nos dá conta o texto seguinte:
“É um pão
castanho-escuro e muito denso, com um sabor distinto e intenso, agridoce, feito
com farinha de milho e centeio. Tem um processo de produção particularmente
lento: coze cerca de cinco a seis horas no forno. Depois de cozido, é
polvilhado de farinha. Tem, geralmente, o formato de uma torre sineira.”
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
“As padeiras de Avintes vestiam saia e colete
de pano de lã azul-escuro e, de Inverno, um género de jaqueta larga e comprida,
feita da mesma fazenda.
Por baixo do colete, sobressaía uma camisa
branca de mangas compridas abotoadas no pulso (durante o Inverno) ou arregaçada
até ao cotovelo (em período estival).
Não prescindiam do chapéu preto, redondo, de
abas largas e cpoa baixa, no interior do qual, para amortecimento do peso das
canastras, metiam a respectiva rodilha. Nos pés, era a chinelinha.
(…) As padeiras vinham em barcos por elas,
mesmas, tripulados (ora timonando ora remando), desciam o Rio Douro e vinham
abicar na margem direita, ao desembarcadouro, então existente na Ribeira, um
pouco abaixo da ponte pênsil. Cestos à cabeça, lá partiam elas, Rua de S. João
acima, por Belomonte e Taipas, em direcção à Praça de Santa Teresa, onde se
desajoujavam da pesada, mas saborosa mercadoria, ante um prolongado suspiro de
alívio”.
Horácio Marçal, In
revista “O Tripeiro”, VIª série,
ANO VII, página 140
Feiras do Pão
A venda de pão, em feiras, na cidade do Porto, tem tradição
muito antiga.
«A tradição, no Porto, da venda de pão em feiras é muito
antiga e não se sabe bem quando começou. Mas sabe-se, por exemplo, que em 14 de
Março de 1584 era publicado um acórdão municipal, se assim se lhe pode chamar,
em que se determinava que as "as medideiras da feira do Pão, messão em
gamellas fora das casas no meio da praça, quando não chover, sob pena de
multa..."
(Esta lei, se assim pode dizer-se, que obrigava as
"medideiras" a trabalhar na praça e que tinha por finalidade impedir
roubos ou outras falcatruas, ainda estava em uso quando, nos meados do séc.
XIX, ainda se fazia a feira do pão no antigo Largo de Santa Teresa e a da
farinha, na Praça dos Voluntários da Rainha, actual Praça de Gomes Teixeira).
No ano seguinte (1585), foi publicada nova legislação,
desta vez contra "as pessoas que misturarem o pão trigo de fora com o da
terra e que quem vender hum não possa vender o outro...»
Cortesia de Germano Silva
Sabe-se, também que, no século XVIII, mais precisamente, em
29 de Agosto de 1733, foi feito um contrato entre o cabido portucalense e a
Câmara, para a criação, na Praça Nova (actual Praça da Liberdade), de um espaço
para a venda de pão. O contrato foi celebrado na capela de S. Roque que, ao
tempo, ficava junto da Sé.
No entanto, durante muitos anos, o local de eleição para a
venda do pão foi a Praça do Pão, hoje, a Praça Guilherme Gomes Fernandes.
Embora a Terça-Feira e o Sábado fossem os dias de maior
afluência de vendedores, havia quem marcasse presença todos os dias.
«O produto mais procurado eram os célebres "pães de
Valongo" que pesavam cerca de meio quilo e eram vendidos, nos finais do
século XIX, a 75 réis cada um. Mas a variedade era imensa e para todos os
gostos. Vendiam-se também, e em abundância, o nosso muito conhecido "pão
molete", regueifas, tosta (doce e azeda), boroa, pão podre, pão coado,
biscoitos de várias qualidades e feitios como o de argola, que eram muito
procurados por moços e moças dos arrabaldes».
Cortesia de Germano
Silva
O pão molete,
referido no texto anterior, terá a sua génese ligada às invasões francesas,
mais concretamente, à 2ª invasão.
Assim, conta-se
que, em 1809, o exército francês ocupou o colégio da Formiga, na Santa Rita, em
Ermesinde, no concelho de Valongo e o general Moulet terá dado ordens para as
padarias servirem ao exército um pão individual, mais pequeno, como ração da
sua tropa.
O pão molete, que
por nós ainda hoje é assim chamado, terá a sua origem naquele facto, por alusão
ao nome do general.
Na Praça do Pão, a disposição dos lugares de venda era a
seguinte: a todo o comprimento do lado poente, em duas carreiras, ficavam as
padeiras de Valongo.
Contudo, às Terças, Quintas e Sábados, essas mesmas padeiras
(e padeiros), como a afluência era maior, distribuíam-se, também, pelo lado
norte.
As padeiras de Valongo vendiam o pão da terra confeccionado
com farinha que era moída nos moinhos a água da região de Valongo, com
as suas canastras presas aos burros, funcionando como prateleiras, presas ao
dorso dos animais e cobertas por alvas toalhas; as padeiras de Avintes
ocupavam, então, todo o espaço sobrante, em duas fileiras, uma de cada lado da
rua e o negócio acontecia com as canastras pousadas no chão.
Durante boa parte do século XIX, as vendedeiras estavam
protegidas do sol por 32 árvores.
A Praça do Pão que antecedeu nesse mesmo local a Praça de
Santa Teresa e que, a partir de 1915, passou a ser a Praça Guilherme Gomes
Fernandes dos nossos dias era, como hoje, um pouco inclinada.
Para evitar o desnível, foi construído um socalco (sustido
por uma parede do género da levantada no Jardim de S. Lázaro), que era vencido
através de uma escada com seis degraus, fronteira à actual Rua de Santa Teresa.
No período da transição de séculos, a venda de pão passou a
ocorrer em barracas de madeira, montadas no centro do largo.
Praça do Pão, em 1890. Ao fundo, à esquerda, observa-se a
parte cimeira do espaldar do chafariz da Praça Santa Teresa
Em 26 de Maio de
1909, são retiradas da Praça Santa Teresa as barracas que no sítio há longos anos
existiam para a venda do pão, sendo que algumas delas foram transferidas para
o lado sul do mercado do Anjo, iniciando-se a construção, no lugar por elas
ocupado, duma placa central ajardinada.
«O rápido desenvolvimento urbanístico da cidade e, em
especial, do chamado Bairro das Carmelitas ditou o fim da pitoresca feira do
pão. Nos começos do século XX, os abarracamentos começaram a ser demolidos e as
ladinas padeiras de Valongo instalaram-se na ala sul do Mercado do Anjo,
entretanto já desaparecido. Coisas da vida de uma cidade..."».
Cortesia de Germano
Silva
Tendo encerrado de vez a feira do pão, na Praça Santa
Teresa, os mercados do Anjo e do Bolhão passaram, ao longo do tempo, a ser os
locais de eleição para a transacção daquele bem de primeira necessidade.
Hoje, as padarias da cidade asseguram o abastecimento da
população e a regueifa de Valongo é produzida, de modo generalizado.
Desfile do corpo de bombeiros na nomeada, desde 1915, Praça
Guilherme Gomes Fernandes (antiga Praça do Pão e Praça Santa Teresa)
Biscoitos de Valongo
Para além da afamada regueifa de Valongo, os biscoitos, aí
confeccionados, ganharam fama na cidade do Porto.
Durante muitos anos, até mesmo para além de meados do século
XX, vendedeiras oriundas de Valongo, corriam o Porto, chegando mesmo à Foz,
oferecendo os seus biscoitos de milho, os fidalguinhos, de limão, digestivos,
torcidos e outros biscoitos deliciosos.
Há registos de narrativas que dão conta que, antigamente, a
mercadoria era carregada em alforges, por um burrito, e a visita era feita
porta-a-porta, todas as semanas, junto de clientes habituais.
Mais recentemente, as vendedeiras chegavam nas camionetas da
carreira e deambulavam pela cidade de cesto à cabeça, com a mercadoria
envolvida em impecáveis lençóis de linho branco.
Neste artigo mais minucioso (biscoito) destacou-se, desde
longa data, a valonguense marca “Paupério”.
“António de Sousa
Malta Paupério e Joaquim Carlos Figueira criaram, em 1874, a fábrica de
biscoitos “Paupério & Companhia”. Dois anos depois, em 1876, a “Paupério
& Companhia” recebe um prémio na Exposição Internacional de Filadélfia,
feito que haveria de repetir nas exposições internacionais do Palácio de
Cristal, em 1877, e na do Rio de Janeiro, em 1879.
Em 1974, o país
celebrava a Liberdade e a Paupério o seu primeiro centenário. Atualmente, a
Paupério é gerida pela 6ª geração da família Figueira, que mantém uma linha de
biscoitos tradicionais com as mesmas receitas utilizadas desde a sua criação”.
Fonte: “pauperio.pt/”
Após a morte de António Sousa Paupério, em 1907, os seus herdeiros
venderam a sua parte a Joaquim Carlos Figueira, o outro sócio fundador.
Em 28 de Junho de 1935, a firma Paupério & Cª
Sucessores, pediu o registo do nome «Fábrica Paupério, Biscoitos e Bolachas»,
obtendo despacho em 27 de Abril de 1936.
Em 1938, estavam registadas as seguintes variedades: Roscas
Inglesas, Bolacha Comum, Biscoitos de Viseu, Morgadinhos e Provincianos.
Alguns meses depois, registaram as bolachas «Mocidade», de feitio
quadrado e tendo imprimidas as cinco quinas.
No ano de 1941, foi registada a marca «Bolo Rei Paupério»,
que continua a produzir. Em 1946, foi feito o registo da marca «Paupério» para
compotas, conservas e geleias de frutos e marmelada.
Presentemente, a Paupério produz cerca de 32 variedades de
bolachas e biscoitos, para além do Pão-de-Ló Paupério e do Bolo-rei Paupério
produzidos nas épocas festivas.
Algumas das receitas mantêm-se inalteradas, como é o caso da
«Tosta Rainha» fabricada em 1889, em homenagem à rainha D. Amélia.