As religiosas do mosteiro de Santa Clara, no Porto, eram
Franciscanas Clarissas e oriundas de um pequeno convento situado na foz do rio
Tâmega, na freguesia de Santa Clara do Torrão, onde usufruíam de rendas de
portagem de mercadorias que transitavam pelo rio Douro.
“No século X, foi
fundado no anterior cenóbio do Salvador, situado no lugar do Torrão, Entre
Ambos os Rios, junto à margem esquerda do Tâmega, na confluência do
Douro.
Os seus patronos foram
D. Châmoa Gomes, dama nobre do Porto e seu marido, o fidalgo leonês, D. Rodrigo
Froilas, que o dotaram generosamente e receberam do bispo D. Vicente e do
cabido do Porto a doação do respectivo couto.
Em 1256, ou em 1257,
por bula do papa Alexandre IV, de 13 de Janeiro, foi autorizada a fundação do
Convento para cem religiosas, vindo doze monjas clarissas de Zamora para
iniciar a comunidade, uma das quais seria a abadessa.
Iniciou-se então, a
construção do edifício chegando apenas três irmãs de Zamora, o que pode
significar um começo mais modesto do que o esperado.
Em 1258, já estava
instalada a primeira comunidade de clarissas que seguia a regra do Cardeal
Hugolino, tendo sido o Convento refundado.
A alegação da
existência de abusos cometidos no Convento por grande número de nobres,
apresentada por Frei João de Xira, visitador das religiosas e confessor de D.
João I, justificou a sua transferência do Torrão, lugar despovoado e solitário,
para o Porto.
Em 1416, sob o
patrocínio de Dona Filipa de Lencastre, e através da bula "Sacrae
Religionis" de Inocêncio VII, do mesmo ano, dirigida ao abade beneditino
de Santo Tirso, foi obtida a autorização necessária.
Em 1416, a 25 de
Março, foi lançada a primeira pedra - benzida pelo bispo do Porto, D. Fernando
da Guerra - na presença do monarca que, nesse ano, tomou os dois conventos sob
a sua protecção.
Cerca de 1427,
efectivou-se a trasladação da comunidade para o local dos "Carvalhos do
Monte" junto à Porta de Santo António da Pena ou Penedo, dentro dos muros
da cidade, ao longo da muralha fernandina, com a intervenção de D. Fernando de
Guerra, arcebispo de Braga. As freiras mantiveram os privilégios, doações e
foros, obtidos no anterior Convento.
Em 1568, passou da
claustra à observância”.
In: autoridades.arquivos.pt
“A freguesia de Santa
Clara do Torrão, no antigo concelho de Benviver, era curato da apresentação do
Convento de Santa Clara do Porto, passando mais tarde a reitoria. O Decreto de
31 de Dezembro de 1853 extinguiu o concelho de Benviver, passando esta
freguesia para o Marco de Canaveses.
Arcediagado de
Benviver (século XII). Comarca eclesiástica de Sobretâmega - 1º distrito (1856;
1907). Segunda vigararia do Marco de Canaveses (1916; 1970).”
In Arquivo distrital do Porto, História administrativa/
Bibliográfica/ Familiar.
O Mosteiro de Santa Clara foi, assim, construído para dar
cumprimento a um voto de D. Filipa de Lencastre, sendo lançada a primeira pedra
no ano seguinte à morte da rainha.
A este acto, que se revestiu de grande solenidade e se
realizou em 28 de Março de 1416, esteve presente o Bispo D. Fernando Guerra,
acompanhado pelo cabido e clero, comunidades de S. Francisco e S. Domingos,
pelo rei D. João I e filhos, o infante D. Fernando e D. Afonso, conde de
Barcelos, toda a corte e o povo da cidade, que assistiram a uma procissão que
teve por término o local de implantação do mosteiro.
As primeiras freiras, que eram oriundas do mosteiro de Santa
Clara do Torrão (Entre-os-Rios) e que viviam até aí, em condições muito precárias,
conseguiram autorização para construírem o edifício dentro da muralha,
colocando-se assim ao abrigo de possíveis incursões dos castelhanos.
Com a supressão de vários mosteiros mais pequenos nas
diversas localidades entre o século XV e o século XVI, as freiras foram-se
agregando em Santa Clara levando para lá as suas rendas, sendo uma delas uma
portagem por todas as mercadorias que passavam pelo Rio Douro.
As obras estavam totalmente concluídas em 1457, facto a que
não foi alheio o monarca, que colocou o mosteiro sob protecção régia.
A transferência dá-se, então, em 1457, sobre a presidência
da abadessa D. Mécia Álvares que, pouco depois, é substituída no cargo por D.
Leonor Ferraz.
Aliás, esta família Ferraz estará, desde sempre, ligada a
este mosteiro.
Assim, é o caso da abadessa Briolanja Ferraz, filha de
Afonso Ferraz, fidalgo da casa de D. João III, que terá feito a integração na
ordem de vários padroados e doacções.
No começo de 1683, durante a construção de um novo claustro,
terá ocorrido um incêndio no mosteiro com danos de alguma monta.
Seguir-se-á uma intervenção que levará a igreja para uma
aparência do período barroco, com a capela-mor recoberta a ouro em 1729, e o
novo arco cruzeiro levantado em 1731.
Para trás, tinha ficado uma intervenção do início do século
XVII, que resultou na cobertura do interior da igreja a azulejos.
Em 1758, a igreja estava toda recoberta a folha de ouro.
Por esta altura, a população cifrava-se em 300 almas, das
quais 1/3 eram monjas oriundas da nobreza e da burguesia endinheirada e, os
outros 2/3, era criadagem, alguma dela de tez negra, pelo que, não admira que
os altares apresentassem santos negros - Santa Ifigénia e S. Benedito.
Os dotes exigidos às futuras monjas eram grandes.
As candidatas à entrada tinham que ter mais de doze anos,
serem solteiras ou viúvas, mas, sempre, virtuosas.
A admissão resultava de uma votação secreta de toda a
comunidade, a que se seguia a profissão de fé.
O mosteiro vivia na abastança.
A estrutura arquitectónica é de grande simplicidade
destacando-se, no entanto, os dois portais: o da igreja, renascentista, e o da
portaria da casa conventual, muito semelhante ao portal de entrada da igreja do
convento de S. Francisco do Porto, já com um espírito barroco. No início do
século XVIII, devido ao número crescente de monjas, são construídos novos
dormitórios (1707-1715).
Entre 1714 e 1716, é edificado junto da muralha fernandina
um novo dormitório sendo, assim, demolidas as instalações para os padres
confessores e capelão que só serão novamente levantadas em 1719.
A sua igreja, desde sempre com a sua entrada lateral,
característica dos mosteiros femininos mantém, até aos nossos dias, intacto o
magnífico interior, totalmente revestido a talha dourada, na linha de outras
igrejas portuenses, como a de S. Francisco, ou S. Pedro de Miragaia, ou
Monchique, esta última desaparecida.
A entrada da igreja é feita através de uma porta barroca,
datada de 1697 e reformulada no século XVIII, com elementos renascentistas como
colunas salomónicas e capitéis coríntios. No interior, podemos vislumbrar toda
a magnificência desta igreja, toda coberta por talha dourada da primeira metade
do século XVIII.
O esmero e o requinte de execução que podemos admirar nos retábulos,
sanefas, tecto, arco cruzeiro e, principalmente, na capela-mor, provam a
categoria dos artistas da escola do Porto e fazem de Santa Clara um paradigma
do domínio da talha dourada. À esplêndida capela-mor encontra-se ligado o
arquitecto-entalhador Miguel Francisco da Silva, responsável pela feitura do
retábulo-mor, ilhargas, tecto, arco cruzeiro e retábulos/nichos colaterais
(1730), ignorando-se o autor do risco.
Chegou a ser um dos mais ricos conventos da cidade.
Até ao ano de 1500, as abadessas de Santa Clara do Porto
recebiam impostos sobre todo o sável e lampreias que eram pescados no rio Douro
e, também, portagem de todas as mercadorias que transitavam pelo mesmo rio,
dado que as clarissas mantiveram, em princípio todos os privilégios, doações e
foros, que traziam do Torrão.
As monjas do mosteiro de Santa Clara também eram conhecidas
por “Donas do Codeçal”.
No século XVIII, as rendas anuais do mosteiro atingiram o
elevado montante, para a época, entenda-se, de doze contos de réis.
O texto que se segue dá-nos uma descrição do mosteiro, em
meados do século XIX.
“Quando fomos visitar o convento de Santa Ana [sic; Santa
Clara], entrámos a cavalo no átrio; o ruído dos cascos dos cavalos atraiu algumas
das Freiras, e jovens residentes até à janela gradeada. A senhora inglesa a
cavalo, ou antes, talvez o seu chapéu e longo vestido de montar, pareciam
atrair as atenções, até que os nossos dois cães terra nova “cortaram” essas
atenções e captaram a sua admiração. No centro do isolado átrio estava uma
bonita fonte de mármore, com uma grande pia circular, a resplandecer com água
límpida que a enchia até ao bordo. Mal os cães deram por ela, pularam de
imediato e mergulharam na pia, nadando em volta dela como se tivesse sido feita
para eles. De vez em quando mergulhavam até ao fundo trazendo pedras, que iam
depositar no átrio, saltando de novo para a água, e não descansaram até já não
haver um único seixo na fonte. As gargalhadas e os gritos de admiração das senhoras
por detrás das grades revelavam que se sentiam tão surpreendidas e divertidas
por estes comportamentos como se os cães fossem magos. Enquanto esperávamos
autorização para ver a capela, trocámos algumas palavras de circunstâncias com
uma das freiras mais velhas, através da grade de ferro que separa a capela do
resto do convento do lado oeste.”
Dorothy Wordsworth, In “Diário de uma Viagem a Portugal e ao
Sul de Espanha” (1845)
Entre as várias solenidades religiosas que eram assinaladas
pelas clarissas, contava-se a festa, a 16 de Janeiro de cada ano, dos santos
mártires de Marrocos, que pertenciam à Ordem de S. Francisco.
Os padres regrantes da ordem de Santo Agostinho, conhecidos
como frades crúzios, que tinham o seu mosteiro do outro lado do rio, no cimo do
monte da Serra do Pilar, possuíam uma relíquia dos mártires de Marrocos e, na
véspera do dia 16 de Janeiro (ao cair da tarde), levavam a relíquia em
procissão até uma das janelas do convento e mostravam-na à cidade. Do lado de
cá, as monjas subiam a um mirante feito a partir de um cubelo da muralha
fernandina e, enquanto cantavam uma antífona, a madre abadessa incensava, do
lado de cá, o relicário.
A foto, acima, apresenta um troço da muralha, antes da
última intervenção, muito perto da Igreja de Santa Clara e da Rua do
Miradouro. Esta rua começa nas escadas dos Guindais e termina na Alameda das
Fontainhas. Tem aquele nome por ficar perto do mirante da muralha fernandina
que era o local de recreio das monjas e o sítio de onde elas cantavam a
antífona em louvor dos santos mártires de Marrocos e miravam a relíquia.
A Rua do Miradouro já tinha esta denominação em 1846.
Aliás, os conventos ou mosteiros femininos ostentavam os
seus mirantes que, em Santa Clara, adaptaram os torreões das muralhas.
Sobre uma outra tradição existente no convento escreve
Germano Silva:
“Há no Porto uma
tradição, muito antiga, de as noivas, na véspera do casamento, oferecerem a
Santa Clara (a de Assis) meia dúzia, ou uma dúzia, de ovos "de galinha
poedeira", logo caseira, para que não chova no dia da boda…Eu não sei, e
julgo que ninguém sabe, como estas coisas se engendram na imaginativa crónica
popular e passam de avós para netos; de pais para filhos; da lenda para a
história; e da história para a tradição ou para o simbolismo. Mas julgo, e é
apenas uma mera suposição, que esse antigo uso popular anda ligado ao facto de
as clarissas terem sido, em tempos idos, conhecidas também por "esposas de
Santa Clara" - sendo que aqui a expressão quer dizer as esposas que vivem
em Santa Clara e não as esposas da padroeira.
Todo isto tem a ver
com a realização da antiga e tradicional procissão da Paixão, que no Porto
acontecia na Sexta-Feira Santa. O préstito saia da Igreja de S. Francisco e
passava pela "casa das esposas de Santa Clara". Quando aqui chegava,
já a noite começava a cair sobre a cidade. Era então costume deixar na igreja
das freiras "o esquife com a imagem do Senhor Morto "para
contemplação das 'esposas do Senhor'", como também se costumava dizer.
Como atrás fica dito -
e isto é apenas uma suposição -, pode ver-se na oferta dos ovos uma súplica das
noivas às "esposas de Santa Clara "”.
O mosteiro era abastecido por manancial proveniente de duas
nascentes que se juntavam no campo do Espinheira, na Póvoa de Cima, a actual
Praça Rainha D. Amélia, corria mais ou menos paralelo à actual Rua da Alegria
passando pelas faldas do Monte de Santa Catarina, que se chamou também Monte
dos Congregados e que por pertencer em parte a Thadeu António de Faria é também
conhecido por Monte do Tadeu, passava ainda por Malmerendas (Rua Dr. Alves da
Veiga, actual) e paralelamente à Rua do Caramujo (troço final da Rua da
Alegria) e por Santo Ildefonso, Rua do Campinho, Entreparedes e Praça da
Batalha, rumava por fim ao mosteiro.
Este manancial também abastecia o Paço Episcopal.
No seu trajecto o manancial abastecia o chafariz do Largo da
Póvoa de Cima, também chamado de S. Crispim, hoje instalado no Palácio de
Cristal, a fonte do Canavarro instalada na Rua Santa Catarina e desaparecida e
ainda a Fonte da Firmeza, hoje instalada na Praça das Flores, antes implantada
na rua do mesmo nome.
Na sequência do Decreto de 30 de Maio de 1834, de extinção
das ordens religiosas, o Estado tomou posse definitiva dos bens do mosteiro, em
1900, quando faleceu a sua última religiosa, a abadessa Maria da Glória e, por
outro lado, a igreja de Santa Clara deixa de ter comunicação com o mosteiro.
Desde então, as antigas instalações do mosteiro passaram a
albergar, em 1901, no corpo norte e na antiga casa dos capelães, o dispensário
Rainha D. Amélia (actual centro de saúde da Batalha) e, por adaptação do claustro
pelo Governo Civil do Porto, surgiu uma casa de reclusão (o Aljube). Em 1903, a
Associação Protectora da Infância instalou-se no edifício envolvente do pátio
da igreja. Nas décadas de 1920 e 1930, no corpo das instalações, a sudeste,
estiveram as instalações do Hospital de Santa Clara, onde, mais tarde, se
albergou o Instituto Ricardo Jorge e, a partir de 1960, também por lá esteve, a
Polícia de Segurança Pública do Porto.
Pátio do mosteiro de Santa Clara com o seu chafariz (Desenho/reconstituição
-1920) – Ed. João Monteiro
No interior da igreja de Santa Clara, podemos encontrar um
dos melhores exemplares da arte da talha dourada do Barroco Joanino.
Em 1910, a igreja é classificada como Monumento Nacional e,
desde 1996, faz parte integrante do centro histórico do Porto, reconhecido pela
Unesco como Património da Humanidade.
Em 22 de Outubro de 2021, após cinco anos de obras de
recuperação, a igreja de Santa Clara abriu, ao público, completamente
remodelada.
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