sexta-feira, 3 de outubro de 2025

25.288 O comércio na Praça de Carlos Alberto

 
A Praça de Carlos Alberto, que ganhou este topónimo a partir de 1850, está implantada em terrenos a que antigamente se chamava Horto do Olival e, aos quais, a cidade amuralhada tinha acesso através da Porta do Olival.
Intra-muros, nessa zona, esteve a judiaria até à expulsão dos judeus, em 1496, ordenada por D. Manuel I.
Por aquela porta se saía para rumar ao norte do País.
Primeiro, por caminhos rústicos através de Campos da Quinta da Corredoura ou dos Carvalhos do Monte, mais tarde, por ruas, respectivamente, a Rua da Estrada (Rua de Cedofeita) e a Rua das Oliveiras (que ainda ostenta o topónimo com referência ao antigo local).
A Praça de Carlos Alberto é dominada a norte/nascente, desde o início do século XVIII, pelo Palacete Balsemão e, a sul/poente, pela fachada lateral da Igreja dos Terceiros do Carmo e fachada principal do respectivo hospital e, ainda, a sul/nascente pelo palacete dos Couto Moreira.

 
 

Palácio do Visconde de Balsemão - Desenho de Carlos Alberto Nogueira da Silva, In «Archivo Pittoresco», 4, 1861, p. 393
 
 
 
Sabe-se que, em 1718, a casa que por lá estava pertencia a Diogo dos Santos Mesquita e, alguns anos depois, surgiria na posse do negociante portuense Luís Correia dos Santos.
A casa passa a ser conhecida como Palacete Balsemão, a partir de 1800, quando Maria Rosa Alvo Brandão Perestrelo de Azevedo casa com o 2.º visconde de Balsemão, Luís Máximo Alfredo Pinto de Sousa Coutinho (Falmouth, 30 de Maio de 1774 — Lamego, 2 de Outubro de 1832).

 
 

Hospital do Carmo, em 1833, voltado para a Praça Carlos Alberto, em desenho de J. Villanova

 
 
Em 1801, as instalações do que seria o Hospital do Carmo estavam concluídas.
Em 1811, decide-se montar uma botica, que será instalada numa das lojas do edifício do hospital. Todavia, em 1862, adquiriu-a Joaquim Baptista de Lemos, que a vai transformar na Farmácia Lemos com portas abertas até aos nossos dias.
A partir de 1865, o Hospital do Carmo passará a prestar assistência a doentes alheios à Ordem.


 
 

Palacete dos Couto Moreira, c. 1960, na esquina das praças de Carlos Alberto e Gomes Teixeira
 
 
 
 
Pela Rua de Cedofeita, começada a abrir em 1777, que rapidamente passou a Rua da Estrada e, depois, a Rua Direita de Cedofeita, se atingia a Falperra (Ramada Alta) e continuando se atingia o Carvalhido, pelo troço que, mais tarde, se chamaria Rua 9 de Julho. Daí, passando pelo Padrão da Légua e Padrão de Moreira, chegava-se à Estrada dos Nove Irmãos e a Vila do Conde, Póvoa, etc.
Se se enveredava pela Rua das Oliveiras e, depois, pela Rua de Santo Ovídeo, actual Rua dos Mártires da Liberdade (para o povo sempre Rua da Sovela pelo seu traçado característico) atingia-se Santo Ovídeo (Praça da Regeneração topónimo que alternava com o de Praça da República), seguia-se a Rua da Rainha (Rua Antero de Quental), Lugar do Sério, Arca d’Água e continuava-se para Braga.
Tendo os itinerários referidos o seu início, no local da actual Praça de Carlos Alberto, não é de estranhar que, naqueles tempos, se lhe chamasse Largo dos Ferradores.
As oficinas dos ferradores de cavalos e muares seriam verdadeiras estações de serviço da época, colocadas num sítio estratégico, à saída da cidade, por isso, o topónimo sucessivo de Campo dos Ferradores, Largo dos Ferradores e Bairro dos Ferradores.
Não é de estranhar que o local, após a introdução dos transportes de massas, fosse também muito concorrido.
Na Praça Carlos Alberto, a partir de 12 de Agosto de 1874, começou a funcionar, sob a gestão da Companhia Carris de Ferro do Porto (CCFP), a linha de caminho-de-ferro americano até Cadouços, à Foz do Douro, passando pela Boavista.
Em 1883, uma outra linha concorrente dos “americanos”, os carros Ripert da “Empresa Portuense de Carros Ripert” (com sede na Rua de S. Dinis), que demandavam S. Mamede de Infesta e serviam vários outros pontos da cidade, passou a funcionar a partir da Praça de Carlos Alberto, com o término em frente à Tabacaria Havaneza, no local em que, mais tarde, esteve a Mercearia Pacheco.
Mas, desde sempre, foi também uma área que, pela sua localização, era propícia ao comércio.
Neste sítio, que já foi Campo, Largo e Bairro dos Ferradores e Largo da Feira das Caixas, acabando como Praça Carlos Alberto, realizou-se, entre c. 1676 e 1833, a “Feira dos Bois”.
Em 14 de Fevereiro de 1833, esta feira é transferida para o Poço das Patas, depois Campo Grande e, finalmente, Campo 24 de Agosto.
Por alvará de 1720, pelos dias 25, 26 e 27 de Julho, foi autorizada a realização de uma “Feira Franca”, anual, de fazendas e animais, que se realizaria pela primeira vez, no ano seguinte, passando pelas praças do Carmo, Cordoaria e Ferradores.
Tendo esta feira caído no agrado dos portuenses, passou a realizar-se bi-semanalmente (Terças e Sábados).
Até 1822, funcionou nesta praça, a “Feira da erva, carvão e lenha” e, depois a “Feira das Caixas” que comercializava cadeiras, caixas, bancos, tamancos e outros artigos em madeira.
Em 1823, esta feira funcionou no Mercado do Mirante (Praça Coronel Pacheco) e depois disso foi para a Praça da Batalha.
Durante algum tempo, na “Feira das Caixas”, no meio da praça, funcionou um teatro mecânico, cujos actores eram autómatos.
Em 1856, a “Feira das Caixas” foi para a já desaparecida Rua dos Lavadouros e, ainda hoje, podem ser observados os seus vestígios, na Rua da Picaria, que lhe ficava próximo.
Em Abril de 1858, passa a realizar-se nos Ferradores a “Feira dos Moços”, em Abril (nos contratos para os trabalhos de Verão) e em Novembro (para os de Inverno). Em 1876, foi transferida para a Rotunda da Boavista e depois para a Corujeira.
A partir de meados do século XIX, com o desenvolvimento que a cidade experimentou após a intervenção de João Almada e do seu filho Francisco Almada, o comércio que se baseava em feiras ao ar-livre passou, também, para debaixo de telha, em lojas. Apareceram, então, na Praça Carlos Alberto os hotéis, restaurantes, mercearias, casas de modas, etc.
Dada a impossibilidade de uma descrição cronológica apresentam-se, a seguir, alguns exemplos da ocupação comercial na Praça Carlos Alberto.
 
 
Lado Nascente
 
 
 

Praça de Carlos Alberto, com perspectiva sobre a Praça Gomes Teixeira, em foto do Plano Regulador de Almeida Garrett c. 1952

 
 
Na foto acima, no primeiro prédio, totalmente visível, à esquerda esteve, no nº 115, a “Leitaria Invicta”.

 
 

Anúncio publicado no jornal “O Alarme” (Diário Republicano da tarde) em 1904
 
 
 
Na mesma morada, a partir de 28 de Novembro de 1931, esteve a moderna e luxuosa Manteigaria Invicta de Alírio Tavares da Fonseca & Cia.
 
 
 

Publicidade à Manteigaria Invicta, em 1933
 
 


Neste lado da praça localizavam-se, segundo testemunho de Horácio Marçal, as casas de hospedagem e de comidas e bebidas.

 
 
 

Horácio Marçal, In revista “O Tripeiro”, Vª Série, Ano VIII, Nº 4, Agosto 1952
 
 
 
Ainda, segundo Horácio Marçal, outros estabelecimentos ficaram na memória de muita gente, como a “Mercearia dos Penas” na esquina da Praça Carlos Alberto com a Praça Gomes Teixeira (dos Leões ou da Universidade), a “Tabacaria Havaneza”, a “Camisaria Braga”, a “Camisaria Perdigão”, a “Confeitaria Abreu”, o armazém de fazendas ”Bártolo”, a casa de modas “Almeida & Cia”, a loja de miudezas de “Sousa Matos” a “Mercearia Campos”, o estabelecimento de artigos de verga da ilha da madeira “Casa Vilaça”, a casa de músicas “Eduardo da Fonseca”, o Café Carlos Alberto, funcionando nos baixos do palacete do Visconde da Trindade, na esquina da Rua das Oliveiras, de António Pires da Silva, com sala de bilhares e inaugurado em Outubro de 1901.
Para além da muito conhecida Hospedaria do Peixe, que estava instalada no palacete do visconde da Trindade, arrendada na década de 1840 por António Bernardino Peixe e onde se alojou o rei Carlos Alberto, existiam pelos Ferradores, várias hospedarias e hotéis.
No nº 120, a Hospedaria “Leão de Ouro”, cuja diária variava entre 600 e 800 réis.
 
 
 

No primeiro prédio, à esquerda, ficava a “Leão de Ouro”
 
 
 
Ainda do lado nascente da Praça Carlos Alberto, dá-se conta da “Pensão do Comércio” a 1$200 réis por dia, “Clarence”, “Hotel da Boa Esperança”, “Bons Amigos” e “Aurora”.
 
 
 

Hotel da Boa Esperança, do lado Nascente da Praça de Carlos Alberto – Ed. Photo Guedes
 
 
 
Na foto anterior, pode observar-se a confeitaria Oliveira e o Hotel da Boa Esperança.
No prédio onde teve portas abertas a confeitaria Oliveira, uns anos antes, esteve, o Hotel-Restaurante Carlos Alberto, na Praça de Carlos Alberto, nº 105.
 
 
 “O bem conhecido nesta cidade, cozinheiro Bernardo Crespo, abriu o seu novo hotel na praça de Carlos Alberto, 105, desde o dia 15 de março.”
In Jornal o “Comércio do Porto” de 15 de Março de 1865, cit. Guido de Monterey, “O Porto 2”, p. 582
 
 
 

Vista actual de foto anterior – Fonte: Google maps
 
 
 
 
As malas-postas ou diligências que faziam a ligação a Viana do Castelo tinham a estação no edifício da casa de pasto “Caldos de Galinha”, bem como as estafetas e recoveiros, para Viana do Castelo, Caminha, Valença e Tui, que chegavam às Segundas, Quartas e Sábados e partiam nesses mesmos dias.
A casa de pasto “Caldos de Galinha”, segundo informação de Horácio Marçal situava-se no nº de polícia 85-87-89, morada que ainda se mantem.
No final do século XIX, bem próximo daquele local seria aberta uma ligação entre a Praça Carlos Alberto e o Largo do Moinho de Vento, que já se chamou Travessa de Sá de Noronha e hoje, é a Rua Actor João Guedes.


 

Foto do prédio do Café Luso, anterior aos anos 80 – Ed. AHMP; Foto de Marco Gelehrter Ricca Gonçalves

 
 
Na foto, acima, é possível ver o Café Luso (prédio central com azulejos azuis) e, ao lado, o Restaurante Carlos Alberto.
Foi da varanda do Café Luso que, Humberto Delgado, em 14 de Maio de 1958, durante a campanha para as eleições presidenciais, disse à multidão: "O meu coração ficará no Porto ".
 
 
 
 

Humberto Delgado na varanda do Café Luso

 
 
O icónico Café Luso, inaugurado em 1935, fechou para sempre as suas portas em 2022.


 
 

Vista actual de parte do lado Nascente da Praça de Carlos Alberto – Ed. J Portojo
 
 
 
Na foto acima, no edifício, à direita, esteve instalado até 2022 o Café Luso e, ainda no século XIX, no edifício mais central esteve a casa de pasto “Caldos de Galinha”.
 

 



À esquerda, a sede da Companhia União de Crédito Popular, no lado norte/nascente da Praça de Carlos Alberto

 
 
 

Casa Pereira, na Praça Carlos Alberto, n.ºs 72-73, em 1970, no término da Praça de Carlos Alberto, já junto à Rua das Oliveiras
 
 
 
 
Lado Poente
 
 
O lado poente da Praça Carlos Alberto é dominado pelo hospital dos Terceiros do Carmo.
 
 
 

Fachada lateral da igreja dos Terceiros do Carmo e Hospital do Carmo – Ed. J Portojo
 
 
 
Tendo-se formado em 1736, a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, passado vinte anos, começaria a construir a sua própria igreja numa parcela de terreno comprado aos padres carmelitas.
Em 29 de Agosto de 1756, a primeira pedra seria lançada por D. João da Silva Ferreira, bispo de Tânger, deão da capela de Vila Viçosa e prior da Ordem Carmelita.
Do lado poente da Praça Carlos Alberto, quanto à ocupação ao longo dos anos, importa referir o Hospital da Ordem Terceira do Carmo, e uma série de estabelecimento comerciais arrendados àquela Ordem, de que se destacam a antiquíssima Farmácia Lemos e as lojas “Lopo Xavier” e “Casa Damas”.
A loja "Lopo Xavier" de malhas e miudezas tem no seu interior uns baixos-relevos de Henrique Moreira.
 
 
 

Lopo Xavier (ainda existe) na Praça Carlos Alberto
 
 
 
 
 
A Casa Damas, por sua vez, tem uma história que merece ser contada.
A “Casa Damas”, de Manuel José Ferreira & Filhos, estava sedeada na Praça Carlos Alberto, tendo começado em 1833, por ser a “Mercearia Damas”.
Foi fundada por um antigo caixeiro da mercearia Dâmaso, situada na Porta do Olival.
Aquele caixeiro aproveitou a corruptela, Damas, por supressão da vogal final, do muito conhecido Dâmaso – o seu ex-patrão.
Manuel José Ferreira, assim se chamava aquele caixeiro, herdou do seu patrão Dâmaso, toda a fortuna, em virtude de este não ter herdeiros.
Acrescentou à mercearia, uma cervejaria e próximo do estabelecimento que tinha sido do seu ex-patrão, abriu um próprio, do mesmo ramo de negócio, nos chamados Passeios da Graça.
Fruto das obras realizadas, à data, no actual edifício da Reitoria, o estabelecimento foi obrigado a mudar-se e a instalar-se num prédio do Campo dos Mártires da Pátria, esquina da Rua da Restauração, onde permaneceu poucos anos, pois, em 1908, já ocupava a morada da Praça Carlos Alberto, nº 1-4, pegado à igreja do Carmo, de sociedade com os seus três filhos, António, Ernesto e Armando.
 
 
 

À esquerda, a igreja da Graça e, ao lado direito da sua torre sineira, no prédio alto, do qual se observam as suas traseiras, a meio da foto obtida a partir do Largo do Viriato, esteve a mercearia Damas, vinda dos Passeios da Graça


 
 

A “Casa Damas” ocupou o espaço onde na foto estão os “Armazéns Branco” – Fonte: Google maps

 
 
Pela cave do prédio da foto acima, observou, em visita efectuada ao local, Horácio Marçal, a existência de uma ramal de água que vinha da “Arca de Sá de Noronha”, como é dado conta no texto abaixo:


 
 
Revista “O Tripeiro”, Ano IX, Vª Série, Setembro de 1953

 
 
Para além desta loja de retalho, a sociedade tinha armazéns de exportação nas ruas do Barão do Corvo e antiga de Veloso da Cruz, em V. N. de Gaia; de retém, na Rua da Restauração, no regimento de infantaria 18 e na cadeia da Relação. Estes dois últimos eram privativos e destinavam-se apenas ao fornecimento da tropa e dos reclusos.
Na Rua de Sá de Noronha, tinha a Casa Damas, uma fábrica de confeitaria, para abastecimento dos seus estabelecimentos e muitos outros da província.
Esta rua ligava a Praça da Universidade e o Largo do Moinho de Vento, tendo sido atribuído aquele topónimo, em 1889, por referência ao músico, compositor e maestro, nascido em Viana do Castelo e que por aqui viveu, durante alguns anos.
Com o falecimento de Manuel José Ferreira, os filhos sem capacidade para gerir ao mesmo nível do pai, os negócios, trespassaram a firma a Manuel Joaquim Queiroz, de Guimarães que a manteve durante cerca de vinte anos.

 
 

Publicidade à “Casa Damas” na Praça Carlos Alberto
 
 
 
Junto da Casa Damas esteve, na Praça Carlos Alberto, 7-16, a casa de modas “Barros & Cia” que, em 22 de Outubro de 1931, reabriria após receber obras de vulto.
A poente da praça e contígua à Farmácia Lemos, em 1940, estava a casa de meias e miudezas de Mário Andrade.
 

 

Casa de meias e miudezas de Mário Andrade
 
 
 

Vista actual, aproximada, da foto anterior – Fonte: Google maps
 
 

 
Lado Norte
 
 
 

Edificado a Norte da Praça de Carlos Alberto – Ed. J Portojo