A Praça de Carlos Alberto, que ganhou este topónimo a partir
de 1850, está implantada em terrenos a que antigamente se chamava Horto do Olival e, aos quais, a cidade
amuralhada tinha acesso através da Porta do Olival.
Intra-muros, nessa zona, esteve a judiaria até à expulsão
dos judeus, em 1496, ordenada por D. Manuel I.
Por aquela porta se saía para rumar ao norte do País.
Primeiro, por caminhos rústicos através de Campos da Quinta
da Corredoura ou dos Carvalhos do Monte, mais tarde, por ruas, respectivamente,
a Rua da Estrada (Rua de Cedofeita) e a Rua das Oliveiras (que ainda ostenta o
topónimo com referência ao antigo local).
A Praça de Carlos Alberto é dominada a norte/nascente, desde
o início do século XVIII, pelo Palacete Balsemão e, a sul/poente, pela fachada
lateral da Igreja dos Terceiros do Carmo e fachada principal do respectivo
hospital e, ainda, a sul/nascente pelo palacete dos Couto Moreira.
Sabe-se que, em 1718, a casa que por lá estava pertencia a
Diogo dos Santos Mesquita e, alguns anos depois, surgiria na posse do negociante
portuense Luís Correia dos Santos.
A casa passa a ser conhecida como Palacete Balsemão, a
partir de 1800, quando Maria Rosa Alvo Brandão Perestrelo de Azevedo casa com o
2.º visconde de Balsemão, Luís Máximo Alfredo Pinto de Sousa Coutinho (Falmouth,
30 de Maio de 1774 — Lamego, 2 de Outubro de 1832).
Em 1801, as instalações do que seria o Hospital do Carmo
estavam concluídas.
Em 1811, decide-se montar uma botica, que
será instalada numa das lojas do edifício do hospital. Todavia, em
1862, adquiriu-a Joaquim Baptista de Lemos, que a vai transformar na Farmácia
Lemos com portas abertas até aos nossos dias.
A partir de 1865, o Hospital do Carmo passará a prestar
assistência a doentes alheios à Ordem.
Pela Rua de Cedofeita, começada a abrir em 1777, que
rapidamente passou a Rua da Estrada e, depois, a Rua Direita de Cedofeita, se
atingia a Falperra (Ramada Alta) e continuando se atingia o Carvalhido, pelo
troço que, mais tarde, se chamaria Rua 9 de Julho. Daí, passando pelo Padrão da
Légua e Padrão de Moreira, chegava-se à Estrada dos Nove Irmãos e a Vila do
Conde, Póvoa, etc.
Se se enveredava pela Rua das Oliveiras e, depois, pela Rua
de Santo Ovídeo, actual Rua dos Mártires da Liberdade (para o povo sempre Rua
da Sovela pelo seu traçado característico) atingia-se Santo Ovídeo (Praça da
Regeneração topónimo que alternava com o de Praça da República), seguia-se a
Rua da Rainha (Rua Antero de Quental), Lugar do Sério, Arca d’Água e
continuava-se para Braga.
Tendo os itinerários referidos o seu início, no local da
actual Praça de Carlos Alberto, não é de estranhar que, naqueles tempos, se lhe
chamasse Largo dos Ferradores.
As oficinas dos ferradores de cavalos e muares seriam
verdadeiras estações de serviço da época, colocadas num sítio estratégico, à
saída da cidade, por isso, o topónimo sucessivo de Campo dos Ferradores, Largo
dos Ferradores e Bairro dos Ferradores.
Não é de estranhar que o local, após a introdução dos
transportes de massas, fosse também muito concorrido.
Na Praça Carlos Alberto, a partir de 12 de Agosto de 1874,
começou a funcionar, sob a gestão da Companhia
Carris de Ferro do Porto (CCFP), a linha de caminho-de-ferro americano até Cadouços, à Foz do Douro, passando pela
Boavista.
Em 1883, uma outra linha concorrente dos “americanos”, os carros Ripert da “Empresa Portuense de
Carros Ripert” (com sede na Rua de S. Dinis), que demandavam S. Mamede de
Infesta e serviam vários outros pontos da cidade, passou a funcionar a partir
da Praça de Carlos Alberto, com o término em frente à Tabacaria Havaneza, no local
em que, mais tarde, esteve a Mercearia Pacheco.
Mas, desde sempre, foi também uma área que, pela sua
localização, era propícia ao comércio.
Neste sítio, que já
foi Campo, Largo e Bairro dos Ferradores e Largo da Feira das Caixas, acabando
como Praça Carlos Alberto, realizou-se, entre c. 1676 e 1833, a “Feira dos
Bois”.
Em 14 de Fevereiro
de 1833, esta feira é transferida para o Poço das Patas, depois Campo Grande e,
finalmente, Campo 24 de Agosto.
Por alvará de 1720,
pelos dias 25, 26 e 27 de Julho, foi autorizada a realização de uma “Feira
Franca”, anual, de fazendas e animais, que se realizaria pela primeira vez,
no ano seguinte, passando pelas praças do Carmo, Cordoaria e Ferradores.
Tendo esta feira
caído no agrado dos portuenses, passou a realizar-se bi-semanalmente (Terças e
Sábados).
Até 1822, funcionou
nesta praça, a “Feira da erva, carvão e lenha” e, depois a “Feira das
Caixas” que comercializava cadeiras, caixas, bancos, tamancos e outros
artigos em madeira.
Em 1823, esta feira
funcionou no Mercado do Mirante (Praça Coronel Pacheco) e depois disso foi para
a Praça da Batalha.
Durante algum tempo,
na “Feira das Caixas”, no meio da praça, funcionou um teatro mecânico, cujos
actores eram autómatos.
Em 1856, a “Feira
das Caixas” foi para a já desaparecida Rua dos Lavadouros e, ainda hoje, podem
ser observados os seus vestígios, na Rua da Picaria, que lhe ficava próximo.
Em Abril de 1858,
passa a realizar-se nos Ferradores a “Feira dos Moços”, em Abril (nos
contratos para os trabalhos de Verão) e em Novembro (para os de Inverno). Em
1876, foi transferida para a Rotunda da Boavista e depois para a Corujeira.
A partir de meados
do século XIX, com o desenvolvimento que a cidade experimentou após a
intervenção de João Almada e do seu filho Francisco Almada, o comércio que se
baseava em feiras ao ar-livre passou, também, para debaixo de telha, em lojas.
Apareceram, então, na Praça Carlos Alberto os hotéis, restaurantes, mercearias,
casas de modas, etc.
Dada a
impossibilidade de uma descrição cronológica apresentam-se, a seguir, alguns
exemplos da ocupação comercial na Praça Carlos Alberto.
Lado Nascente
Praça de Carlos Alberto, com perspectiva sobre a Praça Gomes
Teixeira, em foto do Plano Regulador de Almeida Garrett c. 1952
Na foto acima, no primeiro prédio, totalmente visível, à
esquerda esteve, no nº 115, a “Leitaria Invicta”.
Na mesma morada, a partir de 28 de Novembro de 1931, esteve
a moderna e luxuosa Manteigaria Invicta de Alírio Tavares da Fonseca & Cia.
Neste lado da praça localizavam-se, segundo testemunho de
Horácio Marçal, as casas de hospedagem e de comidas e bebidas.
Ainda, segundo Horácio Marçal, outros estabelecimentos
ficaram na memória de muita gente, como a “Mercearia dos Penas” na esquina da
Praça Carlos Alberto com a Praça Gomes Teixeira (dos Leões ou da Universidade),
a “Tabacaria Havaneza”, a “Camisaria Braga”, a “Camisaria Perdigão”, a
“Confeitaria Abreu”, o armazém de fazendas ”Bártolo”, a casa de modas “Almeida
& Cia”, a loja de miudezas de “Sousa Matos” a “Mercearia Campos”, o
estabelecimento de artigos de verga da ilha da madeira “Casa Vilaça”, a casa de
músicas “Eduardo da Fonseca”, o Café Carlos Alberto, funcionando nos
baixos do palacete do Visconde da Trindade, na esquina da Rua das Oliveiras, de
António Pires da Silva, com sala de bilhares e inaugurado em Outubro de 1901.
Para além da muito conhecida Hospedaria do Peixe, que estava
instalada no palacete do visconde da Trindade, arrendada na década de 1840 por António
Bernardino Peixe e onde se alojou o rei Carlos Alberto, existiam pelos
Ferradores, várias hospedarias e hotéis.
No nº 120, a Hospedaria
“Leão de Ouro”, cuja diária variava entre 600 e 800 réis.
Ainda do lado nascente da Praça Carlos Alberto, dá-se conta
da “Pensão do Comércio” a 1$200 réis por dia, “Clarence”, “Hotel da Boa Esperança”,
“Bons Amigos” e “Aurora”.
Na foto anterior, pode observar-se a confeitaria Oliveira e
o Hotel da Boa Esperança.
No prédio onde teve portas abertas a confeitaria Oliveira,
uns anos antes, esteve, o Hotel-Restaurante Carlos Alberto, na Praça de Carlos
Alberto, nº 105.
“O bem conhecido nesta cidade, cozinheiro
Bernardo Crespo, abriu o seu novo hotel na praça de Carlos Alberto, 105, desde
o dia 15 de março.”
In Jornal o “Comércio do Porto” de 15 de Março de 1865, cit.
Guido de Monterey, “O Porto 2”, p. 582
As malas-postas ou diligências que faziam a ligação a Viana
do Castelo tinham a estação no edifício da casa de pasto “Caldos de Galinha”, bem como as estafetas e recoveiros, para Viana
do Castelo, Caminha, Valença e Tui, que chegavam às Segundas, Quartas e Sábados
e partiam nesses mesmos dias.
A casa de pasto “Caldos de Galinha”, segundo informação de
Horácio Marçal situava-se no nº de polícia 85-87-89, morada que ainda se
mantem.
No final do século XIX, bem próximo daquele local seria
aberta uma ligação entre a Praça Carlos Alberto e o Largo do Moinho de Vento,
que já se chamou Travessa de Sá de Noronha e hoje, é a Rua Actor João Guedes.
Foto do prédio do Café Luso, anterior aos anos 80 – Ed. AHMP;
Foto de Marco Gelehrter Ricca Gonçalves
Na foto, acima, é possível ver o Café Luso (prédio central com azulejos azuis) e, ao lado, o Restaurante
Carlos Alberto.
Foi da varanda do Café Luso que, Humberto Delgado, em
14 de Maio de 1958, durante a campanha para as eleições presidenciais, disse à multidão: "O meu coração ficará no Porto
".
O icónico Café Luso, inaugurado em 1935, fechou para sempre
as suas portas em 2022.
Na foto acima, no edifício, à direita, esteve instalado até
2022 o Café Luso e, ainda no século XIX, no edifício mais central esteve a casa de
pasto “Caldos de Galinha”.
À esquerda, a sede da Companhia União de Crédito Popular, no
lado norte/nascente da Praça de Carlos Alberto
Casa Pereira, na Praça Carlos Alberto, n.ºs 72-73, em 1970, no
término da Praça de Carlos Alberto, já junto à Rua das Oliveiras
Lado Poente
O lado poente da Praça Carlos Alberto é dominado pelo
hospital dos Terceiros do Carmo.
Tendo-se formado em 1736, a Ordem Terceira de Nossa Senhora
do Carmo, passado vinte anos, começaria a construir a sua própria igreja numa
parcela de terreno comprado aos padres carmelitas.
Em 29 de Agosto de 1756, a primeira pedra seria lançada por
D. João da Silva Ferreira, bispo de Tânger, deão da capela de Vila Viçosa e prior
da Ordem Carmelita.
Do lado poente da Praça Carlos Alberto, quanto à ocupação ao
longo dos anos, importa referir o Hospital da Ordem Terceira do Carmo, e uma
série de estabelecimento comerciais arrendados àquela Ordem, de que se destacam
a antiquíssima Farmácia Lemos e as lojas “Lopo Xavier” e “Casa Damas”.
A loja "Lopo Xavier" de malhas e miudezas tem no seu interior uns baixos-relevos de Henrique Moreira.
A Casa Damas, por sua vez, tem uma história que merece ser contada.
A “Casa Damas”, de Manuel José Ferreira & Filhos, estava
sedeada na Praça Carlos Alberto, tendo começado em 1833, por ser a “Mercearia
Damas”.
Foi fundada por um antigo caixeiro da mercearia Dâmaso,
situada na Porta do Olival.
Aquele caixeiro aproveitou a corruptela, Damas, por
supressão da vogal final, do muito conhecido Dâmaso – o seu ex-patrão.
Manuel José Ferreira, assim se chamava aquele caixeiro,
herdou do seu patrão Dâmaso, toda a fortuna, em virtude de este não ter
herdeiros.
Acrescentou à mercearia, uma cervejaria e próximo do
estabelecimento que tinha sido do seu ex-patrão, abriu um próprio, do mesmo
ramo de negócio, nos chamados Passeios da Graça.
Fruto das obras realizadas, à data, no actual edifício da
Reitoria, o estabelecimento foi obrigado a mudar-se e a instalar-se num prédio
do Campo dos Mártires da Pátria, esquina da Rua da Restauração, onde permaneceu
poucos anos, pois, em 1908, já ocupava a morada da Praça Carlos Alberto, nº
1-4, pegado à igreja do Carmo, de sociedade com os seus três filhos, António,
Ernesto e Armando.
À esquerda, a igreja da Graça e, ao lado direito da sua torre sineira, no prédio
alto, do qual se observam as suas traseiras, a meio da foto obtida a partir do
Largo do Viriato, esteve a mercearia Damas, vinda dos Passeios da Graça
Pela cave do prédio da foto acima, observou, em visita
efectuada ao local, Horácio Marçal, a existência de uma ramal de água que vinha
da “Arca de Sá de Noronha”, como é dado conta no texto abaixo:
Para além desta loja de retalho, a sociedade tinha armazéns
de exportação nas ruas do Barão do Corvo e antiga de Veloso da Cruz, em V. N.
de Gaia; de retém, na Rua da Restauração, no regimento de infantaria 18 e na
cadeia da Relação. Estes dois últimos eram privativos e destinavam-se apenas ao
fornecimento da tropa e dos reclusos.
Na Rua de Sá de Noronha, tinha a Casa Damas, uma fábrica de
confeitaria, para abastecimento dos seus estabelecimentos e muitos outros da
província.
Esta rua ligava a Praça da Universidade e o Largo do Moinho
de Vento, tendo sido atribuído aquele topónimo, em 1889, por referência ao
músico, compositor e maestro, nascido em Viana do Castelo e que por aqui viveu,
durante alguns anos.
Com o falecimento de Manuel José Ferreira, os filhos sem
capacidade para gerir ao mesmo nível do pai, os negócios, trespassaram a firma
a Manuel Joaquim Queiroz, de Guimarães que a manteve durante cerca de vinte
anos.
Junto da Casa Damas esteve, na Praça Carlos Alberto, 7-16, a
casa de modas “Barros & Cia” que, em 22 de Outubro de 1931, reabriria após
receber obras de vulto.
A poente da praça e contígua à Farmácia Lemos, em 1940,
estava a casa de meias e miudezas de Mário Andrade.
Lado Norte
Sem comentários:
Enviar um comentário