Em Portugal, a indústria de curtumes começa a desenvolver-se
a partir do século XVI, assistindo-se a uma concentração de artesãos dos
curtumes em Guimarães, Porto e Alcanena.
Não tendo este sector da actividade económica grande
expressão, hoje, na cidade do Porto, esteve, no entanto, bem presente, principalmente,
durante o século XIX e nas primeiras décadas do século XX, quando chegaram a
existir cerca de meia centena de fábricas afectas a essa indústria.
A curtição das peles tem, mesmo, tradução prática em
topónimos, de que é exemplo, o referente à “Rua dos Pelames”, à Sé.
Devido a arranjos urbanísticos, no tempo dos Almadas, segundo
a opinião do Dr. Jorge Ricardo Pinto, a indústria dos curtumes é transferida da
Sé, no que diz respeito ao tratamento de pelicas, para a zona das Fontainhas,
Praça da Alegria e S. Vítor e, no que concerne ao tratamento da sola, para a
Rua do Bonfim, Rego do Lameiro e Esteiro de Campanhã.
O tratamento de pelicas era executado em pequenas unidades
familiares e as do tratamento da sola em unidades industriais que empregavam,
já, dezenas de trabalhadores.
Em 1820, na cidade do Porto existiam as seguintes unidades
industriais para o tratamento da sola: Dâmaso da Silva Guimarães, Rua de Santa
Catarina, a S. Marçal (Bolhão); Vicente José Aguiar, no Lugar da Póvoa; Penha
& Ribeiro, ao Esteiro de Campanhã; Manuel Joaquim Simões & Irmão, no
Lugar de Campanhã de Baixo; Joaquim José Pinto da Silva, na Ribeira de Abade,
Valbom.
Em 1877, o Porto tinha 11 fábricas de curtumes.
No Rego do Lameiro a fábrica de curtumes, existente em
meados do século XIX, ficou para a posteridade, ao ser mencionada num passeio
reflexivo de Manuel Quintino, no romance de Júlio Dinis, “Uma Família Inglesa”
e, num inquérito de 1881, era propriedade de António José Mendes Sampaio.
O tratamento da sola exigia, preferencialmente, que as
unidades industriais estivessem junto de fluxos de água, o que era o caso dos
lugares do Esteiro de Campanhã e do Rego do Lameiro e, regra geral, atendendo à
matéria-prima, em causa, era acompanhada nas imediações por fábricas de sabão.
“Fonseca &
Ferreira”
No Esteiro de Campanhã, esteve, desde meados do século XIX, a
Fábrica do Esteiro de Campanhã, comprada em 1859, pelos brasileiros de
torna-viagem, Caetano José Ferreira e Inácio Pinto da Fonseca.
A fábrica, em ruínas, foi recuperada surgindo, assim, a
“Fonseca & Ferreira” que se apresentaria na Exposição Industrial de 1861,
com um bom sortido da sua produção de couros e que, naquele ano, já usava o
vapor e a possibilidade de tratar 12.000 couros.
Como se observa no Bilhete-Postal acima, o complexo industrial dá guarida à
Fábrica do Esteiro, uma “Lavandaria de Lãs” e a uma “Fábrica de Sabão”.
Curtumes Gama
Porém, a maior fábrica para tratamento da sola, desde a
primeira metade do século XIX, era propriedade do industrial António Domingos
de Oliveira Gama e situava-se, na Rua do Bonfim e, no início do século XX,
tinha na mesma área geográfica de influência, aquela unidade fabril que laborou
durante toda a primeira metade do século XX, na Rua Lameira de Cima, n.º 5, de
propriedade de Domingos de Oliveira Pinto.
Em 1940, a propriedade já era de Américo Rodrigues Alves,
situada no mesmo local de sempre (Lugar de Lameira de Cima) que, hoje, tem como
curiosidade que o seu chão se situa no arruamento que margina a sul o Estádio
do Dragão.
António Domingos de
Oliveira Gama
O industrial António Domingos de Oliveira Gama teve a sua
unidade fabril na Rua do Bonfim, onde era feito o tratamento da sola.
Possivelmente, a fábrica já existiria em meados do século XIX.
Em 6 de Novembro de 1856, na qualidade de proprietário,
António Domingos de Oliveira Gama solicitava obras, à Câmara do Porto, para uma
morada da Rua do Bonfim, que obteve a licença de obra n.º: 179/1856.
Chegou a ter ao dispor mais de 50 operários e meios
mecânicos para o batimento da sola e para proceder aos despejos dos fluídos.
Anualmente, por lá se preparavam cerca de 20.000 couros.
António Domingos de Oliveira Gama teve residência no Monte
do Bonfim ou Monte das Feiticeiras, às Eirinhas (2), como vai indicado na
planta abaixo.
A Quinta do Gama ficaria, também, até aos nossos dias
(2025), como uma área de ocupação de habitação operária.
Em 1871, António Domingos de Oliveira Gama fazia parte da
vereação camarária, quando a edilidade era presidida por Francisco Pinto Bessa,
pois foi escolhido para preparar os arranjos festivos para a visita que se iria
realizar, no ano seguinte, dos imperadores do Brasil.
“Na vereação de 1 de
Julho de 1871, foi estabelecido que: se fizesse uma recepção condigna, o que
obrigava a terem um orçamento para esse efeito; se levantasse um pavilhão, na
praça da Ribeira, «para recepção de S.M. Imperial»; se cantasse um Te Deum na
igreja da Lapa; e se nomeassem comissões de ruas «a fim de promoverem os
festejos possíveis e condignos de tão Augusto Hospede, e dos brios dos
Portuenses». Como responsáveis para «dirigir todos os trabalhos concernentes as
demonstrações festivas por parte da Câmara, e bem assim da nomeação dos
cidadãos que deverão compor as comissões de ruas», foram nomeados, na mesma
sessão, três vereadores: António Domingos de Oliveira Gama; Manuel Justino de
Azevedo; e Augusto Pinto Moreira da Costa”.
Cortesia de Joaquim Jaime B. Ferreira Alves
António Domingos de Oliveira Gama teve pelo menos dois
filhos: António Domingos de Oliveira Gama Júnior e Guilherme Augusto de
Oliveira Gama.
Do primogénito sabe-se que foi casado com Carolina Rosa
Simões de Oliveira Gama, que faleceu com 22 anos, em 15 de Julho de 1877.
Desconhece-se como, em 8 de Novembro de 1883, António Domingos
de Oliveira Gama Júnior aparece como requerente/proprietário em solicitação de
obras à Câmara do Porto, para a Quinta das Virtudes, à Rua dos Fogueteiros, que
receberá a licença de obra n.º: 905/1883.
Quanto a Guilherme Augusto, o seu percurso de vida será
feito na indústria dos curtumes.
Guilherme Augusto de
Oliveira Gama
Esta empresa acabaria pela zona de Francos, na Rua Direita
de Francos, n.º 230.
Antes, foi fábrica de curtumes de “Guilherme Augusto
Oliveira Gama, Sucº, L.da”, mais conhecida por Fábrica do Gama.
Actualmente, e desde há alguns anos, em seu lugar, foi
construído um grande edifício de apartamentos.
A empresa começou a actividade, de facto, em 1894, no Campo
24 de Agosto, n.º 142, situando-se a uma trintena de metros, a jusante da “Companhia de Fiação Portuense”, em
instalações arrendadas por 200$000 réis por semestre, com os capitais de
António Nunes de Sousa Bonfim, um brasileiro de torna-viagem que, como muitos,
tinha feito fortuna no Brasil.
De início, algum do capital da empresa pertencia, também, a
Brunner & Hitzemann, o que dava à firma um ar de respeitabilidade.
Guilherme Augusto de Oliveira Gama tinha conhecimento da
actividade de curtir peles, por exercê-la na fábrica, ao Monte do Bonfim, do
seu pai, António Domingos de Oliveira Gama.
Tendo-se incompatibilizado com o progenitor, foi aplicar os
seus conhecimentos para a fábrica de curtumes de Joaquim Dionísio Jorge, ao
Campo 24 de Agosto.
Guilherme Augusto de Oliveira Gama acaba casado com
Leopoldina Bonfim de Oliveira Gama, uma brasileira que acompanhou o seu pai,
António Nunes de Sousa Bonfim, no seu regresso a Portugal.
Em 1901, Guilherme Augusto de Oliveira Gama já tem
responsabilidades na fábrica que lhe chega ao regaço pela via matrimonial e vai
emprestar, para sempre, o seu nome à firma
Não havendo descendentes do enlace, atrás referido,
Guilherme Gama chama para consigo trabalhar um sobrinho de sua mulher e
afilhado de ambos, Luís Bonfim de Brito Barreiros.
Guilherme Gama morre em 11 de Março de 1909 e a sua viúva,
no início do ano de 1910, vende a empresa a seu sobrinho.
A fábrica vai crescendo o que obriga à sua mudança, em 1918,
para a Rua Direita de Francos.
Neste ano, Luís Bonfim Barreiros cede uma quota a seu irmão
José Barreiros, que já era seu empregado e a firma passa de sociedade em nome
individual para sociedade por quotas, com denominação social “Guilherme Augusto
Oliveira Gama, Sucº, L.da”.
Em 1928, Luís Bonfim Barreiros vai dar sociedade a Fernando
Galhano, que tinha fundado, ao Amial, a Empresa Industrial de Curtumes e a Nova
Empresa Industrial de Curtumes, mas que não se sentia confortável na sua
actividade.
Da associação resultante, as quotas ficaram assim
repartidas: Luís Bonfim Barreiros – 50%, José Barreiros – 30% e Fernando
Galhano – 20%.
Nos anos seguintes, entram para o comando da empresa, o
filho de Fernando Galhano, o filho e o genro de Luís Bonfim Barreiros e, mais
tarde, o genro de Galhano.
Em 1966, a firma passa a sociedade anónima e a ser “
Curtumes Guilherme Augusto de Oliveira Gama, SARL, mais conhecida pela Fábrica
do Gama.
Mais tarde, será “Curtumes Gama S.A.”.
O século XXI seria o fim da linha para a empresa centenária.
Fábrica de Curtumes
do Bessa
Uma outra fábrica de curtumes importante da cidade foi a Fábrica de Curtumes do Bessa, fundada
em 1852, por António Bessa Leite, donde haveriam de sair os fundadores da Fábrica
Portuguesa de Curtumes de Monteiro, Bessa Ribas & Cia Lda e, de que, hoje,
só resta o local ocupado por elegante zona habitacional e uma chaminé.
António Bessa Leite foi sempre solteiro e dono de uma
fortuna colossal que já vinha de herança de família. Era dono de uma quinta
enorme que ia da igreja de Lordelo até à Avenida da Boavista (zona do Foco) e
parte desta. Foi um grande benfeitor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Muitas outras unidades ligadas ao sector dos curtumes
tiveram as suas instalações na cidade.
Fábrica Portuguesa de
Curtumes de Monteiro, Bessa Ribas & Cia Lda.
Em 15 de Setembro de 1937, Manuel Alves Monteiro e António
Bessa Ribas constituem uma sociedade por quotas, a Fábrica Portuguesa de Curtumes de Monteiro, Bessa Ribas & Cia Lda.
Manuel Alves Monteiro estava ligado à indústria de curtumes,
já que tinha trabalhado na Fábrica de
Curtumes do Bessa, que tinha sido fundada, em 1852, por António de Bessa
Leite e, da qual, era sócio António de Bessa Ribas.
A sociedade criada adquire, então, com o apoio do Banco
Borges & Irmão, entretanto, as instalações da Companhia Portugueza de Cortumes, fundada em 1917 e, à data, em
liquidação, estabelecendo aí a sua sede, no local que ainda hoje ocupa, na
Estrada Exterior da Circunvalação ao Amial.
No final dos anos 40, do século passado, com uma 2ª geração
de gestores, personalizada em Josué Monteiro e Almiro Monteiro, dá-se uma
acentuada expansão da empresa.
O surgimento de materiais alternativos ao couro não foi
impedimento do seu contínuo desenvolvimento.
Em 1952, vai iniciar funções na empresa o engº Durval
Carteado Mena, já uma experiência de 20 anos no sector, passando a ocupar
funções de direcção industrial e técnica.
Então, a Companhia
Portuguesa de Curtumes vai associar-se à Nova Empresa Industrial de Curtumes e que tinha sido Empresa Industrial de Curtumes.
É o momento de implantação no mercado do calçado com
materiais alternativos ao couro.
Em 1962, arranca o fabrico de plásticos e, em 1967, de couro
artificial.
É alargado o fabrico aos artefactos de borracha que, para
além do calçado, serve também a indústria automóvel e de electrodomésticos.
Neste âmbito, é adquirida a empresa Flexopol, em 1973, que
se dedicava ao fabrico de peças de borracha com metal. Depois, outra empresa é
adquirida, a WoodMilne, com expressão no sector do calçado e material
ortopédico.
No início da década de 70, a Companhia Portuguesa de Curtumes toma o nome de Monteiro, Ribas – Industrias S.A, quando
empregava 700 pessoas e ocupava 42.000m2.
Em 1993, no Porto, apenas é feito o tratamento de peles,
pois tinha sido inaugurada uma fábrica de curtumes nova, em Alcanena, e
estabelecida uma participação numa fábrica na China.
Em 2010, a área de curtumes seria vendida e foi estendida
uma diversificação para o sector das Embalagens Flexíveis, continuando a
preponderância no sector da borracha.
Antes, em 2008, tinha sido dado termo à ligação associada à
empresa “Nova Empresa Industrial de
Curtumes", a qual terminou a sua actividade em 19/09/2008, passando
esta empresa a denominar-se Carneiro
Ribas e Sousa, SA, situada na Rua do Ameal, nº 831 e que, entretanto, entrou
em liquidação e já encerrou.
Aquela empresa de curtumes, sedeada na Rua do Amial, era bem antiga, começando por se chamar Empresa Industrial de Curtumes do Amial.
Fábrica de Curtumes do Riobom
Uma delas foi a Fábrica
de Curtumes Riobom, de Joaquim Riobom dos Santos, próxima do Largo Baltazar
Guedes, no início do século XX.
Como se vê acima, a fábrica ficava ao lado da entrada da
ponte ferroviária Maria Pia.
Fábrica de Curtumes
de Valbom
Como curiosidade diga-se que esta unidade fabril
chegou até aos nossos dias e o destino das suas instalações foram alvo de muita
polémica. Situava-se em Ribeira de Abade, Valbom, face à EN 108.
Também conhecida como a Fábrica do Julião, por ter sido
propriedade do industrial portuense Julião de Freitas Guimarães.
“Considerada uma das
primeiras fábricas de curtumes de Portugal, o edifício classificado com valor
patrimonial e arquitetónico, com 250 anos de história, foi sempre mais
conhecido por fábrica do JuIião, por ter sido pertença do industrial portuense
Julião de Freitas Guimarães (daí o nome) que "veio" para Valbom em
1880, transferida do esteiro de Campanhã. Mas antes de ser fábrica de curtumes
do Julião em 1880, já era fábrica dos mesmos artigos em 1852.
Em 22 de Setembro de
1852, a mesma fábrica e terreno circundante - a quinta - foram, entre outros
bens, objecto de dote para casamento de Dª Maria Beleza de Andrade (7ª Senhora
de Levandeiras).
Não foram contudo os
curtumes a sua primeira ocupação. Antes, foi destilaria de aguardente (!!),
propriedade de D. Bartolomeu Pancorbo (percursor ou co-autor da ideia que
serviria de base à criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do
Alto-Douro). Assim, a sua primitiva edificação datará de 1753 -1756.
Em 2002, o edifício
foi adquirido por uma imobiliária com o propósito de aí construir um condomínio
de luxo. Envolvida em polémicas várias, depois de um incêndio e uma alteração
ao plano de urbanização de Valbom, permitiram a sua demolição em 2008”.
Cortesia de “Valbom de então e não só” (11 de Junho de 2019)
















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