sexta-feira, 10 de março de 2017

(Continuação 12)



Em 1849, em vésperas de Carnaval, o folhetinista do jornal “O Nacional” zurzia na burguesia portuense que tinha pretensões e tiques aristocráticos. Na crónica de 29 de Janeiro, escrevia:

 
“O Porto quer dançar, e dança periodicamente todos os sábados numa sociedade da Rua Chã. Toda a sua originalidade se perdeu no último soi disant baile, em que alguns janotas penetraram os umbrais vedados até ali à suprema elegância. A primeira excelência fez um efeito terrível no meio da sociedade. Foi como o trovão que surpreende o viajante nos desfiladeiros dos Alpes. Aqueles parcos ouvidos, por onde roçara senão um módico – senhora – alarmaram-se com um afectado voscencia meio comido, meio pronunciado.”
 
E o folhetinista dando conta do que aí vinha, em termos de festas carnavalescas, desse ano, programadas para as salas da cidade dizia na sua crónica:
 

“Depois de amanhã temos balancé numa sociedade que vai fazer suas reuniões numa casa da Travessa da Picaria. Não sabemos se concorrerá ali a alta aristocracia; mas consta-nos que é coisa mui decente. Veremos.”
 
 
O folhetinista que assim escrevia era Ricardo Guimarães, o futuro 1º Visconde de Benalcanfor, de seu nome completo Ricardo Augusto Pereira Guimarães (Porto, 11 de Outubro de 1830 — Lisboa, 18 de Novembro de 1889), brilhante escritor, jornalista e político português. Filho de José Pereira Guimarães, grande e abastado proprietário e grande negociante de grosso trato da praça do Porto, várias vezes vereador da Câmara do Porto.
Quando rebentou a Revolução chamada da Maria da Fonte, frequentava a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e entrou com os seus condiscípulos no Batalhão Académico. No Porto, para combater pela Liberdade, entrou como Aspirante de Marinha na Guarnição da Esquadra organizada pela Junta do Porto. Esta Esquadra foi, com a Divisão que transportava, sob o comando do 1.º Conde das Antas, aprisionada pelos navios Britânicos, e Ricardo Augusto Pereira Guimarães não pôde prosseguir na carreira que havia encetado. Acabada a Guerra Civil da Patuleia, voltou a Coimbra para acabar o curso de Direito, em que tomou o grau de Bacharel. Quando entre os estudantes se deu a chamada Revolta do Entrudo, foi dos maiores influentes desse movimento, que tomou graves proporções.
O mesmo cronista do jornal “O Nacional”, já no anterior dia 9 de Janeiro, intitulado “Crónica”, dizia:
 
 
“O Porto está decididamente janota, os elegantes ostentam-se por toda a parte, ora enfronhados nos paletós impermeáveis como os chapéus do Loreto, ora percorrendo as ruas e praças a cavalo, porque ninguém como o mundo elegante capricha na inteira observância das determinações da câmara municipal, depois de ter cumprido os firmans do alfaiate e do sapateiro. Um flâneur pur sang não se contenta com o paletó e o cavalo: falta-lhe o principal. É o tylbury subsidiário indispensável daqueles."
 
 
Paralelamente, no jornal “Eco Popular” era Camilo Castelo Branco, sob pseudónimo, que criticava os frequentadores das festas da época. No dia 9 de Janeiro daquele mesmo ano, dizia:
 
“No sábado houve um baile de grisetes na rua Chã. Esteve muito animado de caldo de galinha e biscoito de Valongo”
Fouché
 
Como as referências da crónica citada não caíram bem, quatro dias depois, vai ser sob o pseudónimo de Saragoçano que Camilo irá escrever:
 
“(…) “Passando a outro assunto, pede a justiça gastronomicamente falando, que se diga que na serventia do baile não houve profusão nem mesquinhez.
Gostei da parcimónia e pianinho, pianinho dos serviços porque ninguém vai ali para tirar o ventre de misérias. Aquela noite foi noite de grande banquete encefálico-dinâmico para as imaginações férvidas do amante, que devorou delícias nos curtos momentos de respirar o ar da sua querida.”
Saragoçano


Mas Camilo, como Saragoçano, voltaria pouco depois novamente ao caldo de galinha. No dia 3 de Fevereiro no jornal “O Eco Popular”, diz:
 
“São 5 da manhã. O cronista cheio de impressões amorosas, vinho, e caldo de galinha – acaba de recolher-se dum baile da Ferraria de Baixo (...).”
 
No dia 5 de Fevereiro, sobre os bailes e referindo-se ao seu colega do “Eco Popular” dizia Ricardo Guimarães, o folhetinista do jornal “O Nacional”:
 
 
“O Saragoçano diz que nós ainda não estamos civilizados para teatro italiano, e a nós parece-nos que o estamos menos para o português.
(…) Os bailes multiplicam-se (…). A burguesia de Santo António do Penedo vai por hora na vanguarda; segue-a da moeda forte da Ferraria, e no couce, com ar coquette, a folgasã costureira da Picaria. É uma escala descendente em bailar até se confundir com a Geraldinha”.
 
No 1º parágrafo do texto acima, Ricardo Guimarães fazia referência a uma abordagem seguida de insultos proferidos por um tal Mourão, um ex-sargento, naquela época desempenhando funções de actor teatral, que numa crónica de Camilo, no “Eco Popular”, tinha sido criticado por uma das suas actuações artísticas.
Quanto à Geraldinha era uma canção popular em passo dobrado.
Do que atrás fica referido, pode concluir-se que as escolhas da burguesia para a festança era diversificada: Rua Chá, Ferraria de Baixo, Picaria e Santo António do Penedo





“No São João e no Palácio, havia espectáculos de ópera italiana. Funcionavam regularmente os teatros Camões, de Santa Catarina, Baquet, Teatro-Circo e Trindade. Nas Carmelitas com o tenor Osório e a suripanta e as mágicas vistosas, as enchentes eram formidáveis. Bundavam as sociedades de amadores- A Filotimia, a Talia, a Terpsicore, a Almeida Garrett, a Primavera, a Juventude Portuense, a Minerva, a Filo-Euterpe, a Recreativa, o Club Distrativo, o Teatrinho do Camarão, outras sociedades análogas, algumas encafuadas em terceiros andares onde mal se ageitavam o scenario, as ingénuas e os galãs…”
Fonte - Firmino Pereira In “O Porto D’Outros Tempos”




OS FENIANOS


“O Clube Fenianos Portuenses nasceu a 25 de Março de 1904 (numa reunião dominada por ferrageiros da Rua do Almada, tendo como patrono Almeida Garrett) primeiramente na Praça da Batalha, passando depois, em 1935, para a sua localização actual. É uma associação cultural e recreativa sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública.
A sua sede encontra-se na Rua Clube dos Fenianos, n.º 29, início da Avenida dos Aliados, ao lado da Câmara Municipal do Porto.
Desde o seu nascimento, sempre ficou conhecido pelo corso carnavalesco que oferecia à cidade do Porto, estendendo depois a sua fama, às acções de solidariedade e filantropia, ao acolher várias associações na sua sede social entre elas, a Sociedade Humanitária do Porto ou o Grémio Português de Fotografia.
À data e, segundo o último relatório de contas e actividades de 2013, o Clube Fenianos Portuenses apresentava 495 Associados.
O clube além do estatuto de utilidade pública, foi reconhecido como comendador da ordem militar de cristo pelos serviços prestados nos seus 111 anos de existência, e com a medalha de ouro da cidade, já que o seu lema é “Pelo Porto”.
Como já exposto em diversas publicações, a palavra fenianos está de facto relacionada com a célebre associação revolucionária irlandesa, formada em 1858, com a finalidade de se opor ao domínio da Inglaterra sobre a Irlanda. Ainda assim, não foi esta questão política que esteve na origem do nome do nosso clube, pelo menos de modo directo. Um conjunto de quatro dos fundadores por volta de 1903, cidadãos portuenses e futuros fenianos, procuraram obter os conhecimentos necessários para a organização de um corso carnavalesco com a exuberância do carioca e a beleza estética do de Veneza, tendo realizado uma viagem ao Brasil para esse efeito. A escolha do nome advém do facto de a maioria das colectividades ligadas à organização de desfiles de Carnaval ter no seu nome a designação “fenianos”.
A partir desta colaboração nasce cerca de um ano depois o Clube Carnavalesco Fenianos Portuenses, mais tarde Clube Fenianos Portuenses. O objectivo principal era devolver à cidade um carnaval à altura da sua sensibilidade artística. Como nota de curiosidade o soalho do nosso salão nobre também traz consigo o “efeito brasil” já que todo ele é de pau-cetim de tom claro e macacaúba”.
In site dos Fenianos




Salão de Bilhares do Clube Fenianos em 1906 na Praça da Batalha – Cliché de R. Brito



Sala de jogos de vasa do Clube Fenianos, em 1906, na Praça da Batalha – Cliché de R. Brito



Os fundadores dos Fenianos tomaram essa importante decisão, em Março de 1904, em reunião realizada no Café Porto Club, na Praça da Liberdade, no local onde, mais tarde, se instalaria o Banco Nacional Ultramarino. O nome terá origem nos fenianos do Rio de Janeiro que lançaram o seu grito de revolta contra o decrépito Carnaval.
A primeira sede foi no 1º andar do Café Águia d´Ouro, à Batalha. O primeiro carnaval saiu em 1905, com direção artística de Bordalo Pinheiro e colaboração de Teixeira Lopes tendo os cortejos carnavalescos sido suspensos em 1909.
Foram fenianos da I República vultos como Afonso Costa, António José d´Almeida, Guerra Junqueiro, e muitos outros.
 
 
 

No prédio, ao centro, esteve o Café Porto-Club, que acabaria por ser adquirido pelo Banco Nacional Ultramarino para estender as suas instalações primitivas, à direita 





“Os primeiros estatutos do clube são aprovados por alvará do Governo Civil do Porto a 17 de Junho de 1904.
Colectividade de grande prestígio realizou ao longo de anos e anos, eventos na cidade do Porto,
como Cortejos de Carnaval, Bodos aos pobres, festejos de Santo António, festas de Verão, além de ter contribuído com a sua influência social para a resolução de carências da cidade e da sua população, como a abolição das Portagens da Ponte D. Luís I, a regalia do descanso dominical, a inauguração rápida dos serviços de viação eléctrica para V. N. de Gaia, a criação de sociedades de Previdência Social, a criação do Teatro lírico ou Teatro modelo (hoje Teatro Nacional de S. João), o socorro a vitimas de catástrofes e o auxilio a combatentes, o alargamento do Estatuto do Porto de Leixões, de porto de abrigo a porto comercial.
Na construção da actual Sede Social foi lançado o 1º Cunhal em Agosto de 1920 com a presença do Dr. António José de Almeida, então Presidente da República, e que já em 1910 tinha inscrito no Livro de Honra do clube a seguinte frase: “ Este clube é o exemplo de que a união faz a força ”.
A partir daqui foram muitas as acções e actividades desenvolvidas, desde ginástica, iniciação musical, bilhar, filatelia, xadrez, ténis de mesa, conferências e debates sobre vários temas.
São inúmeras as homenagens, os galardões, as medalhas de mérito e os louvores recebidos de diversas entidades da vida portuense e nacional".
Fonte - portoarc.blogspot.pt; In: Associação das Colectividades do Concelho do Porto – 1929




Carnaval em 1906 - Ed. Alvão



Na foto acima o clube dos Fenianos, em desfile, na Rua Santa Catarina.
Antes de ocupar, em 1934, as suas actuais instalações (projecto de 1920, de Francisco Oliveira Ferreira), próximas da Câmara Municipal, o clube dos Fenianos Portuenses teve antes, a sua sede, na Praça da Batalha.
O edifício ao centro da foto acima ocupava o lugar na esquina da Rua Passos Manuel, onde mais tarde, se instalaria o Café Palladium.




Edifício do Clube Fenianos Portuenses e do Teatro Águia D’Ouro



Durante o governo de ditadura do General Pimenta de Castro, em 1915, os Fenianos foram alvo de um atentado. Em 1918, empleno governo de Sidónio Pais, sofreriam um outro.
Durante a instalação da Monarquia do Norte, em 23 e 31 de Janeiro de 1919, a sede dos Fenianos foi assaltada e acabaria completamente destruída.
Durante o Estado Novo, deram-se nas suas instalações conferências com teor político e não só.
As instalações actuais, bem ao lado da Câmara Municipal, são muito funcionais.
O edifício tem um salão para teatro e um salão nobre polivalente, que pode ser ocupado por exposições, para bailes, sessões solenes e também para teatro.
Possui ainda um anfiteatro para ilusionismo.
Tem no andar superior um outro salão apelidado de “salão de cimento”, que é o mais grandioso. O “Flamingo” é também um salão polivalente, onde se fazem bailes e outras atividades, que também é polivalente. Acresce a isto, o salão para o ténis de mesa, o “pub” com bilhar de snooker e um BAR.



Festa em 1931 no Clube dos Fenianos Portuenses – Fonte: coisasdoarco-da-velha.blogspot.pt



Clube dos Fenianos, em 1935 - Ed. Foto Beleza



Sede actual do Clube Fenianos Portuenses – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt



Sociedade Philarmonica Portuense


Foi localizada na Rua das Hortas e Rua da Fábrica e teve período de actividade entre 1840 e 1880.
A Sociedade Filarmónica Portuense ocupou, em tempos, primeiro, um andar no prédio da Rua das Hortas onde esteve o Café das Hortas e, mais tarde, em 1855, o edifício construído de raiz para seu uso próprio e, no qual, em 1877, se instalaria na Rua da Fábrica o Hotel Paris.
Entre os múltiplos clubes e sociedades que foram sendo criados ao longo de oitocentos, a Philarmonica Portuense depressa se destacou na cidade. Fundada por iniciativa do músico e compositor Francisco Eduardo da Costa, a Sociedade tinha uma escrupulosa e selectiva política de admissão de sócios. Após a morte do fundador, em 1855, passou a ser dirigida pelo maestro italiano Carlo Dubini, continuando a marcar a vida musical do Porto.
Em 1880, quando ocupava instalações, na Rua do Laranjal, a Philarmonica Portuense fundiu-se com o Club Portuense (que ainda hoje se mantém em actividade) que guarda hoje, na sua sede, na Rua de Cândido dos Reis, o riquíssimo espólio da Sociedade Filarmónica.

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