Em 1849, em vésperas de Carnaval, o folhetinista do jornal “O
Nacional” zurzia na burguesia portuense que tinha pretensões e tiques
aristocráticos. Na crónica de 29 de Janeiro, escrevia:
“O Porto quer dançar,
e dança periodicamente todos os sábados numa sociedade da Rua Chã. Toda a sua originalidade se perdeu no último
soi disant baile, em que alguns janotas penetraram os umbrais vedados até ali à
suprema elegância. A primeira excelência fez um efeito terrível no meio da
sociedade. Foi como o trovão que surpreende o viajante nos desfiladeiros dos
Alpes. Aqueles parcos ouvidos, por onde roçara senão um módico – senhora –
alarmaram-se com um afectado voscencia meio comido, meio pronunciado.”
E o folhetinista dando conta do que aí vinha, em termos de
festas carnavalescas, desse ano, programadas para as salas da cidade dizia na
sua crónica:
“Depois de amanhã
temos balancé numa sociedade que vai
fazer suas reuniões numa casa da Travessa
da Picaria. Não sabemos se concorrerá ali a alta aristocracia; mas
consta-nos que é coisa mui decente. Veremos.”
O folhetinista que assim escrevia era Ricardo Guimarães, o
futuro 1º Visconde de Benalcanfor, de seu nome completo Ricardo Augusto Pereira
Guimarães (Porto, 11 de Outubro de 1830 — Lisboa, 18 de Novembro de 1889), brilhante
escritor, jornalista e político português. Filho de José Pereira Guimarães,
grande e abastado proprietário e grande negociante de grosso trato da praça do
Porto, várias vezes vereador da Câmara do Porto.
Quando rebentou a Revolução chamada da Maria da Fonte,
frequentava a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e entrou com os
seus condiscípulos no Batalhão Académico. No Porto, para combater pela Liberdade,
entrou como Aspirante de Marinha na Guarnição da Esquadra organizada pela Junta
do Porto. Esta Esquadra foi, com a Divisão que transportava, sob o comando do
1.º Conde das Antas, aprisionada pelos navios Britânicos, e Ricardo Augusto
Pereira Guimarães não pôde prosseguir na carreira que havia encetado. Acabada a
Guerra Civil da Patuleia, voltou a Coimbra para acabar o curso de Direito, em que
tomou o grau de Bacharel. Quando entre os estudantes se deu a chamada Revolta
do Entrudo, foi dos maiores influentes desse movimento, que tomou graves
proporções.
O mesmo cronista do jornal “O Nacional”, já no anterior dia
9 de Janeiro, intitulado “Crónica”, dizia:
“O Porto está
decididamente janota, os elegantes ostentam-se por toda a parte, ora
enfronhados nos paletós impermeáveis como os chapéus do Loreto, ora percorrendo
as ruas e praças a cavalo, porque ninguém como o mundo elegante capricha na
inteira observância das determinações da câmara municipal, depois de ter
cumprido os firmans do alfaiate e do sapateiro. Um flâneur pur sang não se
contenta com o paletó e o cavalo: falta-lhe o principal. É o tylbury
subsidiário indispensável daqueles."
Paralelamente, no jornal “Eco Popular” era Camilo Castelo
Branco, sob pseudónimo, que criticava os frequentadores das festas da época. No
dia 9 de Janeiro daquele mesmo ano, dizia:
“No sábado houve um
baile de grisetes na rua Chã. Esteve
muito animado de caldo de galinha e biscoito de Valongo”
Fouché
Como as referências da crónica citada não caíram bem, quatro
dias depois, vai ser sob o pseudónimo de Saragoçano que Camilo irá escrever:
“(…) “Passando a outro
assunto, pede a justiça gastronomicamente falando, que se diga que na serventia
do baile não houve profusão nem mesquinhez.
Gostei da parcimónia e
pianinho, pianinho dos serviços porque ninguém vai ali para tirar o ventre de
misérias. Aquela noite foi noite de grande banquete encefálico-dinâmico para as
imaginações férvidas do amante, que devorou delícias nos curtos momentos de
respirar o ar da sua querida.”
Saragoçano
Mas Camilo, como Saragoçano, voltaria pouco depois novamente
ao caldo de galinha. No dia 3 de Fevereiro no jornal “O Eco Popular”, diz:
“São 5 da manhã. O
cronista cheio de impressões amorosas, vinho, e caldo de galinha – acaba de
recolher-se dum baile da Ferraria de
Baixo (...).”
No dia 5 de Fevereiro, sobre os bailes e referindo-se ao seu
colega do “Eco Popular” dizia Ricardo Guimarães, o folhetinista do jornal “O
Nacional”:
“O Saragoçano diz que
nós ainda não estamos civilizados para teatro italiano, e a nós parece-nos que
o estamos menos para o português.
(…) Os bailes
multiplicam-se (…). A burguesia de Santo
António do Penedo vai por hora na vanguarda; segue-a da moeda forte da Ferraria, e no couce, com ar coquette,
a folgasã costureira da Picaria. É
uma escala descendente em bailar até se confundir com a Geraldinha”.
No 1º parágrafo do texto acima, Ricardo Guimarães fazia
referência a uma abordagem seguida de insultos proferidos por um tal Mourão, um
ex-sargento, naquela época desempenhando funções de actor teatral, que numa crónica de Camilo, no “Eco
Popular”, tinha sido criticado por uma das suas actuações artísticas.
Quanto à Geraldinha era uma canção popular em passo dobrado.
Do que atrás fica referido, pode concluir-se que as escolhas
da burguesia para a festança era diversificada: Rua Chá, Ferraria de Baixo,
Picaria e Santo António do Penedo
“No São João e no
Palácio, havia espectáculos de ópera italiana. Funcionavam regularmente os
teatros Camões, de Santa Catarina, Baquet, Teatro-Circo e Trindade. Nas
Carmelitas com o tenor Osório e a suripanta e as mágicas vistosas, as enchentes
eram formidáveis. Bundavam as sociedades de amadores- A Filotimia, a Talia, a Terpsicore, a Almeida Garrett, a Primavera,
a Juventude Portuense, a Minerva, a Filo-Euterpe, a Recreativa,
o Club Distrativo, o Teatrinho do Camarão, outras sociedades
análogas, algumas encafuadas em terceiros andares onde mal se ageitavam o
scenario, as ingénuas e os galãs…”
Fonte - Firmino Pereira In “O Porto D’Outros Tempos”
OS FENIANOS
“O Clube Fenianos Portuenses nasceu a 25 de Março de 1904
(numa reunião dominada por ferrageiros da Rua do Almada, tendo como patrono
Almeida Garrett) primeiramente na Praça da Batalha, passando depois, em 1935,
para a sua localização actual. É uma associação cultural e recreativa sem fins
lucrativos, com estatuto de utilidade pública.
A sua sede encontra-se na Rua Clube dos Fenianos, n.º 29,
início da Avenida dos Aliados, ao lado da Câmara Municipal do Porto.
Desde o seu nascimento, sempre ficou conhecido pelo corso
carnavalesco que oferecia à cidade do Porto, estendendo depois a sua fama, às
acções de solidariedade e filantropia, ao acolher várias associações na sua
sede social entre elas, a Sociedade Humanitária do Porto ou o Grémio Português
de Fotografia.
À data e, segundo o último relatório de
contas e actividades de 2013, o Clube Fenianos Portuenses apresentava 495
Associados.
O clube além do estatuto de utilidade pública, foi
reconhecido como comendador da ordem militar de cristo pelos serviços prestados
nos seus 111 anos de existência, e com a medalha de ouro da cidade, já que o seu lema é “Pelo Porto”.
Como já exposto em
diversas publicações, a palavra fenianos está de facto relacionada com a
célebre associação revolucionária irlandesa, formada em 1858, com a finalidade
de se opor ao domínio da Inglaterra sobre a Irlanda. Ainda assim, não foi esta
questão política que esteve na origem do nome do nosso clube, pelo menos de
modo directo. Um conjunto de quatro dos fundadores por volta de 1903, cidadãos
portuenses e futuros fenianos, procuraram obter os conhecimentos necessários
para a organização de um corso carnavalesco com a exuberância do carioca e a
beleza estética do de Veneza, tendo realizado uma viagem ao Brasil para esse
efeito. A escolha do nome advém do facto de a maioria das colectividades
ligadas à organização de desfiles de Carnaval ter no seu nome a designação
“fenianos”.
A partir desta colaboração nasce cerca de um ano depois o
Clube Carnavalesco Fenianos Portuenses, mais tarde Clube Fenianos Portuenses. O
objectivo principal era devolver à cidade um carnaval à altura da sua
sensibilidade artística. Como nota de curiosidade o soalho do nosso salão nobre
também traz consigo o “efeito brasil” já que todo
ele é de pau-cetim de tom claro e macacaúba”.
In site dos Fenianos
Salão de Bilhares do Clube Fenianos em 1906 na Praça da
Batalha – Cliché de R. Brito
Sala de jogos de vasa do Clube Fenianos, em 1906, na Praça da
Batalha – Cliché de R. Brito
Os fundadores dos
Fenianos tomaram essa importante decisão, em Março de 1904, em reunião
realizada no Café Porto Club, na Praça da Liberdade, no local onde, mais tarde,
se instalaria o Banco Nacional Ultramarino. O nome terá origem nos fenianos do
Rio de Janeiro que lançaram o seu grito de revolta contra o decrépito Carnaval.
A primeira sede foi
no 1º andar do Café Águia d´Ouro, à Batalha. O primeiro carnaval saiu em 1905,
com direção artística de Bordalo Pinheiro e colaboração de Teixeira Lopes tendo
os cortejos carnavalescos sido suspensos em 1909.
Foram fenianos da I
República vultos como Afonso Costa, António José d´Almeida, Guerra Junqueiro, e
muitos outros.
“Os primeiros estatutos do clube são
aprovados por alvará do Governo Civil do Porto a 17 de Junho de 1904.
Colectividade de grande prestígio realizou ao
longo de anos e anos, eventos na cidade do Porto,
como Cortejos de Carnaval, Bodos aos pobres,
festejos de Santo António, festas de Verão, além de ter contribuído com a sua
influência social para a resolução de carências da cidade e da sua população,
como a abolição das Portagens da Ponte D. Luís I, a regalia do descanso
dominical, a inauguração rápida dos serviços de viação eléctrica para V. N. de
Gaia, a criação de sociedades de Previdência Social, a criação do Teatro lírico
ou Teatro modelo (hoje Teatro Nacional de S. João), o socorro a vitimas de
catástrofes e o auxilio a combatentes, o alargamento do Estatuto do Porto de
Leixões, de porto de abrigo a porto comercial.
Na construção da actual Sede Social foi
lançado o 1º Cunhal em Agosto de 1920 com a presença do Dr. António José de
Almeida, então Presidente da República, e que já em 1910 tinha inscrito no
Livro de Honra do clube a seguinte frase: “ Este clube é o exemplo de que a
união faz a força ”.
A partir daqui foram muitas as acções e
actividades desenvolvidas, desde ginástica, iniciação musical, bilhar,
filatelia, xadrez, ténis de mesa, conferências e debates sobre vários temas.
São inúmeras as homenagens, os galardões, as
medalhas de mérito e os louvores recebidos de diversas entidades da vida
portuense e nacional".
Fonte - portoarc.blogspot.pt;
In: Associação das Colectividades do Concelho do Porto – 1929
Carnaval em 1906 - Ed.
Alvão
Na foto acima o
clube dos Fenianos, em desfile, na Rua Santa Catarina.
Antes de ocupar, em
1934, as suas actuais instalações (projecto de 1920, de Francisco Oliveira
Ferreira), próximas da Câmara Municipal, o clube dos Fenianos Portuenses teve
antes, a sua sede, na Praça da Batalha.
O edifício ao centro
da foto acima ocupava o lugar na esquina da Rua Passos Manuel, onde mais tarde,
se instalaria o Café Palladium.
Edifício do Clube
Fenianos Portuenses e do Teatro Águia D’Ouro
Durante o governo de
ditadura do General Pimenta de Castro, em 1915, os Fenianos foram alvo de um
atentado. Em 1918, empleno governo de Sidónio Pais, sofreriam um outro.
Durante a instalação
da Monarquia do Norte, em 23 e 31 de Janeiro de 1919, a sede dos Fenianos foi
assaltada e acabaria completamente destruída.
Durante o Estado
Novo, deram-se nas suas instalações conferências com teor político e não só.
As instalações
actuais, bem ao lado da Câmara Municipal, são muito funcionais.
O edifício tem um
salão para teatro e um salão nobre polivalente, que pode ser ocupado por
exposições, para bailes, sessões solenes e também para teatro.
Possui ainda um
anfiteatro para ilusionismo.
Tem no andar
superior um outro salão apelidado de “salão de cimento”, que é o mais
grandioso. O “Flamingo” é também um salão polivalente, onde se fazem bailes e
outras atividades, que também é polivalente. Acresce a isto, o salão para o
ténis de mesa, o “pub” com bilhar de snooker e um BAR.
Festa em 1931 no
Clube dos Fenianos Portuenses – Fonte: coisasdoarco-da-velha.blogspot.pt
Sede actual do Clube
Fenianos Portuenses – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt
Sociedade
Philarmonica Portuense
Foi localizada na Rua das Hortas e Rua da Fábrica e teve período de
actividade entre 1840 e 1880.
A Sociedade Filarmónica Portuense ocupou, em tempos, primeiro, um andar
no prédio da Rua das Hortas onde esteve o Café das Hortas e, mais tarde, em
1855, o edifício construído de raiz para seu uso próprio e, no qual, em 1877, se
instalaria na Rua da Fábrica o Hotel Paris.
Entre os múltiplos clubes e sociedades que foram sendo criados ao longo
de oitocentos, a Philarmonica Portuense depressa se destacou na cidade. Fundada
por iniciativa do músico e compositor Francisco Eduardo da Costa, a Sociedade
tinha uma escrupulosa e selectiva política de admissão de sócios. Após a morte
do fundador, em 1855, passou a ser dirigida pelo maestro italiano Carlo Dubini,
continuando a marcar a vida musical do Porto.
Em 1880, quando ocupava instalações, na Rua do Laranjal, a Philarmonica Portuense fundiu-se com o Club Portuense (que ainda
hoje se mantém em actividade) que guarda hoje, na sua sede, na Rua de Cândido
dos Reis, o riquíssimo espólio da Sociedade Filarmónica.
Sem comentários:
Enviar um comentário