terça-feira, 28 de março de 2017

(Continuação 3) - Actualização em 11/07/2019 e 27/03/2020

Teatro dos Recreios, Teatro D. Afonso e Eden Teatro 


Na Rua Alexandre Herculano, nº 356, existiu o Teatro D. Afonso (na foto abaixo) que, antes, foi Teatro dos Recreios, inaugurado em 1885 e, cuja construção, teve início a 16 de Novembro de 1884.


Teatro D. Afonso


A designação de Teatro D. Afonso teve por propósito homenagear D. Afonso Henriques (Duque do Porto), o segundo filho de D. Luís e de D. Maria Pia.
Este teatro, ainda designado por Teatro dos Recreios, seria inaugurado em 27 de Junho de 1885, com a peça, “D. Quijote de la Mancha”.
Pretenderam que se chamasse Chalet, mas, pouco antes da inauguração, os proprietários mudaram a designação de Teatro Chalet para Teatro dos Recreios.
Em 27 de Outubro de 1888, dá-se a inauguração do Teatro D. Afonso, que funcionou normalmente até 1896, no local do antigo Teatro dos Recreios, na Rua de Alexandre Herculano.
Com 2800 lugares destinados ao público, a sua programação era mais virada para a ópera.
Foi com o maestro Ciríaco Cardoso, como director, que o Teatro D. Afonso conseguiu os seus primeiros sucessos. Aconteceu nas temporadas de 1888-90, quando o maestro reuniu um grupo de cantores portugueses e estrangeiros, de bom nível, com os quais formou uma companhia de ópera cómica que levaria à cena, em português, obras de Offenbach, Weber e outros.
Com sucessivas mudanças na direcção, o D. Afonso viveu depois inúmeros despiques com o seu concorrente Teatro do Príncipe Real, que passavam pela apresentação das mesmas peças, mas com nomes diferentes e pequenas alterações no enredo.
Apesar de diversas tentativas para projectar o Teatro D. Afonso para mais altos voos, a concorrência de outras salas fazia-se sentir e, na transicção de século, começam a aparecer tentativas de aplicação de mudanças, de fundo.
Após o melhoramento que foi a remodelação da frontaria do teatro pelo Engenheiro Henrique Bravo, na época 1896 e até 1898, passou a explorar a sala de espectáculos o actor José Ricardo e a oferecer a um público mais humilde um vasto repertório de revistas, vaudevilles e operetas.
Em 13 de Julho de 1898, é lavrada a escritura de aluguer do Teatro D. Afonso, de que é proprietário, à data, António Cunha Monis, ao conhecido empresário espanhol Eládio Nubiola, que se compromete a realizar na sala de espectáculos operetas italianas e portuguesas, zarzuelas e cavalinhos.
Ora, o teatro D. Afonso, modesto, popular, exclusivamente destinado às camadas menos abonadas, é claro que acabaria, apesar de todos os esforços, por definhar.
Em 1901, foi colocado “em praça” e adjudicado a Luís Alberto Faria Guimarães, que não consegue fazer vingar qualquer projecto.
Em 22 de Março de 1910, foi assinada uma escritura dum terreno na Rua de Alexandre Herculano, onde estivera o Teatro D. Afonso, para construção do novo “Circo Portuense de Variedades”, que iria ser explorada por Vitorino de Sousa, sob direcção do atleta Rui da Cunha.
Este projecto não vingaria, pois, passados alguns meses, em Outubro, desse ano, um outro surgiria.



Cópia de requerimento que acompanhava projecto - Fonte: António Coutinho Coelho


Acima, está parte do requerimento do empresário Louis Bonneville, solicitando autorização para construir um teatro, num terreno, que tinha sido ocupado pelo antigo Teatro D. Afonso.
A licença de obra é a nº 1288 de 21 Outubro de 1910.
Estava para nascer o Éden Teatro.
O primeiro requerimento, que se conhece, a solicitar uma licença de espectáculos, é de 1913.
O  Éden Teatro situado na Rua Alexandre Herculano, acabaria por ficar ligado à história da cidade e do país, pelo papel nefasto que teve durante o período da revolução monárquica de 1919, pois as suas instalações foram aproveitadas para os monárquicos fazerem os seus interrogatórios e torturas sobre os militantes republicanos.


 

O Éden Teatro, na Rua Alexandre Herculano

 
 

No local do edifício, a meio da foto, ficava o Éden Teatro – Fonte: Google maps








“Foi no Verão do ano de 1906 que os portuenses assistiram à primeira sessão de cinema. Não foi essa a primeira vez que no Porto se projectaram filmes, mas os espectáculos de 1906 marcam, com certeza, o início da longa história portuense da exibição cinematográfica. O espectáculo aconteceu na Feira de, S. Miguel, no campo onde depois nasceu a actual Rotunda da Boavista, que fotografias da época mostram como sendo um espaço aberto com árvores dispersas e uma fila delas, mais alinhadas, anunciando já o que seria depois a avenida em direcção ao Castelo do Queijo. O cinema, como lembram os seus primeiros cronistas, era um espectáculo de feira, de características populares, não obstante a sedução que, desde logo, produziu em todas as camadas sociais. A primeira «sala» da Rotunda não passava de um barracão de madeira e zinco com o nome pomposo de Salão High-Life, o suficiente para o animatógrafo dar os primeiros passos junto dos portuenses. Os responsáveis pelos históricos acontecimentos fílmicos da Feira de S. Miguel foram António Neves e Edmond Pascaud, dois nomes que viriam depois a marcar, até aos nossos dias, de forma incisiva, toda a caminhada da exibição cinematográfica no Porto, ao mesmo tempo que se afirmavam na divulgação do cinema como espectáculo, divertimento e veículo de cultura”.
Com a devida vénia a António Coutinho Coelho


Sobre essas históricas sessões de 1906, escrevia Neves Real:


«Sobre terra estreme, uma fiada de bancos plebeus constituía a "geral". Seguiam-se-lhe, como tribuna de honra, sobre estrado de madeira, as filas de cadeiras a marcar uma distinção e a preservar apropriado acolhimento à "High-Life" c/o Porto que, como a alta-roda de Paris, não desdenhou acorrer a extasiar-se perante as "maravilhosas vistas" que a firma Neves & Pascaud lhe oferecia à razão de 130 réis por pessoa e por sessão. Então era ainda o cinema um menino débil, apesar dos seus onze anos».



Feira de S. Miguel na Boavista



Ainda, em 1906, a empresa Neves & Pascaud, responsável pelo Salão High-Life, situado na Rotunda da Boavista, decidiu mudar a localização do mesmo, para o então Jardim da Cordoaria, actual Jardim João Chagas. A nova localização, mais central, atraiu um número ainda maior de público. Durante dois anos, António Neves e Edmond Pascaud conseguiram juntar dinheiro suficiente para, em 1908, construírem uma sala de pedra e cal na Praça da Batalha, que viria a ser uma das mais emblemáticas salas de cinema da cidade do Porto.



Publicidade ao “ Salão High-Life” em 15 Fev. 1907 -  Fonte: “A Voz Pública”



High-Life (Batalha) e antigo Batalha


Depois de ter passado pela Boavista e pela Cordoaria, em 29 de Fevereiro de 1908, o Salão High-Life mudou-se para a sua morada definitiva, na Praça da Batalha, e cujo pedido de licenciamento da construção o situa na esquina da Praça da Batalha e Largo de Santo Ildefonso.
A sala de espectáculos instalou-se no local dos armazéns da “Constructora Campos & Morais”, demolidos em 1907, para a construção do Novo Salão High-Life.


Armazéns da “Constructora Campos & Morais”


No local do edifício, da foto acima, seria construído o Novo Salão High-Life.
A firma “Constructora Campos & Morais”, tinha instalações fabris na zona de Francos e tinha como uma das suas actividades a conversão de antigos “Americanos” para Carros Eléctricos, trabalhando para a Carris.


“A inauguração do «novo Pavilhão Kinematographico», o Novo Salão High Life, «n’um dos locaes mais centraes da cidade, á praça da Batalha». A nova casa de espectáculos «elegante e luxuosa», seria explorada pelo «Kinematographo Theo Pathé, de Berlim e Pariz», trazido pela mão do empresário E. Pascaud, que havia mandado vir expressamente da casa Pathé Frères, de Paris, as últimas novidades em fotografia animada (O Comércio do Porto, 26.02.1908, pp. 1-2). Abriria finalmente a nova sala a 29 de Fevereiro de 1908 (O Comércio do Porto”, 1.03.1908, p. 2).
O novo edifício de pedra e cal tornou-se de imediato um sucesso, passando a ser considerado um cinema de prestígio. Com os seus 1082 lugares, dispostos entre plateia, tribuna e balcão, foi durante muitos anos um dos maiores cinemas do Porto.
A utilização do termo “Novo” (Salão High-Life) na sua designação não residia no facto de uma casa de espectáculos ser substituída por outra.
Na realidade, o Salão High-Life à Cordoaria, da mesma empresa, continuou a funcionar ainda durante algum tempo, constituindo tal facto, a nosso ver, uma interessante estratégia adoptada pelos seus empresários, explorando este filão nos dois bairros, quer no Oriental (teatral), quer no Ocidental”.
Com a devida vénia a António Coutinho Coelho



Publicidade ao Novo “High-Life” em 29/09/1909, no “Voz Pública”



Em 1913, tomará o nome definitivo de Cinema Batalha e, foi ao longo dos anos, sujeito, o edifício, a várias alterações que acabaram por modificar muito o seu aspecto inicial. A sua capacidade de atrair público manteve-se durante os seus 38 anos de existência. Em 1946, foi demolido para dar lugar ao Novo Cinema Batalha.




O Novo Salão High-Life já convertido em “Antigo” Cinema Batalha, em 1913



Inaugurado a 3 de Junho de 1947, segundo o projeto do arquitecto Artur Andrade, o “Batalha” foi construído no local do antigo Salão “High Life” e do antigo Batalha.


Local, em 1945, onde seria construído o novo Cinema Batalha


Foi uma inauguração polémica à data, devido ao excesso de zelo por parte do Estado Novo que mandou entaipar um mural da autoria de Júlio Pomar que se encontrava no foyer e que foi apelidado de subversivo. Destino não menos polémico teve o magnífico baixo-relevo da fachada, delapidado pela ignorância dos senhores do poder, devido ao facto de ter nele representados uma foice e um martelo, que seriam mandados retirar. 



Tudo remonta a 1944 quando o arquiteto Artur Andrade projeta um novo cinema para aquela praça e resolve convidar um jovem de apenas 20 anos para pintar dois frescos. Na inauguração da exposição, o pintor recordara o quanto fora necessário de ousadia para, com aquela idade, assumir a concretização de uma obra com tamanho impacto, com mais de 100 metros quadrados, pintada sobre andaimes e com recurso a novas técnicas. 
Pomar começa a pintar os dois frescos em 1946. O maior ocupava uma parte relevante do "foyer" principal do edifício e o mais pequeno fora pintado numa parede junto ao balcão do cinema. Na data escolhida para a inauguração do Batalha, 3 de junho de 1947, os frescos não estavam concluídos. O pintor, com outros elementos do Movimento de Unidade Democrática, fora preso em abril por ordem da PIDE, a polícia política do regime de Oliveira Salazar. Apenas em outubro daquele ano, Pomar, de novo em liberdade, consegue voltar aos frescos e rematar o trabalho.
Em junho de 1948 eram mandados tapar pela censura salazarista e assim se perdia, pode dizer-se para sempre, o contacto direto com a criação singular de um artista em construção.” 
Com a devida vénia a Valdemar Cruz, In: Jornal Expresso Quinta 



Fresco original (antes de concluído) de Júlio Pomar, no hall do Cinema Batalha, em 1947

 
 

Fresco original de Júlio Pomar, no bar do Cinema Batalha, em 1947
 
 
 
 
Entretanto, a Pide mandou arrancar a foice à ceifeira e o martelo ao operário do baixo-relevo de Américo Braga (1909-1991) que decora a fachada.
O escultor matosinhense Américo Soares Braga, que acabaria por se fixar no Brasil, é ainda conhecido por ser o autor dos baixos-relevos exibidos na fachada da antiga Fábrica das Sedas, à Prelada.


 

Baixo-relevo de Américo Braga, na fachada do cinema Batalha






Interior do Cinema Batalha – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt



Entrada do Cinema Batalha – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt




Exterior do Cinema Batalha, à noite – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt




O edifício do cinema Batalha, actualmente - Fonte: Google maps




O edifício foi concebido, pelo arquitecto Artur Andrade, para albergar, para além da sala principal, com capacidade para 950 espectadores, um auditório apelidado, mais tarde, de “Sala Bébé”, com capacidade para 135 espectadores, dois bares e um restaurante e respectiva esplanada. 
Após, cerca de meio século, a ser uma referência na cidade como polo de exibição de espectáculos cinematográficos, em 2000, fechou devido à forte concorrência dos multiplex dos centros comerciais, mas, em Maio de 2006, reabriu graças a uma parceria entre a Câmara do Porto e a Associação de Comerciantes. 
Tratou-se de um arrendamento dos proprietários do imóvel à empresa "Comércio Vivo" formada, entretanto, para levar à prática a tal parceria.
O espaço foi reformulado, sendo modernizado de forma a proporcionar maior conforto aos visitantes. A nova configuração reduziu a capacidade da sala principal para 935 espectadores e o pequeno auditório passou a poder acolher 100 espectadores. O restaurante permaneceu, mas um dos bares foi encerrado.
Em 31 de Dezembro de 2010, tendo finalizado o contrato de gestão, o "Gabinete Comércio Vivo" entregou o edifício aos proprietários, que se manteria encerrado durante cerca de 12 anos.
Em 2017, a autarquia portuense conseguiu obter uma concessão do edifício por 25 anos, junto dos actuais proprietários, a família Neves Real, herdeiros de António Neves, o fundador do primitivo Salão High-Life.
Em 2019, foi encetada uma acção de recuperação das instalações, da autoria dos arquitectos Sérgio Fernandez e Alexandre Alves Costa, durante a qual, foi possível colocar a descoberto os frescos de Júlio Pomar e devolver a originalidade ao baixo-relevo de Américo Braga, entre outras grandes intervenções sobre a estrutura do edifício.
Previa-se que, até 2023, o cinema Batalha abrisse as portas ao público e, de facto, a 9 de Dezembro de 2022, depois de um investimento de 5 milhões de euros, eram inauguradas as novas instalações do Batalha.

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