Teatro dos Recreios, Teatro D. Afonso e Eden Teatro
Na Rua Alexandre Herculano, nº 356, existiu o Teatro D.
Afonso (na foto abaixo) que, antes, foi Teatro dos Recreios, inaugurado em 1885
e, cuja construção, teve início a 16 de Novembro de 1884.
A designação de Teatro D. Afonso teve por propósito homenagear
D. Afonso Henriques (Duque do Porto), o segundo filho de D. Luís e de D. Maria
Pia.
Este teatro, ainda designado por Teatro dos Recreios, seria
inaugurado em 27 de Junho de 1885, com a peça, “D. Quijote de la Mancha”.
Pretenderam que se chamasse Chalet, mas, pouco antes da
inauguração, os proprietários mudaram a designação de
Teatro Chalet para Teatro dos Recreios.
Em 27 de Outubro de 1888, dá-se a inauguração do Teatro D.
Afonso, que funcionou normalmente até 1896, no local do antigo Teatro dos Recreios, na Rua
de Alexandre Herculano.
Com 2800 lugares destinados ao público, a sua programação
era mais virada para a ópera.
Foi com o maestro Ciríaco Cardoso, como director, que o
Teatro D. Afonso conseguiu os seus primeiros sucessos. Aconteceu nas temporadas
de 1888-90, quando o maestro reuniu um grupo de cantores portugueses e
estrangeiros, de bom nível, com os quais formou uma companhia de ópera cómica
que levaria à cena, em português, obras de Offenbach, Weber e outros.
Com sucessivas mudanças na direcção, o D. Afonso viveu
depois inúmeros despiques com o seu concorrente Teatro do Príncipe Real, que
passavam pela apresentação das mesmas peças, mas com nomes diferentes e pequenas
alterações no enredo.
Apesar de diversas tentativas para projectar o Teatro D.
Afonso para mais altos voos, a concorrência de outras salas fazia-se sentir e,
na transicção de século, começam a aparecer tentativas de aplicação de mudanças, de fundo.
Após o melhoramento que foi a remodelação da frontaria do
teatro pelo Engenheiro Henrique Bravo, na época 1896 e até 1898, passou a
explorar a sala de espectáculos o actor José Ricardo e a oferecer a um público
mais humilde um vasto repertório de revistas, vaudevilles e operetas.
Em 13 de Julho de 1898, é lavrada a escritura de aluguer do Teatro D. Afonso, de que é proprietário, à data, António Cunha Monis, ao conhecido empresário espanhol Eládio Nubiola, que se compromete a realizar na sala de espectáculos operetas italianas e portuguesas, zarzuelas e cavalinhos.
Ora, o teatro D. Afonso, modesto, popular, exclusivamente
destinado às camadas menos abonadas, é claro que acabaria, apesar de todos os esforços, por definhar.
Em 1901, foi colocado “em praça” e adjudicado a Luís Alberto
Faria Guimarães, que não consegue fazer vingar qualquer projecto.
Em 22 de Março de 1910, foi assinada uma escritura dum
terreno na Rua de Alexandre Herculano, onde estivera o Teatro D. Afonso, para
construção do novo “Circo Portuense de Variedades”, que iria ser explorada por
Vitorino de Sousa, sob direcção do atleta Rui da Cunha.
Este projecto não vingaria, pois, passados alguns meses, em
Outubro, desse ano, um outro surgiria.
Cópia de requerimento que acompanhava projecto - Fonte:
António Coutinho Coelho
Acima, está parte do requerimento do empresário Louis
Bonneville, solicitando autorização para construir um teatro, num terreno, que
tinha sido ocupado pelo antigo Teatro D. Afonso.
A licença de obra é a nº 1288 de 21 Outubro de 1910.
Estava para nascer o Éden Teatro.
O primeiro requerimento, que se conhece, a solicitar uma
licença de espectáculos, é de 1913.
O Éden Teatro situado na Rua Alexandre Herculano,
acabaria por ficar ligado à história da cidade e do país, pelo papel nefasto
que teve durante o período da revolução monárquica de 1919, pois as suas
instalações foram aproveitadas para os monárquicos fazerem os seus
interrogatórios e torturas sobre os militantes republicanos.
O Éden Teatro, na Rua Alexandre Herculano
No local do edifício, a meio da foto, ficava o Éden Teatro –
Fonte: Google maps
“Foi no Verão do ano
de 1906 que os portuenses assistiram à primeira sessão de cinema. Não foi essa
a primeira vez que no Porto se projectaram filmes, mas os espectáculos de 1906
marcam, com certeza, o início da longa história portuense da exibição
cinematográfica. O espectáculo aconteceu na Feira de, S. Miguel, no campo onde
depois nasceu a actual Rotunda da Boavista, que fotografias da época mostram
como sendo um espaço aberto com árvores dispersas e uma fila delas, mais
alinhadas, anunciando já o que seria depois a avenida em direcção ao Castelo do
Queijo. O cinema, como lembram os seus primeiros cronistas, era um espectáculo
de feira, de características populares, não obstante a sedução que, desde logo,
produziu em todas as camadas sociais. A primeira «sala» da Rotunda não passava
de um barracão de madeira e zinco com o nome pomposo de Salão High-Life, o
suficiente para o animatógrafo dar os primeiros passos junto dos portuenses. Os
responsáveis pelos históricos acontecimentos fílmicos da Feira de S. Miguel
foram António Neves e Edmond Pascaud, dois nomes que viriam depois a marcar,
até aos nossos dias, de forma incisiva, toda a caminhada da exibição
cinematográfica no Porto, ao mesmo tempo que se afirmavam na divulgação do
cinema como espectáculo, divertimento e veículo de cultura”.
Com a devida vénia a António
Coutinho Coelho
Sobre essas históricas sessões de 1906, escrevia Neves Real:
«Sobre terra estreme, uma fiada de bancos plebeus
constituía a "geral". Seguiam-se-lhe, como tribuna de honra, sobre
estrado de madeira, as filas de cadeiras a marcar uma distinção e a preservar
apropriado acolhimento à "High-Life" c/o Porto que, como a alta-roda
de Paris, não desdenhou acorrer a extasiar-se perante as "maravilhosas
vistas" que a firma Neves & Pascaud lhe oferecia à razão de 130 réis
por pessoa e por sessão. Então era ainda o cinema um menino débil, apesar dos
seus onze anos».
Feira de S. Miguel na Boavista
Ainda, em 1906, a empresa Neves & Pascaud, responsável pelo
Salão High-Life, situado na Rotunda da Boavista, decidiu mudar a localização do
mesmo, para o então Jardim da Cordoaria, actual Jardim João Chagas. A nova
localização, mais central, atraiu um número ainda maior de público. Durante
dois anos, António Neves e Edmond Pascaud conseguiram juntar dinheiro suficiente
para, em 1908, construírem uma sala de pedra e cal na Praça da Batalha, que
viria a ser uma das mais emblemáticas salas de cinema da cidade do Porto.
Publicidade ao “ Salão High-Life” em 15 Fev. 1907 - Fonte: “A
Voz Pública”
High-Life (Batalha) e antigo Batalha
Depois de ter passado pela Boavista e pela Cordoaria, em 29
de Fevereiro de 1908, o Salão High-Life mudou-se para a sua morada definitiva, na
Praça da Batalha, e cujo pedido de licenciamento da construção o situa na
esquina da Praça da Batalha e Largo de Santo Ildefonso.
A sala de espectáculos instalou-se no local dos armazéns da “Constructora Campos & Morais”,
demolidos em 1907, para a construção do Novo Salão High-Life.
Armazéns da “Constructora Campos & Morais”
No local do edifício, da foto acima, seria construído o Novo
Salão High-Life.
A firma “Constructora Campos & Morais”, tinha instalações
fabris na zona de Francos e tinha como uma das suas actividades a conversão de
antigos “Americanos” para Carros Eléctricos, trabalhando para a Carris.
“A inauguração do
«novo Pavilhão Kinematographico», o Novo Salão High Life, «n’um dos locaes mais
centraes da cidade, á praça da Batalha». A nova casa de espectáculos «elegante
e luxuosa», seria explorada pelo «Kinematographo Theo Pathé, de Berlim e
Pariz», trazido pela mão do empresário E. Pascaud, que havia mandado vir
expressamente da casa Pathé Frères, de Paris, as últimas novidades em
fotografia animada (O Comércio do
Porto, 26.02.1908, pp. 1-2). Abriria finalmente a nova sala a 29 de
Fevereiro de 1908 (O Comércio do Porto”,
1.03.1908, p. 2).
O novo edifício de
pedra e cal tornou-se de imediato um sucesso, passando a ser considerado um
cinema de prestígio. Com os seus 1082 lugares, dispostos entre plateia, tribuna
e balcão, foi durante muitos anos um dos maiores cinemas do Porto.
A utilização do termo
“Novo” (Salão High-Life) na sua designação não residia no facto de uma casa de
espectáculos ser substituída por outra.
Na realidade, o Salão
High-Life à Cordoaria, da mesma empresa, continuou a funcionar ainda durante
algum tempo, constituindo tal facto, a nosso ver, uma interessante estratégia
adoptada pelos seus empresários, explorando este filão nos dois bairros, quer
no Oriental (teatral), quer no Ocidental”.
Com a devida vénia a António Coutinho Coelho
Publicidade ao Novo “High-Life” em 29/09/1909, no “Voz Pública”
Em 1913, tomará o nome definitivo de Cinema Batalha e, foi ao longo dos anos, sujeito, o edifício, a
várias alterações que acabaram por modificar muito o seu aspecto inicial. A sua
capacidade de atrair público manteve-se durante os seus 38 anos de existência.
Em 1946, foi demolido para dar lugar ao Novo
Cinema Batalha.
O Novo Salão High-Life já convertido em “Antigo” Cinema
Batalha, em 1913
Inaugurado a 3 de Junho de 1947, segundo o projeto do
arquitecto Artur Andrade, o “Batalha” foi construído no local do antigo Salão
“High Life” e do antigo Batalha.
Foi uma inauguração polémica à data, devido ao excesso de
zelo por parte do Estado Novo que mandou entaipar um mural da autoria de Júlio
Pomar que se encontrava no foyer e que foi apelidado de
subversivo. Destino não menos polémico teve o magnífico baixo-relevo da fachada,
delapidado pela ignorância dos senhores do poder, devido ao facto de ter nele
representados uma foice e um martelo, que seriam mandados retirar.
“Tudo remonta a 1944
quando o arquiteto Artur Andrade projeta um novo cinema para aquela praça e
resolve convidar um jovem de apenas 20 anos para pintar dois frescos. Na
inauguração da exposição, o pintor recordara o quanto fora necessário de
ousadia para, com aquela idade, assumir a concretização de uma obra com tamanho
impacto, com mais de 100 metros quadrados, pintada sobre andaimes e com recurso
a novas técnicas.
Pomar começa a pintar
os dois frescos em 1946. O maior ocupava uma parte relevante do
"foyer" principal do edifício e o mais pequeno fora pintado numa parede
junto ao balcão do cinema. Na data escolhida para a inauguração do Batalha, 3
de junho de 1947, os frescos não estavam concluídos. O pintor, com outros
elementos do Movimento de Unidade Democrática, fora preso em abril por ordem da
PIDE, a polícia política do regime de Oliveira Salazar. Apenas em outubro
daquele ano, Pomar, de novo em liberdade, consegue voltar aos frescos e rematar
o trabalho.
Em junho de 1948 eram
mandados tapar pela censura salazarista e assim se perdia, pode dizer-se para
sempre, o contacto direto com a criação singular de um artista em
construção.”
Com a devida vénia a Valdemar Cruz, In: Jornal Expresso Quinta
Fresco original
(antes de concluído) de Júlio Pomar, no hall do Cinema Batalha, em 1947
Fresco original de
Júlio Pomar, no bar do Cinema Batalha, em 1947
O escultor matosinhense Américo Soares Braga, que acabaria por se fixar no Brasil, é ainda conhecido por ser o autor dos baixos-relevos exibidos na fachada da antiga Fábrica das Sedas, à Prelada.
Interior do Cinema Batalha – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt
Entrada do Cinema Batalha – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt
Exterior do Cinema Batalha, à noite – Fonte: restosdecoleccao.blogspot.pt
O edifício do cinema Batalha, actualmente - Fonte: Google maps
O edifício foi concebido, pelo arquitecto Artur Andrade, para albergar, para além da sala
principal, com capacidade para 950 espectadores, um auditório apelidado, mais tarde, de “Sala
Bébé”, com capacidade para 135 espectadores, dois bares e um restaurante e respectiva esplanada.
Após, cerca de meio século, a ser uma referência na cidade como polo de exibição de espectáculos cinematográficos, em 2000, fechou devido à forte concorrência dos multiplex dos centros
comerciais, mas, em Maio de 2006, reabriu graças a uma parceria entre a Câmara do
Porto e a Associação de Comerciantes.
Tratou-se de um arrendamento dos proprietários do imóvel à empresa "Comércio Vivo" formada, entretanto, para levar à prática a tal parceria.
O espaço foi reformulado, sendo
modernizado de forma a proporcionar maior conforto aos visitantes. A nova
configuração reduziu a capacidade da sala principal para 935 espectadores e o
pequeno auditório passou a poder acolher 100 espectadores. O restaurante
permaneceu, mas um dos bares foi encerrado.
Em 31 de Dezembro de 2010, tendo finalizado o contrato de
gestão, o "Gabinete Comércio Vivo" entregou o edifício aos proprietários, que se
manteria encerrado durante cerca de 12 anos.
Em 2017, a autarquia portuense conseguiu obter uma concessão do edifício por 25 anos, junto dos actuais proprietários, a família Neves Real, herdeiros de António Neves, o fundador do primitivo Salão High-Life.
Em 2019, foi encetada uma acção de recuperação das
instalações, da autoria dos arquitectos Sérgio Fernandez e Alexandre Alves Costa, durante a qual, foi possível colocar a descoberto os frescos de
Júlio Pomar e devolver a originalidade ao baixo-relevo de Américo Braga, entre outras grandes intervenções sobre a estrutura do edifício.
Previa-se que, até 2023, o cinema Batalha abrisse as portas ao
público e, de facto, a 9 de Dezembro de 2022, depois de um investimento de 5 milhões de euros, eram inauguradas as novas instalações do Batalha.
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