segunda-feira, 8 de abril de 2024

25.237 Tragédia no Cais das Pedras, em 1911

 
No dia 10 de Dezembro de 1911, um Domingo enevoado, chegava a Leixões, ao seu porto de abrigo, o paquete inglês Antony, vindo do Brasil, onde tinha escalado as cidades de Belém e Manaus.
 
 
 

Prado de Matosinhos e porto de abrigo de Leixões, no fim do século XIX

 
 
Ao aproximar-se do cais para atracar, junto do molhe norte, o navio teve problemas e sofreu danos no varandim de pôpa.
 
 
 

À esquerda, o cais de embarque e desembarque, em 1911
 
 
 

À direita, o cais de embarque e desembarque, em 1911, junto à torre da estação semafórica
 
 
 
 
Desembarcados, os passageiros seguiram para a cidade do Porto no carro eléctrico nº 203, comprado à UEC de Preston, na Inglaterra – um carro inglês.
Acompanhavam aquele carro motor os atrelados nº 29 e nº 33, cada um deles com 14 passageiros distribuídos por 2 bancos.

 
 
 

Estação ferroviária, junto ao castelo da Senhora das Neves, em Leça da Palmeira, onde se apanhava, também, o carro eléctrico, no início do século XX

 
 
 

Outra perspectiva do mesmo local da foto anterior, onde já se observa um carro eléctrico. Do lado de cá, a poucos metros, ficava o cais de embarque e desembarque do porto de Leixões


 
 
 
Carro eléctrico nº 205 (idêntico ao nº 203), na Praça D. Pedro
 
 
 
A viagem, começada em Leça da Palmeira, seria interrompida na Foz do Douro devido a uma avaria da viatura, pelo que foi necessário fazer um transbordo para o carro eléctrico nº 150.
Este veículo, de plataformas abertas, seria idêntico ao nº 124, que se pode observar, em primeiro plano, na foto abaixo.

 
 

Carro eléctrico nº 124



Carro eléctrico nº 163, de 6 janelas com 2 atrelados, passando no Passeio Alegre, idêntico ao carro eléctrico nº 150, que teve o desastre, na linha Infante/Leça da Palmeira 





Em Massarelos, o guarda-freio n.º 54, António Mendes Júnior, foi rendido pelo seu colega n.º 73, Manuel Monteiro.
Pelas 13,30 h, quando o veículo passava no Cais das Pedras, em frente à fábrica da louça, cuja firma era, à data, “Empresa Cerâmica Portuense Ld.ª”, em Monchique, descarrilou e precipitou-se no rio Douro, juntamente com o primeiro atrelado, já que o outro por se ter partido o engate, ficou no cais.
Tudo se terá ficado a dever aos materiais acumulados nos carris, provenientes de enxurradas que provocaram o seu assoreamento. Acorreram à tragédia, da qual resultaram 31 feridos e 14 mortos, os bombeiros municipais e voluntários e comandou o socorro o capitão do porto Cornélio Silva e, na rectaguarda, no hospital de Santo António, o conhecido médico Couto Soares.
Entretanto, nos primeiros instantes da ocorrência, o proprietário da fábrica de Massarelos, Archibald James Wall, acompanhado por Isolino Alves, um serralheiro mecânico daquela fábrica, mergulharam nas águas do rio e teriam salvado da morte, segundo as crónicas, 15 náufragos.
Sobre a acção de um outro herói, de seu nome António de Sousa Ferreira, que seguia no “comboio”, na qualidade de condutor do atrelado n.º 29 e havia entrado ao serviço, momentos antes, em Massarelos, que tinha tido o discernimento e o sangue frio de cortar a ligação da última carruagem, impedindo que ela caísse também ao rio, disse o “Jornal de Notícias”:
 
 
“Quando, depois dos primeiros momentos de angústia, no meio daquele infernal coro de gritos de dor e de socorro lhe veio a serenidade, correu e pôde ainda prestar alguns serviços de salvamento, ajudando, por exemplo, a tirar para terra, ainda com vida, um homem muito gordo que estava prestes a morrer afogado.”
 
 
 
 
A multidão no local do desastre, junto fábrica da louça - Ed. Illustração Portugueza de 25 Dezembro de 1911
 
 
 
 

Retirada do carro eléctrico do rio Douro com o apoio da barcaça “Tâmega” e da maquinaria de movimentação de cargas, cedida pela empresa de navegação Garland Laidley & Cia. – Ed. Illustração Portugueza de 25 Dezembro de 1911
 
 
 
A tragédia, segundo muitos, foi devido à falta de experiência do pessoal da Carris envolvido no acidente, admitido pela empresa 6 meses antes, em Julho, na sequência de uma greve da empresa.
Assim, nesse ano de 1911, viviam-se os tempos tumultuosos do início da República que afectou também a vida da Carris. Os seus operários organizaram-se e, não vendo as suas reivindicações satisfeitas, convocaram uma violenta greve, no verão, que obrigou à intervenção da Câmara para garantir a continuidade da prestação de serviços ao público.
Numa outra greve de 1909, tinha sido necessário recorrer aos serviços do exército.



Na greve ocorrida em 1909, na Praça D. Pedro, um militar conduzindo um eléctrico




Para outros, tu se tinha ficado a dever a incúria da gente de mando.
No último trimestre daquele ano, as águas do rio não galgaram as margens, porém, as fortes chuvas e subsequentes enxurradas expuseram o deficiente escoamento das águas pluviais, no local onde, se veio a dar o desastre.
Em Outubro, já a Carris tinha comunicado à Câmara Municipal do Porto dois descarrilamentos no Cais das Pedras, originados pelo assoreamento da via com areia proveniente de um cano de esgoto roto, na calçada de Sobre-o-Douro.
Por sua vez, para obstar ao perigo da formação usual de comboios longos de veículos, pouco estáveis, dizia o “Regulamento para o serviço de tracção eléctrica”:
 
 
Não poderão formar-se comboios de mais de dois carros engatados. Nos comboios assim constituídos, deverá, para além do guarda-freio do primeiro, ir, na plataforma do segundo carro, um outro empregado, cuja única função será a manobra do freio aos sinais dados pelo primeiro.
 
 
O guarda-freio Manuel Monteiro seria ouvido pelas autoridades, tendo declarado, segundo a versão do jornal “O Comércio do Porto”:
 
 
“Eu, apesar de estar em grande sobressalto, empreguei todos os esforços para fazer parar o comboio, dando ao carro o freio elétrico e apertando o travão manual. […] Mal posso reconstituir o que se passou nesse momento terrível, nem dizer o motivo por que os freios não sortiram o efeito que eu desejava.”
 
O guarda-freio, Manuel Monteiro e o engenheiro chefe do serviço de exploração da Carris foram considerados culpados, em sentença proferida no dia 18 de Maio de 1912.
A CCFP (Carris), por decisão dos tribunais, pagou o que foi determinado aos lesados, mas na maioria dos casos, tudo se passou na sombra.

terça-feira, 2 de abril de 2024

25.236 O Rei Carlos Alberto, o exílio e a Capela de Carlos Alberto

 
Contexto histórico durante o exílio de Carlos Alberto
 
 
Sobre a estadia do rei Carlos Alberto, convirá enquadrar os acontecimentos, em tempos em que reinava, em Portugal, D. Maria II.
Recuando alguns anos, em Novembro de 1807, a família real, com D. Maria I à frente, foge para o Brasil. Esta rainha era casada com Pedro III, rei consorte e seu tio. No entanto, desde 1799, que o infante D. João de Portugal era o regente em nome da mãe, que tinha enlouquecido.
Entre 1816 e 1826, este torna-se o Rei D. João VI, a que sucederá D. Pedro IV, que abdicaria, nesse mesmo ano, em favor de sua filha Maria, que sendo menor, obrigou a que o reino tivesse como regente até 1828, a irmã de D. Pedro IV, Isabel Maria de Portugal e, depois, na mesma qualidade, durante 5 meses, o irmão de D. Pedro IV, D. Miguel.
Este, quebrando o compromisso assumido de casar com a sua sobrinha, tornou-se, por usurpação do trono, rei até 1834.
Vencido D. Miguel, assume D. Maria II, entre 1834 e 1853 e, o rei consorte D. Fernando II, entre este ano e 1855, como regente, dada a menoridade do seu filho, que reinaria apenas durante 6 anos, como D. Pedro V, já que, morreu prematuramente.
Em 1849, no ano do exílio do rei Carlos Alberto, reinava, portanto, D. Maria II
A D. Pedro V, entre 1861 e 1889, sucederia o seu irmão D. Luís I, que viria a casar com D. Maria Pia, da casa de Saboia, neta do rei Carlos Alberto e filha do rei Vítor Emanuel II.
 
 
 
Afinal quem foi o rei Carlos Alberto?
 
 
Na época da dominação napoleônica no Piemonte, Carlos Alberto estudou em Paris e em Genebra. Em 1814, Napoleão nomeou-o tenente do regimento "Dragões". Pouco depois da queda do Império Francês, voltou para Turim e foi aceite na família real, embora visto com um pouco de suspeita por causa das suas simpatias pela França e por ser uma pessoa de espírito liberal.
 
 
 
 
“Em 1821, Carlos Alberto teve um papel não muito claro nas agitações constitucionais que aconteceram no Reino da Sardenha e, certamente teve contato com os rebeldes, mas, na última hora parece que voltou atrás, enquanto os conjurados, em boa ou em má-fé, continuaram a contar com ele.
Após a abdicação do rei Vítor Emanuel I em 1821, tornou-se regente e promulgou a constituição, a valer com a aprovação do rei, ou seja de Carlos Félix, mas este, ao contrário, desautorizou o feito, chamou os austríacos ao Piemonte-Sardenha, e ordenou a Carlos Alberto de acompanhar as tropas fieis a Novara, coisa que ele fez sem hesitar. Por causa das suas atitudes, ele se tornou suspeito não somente aos olhos dos Carbonários, que o acusaram de traição, mas também aos olhos da corte. Primeiro ficou exilado na casa do sogro, Ferdinando III de Toscana, depois participou da repressão à revolução liberal espanhola lutando em Trocadero atraindo, assim, o ódio dos seus antigos amigos políticos.
Depois da morte de Carlos Félix em 1831, subiu ao trono sem dificuldade em 27 de abril de 1832 (é lenda o fato de que Metternich tramou para excluí-lo da sucessão)”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
 
 
 
 
Carlos Alberto decidiu-se, a dado momento, pela intervenção armada contra os austríacos, para a qual não estava preparado, a fim de expulsá-los da Lombardia e de Veneza.
A guerra conduzida pessoalmente por ele teve como resultado imediato a libertação da Lombardia, arrancada ao jugo austríaco; contudo, o Império Austríaco rapidamente iria recuperar, acontecendo a grande derrota dos piemonteses em Novara.
A breve campanha acabou, então, em três dias, com a desastrosa batalha de Novara a 28 de Março de 1849.
Carlos Alberto abdicou no mesmo dia em favor do filho Vítor Emanuel II, retirando-se para o exílio.
 
 
 
 
Viagem para o exílio e hospedagem no Porto
 
 
O rei Carlos Alberto exilou-se, então, no Porto, após abdicar em favor do seu filho Vitor Emanuel II e, viveria na casa da quinta da Macieirinha, entre 14 de Maio e 28 de Julho de 1849. 
A viagem para o exílio foi feita sempre por terra até Pontevedra depois de fazer centenas de quilómetros em França e de atravessar toda a Espanha.
Entre Pontevedra e Vigo, usou como transporte um barco e, a partir daí, encetou a viagem novamente por terra até ao Porto, mas já com numeroso acompanhamento.
Entra em Portugal por Valença, desce o rio Minho num barco expressamente preparado para o efeito, até Caminha e alcança Viana do Castelo pela estrada marginal, passando aí, a noite de 16 de Abril.
No dia 17 de Abril, retoma a viagem até Casal de Pedro (V. do Conde), onde por se sentir doente ficaria instalado e pernoitaria numa mísera estalagem.
Entretanto, no dia 17 de Abril, por desconhecimento geral da realidade dos factos, corre na cidade o boato de que o rei teria embarcado em Vigo, em direcção ao Porto, a bordo da galeota espanhola Martin Álvares e que chegaria nessa mesma tarde.
Por isso, o cais da Foz enche-se de uma multidão de curiosos. Foi uma decepção!
No dia seguinte, dirige-se para a cidade do Porto.
Carlos Alberto tinha decidido viajar incógnito, sob o título de conde de Barge, acompanhado apenas de dois criados. Não conseguiu, no entanto, manter o desejado anonimato, sendo por diversas vezes reconhecido ao longo da viagem, incluindo na sua chegada ao Porto, a 19 de Abril de 1849, tendo sido recebido pelas autoridades da cidade no Carvalhido.
Carlos Alberto, esgotado por uma longa viagem efectuada em condições de grande desconforto, tinha viajado a cavalo. Encontrava-se desalentado com a derrota militar sofrida cerca de um mês antes, e num precário estado de saúde, não conseguindo, por isso, assistir a mais do que dois discursos. E, quando o secretário da Câmara se preparava para proferir a terceira prelecção, fez saber que se encontrava doente e que pretendia, o mais rapidamente possível, retirar-se para uma estalagem, como um simples viajante.
Começou por se hospedar na Hospedaria do Peixe, a funcionar no majestoso Palácio dos Viscondes de Balsemão, na então Praça dos Ferradores, hoje Praça Carlos Alberto. Ali ficou, enquanto não lhe era disponibilizado um local para residir.
A 27 de Abril, hospedou-se numa casa na Rua dos Quartéis, vizinha do palácio dos Carrancas.
 
 
 
“O ex-rei ficou nove dias no hotel; depois transferiu-se para uma pequena casa arrendada, que pertencia a Maria Teresa de Sousa Vasconcelos, com um jardim, «na saída da cidade em direcção à Torre da Marca, próximo da Real Fábrica dos galões de oiro e de prata e defronte do quartel de infantaria, exposta plenamente a sul»; mas naquele lugar da rua dos Quartéis, Carlos Alberto ficou pouco tempo: a habitação – antes arrendada a um inglês, que decidiu subarrendá-la a Carlos Alberto por seis meses, com a única condição de, para além da renda, o rei se encarregasse de todos os móveis, utensílios, porcelanas, cristais e roupas – era demasiado pequena e modesta, dotada de apenas três divisões e de um jardim. Deste modo, a 14 de Maio, o ex-soberano da Sardenha mudava novamente de domicílio, alojando-se na casa suburbana de António Ferreira Pinto Basto.
3.488,37 liras, equivalentes a 600.000 réis, era quanto pagava por uma vivenda «mais limpa do que bela, mas situada ao fundo de um jardim muito ameno e com bonitas e amplas vistas sobre o rio e sobre o mar».”
Com o devido crédito a Pierangelo Gentile – Fonte: Imprensa da Universidade de Coimbra


 
Finalmente, em meados do mês de Maio, Carlos Alberto acabou por se mudar para a Quinta da Macieirinha.
Em 28 de Julho, Carlos Alberto morre na Quinta da Macieirinha.
 
 


Casa da Quinta da Macieirinha


“O estado de saúde de Carlos Alberto era, contudo, bastante delicado e agravava-se de dia para dia. Em breve deixou de poder dar os curtos passeios a cavalo pela cidade, ficando retido em casa, onde os médicos Francisco d'Assis e António Fortunato se viam impotentes para contrariar a morte que se aproximava. Às três horas e meia da tarde do dia 28 de Julho de 1849, na casa da Quinta da Macieirinha, pouco mais de quatro meses após a sua chegada a Portugal, é anunciada a já esperada notícia fatal: Carlos Alberto morrera. A notícia da sua morte provocou uma profunda consternação na cidade. Toda a gente, independentemente das suas opções políticas ou classe social, sentiram vivamente a morte tão cruel e prematura do malogrado príncipe, e grande parte da população vestiu de luto. Os divertimentos públicos foram suspensos e tanto nessa noite como na seguinte não houve espectáculos no Teatro Lírico. Durante dois dias, continuamente, os sinos de todas as igrejas dobraram a finados, as bandeiras nacionais foram colocadas a meia haste, e o barulho de uma descarga de bateria, colocada no largo da Torre da Marca, soava de quarto em quarto de hora”.
Com a devida vénia a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público, 1999 
 
 
 
Em Setembro de 1849, os restos mortais de Carlos Alberto rumariam a Génova, a bordo do vapor Monzambano.
 
 
 

In “O Porto do Romantismo” de Artur Magalhães Basto
 
 
 
Capela
 
 
Quatro anos após a morte de Carlos Alberto, chegou ao Porto, sua irmã, Frederica Augusta de Montléart, que pretendeu erigir uma capela em memória do rei Carlos Alberto. Para isso, obteve a autorização para concretizar aquele desejo, numa parcela de terreno colocado à sua disposição, em 1854, em terrenos da Torre da Marca, mais propriamente junto do local onde aquele sinal de navegação tinha sido derrubado, anos antes, pela metralha, durante as lutas do cerco do Porto.
Durante a construção do templo, aconteceram diversas contrariedades, decorrentes da falta de planeamento dos trabalhos, que levaram, por exemplo, a que as fachadas da rectaguarda e laterais tenham um risco que os entendidos dizem ser muito pobre. Tal facto ter-se-ia ficado a dever aos méritos atribuídos ao mestre-pedreiro de seu nome Lopes, escolhido para responsável máximo da obra, méritos esses, que ele não possuía de todo.
Entretanto, já tinham sido feitos, anteriormente, outros esquissos do templo, solicitados aos arquitectos Joaquim de Costa Lima Júnior e Pedro d’Oliveira, tendo, este último, acabado por fiscalizar a obra no que, apenas, a aspectos de segurança dizia respeito, pois não concordava com os traços arquitectónicos postos em prática pelo mestre-pedreiro.
Quanto à fachada principal, parece que ela teve por base um desenho, apresentado à Câmara, aquando do pedido de licenciamento da construção, que alguns dizem ser obra da princesa Frederica, outros do arquitecto Costa Lima e, ainda, outros, de que a princesa o teria obtido em Lisboa e de autor desconhecido.
 
 
 

Desenho da fachada da Capela de Carlos Alberto – Fonte: “gisaweb.cm-porto.pt”

 
 
No desenho anterior é apresentada a fachada principal, traçada pela própria mão da princesa Frederica Augusta de Montléart e aprovada pela Exma. Câmara Municipal do Porto, em sessão de 30 de Março de 1854, que serviria para que a obra tivesse a necessária autorização.
Poder-se-á dizer que o templo foi construído com grande improvisação, onde nenhum projecto parece ter sido verdadeiramente seguido.
 
 
 
 

Capela de Carlos Alberto c. 1900 - Ed. Photo Guedes; Fonte: "igreja-luterana.blogspot.pt"
 
 
 

Capela de Carlos Alberto - Ed. Alberto Ferreira em 1907; Impressor Papelaria e Tipografia Académica



 

Traseiras da Capela de Carlos Alberto

 
 
Em 25 de Dezembro de 1861, foi inaugurada a capela numa missa aí realizada com a presença da princesa Frederica Augusta.
Muito mais tarde, aquando da implantação da República, em Itália, um bisneto de Carlos Alberto, o rei Humberto II, haveria também de se exilar em Portugal.
Na altura da estadia do rei Carlos Alberto, na quinta do Sacramento, ela tinha sido comprada e pertencia a António Ferreira Pinto Basto, (filho de Domingos Pinto Basto), ligado às fábricas de cerâmica da Vista Alegre, fundada por seu irmão José Ferreira Pinto Basto em 1824.
Este José Ferreira era uma figura de destaque na sociedade portuguesa do século XIX. Proprietário agrícola, comerciante audaz, incorporou sabiamente o ideário liberal do século, tendo-se tornado “o primeiro exemplo de livre iniciativa” em Portugal.
Por seu turno, António Ferreira Pinto Basto era um Miguelista, que se oporia à primeira tentativa de implantação da capela dentro da sua propriedade.
A 13 Março de 1863, a princesa Frederica Augusta Montheart doou a Capela de Carlos Alberto ao rei Luís I que, no ano anterior, casara com D. Maria Pia de Sabóia, neta de Carlos Alberto.
Em 1865, foi a capela dotada de um órgão com 4 teclados manuais de J. W. Walker e, em 1866, do um retábulo executado em Paris, pelo escultor Alexandre Oliva, constituído por quatro colunas e um nicho com a imagem de São Carlos Borromeu.

 
 

In jornal “O Comércio do Porto” de 7 de Julho de 1872
 
 
 
 
Em 1907, os delegados da Exposição Internacional de Milão, vieram expressamente ao Porto para deporem, na capela Carlos Alberto, uma coroa de bronze.
A partir de 1934, a Santa Casa da Misericórdia fica incumbida por D. Amélia e D. Augusta Vitória, mãe e esposa de D. Manuel II, de lá promover sufrágios nos aniversários da morte do último rei português.
O órgão seria saqueado em 1947.
Em 1950, a Rainha D. Amélia de Orleães e Bragança e a sua nora Vitória de Hozenzohlen doaram a capela à Câmara Municipal do Porto e, no ano seguinte, o órgão é desmantelado e vendidos os tubos.
Devido à passagem do rei Carlos Alberto por Pontevedra, no seu trânsito para o exílio, a Galiza haveria de homenageá-lo com a colocação de um cruzeiro com placa evocativa junto da capela, na Avenida das Tílias.
Nessa placa, colocada na base, lê-se: "Pontevedra a Oporto MCMLIX", tendo a sua implantação decorrido durante a realização da Feira Popular do Palácio de Cristal, no ano de 1959, com a inauguração, a 23 de Agosto, da Semana da Galiza e do respectivo Pavilhão da Galiza.
 
 
 
Capela de Carlos Alberto e Cruzeiro de homenagem de Pontevedra – Fonte:  “dopedidoaoaltar.com”

 
 
Desde 2009, a capela que é parte integrante dos jardins do Palácio, foi arrendada pela Câmara Municipal, e passou a ser a sede, no Porto, da Paróquia Luterana da Santíssima Trindade da Igreja Luterana de Portugal, onde realiza os seus cultos, todos os Domingos.

 
 

Capela nos jardins do Palácio de Cristal

sábado, 30 de março de 2024

25.235 Igreja dos Congregados, Padres Congregados e Campo das Hortas

 
Capela de Santo António do Penedo
 
 
Uma capela junto da Porta de Carros tinha sido começada a construir no ano de 1660, por iniciativa dos desembargadores do Tribunal da Relação cuja confraria, no século XVII, estava instalada num pequeno templo que existia nos antigos Carvalhos do Monte, actual Largo do 1.º de Dezembro, chamada capela de Santo Antão e que, viria, mais tarde, também, a ser conhecida por Capela de Santo António do Penedo, segundo alguns historiadores, por ter sido construída sobre uma rocha e segundo outros numa alusão ao culto a Saint Antoine du Rocher, um eremita que, no século VI, fundou em Tours, na França, a cé­lebre abadia de S. Juliano.
Quando os magistrados deixaram a ca­pela dos Carvalhos do Monte ela perten­cia ao morgado Miguel Brandão da Sil­va. Mu­dou várias vezes de dono sofrendo pro­fundas alterações de cada vez que muda­va de mãos. Possuía um elegante alpen­dre que um dos últimos proprietários mandou demolir. Com essa mutilação, a capela perdeu toda a graça e pitoresco que a caraterizavam.
Por volta de 1886, a capela estava já em ruínas e foi completamente demolida para a abertu­ra da Rua de Saraiva de Carvalho, que iria facilitar o acesso ao tabuleiro superior da ponte de Luís I.

 
 
 
Ligação da Capela de Santo António do Penedo à Igreja dos Congregados
 
 
 
A ligação entre estes dois locais de culto é muito evidente e tal será mostrado a seguir.
Assim, no Porto, o Padre a Baltazar Guedes, fundador do Colégio dos Órfãos tinha erguido, em 1664, na igreja de Nossa Senhora da Graça, contígua ao colégio, um altar em honra de S. Filipe Néry, tendo no ano seguinte criado a Confraria de S. Filipe de Néry, ligada ao seu colégio.
Em Julho de 1680, chegavam ao Porto vindos de Lisboa os Padres Manuel Rodrigues e João Lobo, onde acabava de ser criada a Congregação do Oratório da Regra de S. Filipe Néry, que pretendiam formar um convento, tendo começado por tentar ocupar o Colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora da Graça, onde era reitor o Padre Baltasar Guedes. Este opôs-se veemente que tal acontecesse e os padres referidos passaram a cobiçar uma capelinha em frente da Porta de Carros.
No ano de 1680, a Câmara Municipal do Porto, aceitando um pedido do rei D. Pedro II, disponibilizou-se para facilitar à Congregação do Oratório de S. Filipe de Nery tudo o que estivesse ao seu alcance para que os padres congregados pudessem instalar-se na cidade e aqui "estabelecer a sua casa".
No rol das facilidades, incluiu-se a cedência, à referida congregação, da capela da Porta de Carros, da invocação de Santo António, que fora começada a construir em 1660 com esmolas dos portuenses, mas cuja administração estava, então, a cargo da Câmara que, por essa razão, era quem organizava e, obviamente, pagava a grande festa que todos os anos se realizava no dia do patrono.
No documento que foi lavrado, aquando da cedência do templo, constavam duas alíneas curiosas: primeiro, que a ermida era doada à referida congregação na condição de que esta manteria Santo António como padroeiro do templo e que a sua imagem continuaria a figurar em lugar de relevo na fachada ou no altar-mor; segundo, que, além da capela, a Câmara também doava aos padres de S. Filipe de Nery "o sítio e campos ao redor della..." a fim de aí construírem um convento.
Para a nova igreja dos padres congregados, foi aproveitada a anti­ga capela que ficou a servir de capela-mor do actual templo.
Ora o tal sítio e campos que havia ao redor da Capela da Porta de Carros, onde viria a surgir a Igreja de Santo António da Porta de Carros ou Igreja dos Congregados, faziam parte do conhecido como o “Campo das Hortas” que o bispo D. Tomás de Almeida, no século XVIII, transformaria na Praça Nova das Hortas antecessora da actual Praça da Liberdade.
Aliás, este bispo, que também exerceu as funções de governador da Relação e de governador das Armas da Cidade, foi quem mandou abrir na muralha Fernandina o Postigo de Santo Elói, junto ao largo do mesmo nome, hoje Largo dos Lóios, em frente à velhíssima Rua das Hortas, actual Rua do Almada.
Sobre a capela da Porta de Carros, escreve Horácio Marçal as notas seguintes retiradas de O Tripeiro, serie V, nº. X de um artigo de 1955:

 
“Em meados do séc. XVII a Confraria de Santo António, sediada por favor na Capela de Santo António Magno ou do Penedo, propriedade do morgado Miguel Brandão da Silva, decidiu adquirir casa privativa e conseguiu que a Câmara lhes vendesse um terreno perto da Porta dos Carros, onde erigiram uma pequena capela. Poucos anos depois acordaram com a Câmara lhes comprasse o terreno, com a condição de lhes construir a capela-mor, o que aconteceu. Porém, por insistência real e do Bispo do Porto, a capela foi entregue, em 1680, à Congregação da Regra de S. Filipe de Néri, com a condição de manter Santo António como padroeiro. Estes terminaram a construção da parte da Igreja ainda inacabada. Tornando-se pequena, a capela foi demolida em 1694, e em seu lugar erigida uma importante Igreja que, depois de novas ampliações, é a que podemos apreciar no nosso tempo. 
O convento começou a construir-se em 1683.”
 
 
 
Por sua vez, as obras na Igreja de Santo António da Porta de Carros, ficaram prontas em 1703, tendo presidido à cerimónia de inauguração o bispo D. Frei José de Santa Maria Saldanha.
O sucessor deste bispo, D. Tomás de Almeida, protegeu muito os padres da Congregação de S. Filipe de Nery contribuindo para o embelezamento do interior da sua igreja, a actual igreja dos Congregados, diante da qual mandou fazer um belíssimo átrio que comportava "três arcarias", varandas de ferro e uma larga escadaria "por baixo da qual havia lojas abobadadas que os padres alugavam".
D. Tomás de Almeida saiu do Porto, em 1717, para tomar posse do cargo de cardeal patriarca de Lis­boa. Foi o primeiro a ocupar aquele alto cargo eclesial. 
 
 
“Naqueles re­cuados tempos, quem saísse do velho bur­go pela porta de Carros, que ficava mesmo em frente à igreja dos padres da Congrega­ção, os Congregados, entrava numa zona tipicamente rural, composto por caminhos vicinais, semelhantes aos de uma qualquer aldeia do interior; lameiros, dos quais o mais célebre era o do meloal, onde havia uma nascente de água que abastecia o mosteiro dos franciscanos; enormes ex­tensões de terras onde vicejavam hortas, daí o nome da tal praça que foi construída nas hortas que eram do bispo; soutos de carvalheiras, nome que subsiste numa rua ali perto; e odoríferos laranjais que viriam a identificar um sítio, o do Laranjal, topó­nimo que, durante muitos anos, identifi­cou uma rua, um largo e uma quinta, a do La­ranjal ou dos Laranjais. 
A norte da antiga Praça Nova das Hortas, havia também o Casal da Regada, enorme propriedade com terras de cultivo e pomares que em 1759 era foreira do Cabi­do da Sé. Da leitura das suas confrontações ficamos a saber que a norte tinha como li­mite "o ribeiro que vem do Bonjardim"; a poente, "uma terra que pertence aos láza­ros e o caminho público que vai para Liceiras e Santo Ovídio...". 
As terras do Casal da Regada eram irriga­das com a água do referido ribeiro do Bon­jardim, como consta de um emprazamen­to feito à propriedade.
Havia também, a norte da Praça Nova das Hortas, o Casal do Galvão que, em 1677, "ficava junto da Fonte da Neta e do qual fa­zia parte o campo da Cancela que de norte partia com o caminho que ia para a Porta de Carros...". 
Foi nos terrenos desta propriedade que, muitos anos mais tarde, se construiu o largo da Cancela Velha que chegou, praticamen­te, até aos nossos dias, e de que resta a me­mória somente no nome de um café local”. 
Com a devida vénia a Germano Silva
 
 
 

Desenho do Convento e Igreja de Santo António da Porta de Carros de Joaquim Villanova

 
 
No desenho, anterior de 1834, observa-se que a igreja apresenta a torre quadrada com terraço, que tinha 8 sinos e que existiu até 1842, tendo os sinos sido comprados pela Igreja da Santíssima Trindade. À direita, vê-se uma “cadeirinha” do Porto.
Henrique Duarte Sousa Reis, In “Apontamentos para a verdadeira história da cidade do Porto” (Vol. 4), diz sobre a igreja e convento dos congregados, uma narrativa que descreve, em parte, o desenho executado por Joaquim Villanova:
 
 
"Tinha este convento a sua principal fachada voltada para a porta de Carros, ficando-lhe o frontispício do seu templo no centro, a qual toda descansava em um largo pátio ladrilhado e de figura quadrilonga, com uma escadaria de mais de dez degraus, que ocupava quase todo o lado fronteiro; à esquerda da porta da igreja e na parte do convento, que ficava até à esquina da Praça Nova [hoje Praça da Liberdade] estava praticada a portaria, sobre ela se via, em formas colossais, metido em um grande nicho a imagem do padroeiro, e logo acima estavam rasgadas duas janelas de sacada com suas varandas de ferro, servindo de remate a torre dos sinos: do outro lado da igreja havia um idêntico edifício, em tudo igual menos na torre que não tinha, e esteve sempre habitado por inquilinos que pagavam o aluguer ao convento, cuja parte habitada pelos frades era esta que ainda se estende pela parte do nascente da Praça de D. Pedro [novamente, a atual Praça de Liberdade], sendo apenas alterada pelos herdeiros de Manuel José de Sousa Guimarães, que comprou ao estado, em lhe rasgarem mais janelas de varanda no primeiro andar do que as que tinha antes, fazendo-lhe ao mesmo tempo, no pavimento térreo portais regulares, sendo antigamente baixos e que davam entrada às lojas soterradas, que os padres costumavam arrendar por bem acrescida quantia.
Tinha este convento uma escolhida livraria, e no seu interior, além da capela-mor, um pátio ou claustro, que no seu centro continha um chafariz com a estátua de S. Filipe deitando água. A sacristia era situada para o lado da praça de D. Pedro, recebia muita luz, possuía bem constituídos caixões cheios de ricos paramentos, e suas paredes eram adornadas com os retratos dos Propósitos da congregação; esta, com a torre foi demolida pelo comprador, e regularizado o risco, para comodidade dos moradores, destas casas, que edificou, mas não conseguiu a demolição sem ter uma forte questão judicial com a irmandade, que pretendia ambas estas peças do edifício por serem pertenças da Igreja que lhe tinha sido dada pela Soberana a Senhora D. Maria II." 
 
 
 
Durante a guerra civil acontecida entre o exército de D. Pedro IV e a tropa de D. Miguel, os pa­dres congregados, que eram miguelistas, fugiram da cidade e deixaram a igreja e o convento abandonados. A igreja serviu de hospital de sangue durante o Cerco do Porto e nas instalações do mosteiro arrecadaram-se li­vros e outros objetos provenientes de ou­tros conventos. 
Com a extinção das ordens religiosas, o mosteiro foi vendido, em 23 de Abril de 1834, a um brasileiro de torna viagem, Ma­nuel Duarte Guimarães, de alcunha "O Cheira", enquanto a igreja era cedida à confraria de Santo António.
A Confraria de Santo António da Porta dos Carros que esteve extinta entre 1680 e 1708, ano em que foi reactivada, manteve na Igreja a sua sede até à saída dos monges em 1832. Em 1834, a Igreja foi-lhe devolvida pela Câmara,  livre de encargos.
Foi a partir da tomada de pos­se do templo pelos homens da irmandade de Santo António que a igreja passou a ser conhecida por igreja de Santo António dos Congregados. 
Infelizmente, aos homens da confraria não foi entregue a igreja na sua totalidade. A torre quadran­gular e a primitiva sacristia já haviam le­vado sumiço. Os herdeiros de Manuel Sousa Guimarães, junto do convento e igreja, mandaram fazer grandes obras, com abertura de novas janelas e portas exteriores.
Demoliram a sacristia, que ficava do lado da Praça das Hortas e a torre (1842). Desta forma poderiam alugar ou vender a diversas pessoas, o que ocasionou a abertura de estabelecimentos e casas de habitação.
 
 
 
 
Com o nº 9 está identificada a igreja e convento dos Congregados
 
 
 
A planta acima será da 2ª metade do Século XVIII.
O acesso à igreja dos congregados, ao longo dos tempos, foi mudando como se pode ver a seguir.
De notar que na gravura anterior da autoria de J. Villanova de 1834, a entrada da igreja (como inicialmente), se fazia por escadaria frontal.
Em 1839, o acesso já era feito por dois lanços laterais de escadas amparadas por varandim (que se manteve durante algumas décadas), como se vê na foto abaixo.
Voltaria a ter, novamente, um acesso por escadas frontais envolvidas com balaustrada, como se pode ver em fotos seguintes e, a partir de 1913, o acesso ao templo realiza-se à face da rua, passando o desnível a ser vencido por escada interior, colocada à entrada.
 
 
 
 

A Igreja dos Congregados com escadaria lateral

 
 

Entrada da Igreja dos Congregados nos fins do Século XIX
 
 
 
 
Na foto acima, a igreja tem a torre sineira já à direita e está novamente com uma escadaria frontal.
Em 1911, colocou-se a hipótese, face à abertura de novo troço da rua que ia do fundo da Rua de 31 de Janeiro para a Rua Sampaio Bruno, até aí fazendo parte da Rua do Bonjardim, entre outras alterações, do corte do ângulo nascente da Igreja dos Congregados ao que a respectiva confraria se opunha, como é fácil de imaginar.
 
 
 
“Uma ajuda importante para a resolução dos problemas das expropriações veio de António da Silva Cunha, deputado pelo Por­to às Constituintes de 1911. Era o proprietá­rio da camisaria Confiança, que funcionava na Rua de Santa Catarina, num prédio pe­gado ao edifício onde está instalado o Gran­de Hotel do Porto. 
Em agosto de 1911, Silva Cunha, que teve de enfrentar complicados problemas de ex­propriações quando andava a construir o edifício para a sua fábrica, fez uma interven­ção no Parlamento, solicitando a publicação urgente de uma lei que facilitasse as expro­priações na zona para onde estava projetada a obra de alargamento da Rua do Bonjar­dim. O Parlamento atendeu o pedido e a lei foi publicada em agosto de 1911. Mas as di­ficuldades para a realização da obra não es­tavam totalmente ultrapassadas. Houve, até, necessidade de esboçar um novo projeto, o que aconteceu em 1915. 
Estava então à frente "das obras da Câ­mara", o dinâmico vereador Elísio de Melo, a quem a cidade deve alguns dos mais im­portantes projetos urbanísticos dos come­ços do século XX, como a Avenida dos Alia­dos, por exemplo. Este segundo projeto foi aprovado em 3 de fevereiro de 1915, dando-se início aos trabalhos logo a seguir. 
O primeiro projeto estimava para a nova artéria uma largura de dezoito metros, tendo em atenção o volumoso trânsito, não apenas de veículos, mas também de pessoas que por ali circulavam. Essa lar­gura, na segunda a versão, foi reduzida para catorze metros e meio, o que evitava que o edifício da Igreja dos Congregados fosse mutilado”.
Germano Silva, In JN
 
 
 
O projecto inicial seria abandonado, e o que o substituiu não previa qualquer corte no edifício da igreja. No entanto, a irmandade dos padres da Congregação teve que fazer obras que consistiram em adaptar a entrada no templo ao novo projecto urbanístico. Essa adaptação consistiu na su­pressão de uma elegante escadaria de acesso frontal ao interior do templo. A es­cadaria não sendo suprimida acabaria por mudar de sítio. Deixou de estar no exterior do templo para passar a estar, ago­ra, na parte de dentro, de modo a que fosse possível vencer o desnível.
 
 
 
 

À direita, é visível a balaustrada da Igreja dos Congregados

 
 
 


Entrada, ao nível da rua, da Igreja dos Congregados, em 1915. Em baixo, à direita, uma viatura de venda de água mineral com a indicação de “Águas Romanas”
 
 
 
As "Águas Romanas" identificavam-se como as águas minerais provenientes de Pedras Salgadas e foram registadas por Ernesto Canavarro, como nos dá conta o texto seguinte, publicado na revista "O Tripeiro" IXº ano, Vª série.
 
 




 
Em 1939, o acesso à igreja dos Congregados já era feito, desde 1915, ao nível da rua - Fonte: AHMP
 


 

Igreja dos Congregados, actualmente, com entrada à face da rua - Ed. “asvoltasdovento.blogspot”
 
 
 
Para se poder fazer uma ideia, ainda que aproximada, da extensão dos terrenos na posse da congregação de S. Filipe Nery, bastará dizer que a cerca do convento se estendia até à antiga Cancela Velha e corria ao longo de uma estreita e tortuosa viela ainda hoje conhecida por Travessa dos Congregados.


 

Planta em volta da igreja dos Congregados
 
 
 
Na planta anterior se pode ver os terrenos de uma vasta área que igreja, convento e respectiva cerca ocupavam.
Na planta junto da igreja, encontra-se representada uma fonte que tinha a imagem de S. Filipe de Néri a deitar água.
A actual Travessa dos Congregados em tempos muito antigos, era um caminho co­nhecido como a Viela do Bispo ou a Rua do Bispo, por estar em terrenos que pagavam foros à Mi­tra, ou seja, ao mitrado, isto é, ao bispo. Fa­zia a ligação desde a esquina da Rua do Bon­jardim, onde ainda hoje começa, ao Largo da Cancela Velha, que ficava, sensivelmen­te, onde agora está o edifício dos Correios. Na planta anterior seria o caminho de ABC.
Da Travessa dos Congregados ainda existe uma pequena parte que começa na Rua de Sampaio Bruno onde se encontra a porta da foto abaixo, que, supomos, era a entrada para uma construção no fundo da cerca do convento.

 
 

Porta de acesso à antiga cerca

 
 
Durante grande parte do século XX várias gerações de portuenses, à tarde ou à noite, após assistirem a um filme, um teatro ou uma revista, numa sala de espectáculos das redondezas, foram clientes da “Flor dos Congregados”, da “Viúva” ou do “Paris”, à época, chamados de adegas ou tascos.
Mais tarde, quase em frente ao Teatro Sá da Bandeira (ainda existe), abriu o Restaurante Girassol que apelava a uma clientela mais selecta.

 
 

Restaurante Girassol, em 1977 – Fonte: AHMP
 
 
 
A Congregação de S. Filipe de Nery possuía, ainda, terrenos numa outra zona da cidade, para o cimo da actual Rua da Alegria.
Depois da vitória dos liberais, também parte do chamado Monte dos Congregados, que D. João V havia oferecido aos padres congregados, acabaria nas mãos de um brasileiro de torna viagem de apelido Moreira.
A Câmara reservou o restante terreno para abertura das ruas da Alegria e da Duquesa de Bragança, hoje D. João IV.
 
 
 
“Em 1715, o rei D. João V cedeu aos padres Congregados uma espaçosa quinta, junto à actual Praça do Marquês de Pombal, antigo Largo da Aguardente, para servir de brévia, ou seja de espaço de repouso e de lazer numa vasta propriedade denominada Monte de Santa Catarina mas que, depois de ocupada por aqueles religiosos, passou a ser conhecido por Monte dos Congrega­dos e ainda hoje, está recordada na toponímia através da Rua e Travessa do Monte dos Congregados. Foi em terrenos dessa quinta que se rasgou, nos finais do século XIX, a Rua da Alegria.
Há quem afirme, no entanto, que a congregação, apesar daquela doação, já estava por estas bandas desde 1680.
Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, a propriedade dos padres da Congre­gação do Oratório passou para a posse do Estado que a colocou à venda. Comprou-a, dizem as crónicas da época, por muito baixo preço, um brasileiro de torna via­gem, de apelido Moreira que, logo a seguir, deu à exploração a enorme pedreira em que assentava a brévia dos Congregados. Com a extração da pedra foi-se abrindo na rocha uma espécie de amplo corredor que o próprio Moreira ofereceu à Câmara para continuação duma artéria em projecto.
Segundo este, o caminho rústico que entretanto ligava a Rua do Reimão (actual Avenida Rodrigues de Freitas) e o Monte dos Congregados, seria substituído por uma nova rua que devia ligar a desaparecida Rua do Reimão, junto a São Lá­zaro, com a Cruz das Regateiras, junto ao Hospital do Conde de Ferreira, em Costa Cabral. É claro que o tal Moreira não ofere­ceu o terreno à Câmara, sem mais aquelas! Pôs uma condição: que fosse autorizado a dividir em talhões as faixas laterais para a seguir as vender para a construção de pré­dios.
A esta nova artéria iriam dar duas outras novas ruas: a Rua da igreja de Santa Catarina, em alusão à capela das Almas, que, depois, passou a ter o nome de Fernandes Tomás; e uma outra que é a atual Rua do Moreira, apelido do comprador da quinta dos Con­gregados. Estas duas serventias, naquela altura, não iam além da rua que tem hoje o nome de D. João IV. Só muito mais tarde a primeira teve continuação até ao Campo de 24 de Agosto; e a segunda até à Rua de São Jerónimo, hoje Rua de Santos Pousada.
Era, o Monte dos Congregados, um sítio de tal modo privilegiado, que durante o cerco do Porto os liberais mon­taram lá uma estação telegráfica e uma ba­teria, a célebre bateria dos Congregados que, devido à altura em que estava, prote­gia amplamente outras baterias como era o caso da bateria da Aguardente (Marquês de Pombal); da bateria de D. Pedro e D. Ma­ria II, no sítio do Sério (Rua de Antero de Quental); e ainda outros postos de comba­te instalados na Ramada Alta (reduto das Medalhas); no Vale Formoso; no Monte Pedral e as baterias de São Brás e da Glória, junto à Lapa”. 
Com a devida vénia a Germano Silva
 


Da cerca do convento dos padres Congregados à Cancela Velha
 
 
 
Voltando ao local onde os padres congregados tinham o igreja e o convento, para se ter uma ideia do tamanho do terreno, notemos que os chamados “Lavadouros” ficavam na esquina, do que é hoje, a Avenida dos Aliados e a Rua de Magalhães Lemos, em pleno “Laranjal” antigo. 
Em tempos, à Cancela Velha tencionava levar a cidade uma rua desde a Câmara Municipal situada na Praça Nova, mas estava vedada, tal intenção, pela oposição dos padres congregados, pois não estavam dispostos a ceder qualquer parcela pertencente ao seu convento.
Ainda 1834, depois da vitória dos liberais no Cerco do Porto, a Câmara solicitou a D. Pedro IV autorização para alargar e moder­nizar a antiga e tortuosa Viela do Bispo.
Depois de obtida a anuência do rei foi rasgada também uma outra nova artéria a que foi dado o nome de D. Pe­dro, em homenagem ao monarca que au­torizara a sua abertura tendo depois sido Rua Elias Garcia e que na planta anterior é o caminho DE.
A Rua Elias Garcia desapareceu com a construção da Avenida dos Aliados.
Nos finais do século XIX, a Rua de D. Pedro era uma das artérias mais centrais da ci­dade e uma das de maior movimento. Por ela passou, primeiro, a linha do "carro ame­ricano" e, mais tarde, a do "carro eléctrico". Foi nela que o "Jornal de Notícias" teve a sua primeira sede, num edifício que tinha traseiras com a Rua do Laranjal, que corria paralela à de D. Pedro e ia terminar mesmo em frente à Igreja da Trindade. Nesta rua funcionava a alquilaria do José Galiza, famosa pelos carros de aluguer.
Esta rua tinha como transversais, a Rua do Laranjal das Hortas, depois chamada Rua dos Lavadouros e Santo António dos Lavadouros, que corria por onde hoje está a Rua Elísio de Melo e ainda uma outra a que se deu o nome de Rua da Cruz, que depois foi Rua da Fábrica e antes disso era Rua da Fábrica do Tabaco.
Para os lados da Cancela Velha, a Rua do Laranjal, derivava para a Viela do Cirne e mesmo em frente desta viela no nº 185 ficava a sede da sociedade de recreio o Grémio Serpa Pinto, que antes foi Clube Progressista e Grémio Comercial do Porto.


 

Zona da Cancela Velha em processo de demolição
 
 
 
À esquerda na foto acima, o Palácio dos Correios ainda não tinha sido construído no antigo local da residência da célebre Ferreirinha.
Tendo como fonte um desenho de Luís Soares Carneiro a partir da Planta Topográfica da Cidade do Porto e de desenhos existentes no ANTT, Ministério do Reino, DGIP, Mç 3680, Lvº 12, Processo nº 301, "Projecto d’um theatro que Benjamins & Moutinho pretendem construir na rua da Cancella-Velha, da Cidade do Porto – Implantação”, mostra-se a seguir, como seria a zona em que foi implantada a actual Câmara do Porto e a extinta Viela do Cirne.
 
 
 
 

Planta da zona da actual Câmara do Porto em 1883 com projecto para o Teatro Rainha


Legenda:
 
 
 
A- Rua da Cancela velha
B- Rua Elias Garcia
C- Rua do Laranjal
D- Rua do Bonjardim
E- Rua do Estervão
F- Largo da Trindade
G- Viela do Cirne
H- Actuais Paços do Concelho
L – Planta do Projecto do Teatro Rainha
Nota – A tracejado está representado, o projecto de Barry Parker, para a Avenida dos Aliados
 
 
Diga-se que, neste local em 1874, após um ano de funcionamento, a cidade tinha visto arder no Largo da Cancela Velha, o primitivo Teatro da Trindade. Um outro, em madeira, no mesmo local teve vida curta e seria substituído por um outro em pedra, de nome Teatro Rainha, que não seria terminado por a Câmara aí pretender abrir um arruamento de nome Rua Adriano Machado. A artéria foi aberta apenas em escassos metros, porque o proprietário duns terrenos não permitiu que o arruamento passasse na sua propriedade.
 
 
Foi então que acudiu ao cerebro da ilustre Vereação Camararia d’essa epoca a luminosa ideia de abrir a Rua Adriano Machado para ligar a Rua Formosa á Praça da Trindade (…). Para isso era imprescindivel demolir o theatro em construcção e os predios visinhos. Mãos á obra. Theatro em terra. Rua aberta. Becco sem sahida. Aberta a Rua na extensão de 55,4m, esbarrou com um obstáculo não previsto. Para lhe dar sahimento para a Praça da Trindade seria necessario arrasar parte do jardim do palacete de Antonio Bernardo Ferreira (O Ferreirinha). Poderam tanto as influências d’este fidalgo e a pressão d’ellas sobre a Camara que esta, esquecendo-se do que tanto apregoara em prol das necessidades do publico, pela ligação entre os dois pontos mencionados, deixou ficar a rua sem sahida durante annos consecutivos, até que o arrasamento da Rua do Laranjal e circunvisinhanças para a abertura da Avenida dos Alliados trouxe consigo o palacete e jardim Ferreirinha, que entravava o prolongamento da Rua Adriano Machado, ao mesmo tempo que tambem trazia o d’esta propria rua que, em grande parte já desapareceu, estando para breve o desapparecimento do pouco que d’ella ainda resta”.
Fonte: Faria e Castro
 
 
 
Cancela Velha em planta Teles Ferreira de 1892
 
Legenda:
 
1- Rua da Cancela Velha
2- Rua do Laranjal
3- Viela do Cirne
4- Rua Dr. Adriano Machado
5- Jardim particular
6- Rua do Bonjardim
7- Rua D. Pedro
8- Rua Formosa
 
 
Pela comparação das duas plantas anteriores da zona da Cancela Velha, pode observar-se que no local que esteve previsto para edificação do Teatro Rainha, acabou por surgir envolto em polémica, uma rua chamada Rua Dr. Adrino Machado, professor conceituado que foi Director da Escola Politécnica, e que chegou a ser Reitor da Universidade de Coimbra e Procurador-Geral da Coroa, tendo falecido em 1891, portanto um ano antes da publicação da planta.
Para Sul na Rua do Laranjal, por detrás dos antigos Paços do Concelho, e mesmo em frente do café Chaves, estava a capela dos Três Reis Magos.
O edifício de maior envergadura da Rua de D. Pedro era, sem dúvida, o do Hotel de Frankfurt que ocupava o gaveto das Ruas de D. Pedro e do Laranjal. Tratava-se da mais importante unidade hoteleira da­quela época. Viveu nele, durante vários anos, o conde de Alves Machado que, sen­do dono do belo palacete que ainda existe, embora bastante degradado, na esquina da Rua de Álvares Cabral com a Praça da Re­pública, onde em tempos funcionou o Ins­tituto Francês, preferiu continuar no hotel, a ir ocupar aquela mansão que veio a ser a residência de um banqueiro.
Manuel Joaquim Alves Machado era um brasileiro de torna-viagem feito visconde pelo rei D. Luís, em 1879 e conde, por D. Carlos, em 1896. Depois de muitos anos no Bra­sil, onde granjeou enorme fortuna, Alves Ma­chado regressou a Portugal em 1873 e fixou-se no Porto, hospedando-se no Hotel de Francfort onde ficou durante 40 anos.
Quando o conde Alves Machado morreu, em 1915, com 93 anos de idade, o hotel já pas­sava por grandes dificuldades.