Superstições
Uma das superstições mais presentes na religiosidade dos católicos tem que ver com a presença do Demónio nas encruzilhadas dos caminhos para desviar da fé a humanidade. Por esta razão, aqueles locais são servidos por cruzeiros, alminhas e oratórios que servindo para a oração, tinham também por função recolher as esmolas.
Uma outra curiosa superstição é contada, em 1899, pelo escritor e
jornalista Alberto Pimentel, na
qual foi interveniente, ainda criança, em meados do século XIX.
Tratava-se de uma prática exercida por alguns portuenses, muito devotos e
supersticiosos, denominada “andar às vozes”, que determinava uma visita à
capela da Senhora das Verdades, na Sé.
“A locução “Andar às vozes” exprime o facto
de qualquer pessoa vaguear pela rua à escuta do que os outros dizem, para tirar
agoiro do que eles disserem. E, segundo o que ouvir, esperará boa ou má fortuna
no negócio que traz no pensamento. Castilho, no “Amor e Melancolia” aludiu a
esta tradição relativizando-a apenas com a noite festiva do Santo Percursor;
“Qual com bochecho na boca
Aplicando atento ouvido
Espera que á meia-noite
Seja um nome proferido”.
No Porto acresce á tradição o costume de,
quando alguém “andar às vozes” se dirigir como em silenciosa romagem, à
Capelinha da Senhora das Verdades. Tal é o pitoresco especial da versão
portuense.
Crê que a Virgem daquela invocação fará com
que as pessoas que encontramos pela rua nos revelem involuntariamente ou
inconscientemente o porvir dizendo “verdades” que o tempo confirmará.
Eu fui muitas vezes, quando era pequeno, à
referida capelinha, para acompanhar uma pessoa da minha família, que acreditava
na tradição de que pelas vozes se ficava sabendo a verdade futura.
Saíamos de casa depois das nove horas da noite
e íamos atravessando a cidade, sem dizer palavra, em direção à Sé…Eu e a pessoa
que eu acompanhava ali, ajoelhávamos no degrau da porta, quando chegávamos ao
termo da nossa silenciosa romagem… Chegava a aborrecer-me aquela maçada de
atravessar em silêncio a cidade, do Bairro Ocidental para o Bairro Oriental.
Quando já, perto de mim, negrejavam as paredes da Sé, na solidão e no silêncio,
a minha tristeza, misto de enfado e terror, aumentava a ponto de me fazer
tremer às vezes. Não sei se rezava ou o que rezava, enquanto essa querida
pessoa orava fervorosamente com os lábios colados a um dos ralos, como se
estivesse falando a Nossa Senhora para dentro da ermida… A pessoa que eu
acompanhava, ao voltarmos para casa, vinha quase sempre preocupada, a resolver
na mente as “vozes”, agradáveis ou desagradáveis, que tinha ouvido. Pobre e
crédula criatura, antegosava a felicidade que lhe tinha sido anunciada, ou
vergada ao peso de alguma profecia de desgraça, de algum aviso aziago,
acreditando, por igual, uma ou outra cousa. Aqui está, pois, como segundo a
versão do Porto, a Capela de Nossa Senhora das Verdades é o termo tradicional
de “andar às vozes”. Como é do estilo não falar quando se ”anda às vozes”
algumas pessoas para evitar o descuido de não guardar silêncio (o que
estragaria a romagem) sujeitam-se ao incómodo do bochecho. Mas por isso mesmo
que é incomodo, a maior parte da gente dispensa-o, cerrando os dentes uns
contra os outros e pondo toda a sua atenção em não dizer palavra”.
Alberto Pimentel
Procissões
Segundo, ainda,
Alberto Pimentel:
"Burguês e
religioso, o Porto não deixava de fazer nenhuma das suas grandes procissões,
aliás muito dispendiosas".
O dinheiro para que
aquelas manifestações de fé se realizassem, acabava sempre por aparecer.
O texto que se segue
refere-se ao período, de 1850 a 1890, vivido pela sociedade portuense, no que concerne à expressão prática da
sua religiosidade.
“ A burguesia,
que chegara a andar um tanto arredada das igrejas, arrependera-se, parece, como
já notámos; mas por voltar a praticar os actos externos do culto católico, não
se deve concluir que tivessem recrudescido nela a Fé e o verdadeiro espírito
religioso...
...Porém, o que é
facto é que os burgueses eram, quase todos, segundo Ramalho Ortigão, “irmãos de
Confrarias, mesários de Irmandades, fidelíssimos às pomposas procissões da
Trindade, do Carmo e de S. Francisco, fervorosos devotos do Senhor de
Matosinhos e do Senhor da Pedra, e grandes festeiros de S. João. Alguns iam à
Missa das Almas em cada dia. Todos frequentavam regularmente os Sacramentos e
visitavam aos domingos de tarde o Senhor Exposto...
...Quase todas as
lojas comerciais tinham na parede do fundo um nicho com a imagem de Santo
António, ...
...E na casa de
qualquer bom burguês havia sempre um santuário, com relíquias de Santos, figuras
de Cristo na Cruz, da Mater Dolorosa, de S. João – diante do qual uma lâmpada
permanentemente ardia, “ nos lutos de família, nas duras atribulações
domésticas e nas ocasiões de alguns júbilos inesperados, conta-nos Alberto
Pimentel falando da casa de seus pais na Rua da Sovela, era diante do
santuário, abertas de par em par as cortinas de seda vermelha, que todos
ajoelhavam, de mãos postas, rezando a Deus”…
...Em
benemerência não tinha o Tripeiro quem o ultrapassasse. Além da Misericórdia
que os portuenses muito auxiliavam eram numerosos os estabelecimentos de
caridade que o Porto sustentava”.
Artur de Magalhães
Basto, em “O Porto do Romantismo”
Naqueles tempos, a
sociedade portuense, por tradição, não deixava de marcar presença no chamado Lausperene.
No Porto, desde o
séc. XVIII e durante muitos anos, havia Lausperene todos os dias, em diferentes
igrejas: à Terça-Feira nos Terceiros Carmelitas; à Quarta-Feira na Igreja do
Terço e Caridade; à Quinta-Feira na Capela das Almas; à Sexta-Feira na Igreja
da Misericórdia e no extinto Convento de S. Domingos, até 1832; aos Domingos na
Trindade.
A Igreja dos
Clérigos foi a única que manteve esta tradição aos Sábados.
O Lausperene consiste na exposição da hóstia
consagrada, chamada de Santíssimo Sacramento, na igreja, aos fiéis. O sagrado Lausperene
tem, normalmente, uma duração de 40 horas, em referência ao período em que o
corpo de Jesus Cristo permaneceu no túmulo até acontecer a ressurreição.
Por sua vez, as
grandes procissões eram as de Cinza, que saía de S. Francisco, a do Carmo, a da
Trindade e a do Terço.
Havia duas outras
procissões, menos aparatosas que aquelas, mas também muito concorridas, a de
Passos e a da Paixão, que obrigavam as damas a toilettes pretas.
Por último, a
procissão do Corpus Christi, atraía muita gente pela presença da Câmara
Municipal, do bispo, do Governador Civil e de toda a guarnição militar.
Esta procissão do
Corpus Christi era grandiosa, mas nas últimas décadas do século XIX, já tinha
perdido parte do seu fulgor.
O “Jornal do Porto”,
de 7 Junho de 1871, na sua pág. 2, dava conta disso mesmo ao anunciar, para o
dia seguinte, a saída de uma delas, descrevendo, ao mesmo tempo, como tudo se
passava cerca de 150 anos, antes.
Procissão do Corpo
de Deus, c.1910, passando na Praça da Batalha
Muito curiosa e divertida é a narrativa sobre as peripécias vividas por uma jovem durante uma procissão para as bandas dos Carvalhos do Monte (actual Largo 1º de Dezembro) e que o jornal "A Nação" publicou, baseado em notícia, originalmente saída no periódico portuense "O Nacional".
In jornal "A Nação" em 9 de Julho de 1856
As vias-sacras e as
ladainhas sempre foram, também, as cerimónias religiosas da maior predilecção
das gentes portuenses.
Por exemplo, nas procissões
dos Senhores dos Passos iluminavam-se as várias capelas dos Passos que estavam
espalhadas pela cidade, de que restam ainda duas delas.
Uma está na Rua de
S. Sebastião e, a outra, em frente à Igreja de S. Nicolau, na Rua do Infante D.
Henrique. Esta última estava inicialmente na Rua de S. Francisco e passou,
ainda, pela Rua Ferreira Borges.
As Procissões dos
Senhores dos Passos eram realizadas pelos frades do convento dos Grilos,
donde saíam na Segunda-Feira da Quaresma em direcção à igreja de S. João
Novo.
O primeiro oratório
era em S. Sebastião, seguindo-se dois na Rua do Loureiro, que foram demolidos
para edificar a estação de S. Bento.
Um outro existia no
Largo de S. Domingos, a que se seguia um na Rua das Congostas (encostado à cota
mais alta à Fonte das Congostas) e, o tal, na Rua de S. Francisco. O último
estava na Ferraria de Baixo, hoje Rua Comércio do Porto.
Na quinta-feira à
noite, a imagem do Senhor dos Passos fazia percurso inverso, saía de S.
João Novo para a Sé.
Acompanhava-a uma personagem paga em dinheiro e com uma
refeição de polvo e feijão fradinho, vestido com uma capa escarlate e um
capacete romano que, de tempos-a-tempos, tocava uma buzina, simbolizando um
judeu, que chamava os seus, para virem cruxificar Cristo.
Essa personagem era
o “Fagote”, que era continuamente apupado pelo povo.
Noutros tempos,
outro cortejo saía na Sexta-feira Santa da igreja de S. Francisco para o
convento de Santa Clara, na “procissão do Senhor Morto”.
Uma outra Procissão
do Senhor dos Passos, na segunda metade do século XIX, acontecia no Domingo
de Páscoa em Paranhos, durante a qual, numa cerimónia que
consistia na reunião de dois andores, vindos de lados opostos, um do Senhor dos
Passos e outro da Senhora das Dores, era produzido um sermão por um orador.
Algumas destas personagens, com grandes dotes de oratória
ficaram célebres, pelo efeito produzido. Hoje, nas imediações duma capela
próxima da qual se dava o “encontro” existe, ainda, a Rua do Encontro.
Também, na Semana Santa, organizou a Misericórdia do Porto uma
procissão até 1835, chamada dos Fogaréus.
Os fogaréus eram grandes tigelas feitas de arcos de pipas girando sobre
dois eixos a fim de poderem suster-se equilibradas sobre a haste.
Dentro delas ardiam pinhas para darem bom lume.
A Procissão das Endoenças (indulgências) ou dos Fogaréus,
realizava-se, através das ruas do Porto, na noite de Quinta-feira Santa.
O préstito, fechando com a insígnia de Cristo Morto, partia da igreja
da Misericórdia e dirigia-se ao Convento da Ave-Maria, em cuja igreja entrava,
e seguia pela Rua do Loureiro acima, atravessava a Rua Chã e de Santo António
do Penedo, e entrava na Igreja de Santa Clara. Subia a Calçada de Vandoma e,
depois de passar sob o Arco, entrava na Sé Catedral. Descia, então, até à Rua
Nova, entrando na Igreja de S. Francisco, e subia depois pela íngreme Ferraria
de Baixo até S. Domingos. Daí, recolhia à Misericórdia já perto da
meia-noite.
Em 2018, a procissão das Endoenças voltou a sair da Rua das Flores, da
Igreja da Misericórdia, subindo até à Sé.
Última Procissão, promovida pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco,
na Quarta-Feira de Cinzas, em 1905, descendo a Rua de Sá da Bandeira - Cortesia
do padre Vítor Ramos
Muitas outras procissões que percorreram as ruas da cidade eram
dedicadas à Virgem Maria, à Nossa Senhora da Saúde e outras referências do
calendário litúrgico.
Outras procissões eram levadas a cabo, como sejam as “Procissões de
Graças” e as “Procissões de Preces”. Como exemplo, se refere no
texto seguinte as que tinham a presidir o “Senhor Jesus d’Além”, adorado numa
capela do lado de lá do rio, em V. N. de Gaia, que o povo costumava glosar numa
cantoria:
“Capela do Senhor d’Além
Lá se foram as romarias
Estás do lado errado da ponte
Deus te dê melhores dias"
"A capela do
Senhor d'Além, que fica nas abas da Serra do Pilar, mesmo em frente aos
Guindais, além-Douro, portanto, e daí o nome, e a respectiva irmandade foram,
durante muitos anos, "administradas pela cidade" (do Porto). Em
determinadas ocasiões os edis portuenses, na qualidade de administradores do
templo e da confraria, iam ao lado de lá buscar a imagem do Senhor d'Além para
que participasse nas chamadas "Procissões de Preces".
Acontecia, por exemplo, em tempos de seca ou de inundações. A Câmara organizava
então "procissões de preces", para pedir chuva, se fosse o caso, ou
para solicitar o termo de calamitosas cheias. Mas também se realizavam, com a
presença da imagem do Senhor d'Além, "Procissões de Graças".
Como aquela que aconteceu no dia 18 de Novembro de 1755. Dias antes a cidade de
Lisboa havia sido destruída por um terrível terramoto. A cidade do Porto saíra
praticamente ilesa dessa catástrofe. Aqui caíra apenas o tecto da capela de S.
Roque, que ficava perto da Sé; a torre da igreja dos padres da Congregação de
S. Filipe de Nery (Congregados) e pouso mais. Logo naquele dia, segundo consta
da acta da reunião municipal que então se realizou, "… sendo convocados na
forma do estilo a Nobreza e Povo foi proposto pelo Procurador da cidade que,
não tendo acontecido entre nós nem ruína nem mortandade, era justo fazer-se uma
Procissão de Graças e que estas deviam ser rendidas especialmente à Veneranda
Imagem do Senhor d'Além…"
Cortesia de Germano Silva
Por vezes, para as “Procissões de Graças”, o Porto lançava
mão de ajudas divinas externas e o Senhor Jesus de Bouças (Matosinhos) estava,
ali, à mão de semear.
Assim, a imagem do Senhor de Bouças seria levada várias
vezes em procissão solene à cidade do Porto, em situações fatídicas para o
Porto e a pedido das gentes da cidade, fosse por calamidades de origem
climatérica, fosse por doenças infecto-contagiosas.
A primeira vez foi em 1526, ano de tanta chuva, em Portugal,
que levou à perda da maior parte das searas e a muitas cheias fluviais.
A segunda vez, de que se tem conhecimento, foi a 07/06/1585,
seguindo-se a 31/05/1596 e a 20/06/1644.
Nesta última visita, em 1644, no dia 20 de Junho, a presença
da imagem foi solicitada à irmandade do Bom Jesus, pelo Senado do Porto, que
pediu auxílio para que tivesse fim um dilúvio, tornado calamidade pública e que
afectara a cidade. Nesta procissão ter-se-ão incorporado cerca de quarenta mil
pessoas.
Outro tipo de cortejo religioso era o chamado “Senhor de Fora”.
Estes cortejos, dirigidos por uma entidade religiosa, atravessavam as ruas da cidade e dirigiam-se a casa de moribundos, que estavam prestes a exalar o último suspiro.
O “Senhor de Fora” era um dos quadros mais sentimentais, de mais suave ternura e maior unção religiosa, tocante e pequeno na sua modesta simplicidade, mas grande e sublime no seu significado cristão, era a passagem do “Senhor de Fora”, através das ruas da nossa cidade.
A saída do cortejo religioso, para dar o viático a um moribundo, era sempre acompanhada pelo "toque do Senhor de Fora", badalado por um sino da igreja da paróquia.
Qualquer que fosse a hora, dia ou noite, os vizinhos acompanhavam o cortejo, mesmo não sabendo quem era a pessoa que ia ser assistida.
Viático é, na Igreja Católica, a comunhão eucarística dada àqueles que estão prestes a morrer.
Cruzeiros
Outras provas de devoção aconteciam dos cruzeiros dedicados ao Senhor da Boa Fortuna, a grande maioria já retirados e desaparecidos.
Pelo sítio dos Carvalhos do Monte e da Porta do Sol esteve,
em tempos, um cruzeiro dedicado ao Senhor da Boa Fortuna.
Este ficava junto da actual Rua Saraiva Carvalho, onde se
situa hoje o Largo 1º de Dezembro; o segundo ao cimo da Rua de Ferraria de
Cima, actual Rua dos Caldeireiros, onde era feita uma festa; um terceiro pode
ser observado na Rua do Barredo.
Largo de Santo António do Penedo e, à direita, o cruzeiro
onde estava exposto a imagem do Senhor da Boa Fortuna – Gravura (antes de 1875)
de Gouvêa Portuense
Na foto acima está a imagem do Senhor da Boa Fortuna, que
encimava o cruzeiro existente nos Carvalhos do Monte e que, agora, se encontra
junto do jazigo de Freitas Fortuna, no cemitério da Lapa, onde também está
sepultado Camilo Castelo Branco.
Anúncio de festa do Senhor da Boa Fortuna, ao Postigo do Sol
- In trisemanário "O Curioso", de 11 de Setembro de 1846 (6ª Feira)
Hoje, a festa da
Rua dos Caldeireiros decorre no mesmo sítio, mas junto de
um crucifixo que se encontra exposto num nicho existente na fachada de um
prédio da Rua dos Caldeireiros, na esquina com a Travessa do Ferraz, já que os
cruzeiros foram há muito retirados das ruas da cidade.
Na fachada do
prédio, mais próximo, na Rua dos Caldeireiros, observa-se o nicho dedicado ao
Senhor da Boa Fortuna – Fonte: Google maps
O trajecto das
procissões era marcado por estações assinaladas por cruzeiros de pedra. Na
cidade do Porto, eram às dezenas, essas cruzes implantadas nos percursos
daqueles cortejos religiosos.
A cidade chegou a
um ponto que, teve, no seu desenvolvimento natural, de as fazer recolher. Não
foi fácil.
“(…) os chamados cruzeiros ou padrões, que estavam
fixados na via pública. Eram produto da devoção popular e correspondiam, em
alguns casos, a promessas feitas por devotos. Por exemplo: em 1643, três
anos depois da restauração de independência de Portugal, um devoto do Santo
António mandou levantar, nos Carvalhos do Monte, o atual largo do 1.° de
Dezembro, junto da capela que aí existia dedicada ao Santo António, um cruzeiro
da invocação deste santo com uma legenda na base em que se pedia "um Padre
Nosso e uma Ave-Maria pela alma dos leais ao nosso reino".
Durante muitos anos a única iluminação pública que à
noite havia na cidade provinha da chama, mortiça, na maioria dos casos, que
tremulava em lampiões ou lamparinas colocados na base em que assentavam os
cruzeiros que estavam espalhados um pouco por toda a cidade. Só na Rua do Bonjardim
havia quinze.
Logo a seguir ao
Cerco, ou seja, a partir de 1834 o Porto começou a progredir de uma forma até
aí nunca vista. É o tempo do início da industrialização. Começam a ser
construídas inúmeras fábricas. Da província vem gente para trabalhar na
indústria. Aumenta a população e aumenta o consumo. Todos os dias abrem novos
estabelecimentos de comércio. Constroem-se mercados públicos, abrem-se novas
ruas, rasgam-se amplas avenidas, surgem os primeiros transportes coletivos. A
cidade, especialmente às terças-feiras, dia de feira semanal, abarrota de
gente. O trânsito de "americanos", de carroças e de carros de bois
faz-se com dificuldade.
Perante o cenário
acima exposto, a edilidade portuense chega a uma conclusão: os cruzeiros na
via pública são um estorvo ao desenvolvimento da urbe. E em 1838, uma ordem
camarária manda que se retirem da via pública. A imposição não foi bem recebida
pela população. E levou muitos anos a ser executada.
Entretanto, no que se
refere ao cruzeiro do Senhor da Boa Fortuna que estava nas portas do Sol, como
era conhecido o sítio, atrás referido, da atual Rua de Augusto Rosa, foi de lá
retirado por João António de Freitas Fortuna, com a alegação de que o cruzeiro
era dele. Ninguém protestou. Nem a Câmara. Afinal, cumprira-se o que a
edilidade pretendia: que o cruzeiro fosse retirado da via pública. O
cruzeiro está agora no jazigo da família Freitas Fortuna, no cemitério da Ordem
da Lapa onde, para além dos membros daquela respeitada família portuense,
também está sepultado Camilo Castelo Branco, que foi grande amigo de António de
Freitas Fortuna. Com o cruzeiro da Rua dos Caldeireiros, sucedeu
exatamente a mesma coisa. Durante uma determinada noite de 1869, a cruz,
representado o Senhor da Boa Fortuna, que estava ao topo da antiga Ferraria de
Cima, desapareceu misteriosamente. Ou talvez não!
Soube-se, com efeito,
que fora retirado do local por um vizinho também com a argumentação de que o
cruzeiro era seu. Ainda houve quem se queixasse ao vereador Tomás Joaquim
Dias, responsável pela retirada dos cruzeiros da via pública. Mas como no caso
precedente, aqui a Câmara nem sequer atuou. Afinal, cumprira-se a determinação
camarária que ordenava a remoção dos cruzeiros da via pública.
Uma curiosidade:
aquele vereador empenhou-se com tanto afinco e determinação em fazer cumprir a
disposição camarária que passou à história com o epíteto de "o arrinca
Cristos".
Na edícula (nicho
reservado para abrigar as imagens dos santos) da Rua dos Caldeireiros está hoje
uma pequena cruz com a imagem de Cristo crucificado. É junto dela que decorre
a festa ao Senhor da Boa Fortuna da freguesia da Vitória, uma tradição há anos
recuperada. Festa grandiosa fazia-se, noutros tempos, ao Senhor da Boa Fortuna
da Porta do Sol.
No Barredo, local
outrora habitado por marinheiros, embarcadiços e estivadores, ainda hoje é
possível encontrar vestígios de antigos símbolos de religiosidade ligados a
patronos ou padroeiros das atividades marítimas. Na travessa dos Canastreiros,
ainda se veem os restos de um oratório onde se venerava a imagem do Senhor de
Matosinhos. Na Rua de Baixo é visível o nicho do Senhor dos Aflitos. Mas a
imagem mais venerada por estas bandas é a do Senhor da Boa Fortuna, exposta
numa espécie de capela como que embutida na frontaria de uma casa do século
XVII, com a sua lâmpada suspensa de um varão de ferro”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Quase todos os cruzeiros eram importantes para quem os
adorava. Um deles encontrava-se fronteiro ao edifício que foi os Celeiros da
Cidade, à Cordoaria, no local que hoje é o Palácio da Justiça e, depois, alojou
os quartéis militares dos terços destinados à guarnição da cidade.
Era o “Cruzeiro dos Peixeiros”, que foi removido para a
igreja de S. José das Taipas, em 1 de Junho de 1869, quando foi dada ordem
municipal para a sua remoção. Os devotos conseguiram que ele fosse preservado
na vizinha igreja de S. José das Taipas.
Cruzeiro dos Peixeiros, actualmente, no Museu da Igreja de
S. José das Taipas, à Cordoaria – Ed. Graça Correia
Em 14 de Outubro de 1869, recolheram-se no cemitério da
igreja de Santo Ildefonso treze cruzeiros pintados com a Crucifixão, de várias
invocações, os quais a Câmara retirou das ruas do Bonjardim e Calvário, não sem
vivos clamores dos devotos.
No local se benzeram, no dia 1 de Novembro, motivo de gáudio
e rija festa com iluminação, fogo, embandeiramentos e filarmónicas.
Nos nossos dias, restam muito poucos destes cruzeiros,
implantados na cidade.
Cruzeiro do Senhor do Padrão, ao Carvalhido. Encontra-se,
actualmente) a cerca de meia centena de metros do local primitivo – Ed.
JPortojo
Alminhas, Oratórios e Nichos
As alminhas são locais de culto que se destinam à oração e à recolha de esmolas, colocadas, por isso, em locais de trânsito.
Estão ligadas à ideia antiga de Purgatório, que teve vencimento pleno a partir do Concílio de Trento (1545).
As alminhas tiveram grande expressão, em Portugal, principalmente, no norte, podendo ainda encontrar-se algumas espalhadas pela cidade do Porto. Há quem estime a sua existência, ainda, em cerca de vinte.
Muitas alminhas encontravam-se, então, distribuídas pela cidade.
A sua finalidade é a redenção das almas que vão para o purgatório e com a ajuda das esmolas e missas mandadas rezar pelos familiares dos falecidos, seja obtido aquele desiderato.
“As alminhas são a mais singular forma que o povo cristão encontrou para lembrar seus mortos (…). São quase sempre pedras velhas talhadas como capelinhas (…). Eram memorial. Encerravam a lição do Purgatório”. Alberto Correia – Fonte: “aviagemdosargonautas.net”
Por exemplo na freguesia de Ramalde ainda se encontram três “Alminhas”.
Alminhas junto ao viaduto da Rua Pedro Hispano (Ramalde) – Ed. José Magalhães
O viaduto da Rua Pedro
Hispano, na foto anterior, foi executado na década de 1960.
O viaduto da Rua Pedro
Hispano, em 1964, em fase de acabamentos
O viaduto da Rua Pedro
Hispano, em 1966, já aberto ao trânsito
As alminhas da foto acima estão, hoje, no mesmo local (esquina da Rua do Monte dos Burgos com a Rua de Santa Luzia), mas embutidas num prédio.
Alminhas na Capela do Senhor do Socorro, antiga capela do Senhor do Olho Vivo, na esquina das ruas Antero Quental e Monte da Lapa
A "alminha", das fotos abaixo, ainda existe embutido na fachada de um prédio, situado na Rua Formosa, quase em frente à Rua Dr. Alves da Veiga, desde os tempos em que foi construído por um proprietário devoto.
Nos dias de hoje, o zelador daquelas alminhas é a paróquia de Santo Ildefonso.
Alminhas da Rua Formosa – Ed. “ruasdoporto.blogspot.pt”
Os oratórios eram locais de culto e reportavam a devoções específicas de alguns residentes na área de implantação.
O oratório da foto acima esteve colocado, até 1911, na esquina das ruas da Bainharia (à esquerda), Escura (em 1.º plano), dos Pelames (à direita) e do Souto (em frente). Foi, naquela data, retirado por ser alvo de ataques a tiro, feitos por desconhecidos.
Na Rua do Barredo, também se presta culto ao Senhor da Boa Fortuna, exposto num nicho embutido num prédio.
Em 18 de novembro de 1682, é constituída a Confraria de
Nossa Senhora da Silva, no Hospital de São João Baptista (na Rua dos Caldeireiros,
n.º 104), por fusão das duas associações dos ferreiros de Cima (de Vila) e dos
ferreiros de Baixo (da Reboleira).
O hospital tem no 1.º andar uma capela de Nossa Senhora da
Silva e, também, tem as imagens de São João Batista e de São Baldomero.
Nas fotos abaixo, sensivelmente a meio da Rua de Cristelo
(Cristelo, isto é, um Cristo pequeno?), do lado direito, para quem vai da
Calçada de Sobre-o-Douro em direcção à Alameda de Basílio Teles, encontra-se
uma cobertura envidraçada, encostada à fachada de um prédio, sob um alpendre,
e que protege uma cruz de pedra, onde foi pintada a imagem de Cristo. À
entrada do ano de 2018, o oratório estava abandonado e vandalizado.
Em 2022, já se encontrava preservado.
Ainda em Massarelos, mas na Rua da Fonte de Massarelos, encontra-se
outro exemplo de devoção das gentes deste sítio, antigamente muito ligado às
lides do rio e do mar.
“Massarelos desde
tempos imemoriais ligada ao rio e ao mar, as suas gentes criaram esta memória
provavelmente em 1732. Reconstruída em 1907 com obras que incidiram sobre a
cobertura, os azulejos e as grades em ferro. A manutenção é feita pelos
moradores. Bem, os azulejos não os vi.”
Fonte: J. Portojo
“ (…) trata-se, aqui
também, de uma imagem de Jesus crucificado pintada numa cruz de granito. A piedade
popular, para preservar a imagem da intempérie, mandou erguer um elegante alpendre
rodeado por igualmente elegante grade de ferro. O que nunca falta, mesmo nos
nossos dias, junto à imagem do Senhor dos Aflitos, são flores frescas, nem
nunca se apaga a chama votiva da lamparina que os devotos do sítio mantêm
permanentemente acesa. Mas não era somente dos rendimentos da pesca ou do
tráfego marítimo que, antigamente, viviam as populações de Massarelos”.
Fonte: Germano Silva, In JN
Procissões na
actualidade
Embora com uma carga
emocional mais contida estas manifestações de fé continuam a ter alguns
seguidores.
Assim, numa
organização das vigararias nascente e poente da cidade do Porto, uma procissão dedicada
à Virgem Maria, realizou-se a 31 de Maio de 2022 (3ª Feira), sendo presidida
pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda.
Teve início na
Igreja da Santíssima Trindade e percorreu as ruas de Fernandes Tomás, Santa
Catarina, Passos Manuel, Praça D. João I, Dr. Magalhães Lemos, Avenida dos
Aliados e regressou à Trindade onde teve lugar a Bênção nas escadas da igreja.
Foi acompanhada por mais de mil fiéis.
O bispo diria que, naquele
dia, o calendário litúrgico assinalava o Dia da Visitação de Nossa Senhora a
sua prima Isabel para a ajudar no seu tempo de gravidez.
Na ocasião, o
prelado anunciou, ainda, que a procissão do Corpo de Deus ocorreria a 16 de Junho
de 2022.
Sem comentários:
Enviar um comentário