quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

25.179 Indústria de refinação de açúcar

 
A refinação de açúcar, na primeira metade do século XIX, no Porto, era considerada uma pequena indústria, normalmente, levada à prática em anexos das habitações dos proprietários.
Em virtude de uma lei de 21 de Outubro de 1861, a actividade industrial que lhe estava associada era considerada como insalubre, perigosa ou incómoda, pelo que, requeriam o licenciamento acompanhado de um processo administrativo correspondente.
Saídos muitos proprietários das unidades, após terem sido antigos trabalhadores, muitos deles eram oriundos da Galiza.

 
 
Cortesia de Jorge Fernandes Alves
 
 
 
 
Companhia União Comercial
 
 
O mês de Junho de 1872 foi profícuo em pedidos de licenciamento de refinarias de açúcar.
Conforme a seguir é explicitado, o “Jornal do Porto” de 12 de Junho de 1872 dava conta de que, em reunião do Conselho do Distrito, tinha sido decidido, sob certas condições técnicas, que fossem atribuídas licenças de funcionamento a refinarias de açúcar de José Leite Guimarães, para a Rua do Laranjal, 72-74, e a Benito Garrido Martins, para a Viela da Neta, 51.

 
 
“Jornal do Porto” de 12 de Junho de 1872
 
 
Naquele mês e ano surge, também, um pedido de licenciamento para uma unidade de refinação a vapor que, contudo, vai sofrer a oposição de futuros vizinhos, que acabarão por conseguir boicotar a instalação.
Para o efeito, a denominada Companhia União Comercial, em requerimento dirigido à Câmara do Porto, solicita um alvará de licença para uma refinaria de açúcar que obterá como registo a referência: Documento/Processo, 1872/06/01 – 1872/06/25.
Do processo constava as seguintes informações:
- Localização: Viela da Neta, freguesia de Santo Ildefonso
- Representantes da Companhia: José Marques Antunes; João Ribeiro Pereira; Francisco José de Araújo.
- Contém jornal O Primeiro de Janeiro de 6 de Junho de 1872
- Contém planta desenhada (parte a aguarela) com o projecto para o lugar onde se pretende estabelecer a fábrica de refinação.
- Confrontações de terrenos:
Quinta dos herdeiros de José da Silva Passos
Quinta dos herdeiros de António Joaquim Martins Guimarães
Campos de Dona Antónia Adelaide Ferreira

 
 

Gravura com plantas sobrepostas, em que a mais escura é de c. 1940, e a mais esbatida de 1875, observando-se o traçado da Viela da Neta, a azul



Na planta anterior, a área identificada com a letra L são terrenos lavradios de Antónia Adelaide Ferreira e, com o algarismo 1, são as casas da mesma proprietária, com frente para a Rua de Santa Catarina.
É, precisamente, Antónia Adelaide Ferreira, a “Ferreirinha”, que vai encabeçar a oposição ao licenciamento da fábrica de refinação de açúcar, que acabará por ser abandonado pelos requerentes, nos finais de Junho de 1872.
O “Jornal do Porto” trataria de acompanhar a contenda, como a seguir se realça.
 
 
 

In “Jornal do Porto” de 21 de Junho de 1872, pág. 2
 
 
 

In “Jornal do Porto” de 29 de Junho de 1872

 
 
De realçar que, cerca de duas semanas antes, D. Antónia Adelaide Ferreira tinha arrematado a denominada “Quinta da Torre” que tinha pertencido à família Passos e, face à ausência de filhos do casal, foi legada em testamento à Santa Casa da Misericórdia do Porto pela viúva de José da Silva Passos (conhecido por Passos José, falecido em 1863).
Essa quinta tinha pertencido a João Pinto Soares e, após o seu falecimento, em Novembro de 1822, passou para a posse da sua viúva, Ana Joaquina Barbosa Soares. Alguma documentação situava-a na Travessa da Viela da Neta.



A azul o trajecto da Viela da Neta - Fonte: Planta Redonda de Balck (1813)



Em 18 de Outubro de 1843, já estava na posse de José da Silva Passos, que solicitava à Câmara  obras que obtiveram a licença nº 94/1843.
José da Silva Passos haveria de mandar construir um novo prédio para sua habitação na Rua Formosa.
 

 

Prédio, na Rua Formosa, nº 380, mandado construir para sua habitação por José da Silva Passos
 

 

Passos José (José da Silva Passos) foi casado com Ana Margarida Soares da Silva Passos, falecida a 1 de Junho de 1869, conforme texto seguinte:
 
 
“Natural da freguesia da Sé, da cidade do Porto, Ana Margarida Soares da Silva Passos era filha de João Pinto Soares e de D. Ana Joaquina Barbosa Soares. Casou com José da Silva Passos (1802-1863), advogado da Relação e da Casa do Porto, a 29 de agosto de 1833 na capela da Quinta da Torre, localizada na mesma freguesia "quasi ao fundo da Viella da Netta", segundo informação constante no assento de casamento. Deste matrimónio não houve filhos. Esta propriedade, onde o casal viveu, designada no testamento da benfeitora por "Quinta da Neta", foi progressivamente sacrificada para a abertura da atual rua de Sá da Bandeira.
(…) Em 1867, Ana Margarida legou, para aumento do fundo dos estabelecimentos dos Lázaros, das Lázaras, dos Entrevados, das Entrevadas e dos Órfãos, três inscrições de assentamento da Dívida Fundada Interna, no valor de 100.000 réis cada uma.
A benfeitora morou na Quinta da Torre, propriedade que foi legada em testamento à Santa Casa da Misericórdia do Porto "com os respectivos armazens, quintal e mais pertenças", assim como uma outra casa que a benfeitora possuía na praia de Massarelos, que acabou por vender ainda em vida, e seis contos de réis em "material sonante". Esta quantia, assim como o produto da venda das referidas propriedades, destinar-se-ia exclusivamente ao custeamento das despesas do hospital, excetuando os legados relacionados com a realização de várias missas pela alma da benfeitora, do seu marido e de outros familiares”.
Santa Casa da Misericórdia do Porto



Ana Margarida Soares da Silva Passos (1869) – Autor desconhecido; óleo sobre tela; espólio SCMP



Entretanto, falecida Ana Margarida Soares da Silva Passos, a Quinta da Torre foi arrematada, em 1872, por D. Antónia.

 
 
 

In “Jornal do Porto” de 6 de Junho de 1872
 
 
 
 
Surgindo a referência à Companhia União Commercial, no Almanaque de 1875, sita na Travessa do Bolhão, onde já estava em 1872, apesar da oposição de proprietários de outras fábricas próximas de outros sectores de actividade, um dos seus principais sócios, João Ribeiro Pereira, já tinha em 1881, a sua unidade indústria de refinação de açúcar, na Rua Mouzinho da Silveira, que passaria por ser a mais importante da cidade.



Cortesia de Jorge Fernandes Alves, In “A Indústria de Refinação de Açúcar no Porto – Um Percurso Amargo e Doce”


 
 
 Refinaria Confiança
 
 
Em 1901, Jerónimo G. da Veiga tomava de trespasse uma refinaria, sita na Rua do Bonjardim 404, que remodelaria, dotando-a com os processos de fabrico mais modernos, com a ajuda do sócio António Peixoto de Oliveira e Silva, filho de um outro industrial do ramo e, portanto, conhecedor do sector de actividade.


 

Fachada da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz Pública” de 12 de Janeiro de 1902
 
 
 
 

No prédio em destaque esteve, na Rua do Bonjardim, no início do século XX, a Fábrica Confiança – Fonte: Google maps
 
 
 
 

Interior da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz Pública” de 12 de Janeiro de 1902
 
 
 

Armazém e loja da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz Pública” de 12 de Janeiro de 1902



Publicidade à Fábrica de Refinação d’Assucar Confiança – Fonte: Jornal “A Voz Pública” de 12 de Janeiro de 1902


 
 
Companhia Portugueza de Refinação
 

Na segunda metade do século XIX, no Porto, começaram a proliferar as refinarias de açúcar de laboração manual. Nos anos de transicção de séculos, surgiriam as primeiras refinarias de cariz mecânico que, por isso, passariam a dispensar alguma da mão-de-obra.
A primeira unidade mecânica que foi montada no Porto teve uma oposição dos operários das fábricas manuais que, começaram a ver, no horizonte, sérias possibilidades, de virem a enfrentar uma situação de desemprego.
Em consequência, ou não, desta luta, ao fim de três anos, essa fábrica, pioneira da mecanização, apareceu incendiada, e foi o “cabo dos trabalhos” para os capitalistas conseguirem que o seguro pagasse os prejuízos. Salvaram metade do capital investido, o que já não foi nada mau.
A segunda fábrica mecânica, montada no Porto, ao fim de três anos de laboração, fechou, com prejuízos de 50 contos, e a terceira a aparecer, em 1906, e que dava continuidade a outra já instalada, seria denominada “Companhia Portugueza de Refinação”.
Laborou durante seis anos, tendo durante esse período de tempo, enfrentado as fábricas manuais, mas acabou por ser vencida, pois nunca conseguiu distribuir dividendos pelos seus accionistas.
Localizava-se na Rua de S. Dinis, nº 895 e, após laborar cerca de 6 anos, foi arrendada à “Hornung & Cia.”.
Esta firma tinha plantações de cana-de-açúcar em vastas áreas de Moçambique, e passaria a dominar o sector, a nível nacional, com unidades próprias e outras, na modalidade de arrendamento.
Uma outra fábrica abriria no Porto, denominada “A Lutadora”, mas apenas funcionou três meses, tendo-se o seu proprietário ausentado para o Brasil, onde montou uma fábrica manual e recuperou o capital que tinha perdido no Porto.
Diga-se, que o fabrico mecânico na refinação do açúcar implicava, relativamente ao produzido por métodos manuais, um preço superior em 20%, embora tivesse superior qualidade.
Tudo isso aconteceria, pela razão de que, no processo mecânico, existiriam muito mais quebras, relativamente ao processo manual.
A partir de 1919, o Estado viu-se obrigado a intervir para regular o sector, nos capítulos da qualidade e da quantidade.
 
 
 

Cartão Comercial da “Companhia Portugueza de Refinação” c. 1910
 
 
 
Pode afirmar-se, com alguma certeza, que as instalações da unidade fabril, acima representada, se situariam numa área, hoje, fronteira ao antigo Cinema Vale Formoso.

 
 

A “Companhia Portugueza de Refinação” esteve por aqui – Fonte Google maps
 
 
 
Refinaria de Açúcar de Angola
 
 
Esta unidade industrial foi inaugurada em Matosinhos Sul, em 1 de Março de 1924, muito perto do Senhor do Padrão, onde até aos anos 60 do século XX, teve nas suas traseiras, a estação ferroviária do Padrão, como término da linha ferroviária de S. Gens.
O seu fundador foi  António de Souza Carneiro (mais tarde António de Souza Carneiro Lara) que, quatro anos antes, em 4 de Março de 1920, já tinha inaugurado, em Luanda, uma outra unidade similar, a empresa “Companhia do Assucar de Angola, SA”.
A empresa foi fundada sob a firma Refinaria Angola, Lda. e, em 1973, seria comprada pela empresa RAR - Refinarias de Açúcar Reunidas, S.A. que tinha sido fundada no Porto em 1962, a partir da fusão de 9 pequenas unidades de refinação de açúcar, da região norte de Portugal.

 
 

Fachada principal da Refinaria de Açúcar de Angola, em Matosinhos, c. 1927 – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca
 
 
 
 

Publicidade incentivando ao consumo do produto refinado na Refinaria de Açúcar de Angola, em Matosinhos, em 1934 – Fonte: Catálogo da Exposição Colonial
 
 
 

Vista aérea, em 1936, da Refinaria de Açúcar de Angola, em Matosinhos
 
 
Houve, também, uma outra refinaria, a “Refinaria de Açúcar de Matosinhos”, no cruzamento da Av. Sousa Aroso e a R. D João I

 
 
 
RAR (Refinarias de Açúcar Reunidas)
 
 
Presentemente, o sector é dominado, desde há seis décadas, pela RAR (Refinarias de Açúcar Reunidas), uma empresa com sede no Porto e que foi o resultado da reunião de nove pequenas refinarias, que existiram na região.
A refinaria de açúcar “Maurício Macedo & Faustino” foi  o embrião da RAR, tendo estado por Massarelos, desde a década de 30 do século XX, a laborar no edifício onde se tinha estabelecido, durante muito mais de um século, a Cerâmica de Massarelos, que ali tinha fundado a sua actividade e que, após sofrer um incêndio em 1920, se instalaria na zona do Rego do Lameiro.
Apesar da construção da refinaria sobre os escombros da antiga fábrica, parte dos muros, dos fornos, e tanques e de uma viela que descia da Rua da Restauração, até uma das entradas, continuaram a ser visíveis, durante muitos anos.
Nesse local laborou, então, a refinaria de açúcar, até à década de 60, e nele haveria de ser construído, já neste século, um empreendimento imobiliário.
 
 
 
 

Na ponta direita do edificado, esteve a “Maurício Macedo & Faustino”, a poucas dezenas de metros da Casa dos Saavedras

 
 
A firma “Maurício Macedo & Faustino” haveria, também, de montar uma unidade de refinação de açúcar, na Rua da Bandeirinha, nº 60, no fim da década de 1930.
Os escritórios da firma e sede eram na Rua de S. João, nºs 96-98.

 
 
 

Prédio em ruínas, na Rua da Bandeirinha, nº 60, onde funcionou uma refinaria de açúcar da firma Maurício Macedo & Faustino


 
 

Semanário “Defesa de Espinho” de 18 de Março de 1934
 
 
 
 
"Até à década de 60 a indústria portuguesa de Refinação de Açúcar era composta por algumas dezenas de unidades de pequena dimensão, grande parte funcionando em termos artesanais, com equipamento muito rudimentar, incapazes de produzir açúcar de qualidade.
A política de condicionamento industrial então vigente impôs a criação de unidades industriais de refinação de açúcar modernas, de maior dimensão e bem apetrechadas tecnologicamente, obrigando assim à transformação do Sector Industrial de Refinação de Açúcar.
A RAR Açúcar é constituída em 1962, em resultado da concentração de 9 pequenas unidades de refinação de açúcar existentes no Norte do País, daí a sigla RAR (Refinarias de Açúcar Reunidas). A empresa passou a comercializar a produção existente dessas pequenas unidades até ao arranque da refinaria projectada para substituir essas unidades.
Iniciada, no ano seguinte, a construção das suas instalações, a RAR entra em laboração em 1967, com a capacidade de produção instalada de 25.000 t/ano. As vendas da RAR, em 1967, atingiram cerca de 22.000 t, correspondendo a 11,78% do País.
Em 1968 muda a composição accionista da RAR o que veio possibilitar um novo dinamismo que, nos anos seguintes, se traduziu num excepcional crescimento da empresa. Procedeu-se ao aumento do capital social da sociedade e foi ampliada a capacidade de produção da Refinaria, como forma de resposta ao crescente aumento das vendas e à progressão da quota de mercado da RAR.
Em 1973 a RAR adquire a Refinaria Angola, situada em Matosinhos, e o seu volume de vendas passa a representar cerca de 45% do mercado nacional. Durante os anos 70 e 80 a RAR empreendeu, não obstante as vicissitudes atravessadas pelo País nessa época, uma expansão da sua actividade e a diversificação para outras áreas, com a criação de numerosas empresas, que formam hoje o Grupo RAR".
Fonte: “portoarc.blogspot.com”

 
 
A RAR foi constituída por escritura de 20 de Março de 1962, como sociedade anónima, com um capital social de 9.746 contos, distribuídos por acções de 1.000 escudos cada, quando a “Maurício Macedo & Faustino” já era, desde há alguns anos, “Maurício Macedo & Cia”.

 
 
Distribuição do capital aquando da formação da RAR


 
 

Refinaria da RAR, na Rua Manuel Pinto de Azevedo, nº 272 – Fonte: Google maps

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