A refinação de açúcar, na primeira metade do século XIX, no
Porto, era considerada uma pequena indústria, normalmente, levada à prática em
anexos das habitações dos proprietários.
Em virtude de uma lei de 21 de Outubro de 1861, a actividade
industrial que lhe estava associada era considerada como insalubre, perigosa ou
incómoda, pelo que, requeriam o licenciamento acompanhado de um processo
administrativo correspondente.
Saídos muitos proprietários das unidades, após terem sido antigos
trabalhadores, muitos deles eram oriundos da Galiza.
Cortesia de Jorge Fernandes Alves
Companhia União
Comercial
O mês de Junho de 1872 foi profícuo em pedidos de
licenciamento de refinarias de açúcar.
Conforme a seguir é explicitado, o “Jornal do Porto” de 12
de Junho de 1872 dava conta de que, em reunião do Conselho do Distrito, tinha
sido decidido, sob certas condições técnicas, que fossem atribuídas licenças de
funcionamento a refinarias de açúcar de José Leite Guimarães, para a Rua do
Laranjal, 72-74, e a Benito Garrido Martins, para a Viela da Neta, 51.
“Jornal do Porto” de 12 de Junho de 1872
Naquele mês e ano surge, também, um pedido de licenciamento
para uma unidade de refinação a vapor que, contudo, vai sofrer a oposição de
futuros vizinhos, que acabarão por conseguir boicotar a instalação.
Para o efeito, a denominada Companhia União Comercial, em
requerimento dirigido à Câmara do Porto, solicita um alvará de licença para uma
refinaria de açúcar que obterá como registo a referência: Documento/Processo,
1872/06/01 – 1872/06/25.
Do processo constava as seguintes informações:
- Localização: Viela da Neta, freguesia de Santo Ildefonso
- Representantes da Companhia: José Marques Antunes; João
Ribeiro Pereira; Francisco José de Araújo.
- Contém jornal O Primeiro de Janeiro de 6 de Junho de 1872
- Contém planta desenhada (parte a aguarela) com o projecto
para o lugar onde se pretende estabelecer a fábrica de refinação.
- Confrontações de terrenos:
Quinta dos herdeiros de José da Silva Passos
Quinta dos herdeiros de António Joaquim Martins Guimarães
Campos de Dona Antónia Adelaide Ferreira
Gravura com plantas sobrepostas, em que a mais escura é de
c. 1940, e a mais esbatida de 1875, observando-se o traçado da Viela da Neta, a
azul
Na planta anterior, a área identificada com a letra L são terrenos lavradios de Antónia Adelaide Ferreira e, com o algarismo 1, são as casas da mesma proprietária, com frente para a Rua de Santa Catarina.
É, precisamente, Antónia Adelaide Ferreira, a “Ferreirinha”,
que vai encabeçar a oposição ao licenciamento da fábrica de refinação de açúcar,
que acabará por ser abandonado pelos requerentes, nos finais de Junho de 1872.
O “Jornal do Porto” trataria de acompanhar a contenda, como
a seguir se realça.
De realçar que, cerca de duas semanas antes, D. Antónia
Adelaide Ferreira tinha arrematado a denominada “Quinta da Torre” que tinha pertencido à família Passos e, face à ausência de filhos do casal, foi legada em testamento à Santa Casa da Misericórdia do Porto pela viúva de José da Silva Passos (conhecido por Passos José, falecido em 1863).
Essa quinta tinha pertencido a João Pinto Soares e, após o seu falecimento, em Novembro de 1822, passou para a posse da sua viúva, Ana Joaquina Barbosa Soares. Alguma documentação situava-a na Travessa da Viela da Neta.
Em 18 de Outubro de 1843, já estava na posse de José da Silva Passos, que solicitava à Câmara obras que obtiveram a licença nº 94/1843.
José da Silva Passos haveria de mandar construir um novo
prédio para sua habitação na Rua Formosa.
Passos José
(José da Silva Passos) foi casado com Ana Margarida Soares da Silva Passos,
falecida a 1 de Junho de 1869, conforme texto seguinte:
“Natural da freguesia da Sé, da
cidade do Porto, Ana Margarida Soares da Silva Passos era filha de João Pinto
Soares e de D. Ana Joaquina Barbosa Soares. Casou com José da Silva Passos
(1802-1863), advogado da Relação e da Casa do Porto, a 29 de agosto de 1833 na
capela da Quinta da Torre, localizada na mesma freguesia "quasi ao fundo
da Viella da Netta", segundo informação constante no assento de casamento.
Deste matrimónio não houve filhos. Esta propriedade, onde o casal viveu,
designada no testamento da benfeitora por "Quinta da Neta", foi
progressivamente sacrificada para a abertura da atual rua de Sá da Bandeira.
(…) Em 1867, Ana Margarida legou,
para aumento do fundo dos estabelecimentos dos Lázaros, das Lázaras, dos
Entrevados, das Entrevadas e dos Órfãos, três inscrições de assentamento da
Dívida Fundada Interna, no valor de 100.000 réis cada uma.
A benfeitora morou na Quinta da
Torre, propriedade que foi legada em testamento à Santa Casa da Misericórdia do
Porto "com os respectivos armazens, quintal e mais pertenças", assim
como uma outra casa que a benfeitora possuía na praia de Massarelos, que acabou
por vender ainda em vida, e seis contos de réis em "material
sonante". Esta quantia, assim como o produto da venda das referidas propriedades,
destinar-se-ia exclusivamente ao custeamento das despesas do hospital,
excetuando os legados relacionados com a realização de várias missas pela alma
da benfeitora, do seu marido e de outros familiares”.
Santa Casa
da Misericórdia do Porto
Entretanto, falecida Ana Margarida Soares da Silva Passos, a Quinta da Torre
foi arrematada, em 1872, por D. Antónia.
Surgindo a referência à Companhia União Commercial, no Almanaque de 1875, sita na Travessa do Bolhão, onde já estava em 1872, apesar da oposição de proprietários de outras fábricas próximas de outros sectores de actividade, um dos seus principais sócios, João Ribeiro Pereira, já tinha em 1881, a sua unidade indústria de refinação de açúcar, na Rua Mouzinho da Silveira, que passaria por ser a mais importante da cidade.
Cortesia de Jorge Fernandes Alves, In “A Indústria de
Refinação de Açúcar no Porto – Um Percurso Amargo e Doce”
Refinaria Confiança
Em 1901, Jerónimo G. da Veiga tomava de trespasse uma
refinaria, sita na Rua do Bonjardim 404, que remodelaria, dotando-a com os
processos de fabrico mais modernos, com a ajuda do sócio António Peixoto de
Oliveira e Silva, filho de um outro industrial do ramo e, portanto, conhecedor
do sector de actividade.
Fachada da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz Pública”
de 12 de Janeiro de 1902
No prédio em destaque esteve, na Rua do Bonjardim, no início do século XX, a
Fábrica Confiança – Fonte: Google maps
Interior da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz
Pública” de 12 de Janeiro de 1902
Armazém e loja da Fábrica Confiança – Fonte: Jornal “A Voz
Pública” de 12 de Janeiro de 1902
Publicidade à Fábrica de Refinação d’Assucar Confiança –
Fonte: Jornal “A Voz Pública” de 12 de Janeiro de 1902
Companhia Portugueza
de Refinação
Na segunda metade do século XIX, no Porto, começaram a
proliferar as refinarias de açúcar de laboração manual. Nos anos de transicção
de séculos, surgiriam as primeiras refinarias de cariz mecânico que, por isso, passariam
a dispensar alguma da mão-de-obra.
A primeira unidade mecânica que foi montada no Porto teve
uma oposição dos operários das fábricas manuais que, começaram a ver, no
horizonte, sérias possibilidades, de virem a enfrentar uma situação de
desemprego.
Em consequência, ou não, desta luta, ao fim de três anos,
essa fábrica, pioneira da mecanização, apareceu incendiada, e foi o “cabo dos trabalhos” para os
capitalistas conseguirem que o seguro pagasse os prejuízos. Salvaram metade do
capital investido, o que já não foi nada mau.
A segunda fábrica mecânica, montada no Porto, ao fim de três
anos de laboração, fechou, com prejuízos de 50 contos, e a terceira a aparecer,
em 1906, e que dava continuidade a outra já instalada, seria denominada
“Companhia Portugueza de Refinação”.
Laborou durante seis anos, tendo durante esse período de
tempo, enfrentado as fábricas manuais, mas acabou por ser vencida, pois nunca
conseguiu distribuir dividendos pelos seus accionistas.
Localizava-se na Rua de S. Dinis, nº 895 e, após laborar
cerca de 6 anos, foi arrendada à “Hornung & Cia.”.
Esta firma tinha plantações de cana-de-açúcar em vastas
áreas de Moçambique, e passaria a dominar o sector, a nível nacional, com
unidades próprias e outras, na modalidade de arrendamento.
Uma outra fábrica abriria no Porto, denominada “A Lutadora”,
mas apenas funcionou três meses, tendo-se o seu proprietário ausentado para o
Brasil, onde montou uma fábrica manual e recuperou o capital que tinha perdido
no Porto.
Diga-se, que o fabrico mecânico na refinação do açúcar
implicava, relativamente ao produzido por métodos manuais, um preço superior em
20%, embora tivesse superior qualidade.
Tudo isso aconteceria, pela razão de que, no processo
mecânico, existiriam muito mais quebras, relativamente ao processo manual.
A partir de 1919, o Estado viu-se obrigado a intervir para
regular o sector, nos capítulos da qualidade e da quantidade.
Pode afirmar-se, com alguma certeza, que as instalações da
unidade fabril, acima representada, se situariam numa área, hoje, fronteira ao
antigo Cinema Vale Formoso.
Refinaria de Açúcar
de Angola
Esta unidade industrial foi inaugurada em Matosinhos Sul, em
1 de Março de 1924, muito perto do Senhor do Padrão, onde até aos anos 60 do
século XX, teve nas suas traseiras, a estação ferroviária do Padrão, como
término da linha ferroviária de S. Gens.
O seu fundador foi António de Souza Carneiro (mais
tarde António de Souza Carneiro Lara) que, quatro anos antes, em 4 de Março de
1920, já tinha inaugurado, em Luanda, uma outra unidade similar, a empresa
“Companhia do Assucar de Angola, SA”.
A empresa foi fundada sob a firma Refinaria Angola, Lda. e, em 1973, seria comprada pela empresa RAR
- Refinarias de Açúcar Reunidas, S.A. que tinha sido fundada no Porto em 1962,
a partir da fusão de 9 pequenas unidades de refinação de açúcar, da região
norte de Portugal.
Fachada principal da Refinaria de Açúcar de Angola, em
Matosinhos, c. 1927 – Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca
Publicidade incentivando ao consumo do produto refinado na
Refinaria de Açúcar de Angola, em Matosinhos, em 1934 – Fonte: Catálogo da
Exposição Colonial
Houve, também, uma outra refinaria, a “Refinaria de Açúcar
de Matosinhos”, no cruzamento da Av. Sousa Aroso e a R. D João I
RAR (Refinarias de
Açúcar Reunidas)
Presentemente, o sector é dominado, desde há seis décadas,
pela RAR (Refinarias de Açúcar Reunidas), uma empresa com sede no Porto e que
foi o resultado da reunião de nove pequenas refinarias, que existiram na
região.
A refinaria de açúcar “Maurício Macedo & Faustino” foi o embrião da RAR, tendo estado
por Massarelos, desde a década de 30 do século XX, a laborar no edifício onde
se tinha estabelecido, durante muito mais de um século, a Cerâmica de
Massarelos, que ali tinha fundado a sua actividade e que, após sofrer um
incêndio em 1920, se instalaria na zona do Rego do Lameiro.
Apesar da construção da refinaria sobre os escombros da
antiga fábrica, parte dos muros, dos fornos, e tanques e de uma viela que
descia da Rua da Restauração, até uma das entradas, continuaram a ser visíveis,
durante muitos anos.
Nesse local laborou, então, a refinaria de açúcar, até à
década de 60, e nele haveria de ser construído, já neste século, um
empreendimento imobiliário.
Na ponta direita do edificado, esteve a “Maurício Macedo
& Faustino”, a poucas dezenas de metros da Casa dos Saavedras
A firma “Maurício Macedo & Faustino” haveria, também, de
montar uma unidade de refinação de açúcar, na Rua da Bandeirinha, nº 60, no fim
da década de 1930.
Os escritórios da firma e sede eram na Rua de S. João, nºs
96-98.
Prédio em ruínas, na Rua da Bandeirinha, nº 60, onde funcionou
uma refinaria de açúcar da firma Maurício Macedo & Faustino
"Até à década de
60 a indústria portuguesa de Refinação de Açúcar era composta por algumas
dezenas de unidades de pequena dimensão, grande parte funcionando em termos
artesanais, com equipamento muito rudimentar, incapazes de produzir açúcar de
qualidade.
A política de
condicionamento industrial então vigente impôs a criação de unidades
industriais de refinação de açúcar modernas, de maior dimensão e bem
apetrechadas tecnologicamente, obrigando assim à transformação do Sector
Industrial de Refinação de Açúcar.
A RAR Açúcar é
constituída em 1962, em resultado da concentração de 9 pequenas unidades de
refinação de açúcar existentes no Norte do País, daí a sigla RAR (Refinarias de
Açúcar Reunidas). A empresa passou a comercializar a produção existente dessas
pequenas unidades até ao arranque da refinaria projectada para substituir essas
unidades.
Iniciada, no ano
seguinte, a construção das suas instalações, a RAR entra em laboração em 1967,
com a capacidade de produção instalada de 25.000 t/ano. As vendas da RAR, em
1967, atingiram cerca de 22.000 t, correspondendo a 11,78% do País.
Em 1968 muda a
composição accionista da RAR o que veio possibilitar um novo dinamismo que, nos
anos seguintes, se traduziu num excepcional crescimento da empresa. Procedeu-se
ao aumento do capital social da sociedade e foi ampliada a capacidade de
produção da Refinaria, como forma de resposta ao crescente aumento das vendas e
à progressão da quota de mercado da RAR.
Em 1973 a RAR adquire
a Refinaria Angola, situada em Matosinhos, e o seu volume de vendas passa a
representar cerca de 45% do mercado nacional. Durante os anos 70 e 80 a RAR
empreendeu, não obstante as vicissitudes atravessadas pelo País nessa época,
uma expansão da sua actividade e a diversificação para outras áreas, com a
criação de numerosas empresas, que formam hoje o Grupo RAR".
Fonte: “portoarc.blogspot.com”
A RAR foi constituída por escritura de 20 de Março de 1962,
como sociedade anónima, com um capital social de 9.746 contos, distribuídos por
acções de 1.000 escudos cada, quando a “Maurício Macedo & Faustino” já era,
desde há alguns anos, “Maurício Macedo & Cia”.
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