domingo, 3 de dezembro de 2023

25.215 Praça da Batalha e algumas das suas requalificações

 
Em pleno século XIV, grande parte das construções da cidade já se encontravam do lado de fora da muralha primitiva, que se limitava a proteger o morro da Sé.
Foi a vulnerabilidade do burgo a eventuais ataques, nomeadamente, à sua zona ribeirinha, que levou à construção de uma nova muralha no século XIV, bastante mais extensa do que a anterior.
Começada no reinado de D. Afonso IV, a muralha só seria concluída em 1376, já no reinado de D. Fernando (1345-1383), razão pela qual a cerca defensiva ficou conhecida como Muralha Fernandina.
No século XVI, a área da cidade junto da Porta de Cima de Vila era referida como o Campo do Pombal e, mais tarde, por Terreiro de Nossa Senhora da Batalha.
Da porta de Cima de Vila saía um caminho para o Bonfim, Valongo e Penafiel que passava pelo adro da ermida de Santo Ildefonso (mais tarde, igreja da mesma invocação) e, um outro, que pelo Arrabalde (S. Lázaro) rumava a Campanhã.
Na realidade, cerca de 1600, já existiria, do lado de fora das muralhas, junto da porta de Cima de Vila, uma capela.
Antes, como era habitual, no interior da muralha fernandina, já se prestava o culto à imagem daquela invocação (exibida numa edícula) e, ainda, à Senhora dos Remédios.
No século XVIII, a área sofreu grandes transformações, sendo demolida a muralha e tendo sido levantada em 1799, mais próximo do Real Teatro S. João, uma outra capela em substituição da existente, que acabaria por ser demolida em 1924.


 
 

Capela de Nossa Senhora da Batalha, no seu local derradeiro, c. 1900

 
 

Capela de Nossa Senhora da Batalha, observando-se, ainda, o Real Teatro S. João, c. 1900

 
 
Seria nos finais do século XVIII, quando foi edificado o "Palácio da condessa de Pangim" chamado, mais tarde, palacete dos Guedes da Quinta da Aveleda e erigida a nova capela de Nossa Senhora da Batalha, que a praça foi alvo de melhoramentos importantes.
Acresce que, em 1796, já tinham arrancado as obras para construção do Real Teatro de S. João, que vai ser inaugurado no dia 13 de Maio de 1798 (data de aniversário do futuro rei D. João VI).
Para que fosse possível levantar o teatro, foi necessário derrubar um troço da muralha fernandina e, ainda, expropriar cinco prédios que por lá existiam.
Em 1793, seria, então, derrubada, também, a porta de Cima de Vila.
O texto que se segue dá uma ideia de como eram vividas as visitas pelos portuenses ao Real Teatro S. João.
 
 
“Não era sem certos cuidados que algumas famílias se dispunham a ir ao teatro. A mãe dá ordem à criada que faça a ceia; o pai diz ao galego que ponha duas velas de cêbo no lampião de folha. Apenas o jantar terminou e o último palito fez a limpeza dentária, vai a família dormir a sesta, porque tem de perder a noite. À hora própria lá segue a família para o teatro, porque é bom ir cedo e sem fadiga. O chefe de família leva duas pistolas no bolso para o que der e vier; atrás, a criada com o merendeiro, os frangos assados, a vitela, as azeitonas, a pingoleta etc. Chegam as damas ao camarote, estendem as mantilhas de lapim para fora da borda e colocam-nas cuidadosamente nuns arcaicos lanceiros de pau que havia nos camarotes; ao fundo a criada senta-se junto ao cesto da ceia. Os espectadores começam a encher o teatro e o Aniceto vem distribuir pelas estantes da orquestra os diversos papéis da partitura; trabalho que faz pacificamente, excepto se algum frequentador das varandas lhe grita de lá; - Oh Clemente, quebraste a infusa! – porque então o homem perde a cabeça, troca os papeis e dá por paus e pedras.
Os janotas cumprem a sua elegante missão de conquistadores; as damas choram ou sorriem, como as situações da peça o exigem; à hora própria, aproveitam-se os intervalos para a ceia e tudo corre no melhor dos mundos, se os artistas não desafinam e se as tormentas teatrais não provocam as pateadas.
Que velhos costumes e clássicos hábitos da velha sociedade que dormia a sesta e ia cear ao teatro!” 
In revista “O Tripeiro”, Volume V
 
 
 

Teatro S. João - Gravura em revista “O Tripeiro”, 5ª Série, Vol I, pág 119

 
 

Desenho do interior do primitivo Teatro S. João


 
 

Planta da Praça da Batalha, em 1854
 
 
 
 
Legenda:
 
B – igreja de Santo Ildefonso;
C – Palacete da condessa de Pangim;
D – Capela de Nossa Senhora da Batalha;
E – Real Teatro de São João;
1 – Rua de Santa Catarina;
2 – Rua de Santo António (actual 31 de Janeiro);
3 – Rua de 23 de Julho (actual Rua Santo Ildefonso);
4 – Calçada da Teresa (actual Rua da Madeira);
5 – Rua de Cima de Vila;
6 – Travessa de Cima de Vila;
7 – Travessa do Cativo;
8 – Rua de Augusto Rosa;
9 – Rua de Entreparedes
 
 
 
Entretanto, no ano de 1860, um edital do Governo Civil determinou que a Praça da Batalha passasse a englobar o denominado Largo de Santo Ildefonso (fronteiro à igreja).
A Praça da Batalha passa a contemplar dois espaços.
Um deles, o antigo Largo de Santo Ildefonso, tem a forma trapezoidal orientado no sentido Nordeste – Sudoeste e é dominado pela igreja de Santo Ildefonso.
O outro, orientado no sentido Noroeste – Sudeste, é longilíneo e limitado a Norte pelo antigo Palácio da condessa de Pangim e o Cinema Batalha e, a Sul, pelo Teatro Nacional de S. João, com a estátua de D. Pedro V dominando o espaço, com implantação descentrada.
Na década de 1860, a Praça da Batalha é alvo de uma nova intervenção importante como resultado da instalação no local de uma estátua em memória de D. Pedro V.
Assim, o monumento da autoria de Teixeira Lopes, pai (1837-1918), cuja primeira pedra foi lançada em 11 de Julho de 1862, pelo general visconde de Rivas, seria inaugurado em 1866.
Para isso, o local teve que ser alvo de um desaterro, que implicou que o Palácio da condessa de Pangim ficasse com o seu piso térreo a uma cota mais elevada. A solução foi atribuir uma indemnização aos proprietários para um rebaixamento interior daquele piso.
 
 
 
 

Imagem, mais remota, que existe do Palácio da condessa de Pangim – Gravura de Joaquim Villanova de 1833


 
 

Nesta foto, em comparação com a gravura anterior, é possível adivinhar o desaterro a que a área foi sujeita, pela altura das janelas do 1º piso

 
 
 
Um pouco antes, em 1853, já o pavimento que, até aí, era de pedra miúda e com passeios muito irregulares, seria inteiramente substituído por macadame.
Foram, então, delimitadas as vias de circulação e criada uma plataforma central em calçada portuguesa, demarcada com árvores, definindo um espaço de estar.
Em conclusão: no centro da praça, foi colocado, o monumento de homenagem ao rei D. Pedro V (1837-1861).
Em meados do séc. XIX, a praça já era zona de hotéis, restaurantes e cafés e, assim, continuaria, até à chegada do novo século.
O grande surto urbanístico da Batalha começou, em 1881, quando se deu início aos trabalhos de construção da ponte de Luís I, que culminou com a inauguração, em 1886, do tabuleiro superior e com a conclusão, em 1888, do seu tabuleiro inferior.
Em sequência, para permitir o acesso da Praça da Batalha às Fontainhas, em 1887, foi aberta a Rua Nova da Batalha, actualmente designada por Rua de Alexandre Herculano.


 
 

Praça da Batalha, em 1898

 
 
Na madrugada de 11 para 12 de Abril de 1908, um violento incêndio reduziria o Real Teatro de São João a um montão de escombros calcinados. Poucos anos depois, iniciou-se a construção de um novo edifício, a cargo do arquitecto José Marques da Silva (1869-1947). A obra foi uma oportunidade para o realinhamento dos prédios das imediações, com o objectivo de aumentar o espaço que antecedia o teatro.
Em 1913, sucedendo à sala de projecção do cinema Salão High Life, vinda da Cordoaria, e onde esteve sedeada, antes, "A Construtora", de Campos & Morais, armazém de ferragens e materiais de construção, surgiria o novo edifício do Cinema Batalha que iria dar origem, em 1943, a um outro, que ainda hoje existe.
A 7 de Março de 1920, era inaugurado o novo Teatro S. João.
Em 1924, foram demolidos diversos edifícios, incluindo a capela que albergava a imagem de Nossa Senhora da Batalha, que passou para a Casa do Cabido da Sé do Porto, onde ainda se encontra.


 
 

Praça da Batalha, c. 1923

 
 
 Na década de 1950, atendendo a um aumento do trânsito auto, foi derrubada uma parte das árvores existentes, e a placa central passou a ser uma simples passagem de transportes públicos, ficando as vias periféricas para o trânsito auto.


 
 

Praça da Batalha, em 1950 – Bilhete postal


 
 

Praça da Batalha, em 1962
 
 
 
A situação descrita vigorou até 1982, quando aconteceram obras de certa monta, na sequência de um novo projecto camarário.

 
 
 

Praça da Batalha, em obras de requalificação, em 1982
 
 
 
A Praça da Batalha é, então, dotada de um pavimento tipo “calçada portuguesa”.

 
 

Praça da Batalha, c. 1985 – Bilhete postal
 
 
 
A última intervenção na praça vai ocorrer aquando da realização do evento “Porto - capital europeia da cultura, em 2001”.
O projecto para este local da cidade, é da autoria dos arquitectos Adalberto Dias (n.1953), Fernando Távora (1923-2005) e Bernardo Távora (n.1958).
Do que foi proposto, seria reintroduzida uma plataforma central e um novo alinhamento de novas árvores.
O átrio do Teatro Nacional de S. João seria prolongado para o exterior, a exemplo do que acontecia no século XIX.


 



Teatro Nacional de S. João e o seu acesso principal, actualmente
 
 
 
 
A estátua de D. Pedro V sofreria um reposicionamento, passando a situar-se no enfiamento da entrada do antigo Palácio da condessa de Pangim, agora, um hotel.


 

Praça da Batalha, em Maio de 2000 – Cortesia de Paula Catrica
 
 
Uma fonte circular passou a estabelecer a articulação com o espaço fronteiro à igreja de Santo Ildefonso.


 

Praça da Batalha, após intervenção em 2001, observando-se a estátua no seu novo poiso e a nova fonte circular – Cortesia de Paula Catrica
 
 
 
No que à área adjacente à igreja diz respeito, ficaram por recolocar as escadas entre a igreja de Santo Ildefonso e a Rua de 31 de Janeiro e, ainda, o obelisco que lá esteve até há cerca de 100 anos e, entretanto, foi recolhido no terreno interior, que foi antigo cemitério.



 
 

Igreja de Santo Ildefonso ostentando o seu obelisco e com escadaria comunicando com a Rua de Santo António – Gravura de Joaquim Villanova em 1833
 
 
 
 

Igreja de Santo Ildefonso, c. 1910, com a escadaria de ligação à Rua de Santo António, encimada com o icónico obelisco – Ed. Alvão
 
 
 
Nesta última requalificação na praça seria introduzido o serviço de carros eléctricos, num canal central e, na periferia, uma via para veículos automóveis.

 
 

Praça da Batalha, actualmente

Sem comentários:

Enviar um comentário