Cristiano de Carvalho
e as lutas operárias
No dia 24 de Abril 1974, pelas 22h55m, ia para o ar, nos
Emissores Associados de Lisboa, a senha que pôs os militares na rua para
derrube da ditadura – a conhecida canção “E depois do adeus”, de José Niza,
interpretada por Paulo de Carvalho.
Precisamente, 76 anos antes, no dia 24 de Abril de 1898, um
Domingo, no Monte Aventino, às Antas, na cidade do Porto, tinha lugar um
comício operário de luta contra a Lei de 13 de Fevereiro de 1896, que tinha
ilegalizado os movimentos anarquistas e era o resultado de uma proposta defendida
por João Franco, então Ministro do Reino e, posteriormente, Presidente do
Ministério, actuando a coberto de uma ditadura sancionada por D. Carlos, entre
1907 e 1908.
A meio do dito comício, interveio a polícia comandada pelo
capitão Feijó, que se dirigiu a Cristiano de Carvalho, indagando se ele era o
autor do documento, uma petição que, após aprovação pelos presentes, seria
enviada ao Parlamento. Confirmada a autoria, ao autor do texto e aos três
organizadores do comício (António Pereira de Carvalho, José Pinto Moreira e
Joaquim Mendes Campos) foi dada voz de prisão e a reunião terminou
abruptamente.
Jornal “A Voz Pública” de 26 de Abril de 1898
Eram tempos em que a política era exercida com exaltação e
que decorreram entre o Ultimato Inglês, em Janeiro de 1890, e a implantação da
República em 1910, tendo pelo meio a frustrada revolução de 31 de Janeiro de
1891, que teve o Porto como palco.
Assim, desde 11 de Janeiro de 1890, quando o Reino Unido
lançou um ultimato a Portugal exigindo a retirada dos territórios entre Angola
e Moçambique, sob a ameaça do rompimento de relações, que os ânimos se
acirraram, face à posição de submissão das autoridades portuguesas.
Cristiano de Carvalho foi um, entre muitos, que se
destacaram pela sua intervenção nas lutas operárias e que, por isso, deixou
legado para a história.
O movimento anarquista pontificava nas lutas operárias e, a
tal lei de 13 de Fevereiro de 1896, tinha chegado para infernizar os opositores
à política de então.
A revista “O Berro”, entre muitas outras publicações, com as
suas caricaturas, denegria as políticas e os governantes.
“O Berro” -
caricaturas (1896) de Celso Hermínio
Christiano Valle de Carvalho (Porto, Portugal, 22 de Dezembro
de 1874 – Matosinhos, 21 de Novembro de 1940) começou a desenhar ainda jovem,
revelando-se um forte crítico da sociedade e distribuindo os seus trabalhos
pela imprensa.
Cristiano de Carvalho tinha 17 anos de idade, quando,
apresentado pelo republicano Dr. José de Castro, no Clube de Propaganda
Democrática do Norte, instalado no andar superior do Café Lusitano (esquina das
ruas de Santa Catarina e Formosa), deu a conhecer, publicamente, a sua
retórica.
Tendo apoiado a falhada revolução de 31 de Janeiro de 1891
teve, em sequência, que fugir e exilar-se em Paris, onde permaneceu durante 7
anos consecutivos.
Aproveitou, então, a oportunidade para se inscrever na
Sorbonne, nos Cursos Livres de História e de Economia Política, tendo, sobre
estes assuntos, colaborado em diversas revistas francesas.
Teve possibilidades, ainda, de estudar pintura e desenho.
Em Paris, foi companheiro de vários artistas portugueses,
entre os quais os irmãos Teixeira Lopes, Francisco Gouveia, Júlio Pina e do seu
amigo, de há muitos anos, António Carneiro, pelo qual foi retratado num óleo em
1894.
Christiano de Carvalho, em pintura (1894) a óleo de António
Carneiro – Fonte: pt.wikipedia.org
Cristiano de Carvalho acabaria por fazer parte de uma lista
de antigos revolucionários do 31 de Janeiro que foram amnistiados por D. Carlos
e regressou a Portugal.
A partir deste momento, não pára mais.
Ilustrador, artista do desenho e caricaturista, colabora em
vários jornais e revistas, entre muitos outros, na "Noite", na
"Montanha", na "Voz Pública", na "Batalha", no
"Primeiro de Janeiro", no "Comércio do Porto", no
"Jornal de Notícias", "Tribuna", "Norte",
"Diário de Notícias" e na revista " A Águia", órgão da
Renascença Portuguesa.
Foi director artístico da revista regional "Ilustração
Transmontana", que tinha como divisa da sua autoria, que ficou para a
posteridade - «Para cá do Marão mandam
os que cá estão».
Esta revista, cuja direcção estava a cargo de Joaquim
Leitão, era identificada como de Arquivo
Pittoresco, litterario e scientifico das terras transmontanas, tendo se
publicado no 1°Ano-1908, 2° Ano- 1909 e no 3° Ano-1910, complementada com
alguns suplementos daqueles mesmos anos.
Em 1904, com 30 anos de idade, Cristiano de Carvalho abre,
na cidade do Porto, uma oficina gráfica, a «Photolythos», a qual teve que abandonar
em virtude do aparecimento de diversas dificuldades financeiras, num momento de
crise que, então, atravessou.
Será nessa actividade gráfica que se ligaria à “Liga de
Artes Gráficas”, uma associação de operários que dominava no panorama do
associativismo portuense e tinha a sua sede, a partir de 1906, na Rua de
Entreparedes, 33 – 1º, vinda, sucessivamente, da Rua Formosa e do Largo da
Cancela Velha.
No período que antecedeu a implantação da República,
Cristiano de Carvalho colaborou nas revistas “Arte e Vida (1904-1906)” e “Luz e
Vida (1905)” e, ainda, nos jornais “A Farça (1909-1910)” e “A Republica
Portugueza (1910-1911)”.
Logo após o 5 de Outubro de 1910, publicou o jornal clandestino
de combate “A Bomba”.
O primeiro número deste jornal saiu a 20 de Abril de 1912 e
teve uma duração efémera, desaparecendo com o 10º número, a 22 de Junho do
mesmo ano.
Dirigiam a “A Bomba”, Álvaro Pinto (1889-1957), na parte
literária, e Cristiano de Carvalho (1874-1940) na artística.
O redactor era Laurindo Mendes e o editor Carlos Gonçalves.
A redacção do jornal ficava na Rua da Alegria, 218, a tipografia, na Travessa
Passos Manuel, 27.
Custava 2 centavos, e saía regularmente aos Sábados, em
edições de 8 páginas.
“A Bomba”- Desenho a cores de Cristiano de Carvalho
Em 1912, Cristiano de Carvalho vai leccionar na Universidade
Popular do Porto, inaugurada em 9 de Junho de 1912, tendo ficado
célebres as suas lições, sobre a Comuna de Paris, dadas a um grande número de
operários que enchiam as suas aulas.
A Universidade Popular do Porto teve como principal órgão a
revista “A Águia” e, mais tarde, o
quinzenário “Vida Portuguesa”.
As Universidades Populares surgiram no âmbito de uma cultura
republicana, tendo como impulsionadora a Maçonaria, e a sua actividade
baseava-se na oferta de cursos livres, conferências, palestras, visitas de
estudo e concertos, para além de muitas outras actividades.
A cidade do Porto foi precursora no âmbito daquelas
instituições de ensino.
Os anos lectivos de 1913 e 1914, tiveram grande afluência.
Ainda, no ano de 1912, abriria a Universidade Popular de Coimbra e, em 1914, as
da Póvoa de Varzim e Vila Real.
“Criada a Universidade Popular do Porto. Na sua origem esteve José
Lopes Dias, que integrava o grupo da "Renascença Portuguesa", -
associação cultural, de que fizeram parte intelectuais como Jaime Cortesão,
Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, João de Barros, Afonso Lopes Vieira,
António Sérgio, Raul Proença, António Correia de Oliveira, Augusto Casimiro,
etc. Na Universidade Popular eram ministrados diversos cursos, organizados
concertos e outras actividades destinadas à educação e formação de adultos. Em
Novembro deste ano, será igualmente constituída a Universidade Popular de
Coimbra. É da cisão do grupo da Renascença Portuguesa que, em 1921, nasce a
revista "Seara Nova", organizada por António Sérgio, Jaime Cortesão e
Raúl Proença.”
Fonte: Fundação Mário Soares
“Data de 9 de junho de
1912 a inauguração da Universidade Popular do Porto e, para esse ano letivo,
fora gizado um plano que previa a realização de quarenta e nove conferências
nos cursos públicos e algumas dezenas de lições integradas nos cursos
especiais. As áreas disciplinares correspondentes ao currículo das lições
públicas distribuem-se entre História Pátria, História da Literatura
Portuguesa, Introdução ao estudo das Ciências Naturais, Fenómenos correntes da
Física, Biologia, História da Filosofia, Filosofia, Botânica. Titulam-nas
professores como Jaime Cortesão, Alfredo Coelho de Magalhães, Gonçalo Sampaio,
João Diogo, António Correia de Sousa, Leonardo Coimbra, Cristiano de Carvalho.
Os cursos especiais, com a duração de três a quatro meses, em duas ou três
lições semanais, abrangem áreas específicas, numa perspetiva de carácter
profissional, quando não de ensino técnico-profissional”.
Cortesia de Paulo Samuel (Ensaísta; investigador-integrado
do CHC (UNL); investigador convidado do CEPP e do CLEPUL)
Em 1916, Cristiano de Carvalho colabora na revista Miau, um
semanário humorístico que se publicou no Porto, entre 21 de Janeiro e 26 de
Maio de 1916, totalizando 19 números.
Há já alguns meses que, em virtude das ocorrências da 1ª
Guerra mundial, e mesmo para lá do rescaldo do conflito, que tinham deixado de
ter lugar as populares aulas de Cristiano de Carvalho sobre a “Comuna de Paris”
e todas as outras palestras e cursos da Universidade Popular do Porto.
A Universidade Popular do Porto reabria, no entanto, em
Fevereiro de 1923.
Entretanto, Teixeira de Pascoaes abandonara a direcção da revista
“A Águia”, em 1917, e a revista concluíra a prestigiada 2ª série, na
qual participou Cristiano de Carvalho com valiosos desenhos (“Álbum da Miséria
e do Trabalho”) de tema social.
“A Águia” passaria
desde Julho de 1922 (3.ª série) a ser dirigida por Leonardo Coimbra.
Em 1932, a “Portucalense Editora, Lda.”, Barcelos, vai
editar a obra “Revelações” da autoria de Cristiano de Carvalho.
Capa do livro “Revelações” de Christiano de Caravalho
Vários temas são tratados na obra “Revelações” que tem como
limite temporal o ano de 1891: Homens ilustres do meu tempo: poetas, artistas e
heróis; O ultimatum inglês; Antero de Quental e a Liga Patriótica do Norte; Os
governos e o Rei; A acção do partido republicano; A conspiração republicana de
Janeiro de 1891.
Destacam-se, ainda, as várias caricaturas de personalidades
da época, feitas pelo autor como, por exemplo, Eça, Ramalho Ortigão, Oliveira
Martins, Teófilo, etc..
Parece que entre o imenso espólio de Cristiano de Carvalho,
que sobrevive na mão dos seus descendentes, poderão conter os documentos que
permitiriam editar o 2º volume da obra “Revelações”, que não chegou a ser
elaborada e, por isso, nunca subiu aos escaparates.
Retrato (original a tinta da china) de Cristiano de Carvalho
reproduzido a partir do seu livro Revelações – Ed. Mosca
A casa n.º 112 da Rua de S. Roque, em Matosinhos, onde veio
a estar no seu rés-do-chão a Farmácia Cunha, até à sua demolição, nos anos 70
do séc. XX, era conhecida por Casa dos Valle por ter pertencido a esta família
e nela viveu Christiano Valle de Carvalho até à sua morte em 21 de Novembro de
1940.
Casa dos Valle onde viveu Christiano de Carvalho, na Rua de
S. Roque, em Matosinhos – Cortesia de Vitor Monteiro
Farmácia Cunha, na Rua de S. Roque, em Matosinhos – Cortesia
de Vitor Monteiro
À esquerda, em 1966, a antiga casa dos Valle, na Rua de S.
Roque, onde esteve a Farmácia Cunha – Foto do arquitecto Menéres
Propaganda Política
Trotsky em Lisboa
Em 1926, o Jornal “A Capital”, num artigo cujo título era “Figuras da Revolução Russa” e o
sub-título, “Trotzki: o organizador dos exércitos vermelhos”, dava conta de
que Leon Trotsky teria estado em Lisboa, em 1915, contactando alguns
anarquistas.
O artigo baseou-se no depoimento do conhecido anarquista
Constantino Mendes (1890-1960) de alcunha o “Norte”.
O referido artigo reportava-se a Maio de 1915, talvez ao dia
14, no qual foi colocado um fim à breve ditadura de Pimenta de Castro.
Naquele dia de 14 de Maio de 1915, ocorreu um golpe de
estado, em Portugal, liderado por Álvaro de Castro e pelo general Sá
Cardoso, que teve como objectivo o derrube do governo presidido pelo
general Pimenta de Castro e a reposição da plena vigência da
Constituição Portuguesa de 1911.
Em Fevereiro de 1926, na conjuntura da ocasião em que sai o
artigo, atrás referido, no jornal “A Capital”, ocorriam lutas políticas muito
importantes, que teriam um desfecho fundamental, poucos meses depois, no 28 de
Maio daquele ano, e que determinou o fim da 1ª República.
Quanto ao teor do artigo jornalístico, entre outros factos, o
informador “Norte” dizia que Trotsky tinha estado em Lisboa, tomado um café na
Brasileira, com Eduardo Metzner (1889-1922), conhecido anarquista e, depois, co-fundador
do PCP.
Trotsky, depois, dirigiu-se ao Porto onde esteve hospedado em
casa de Cristiano de Carvalho, segundo alguns dos seus familiares, na Rua de
Álvaro Castelões, nº 541, em Matosinhos.
Dado o conhecimento que se tem da biografia de Trotsky é
quase impossível que as informações de “Norte” sejam verdadeiras.
Por outro lado, chegou a afirmar que o visitante se
apresentou como advogado, quando Trotsky estudou matemática.
Trotsky no Porto
Um outro curioso artigo publicado no "Jornal de
Notícias" na sua edição de 13 de Setembro de 1931, assinado por um
enigmático A. A., tem como título, em destaque, "Trotsky, o organizador do Exército Vermelho, esteve em Portugal?
Este artigo reportava para algo ocorrido no final do ano de
1916 ou início de 1917 e o seu autor (A.A.) dava a entender ser alguém fora do
quadro redactorial daquele periódico, que teria protagonizado ou tomado
conhecimento, muito de perto, dos factos que relatava, mas que desejava
preservar o seu anonimato, tanto mais que os tempos que se avizinhavam não eram
muito propícios para frequentadores de meios revolucionários e assim, preservaria,
também, o seu passado.
Na ocasião a que reportavam os factos narrados (final de
1916 ou início de 1917), Portugal vinha de entrar em guerra com a Alemanha desde
Março de 1916.
Dos momentos que se viviam à data em que sai o artigo, em
1931, no JN, é-nos dada uma panorâmica no texto seguinte.
Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”
O artigo do “Jornal de Notícias” tentava usar uma figura (Trotsky)
de prestígio internacional, para promover o anarco-sindicalismo (expoente máximo
da agitação à esquerda) e a Maçonaria, já que, nesses tempos de ditadura, eram ambos
alvos de perseguição.
Eis, alguns dos factos relatados.
"Aí por
princípios de 1917, (...) surgiu misteriosamente no Porto um indivíduo de meia-idade,
de aspecto simpático.
(…) Era um tipo
curioso, de 'perilha' em ponta, forte, de altura regular, testa ampla, lunetas,
cabelos em desalinho e olhar penetrante. Falava primorosamente o francês, mas
no espanhol, que algaraviava com certo tique cómico, punha um sotaque especial
que denunciava origem para além do Reno. Deambulou o sujeito misterioso uns
dias por certos meios operários portuenses até que, em dada noite, foi bater à
porta da União dos Sindicatos Operários, então com sede no 33 de Entreparedes. Foi
pela mão de Anastácio Ramos (...)”.
A.A.; Transcrição por cortesia de José Manuel Lopes Cordeiro,
In Jornal Público de 17 de Fevereiro de 2002
A morada expressa no texto anterior, Rua de Entreparedes, nº
33, era, desde 1906, a sede da Liga das Artes Gráficas e Anastácio Ramos deverá
ser Anastácio Gonçalves Ramos (1898-1858), operário metalúrgico e futuro membro
da Direcção do Partido Comunista do Porto, na década de 1920.
Estranha-se que A.A. faça referência à União dos Sindicatos
Operários, associação que, à data, não existia.
Pontificava, então, a União
Operária Nacional com duas secções, Norte e Sul.
A.A., o autor da peça jornalística afirmou, que durante a
reunião efectuada na tal morada, que o estrangeiro disse ser russo, desertor e
que desejaria ser apresentado a alguém da Maçonaria.
O Palacete das Lousas, onde funcionava a Escola Prática Comercial,
que tinha o maçon Raúl Dória (1878-1922) por director e ostentava o seu nome, abriu
as suas portas de par em par ao estrangeiro e ao maçon Cristiano de Carvalho, que
o acompanhou.
À data, o triunvirato constituído por Raúl Dória, seu pai,
José Maria da Silva Dória e José Campos Vaz geria a Escola Prática Comercial
Raúl Dória.
José Maria Silva Dória sendo um Republicano de destaque, era
também um maçon conhecido, tendo fundado três lojas maçónicas - «Liberdade e
Progresso», «Luz do Norte» e «Vitória». Delas foi eleito presidente várias
vezes.
Quanto ao estrangeiro, arranjaram-lhe cómodos e dinheiro e
alojaram-no no Grande Hotel da Batalha. Com que nome nunca se soube.
Desapareceu misteriosamente.
Palacete das Lousas, na Rua Gonçalo Cristovão, no local
onde, desde 9 de Outubro de 1907, funcionou a Escola Prática Comercial Raúl
Dória e, mais tarde, foi erguido o edifício que albergou o Jornal de Notícias
“Tocaram a rebate os
maçons. O estrangeiro foi recebido, em som de festa, no edifício da Escola Raul
Dória (...). Arranjaram-lhe cómodos próprios e dinheiro. Hospedou-se no Grande
Hotel da Batalha. Com que nome? Não se sabe. Só se sabe que, dias volvidos,
desapareceu”.
Cortesia de José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público de
17 de Fevereiro de 2002
As biografias de Trotsky relatam que estando no exílio, passou
os últimos meses de 1916, em Espanha. No 1º de Janeiro de 1917, Trotsky
embarcou no porto de Barcelona para Nova Iorque, tendo permanecido nos Estados
Unidos até meados de Março, quando teve notícias da Revolução de Fevereiro, na
Rússia, regressando então, de imediato, ao seu país natal.
Sobre uma estadia, nessa altura, em Portugal, nada consta.
Aliás, Trotsky que chegou a interessar-se pela vida da
maçonaria, tendo expressado algum apoio num documento gizado cerca de 1900,
acabaria, mais tarde, por renegar aquela prática por julgá-la de anti-marxista.
Cristiano de Carvalho, personalidade comum aos dois artigos
jornalísticos, separados por 5 anos, fora a sua actividade de caricaturista
bem-humorado, é descrito pelo jornal humorístico “O Pirolito” como “um
bem-disposto”, que se costumava mascarar, em festas carnavalescas, de LENINE.
Reinaldo Ferreira - o
repórter X
Reinaldo Ferreira, conhecido pelo pseudónimo de Repórter X,
(Lisboa, 1897 — Lisboa, 1935), foi um repórter, jornalista, dramaturgo e
realizador de cinema português. Era pai do poeta Reinaldo Ferreira (filho), de
seu nome Edgar Reinaldo, que viveu em Moçambique.
Era mestre em simular reportagens jornalísticas.
A 28 de Junho de 1919, foi agraciado com o grau de Oficial
da Ordem Militar de Santiago de Espada.
Nos anos seguintes, deambula por Paris e Barcelona, mas
devido à situação política que se vivia em Espanha, volta a Portugal.
É quando, ao tentar esconder o seu próprio nome num artigo
sensível sobre Primo de Rivera, prudentemente, assina "Repórter".
Todavia, por um acaso, o tipógrafo que recebe a peça vê um "x", no
que não era mais do que um rabisco e nascia, assim, o Repórter X.
Já empregado na revista lisboeta "ABC", é enviado
à Rússia, em 1925, para acompanhar a luta política desencadeada após a morte de
Lenine.
Vai para Paris e diz ter dificuldade em obter visto para a
Rússia.
Entretanto, vai mandando trabalho, designadamente uma
entrevista forjada a Conan Doyle, escritor das histórias de Sherlock Holmes.
Finalmente, chegam as crónicas russas.
Hoje, há a convicção e certeza de que Reinaldo nunca pôs os
pés na Rússia, apesar das sugestivas crónicas que enviava.
As informações eram obtidas a partir dos artigos de Henri
Béraud, que fora destacado pelo "Le Journal" para cobrir a situação
russa.
Em 1926, instalou residência no Porto e mantendo a
colaboração com a revista ABC, passa a trabalhar também para o jornal “O
Primeiro de Janeiro”.
ABC é a denominação comum de um conjunto de três revistas
(ABC; ABC a Rir e ABC-zinho) publicadas nas décadas de 1920 e 1930, em Lisboa e
propriedade da Sociedade Editorial ABC, Lda.
Capa da Revista ABC, em 1926, um semanário publicado às 5ªs
Feiras
Em 1926, o “Repórter X” relata o assassínio duma corista. Dá
a sentença: foi o seu empresário…e acerta!
“É em março desse ano
que se dá em Lisboa o célebre assassinato da corista Maria Alves, estrangulada
num táxi e lançada morta para a sarjeta. Baseando-se em anteriores crimes
congéneres e na intriga de um romance espanhol, Reinaldo aventa nos jornais que
o culpado é o ex-empresário da vítima, Augusto Gomes. E o espantoso é que
acerta.
Aproveitando mais este
sucesso do então já famoso Repórter X, o "Janeiro" publica-lhe o
folhetim "O Táxi nº 9297", que irá ser publicado em livro, levado ao
palco e convertido em filme, que o próprio Reinaldo Ferreira dirigirá no Porto,
nos estúdios da falida Invicta Film, com Alves da Costa no papel do
protagonista. Já em 1924 vira adaptada ao cinema, em Espanha, a novela El
Botones del Rit (O Groom do Ritz), e a sua Repórter X Film produzirá ainda três
curtas-metragens”.
Fonte: pt.wikipedia.org
Finalmente, nas bancas, surge, então, um misto de
jornal-revista, o “Repórter X”, fundada
e dirigida por Reinaldo Ferreira em parceria com o seu irmão Ângelo de Azevedo
Ferreira, que assumia as funções de «Director-Gerente, Administrador e Editor».
A equipa inicial inclui também o jornalista Mário Domingues
(1899-1977), como «Chefe de redacção» e o jornalista Guedes de Amorim
A vida do semanário de «grandes reportagens» desenrolou-se
entre 9 de Agosto de 1930 e 7 de Junho de 1933, concretizando 130 números.
Capa da revista Repórter X
O Repórter X morreu, precocemente, dependente da morfina.
Foi, para muitos, “Um
criador de factos”.
Trotsky e o Repórter
X
Quando saiu o primeiro artigo jornalístico, em 1926, centrado
sobre Trotsky, no jornal “A Capital”, o público andava delirante com as
reportagens que chegavam da Rússia da autoria do Repórter X.
Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”
Aquando do referido segundo artigo, que tinha Trotsky por
personagem de destaque, publicado no Jornal de Notícias em 1931, mais uma vez,
Reinaldo Ferreira, o Repórter X, gozou imenso com o mesmo.
Como resposta, confidencia que, por um acaso, Lenine é
tripeiro.
Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”
Reinaldo Ferreira, o reconhecido “criador de factos”, nas críticas aos artigos jornalísticos,
versando Trotsky, sabia do que falava.
Conclusão
Sobre os dois artigos jornalísticos, desfasados de cinco
anos, o elo de ligação entre eles tem uma personagem em comum, para além de
Trotsky, que é Cristiano de Carvalho.
Leon Trotsky, nascido Lev Davidovich Bronstein, em 1879, tem
a sua vida completamente escrutinada e nada se conhece que o coloque, alguma
vez, em Portugal.
Após a revolução, Trotsky serviu como fundador e líder do
Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa (1918–1920), ajudando os
bolcheviques a garantir a vitória. Ele também foi uma figura-chave nos
primeiros anos da União Soviética, ocupando vários cargos políticos
significativos, incluindo Comissário para Relações Exteriores e, mais tarde,
Comissário para a Guerra.
Trotsky se tornou uma figura central na luta pelo poder após
a morte de Lenin em 1924.
Trotsky foi expulso do Partido Comunista em 1927, exilado da
União Soviética em 1929 e passou o resto de sua vida em vários países,
incluindo Turquia, França e México. Em 1940, enquanto vivia no México, Trotsky
foi assassinado por um agente de Stalin.
Quanto ao conhecimento em Portugal da sua fisionomia, só
poderá fazer-se a sua identificação a partir de 1918, pois é quando surge, no
nosso país, pela primeira vez, uma sua fotografia publicada na revista “Ilustração
Portugueza” de Janeiro daquele ano.
Leon Trotsky – Foto publicada na revista “Ilustração Portugueza”
de 21 de Janeiro de 1918
Aqueles artigos tresandam a propaganda política lançada pelo
movimento anarquista e pela maçonaria ou, então, os envolvidos nos factos relatados foram alvo de um ou dois
vigaristas que comeram, se alojaram e viajaram à custa do seu semelhante.
Pode ainda dar-se o caso de que as duas versões jornalísticas, referidas anteriormente e cheias de imprecisões, se reportem a uma mesma história narrada por personagens distintas que não presenciaram os factos.