sábado, 28 de setembro de 2024

25.253 De teatro a armazéns da moda e, depois, a sucursal bancária e hotel

 
Com traseiras para a Rua de Sá da Bandeira, existiu um célebre teatro, com entrada principal pela Rua de Santo António (hoje, Rua 31 de Janeiro).
Aquela sala de espectáculos, chamada Teatro Baquet, foi mandada construir em 21 de Fevereiro de 1858 pelo alfaiate portuense António Pereira Baquet e inaugurada com um baile de Carnaval, em 13 de Fevereiro do ano seguinte.
Em 21 de Março de 1888, ali, deflagraria um pavoroso incêndio e encerrou para sempre.

 
 

Foto da fachada do teatro virada para a Rua de Santo António, após o incêndio 
 
 
 

Foto do ataque ao incêndio pela Rua de Sá da Bandeira – Ed. Revista Occidente n.º 334 de 1 de Abril de 1888
 
 
 
Na área onde esteve o Teatro Baquet, haveria de ser levantado um novo edifício com entradas pela Rua de Sá da Bandeira e Rua de Santo António, que albergaria os Armazéns Hermínios.
 
 

Armazéns Hermínios, à direita, no local anteriormente ocupado pelo Teatro Baquet. Ao lado, o Teatro Sá da Bandeira


 
 

Entrada dos Armazéns Hermínios pela Rua Sá da Bandeira onde, actualmente, está o "PortoBay Hotel Teatro"


 
 

PortoBay Hotel Teatro

 
 
A poucos metros do PortoBay Hotel Teatro, situa-se o velhinho Teatro Sá da Bandeira.
 
 
 

O Teatro Sá da Bandeira, c. 1970
 
 
 
O comerciante José Maria Ferreira, natural da freguesia de Melo, em Gouveia, começando por exercer a sua actividade, na Rua das Flores, de comércio de panos em grosso e a retalho, no início da década de 1880, alugou um espaço à entrada da Rua de Santa Catarina no local actualmente ocupado pela Livraria Latina.
Aí, abriu uma casa, a que deu o nome de Armazéns Hermínios, que seria uma alusão às suas origens na serra da Estrela – os Montes Hermínios.
 
 
 
 
Entrada da Rua de Santa Catarina na confluência com a Rua de Santo António (Rua 31 de Janeiro)



Na foto anterior, na primeira loja, à direita, na Rua de Santa Catarina esteve, na década de 1880, o comerciante José Maria Ferreira. Nesse mesmo prédio encontrava-se, também, desde há alguns anos, segundo informação de Alberto Pimentel no seu "Guia do Viajante na cidade do Porto e seus Arrabaldes", o "Hotel Pomba d'Ouro".
 
 
 
“O novo estabelecimento possuía confecção própria de roupa à medida e apresentava algumas características inovadoras em relação ao comércio envolvente: praticava o preço fixo, só vendia a dinheiro (e não a crédito) e editava, regularmente, catálogos dos seus produtos que enviava pelo correio a todos os clientes. Para além disso, como noticiava o jornal “A Província” em 1885, "o sistema adotado de vender todos os seus artigos com um lucro reduzido é, sem dúvida, uma das causas que contribui para o rápido desenvolvimento das suas operações". Perante o sucesso deste modelo, na década seguinte, José Maria Ferreira decidiu dar um passo em frente: criou uma sociedade – da qual fizeram parte, entre outros, o capitalista Henrique Burnay – com o objetivo de abrir, no Porto, uma grande galeria, do tipo parisiense.”
Cortesia Manuel de Sousa
 
 
 
 

Publicidade aos Armazéns Hermínios
 
 
 
“Os Hermínios eram também considerados uma instituição social, uma vez que abrangia cerca de 1.500 funcionários de todas as categorias. Dentro destas actividades sociais salientavam-se as excursões dos empregados, os grandiosos concertos, os “bodos aos pobres”, os saldos de ocasião e os balões oferecidos às crianças". 
Fonte: blogue Garfadas on Line
 


 

Interior dos Armazéns Hermínios, em 1908
 
 
 
Os Grandes Armazéns Hermínios tinham secções de tecidos para homem e senhora, fazendas brancas, estofos, camisaria, luvaria, miudezas, cutelaria, materiais de escritório, artigos de iluminação, louças, vidros e cristais, oleados e borrachas, perfumarias e bronzes, entre alguns outros.
Possuía ainda bufete, gabinete de leitura, telefone e caixa de correio.
A partir de 1909, todas as sextas-feiras, a gerência dos Hermínios levava a cabo concertos musicais, que deliciavam a clientela.


 

Publicidade aos Armazéns Hermínios, em 1914
 
 
 

Armazéns Hermínios, em 1908, com entrada pela Rua de Santo António
 
 
 
 
 
O interior dos Armazéns Hermínios estava dividido em dois pisos, de muito alto pé direito, devido à diferença de nível entre as ruas de Santo António e Sá da Bandeira.

 
 
 

Interior dos Armazéns Hermínios - Ed. Alvão

 
 

Interior, em 1913, dos Armazéns Hermínios - Ed. Le Temps Perdu
 
 
 

Fachada dos Armazéns Hermínios voltada para a Rua de Santo António


 
 

À direita, o local da antiga e desaparecida entrada para o Teatro Baquet e para os Armazéns Hermínios pela Rua de 31 de Janeiro, depois, foi uma dependência da CGD, actualmente, encerrada – Fonte: Google maps
 
 
 
 
Os “Grandes Armazéns Hermínios” que tinham sido inaugurados no dia 1 de Julho de 1893, em 26 de Julho de 1917, serão alvo da abertura de um processo de falência, pois, tinha, à data, um passivo de 520 contos de Réis, tendo, para o efeito, o respectivo juiz nomeado seus curadores-fiscais a Casa Burnay, de Lisboa e o Banco Aliança, do Porto.

sábado, 21 de setembro de 2024

25.252 Cristiano de Carvalho e a Universidade Popular do Porto. As lutas operárias e a propaganda política

 
Cristiano de Carvalho e as lutas operárias
 
No dia 24 de Abril 1974, pelas 22h55m, ia para o ar, nos Emissores Associados de Lisboa, a senha que pôs os militares na rua para derrube da ditadura – a conhecida canção “E depois do adeus”, de José Niza, interpretada por Paulo de Carvalho.
Precisamente, 76 anos antes, no dia 24 de Abril de 1898, um Domingo, no Monte Aventino, às Antas, na cidade do Porto, tinha lugar um comício operário de luta contra a Lei de 13 de Fevereiro de 1896, que tinha ilegalizado os movimentos anarquistas e era o resultado de uma proposta defendida por João Franco, então Ministro do Reino e, posteriormente, Presidente do Ministério, actuando a coberto de uma ditadura sancionada por D. Carlos, entre 1907 e 1908.
A meio do dito comício, interveio a polícia comandada pelo capitão Feijó, que se dirigiu a Cristiano de Carvalho, indagando se ele era o autor do documento, uma petição que, após aprovação pelos presentes, seria enviada ao Parlamento. Confirmada a autoria, ao autor do texto e aos três organizadores do comício (António Pereira de Carvalho, José Pinto Moreira e Joaquim Mendes Campos) foi dada voz de prisão e a reunião terminou abruptamente.



 
Jornal “A Voz Pública” de 26 de Abril de 1898
 
 
 
Eram tempos em que a política era exercida com exaltação e que decorreram entre o Ultimato Inglês, em Janeiro de 1890, e a implantação da República em 1910, tendo pelo meio a frustrada revolução de 31 de Janeiro de 1891, que teve o Porto como palco.
Assim, desde 11 de Janeiro de 1890, quando o Reino Unido lançou um ultimato a Portugal exigindo a retirada dos territórios entre Angola e Moçambique, sob a ameaça do rompimento de relações, que os ânimos se acirraram, face à posição de submissão das autoridades portuguesas.
Cristiano de Carvalho foi um, entre muitos, que se destacaram pela sua intervenção nas lutas operárias e que, por isso, deixou legado para a história.
O movimento anarquista pontificava nas lutas operárias e, a tal lei de 13 de Fevereiro de 1896, tinha chegado para infernizar os opositores à política de então.
A revista “O Berro”, entre muitas outras publicações, com as suas caricaturas, denegria as políticas e os governantes.

 
 
“O Berro” -  caricaturas (1896) de Celso Hermínio
 
 
 
Christiano Valle de Carvalho (Porto, Portugal, 22 de Dezembro de 1874 – Matosinhos, 21 de Novembro de 1940) começou a desenhar ainda jovem, revelando-se um forte crítico da sociedade e distribuindo os seus trabalhos pela imprensa.
Cristiano de Carvalho tinha 17 anos de idade, quando, apresentado pelo republicano Dr. José de Castro, no Clube de Propaganda Democrática do Norte, instalado no andar superior do Café Lusitano (esquina das ruas de Santa Catarina e Formosa), deu a conhecer, publicamente, a sua retórica.
Tendo apoiado a falhada revolução de 31 de Janeiro de 1891 teve, em sequência, que fugir e exilar-se em Paris, onde permaneceu durante 7 anos consecutivos.
Aproveitou, então, a oportunidade para se inscrever na Sorbonne, nos Cursos Livres de História e de Economia Política, tendo, sobre estes assuntos, colaborado em diversas revistas francesas.
Teve possibilidades, ainda, de estudar pintura e desenho.
Em Paris, foi companheiro de vários artistas portugueses, entre os quais os irmãos Teixeira Lopes, Francisco Gouveia, Júlio Pina e do seu amigo, de há muitos anos, António Carneiro, pelo qual foi retratado num óleo em 1894.
 
 
 

Christiano de Carvalho, em pintura (1894) a óleo de António Carneiro – Fonte: pt.wikipedia.org
 
 
 
Cristiano de Carvalho acabaria por fazer parte de uma lista de antigos revolucionários do 31 de Janeiro que foram amnistiados por D. Carlos e regressou a Portugal.
A partir deste momento, não pára mais.
Ilustrador, artista do desenho e caricaturista, colabora em vários jornais e revistas, entre muitos outros, na "Noite", na "Montanha", na "Voz Pública", na "Batalha", no "Primeiro de Janeiro", no "Comércio do Porto", no "Jornal de Notícias", "Tribuna", "Norte", "Diário de Notícias" e na revista " A Águia", órgão da Renascença Portuguesa.
Foi director artístico da revista regional "Ilustração Transmontana", que tinha como divisa da sua autoria, que ficou para a posteridade - «Para cá do Marão mandam os que cá estão».
Esta revista, cuja direcção estava a cargo de Joaquim Leitão, era identificada como de Arquivo Pittoresco, litterario e scientifico das terras transmontanas, tendo se publicado no 1°Ano-1908, 2° Ano- 1909 e no 3° Ano-1910, complementada com alguns suplementos daqueles mesmos anos.
Em 1904, com 30 anos de idade, Cristiano de Carvalho abre, na cidade do Porto, uma oficina gráfica, a «Photolythos», a qual teve que abandonar em virtude do aparecimento de diversas dificuldades financeiras, num momento de crise que, então, atravessou.
Será nessa actividade gráfica que se ligaria à “Liga de Artes Gráficas”, uma associação de operários que dominava no panorama do associativismo portuense e tinha a sua sede, a partir de 1906, na Rua de Entreparedes, 33 – 1º, vinda, sucessivamente, da Rua Formosa e do Largo da Cancela Velha.
No período que antecedeu a implantação da República, Cristiano de Carvalho colaborou nas revistas “Arte e Vida (1904-1906)” e “Luz e Vida (1905)” e, ainda, nos jornais “A Farça (1909-1910)” e “A Republica Portugueza (1910-1911)”.
Logo após o 5 de Outubro de 1910, publicou o jornal clandestino de combate “A Bomba”.
O primeiro número deste jornal saiu a 20 de Abril de 1912 e teve uma duração efémera, desaparecendo com o 10º número, a 22 de Junho do mesmo ano.
Dirigiam a “A Bomba”, Álvaro Pinto (1889-1957), na parte literária, e Cristiano de Carvalho (1874-1940) na artística.
O redactor era Laurindo Mendes e o editor Carlos Gonçalves. A redacção do jornal ficava na Rua da Alegria, 218, a tipografia, na Travessa Passos Manuel, 27.
Custava 2 centavos, e saía regularmente aos Sábados, em edições de 8 páginas.


 
 

“A Bomba”- Desenho a cores de Cristiano de Carvalho

 
 
Em 1912, Cristiano de Carvalho vai leccionar na Universidade Popular do Porto, inaugurada em 9 de Junho de 1912, tendo ficado célebres as suas lições, sobre a Comuna de Paris, dadas a um grande número de operários que enchiam as suas aulas.
A Universidade Popular do Porto teve como principal órgão a revista “A Águia” e, mais tarde, o quinzenário “Vida Portuguesa”.
As Universidades Populares surgiram no âmbito de uma cultura republicana, tendo como impulsionadora a Maçonaria, e a sua actividade baseava-se na oferta de cursos livres, conferências, palestras, visitas de estudo e concertos, para além de muitas outras actividades.
A cidade do Porto foi precursora no âmbito daquelas instituições de ensino.
Os anos lectivos de 1913 e 1914, tiveram grande afluência. Ainda, no ano de 1912, abriria a Universidade Popular de Coimbra e, em 1914, as da Póvoa de Varzim e Vila Real.
 
 
Criada a Universidade Popular do Porto. Na sua origem esteve José Lopes Dias, que integrava o grupo da "Renascença Portuguesa", - associação cultural, de que fizeram parte intelectuais como Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, João de Barros, Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Raul Proença, António Correia de Oliveira, Augusto Casimiro, etc. Na Universidade Popular eram ministrados diversos cursos, organizados concertos e outras actividades destinadas à educação e formação de adultos. Em Novembro deste ano, será igualmente constituída a Universidade Popular de Coimbra. É da cisão do grupo da Renascença Portuguesa que, em 1921, nasce a revista "Seara Nova", organizada por António Sérgio, Jaime Cortesão e Raúl Proença.”
Fonte: Fundação Mário Soares
 
 
“Data de 9 de junho de 1912 a inauguração da Universidade Popular do Porto e, para esse ano letivo, fora gizado um plano que previa a realização de quarenta e nove conferências nos cursos públicos e algumas dezenas de lições integradas nos cursos especiais. As áreas disciplinares correspondentes ao currículo das lições públicas distribuem-se entre História Pátria, História da Literatura Portuguesa, Introdução ao estudo das Ciências Naturais, Fenómenos correntes da Física, Biologia, História da Filosofia, Filosofia, Botânica. Titulam-nas professores como Jaime Cortesão, Alfredo Coelho de Magalhães, Gonçalo Sampaio, João Diogo, António Correia de Sousa, Leonardo Coimbra, Cristiano de Carvalho. Os cursos especiais, com a duração de três a quatro meses, em duas ou três lições semanais, abrangem áreas específicas, numa perspetiva de carácter profissional, quando não de ensino técnico-profissional”.
Cortesia de Paulo Samuel (Ensaísta; investigador-integrado do CHC (UNL); investigador convidado do CEPP e do CLEPUL)
 
 
 
 
Em 1916, Cristiano de Carvalho colabora na revista Miau, um semanário humorístico que se publicou no Porto, entre 21 de Janeiro e 26 de Maio de 1916, totalizando 19 números.
Há já alguns meses que, em virtude das ocorrências da 1ª Guerra mundial, e mesmo para lá do rescaldo do conflito, que tinham deixado de ter lugar as populares aulas de Cristiano de Carvalho sobre a “Comuna de Paris” e todas as outras palestras e cursos da Universidade Popular do Porto.
A Universidade Popular do Porto reabria, no entanto, em Fevereiro de 1923.
Entretanto, Teixeira de Pascoaes abandonara a direcção da revista “A Águia”, em 1917, e a revista concluíra a prestigiada 2ª série, na qual participou Cristiano de Carvalho com valiosos desenhos (“Álbum da Miséria e do Trabalho”) de tema social.
“A Águia” passaria desde Julho de 1922 (3.ª série) a ser dirigida por Leonardo Coimbra.
Em 1932, a “Portucalense Editora, Lda.”, Barcelos, vai editar a obra “Revelações” da autoria de Cristiano de Carvalho.


 
 

Capa do livro “Revelações” de Christiano de Caravalho
 
 
 
 
Vários temas são tratados na obra “Revelações” que tem como limite temporal o ano de 1891: Homens ilustres do meu tempo: poetas, artistas e heróis; O ultimatum inglês; Antero de Quental e a Liga Patriótica do Norte; Os governos e o Rei; A acção do partido republicano; A conspiração republicana de Janeiro de 1891.
Destacam-se, ainda, as várias caricaturas de personalidades da época, feitas pelo autor como, por exemplo, Eça, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Teófilo, etc..
Parece que entre o imenso espólio de Cristiano de Carvalho, que sobrevive na mão dos seus descendentes, poderão conter os documentos que permitiriam editar o 2º volume da obra “Revelações”, que não chegou a ser elaborada e, por isso, nunca subiu aos escaparates.
 
 
 
 

Retrato (original a tinta da china) de Cristiano de Carvalho reproduzido a partir do seu livro Revelações – Ed. Mosca
 
 
 
A casa n.º 112 da Rua de S. Roque, em Matosinhos, onde veio a estar no seu rés-do-chão a Farmácia Cunha, até à sua demolição, nos anos 70 do séc. XX, era conhecida por Casa dos Valle por ter pertencido a esta família e nela viveu Christiano Valle de Carvalho até à sua morte em 21 de Novembro de 1940.


 
 

Casa dos Valle onde viveu Christiano de Carvalho, na Rua de S. Roque, em Matosinhos – Cortesia de Vitor Monteiro

 
 
 

Farmácia Cunha, na Rua de S. Roque, em Matosinhos – Cortesia de Vitor Monteiro





À esquerda, em 1966, a antiga casa dos Valle, na Rua de S. Roque, onde esteve a Farmácia Cunha – Foto do arquitecto Menéres
 
 

 
Propaganda Política
 
Trotsky em Lisboa
 
 
Em 1926, o Jornal “A Capital”, num artigo cujo título era “Figuras da Revolução Russa” e o sub-título, “Trotzki: o organizador dos exércitos vermelhos”, dava conta de que Leon Trotsky teria estado em Lisboa, em 1915, contactando alguns anarquistas.
O artigo baseou-se no depoimento do conhecido anarquista Constantino Mendes (1890-1960) de alcunha o “Norte”.
O referido artigo reportava-se a Maio de 1915, talvez ao dia 14, no qual foi colocado um fim à breve ditadura de Pimenta de Castro.
Naquele dia de 14 de Maio de 1915, ocorreu um golpe de estado, em Portugal, liderado por Álvaro de Castro e pelo general Sá Cardoso, que teve como objectivo o derrube do governo presidido pelo general Pimenta de Castro e a reposição da plena vigência da Constituição Portuguesa de 1911.
Em Fevereiro de 1926, na conjuntura da ocasião em que sai o artigo, atrás referido, no jornal “A Capital”, ocorriam lutas políticas muito importantes, que teriam um desfecho fundamental, poucos meses depois, no 28 de Maio daquele ano, e que determinou o fim da 1ª República.
Quanto ao teor do artigo jornalístico, entre outros factos, o informador “Norte” dizia que Trotsky tinha estado em Lisboa, tomado um café na Brasileira, com Eduardo Metzner (1889-1922), conhecido anarquista e, depois, co-fundador do PCP.
Trotsky, depois, dirigiu-se ao Porto onde esteve hospedado em casa de Cristiano de Carvalho, segundo alguns dos seus familiares, na Rua de Álvaro Castelões, nº 541, em Matosinhos.
Dado o conhecimento que se tem da biografia de Trotsky é quase impossível que as informações de “Norte” sejam verdadeiras.
Por outro lado, chegou a afirmar que o visitante se apresentou como advogado, quando Trotsky estudou matemática.

 
 
Trotsky no Porto
 
 
Um outro curioso artigo publicado no "Jornal de Notícias" na sua edição de 13 de Setembro de 1931, assinado por um enigmático A. A., tem como título, em destaque, "Trotsky, o organizador do Exército Vermelho, esteve em Portugal?
Este artigo reportava para algo ocorrido no final do ano de 1916 ou início de 1917 e o seu autor (A.A.) dava a entender ser alguém fora do quadro redactorial daquele periódico, que teria protagonizado ou tomado conhecimento, muito de perto, dos factos que relatava, mas que desejava preservar o seu anonimato, tanto mais que os tempos que se avizinhavam não eram muito propícios para frequentadores de meios revolucionários e assim, preservaria, também, o seu passado.
Na ocasião a que reportavam os factos narrados (final de 1916 ou início de 1917), Portugal vinha de entrar em guerra com a Alemanha desde Março de 1916.
Dos momentos que se viviam à data em que sai o artigo, em 1931, no JN, é-nos dada uma panorâmica no texto seguinte.


 
 

Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”
 
 
 
 
O artigo do “Jornal de Notícias” tentava usar uma figura (Trotsky) de prestígio internacional, para promover o anarco-sindicalismo (expoente máximo da agitação à esquerda) e a Maçonaria, já que, nesses tempos de ditadura, eram ambos alvos de perseguição.
Eis, alguns dos factos relatados.
 
 
"Aí por princípios de 1917, (...) surgiu misteriosamente no Porto um indivíduo de meia-idade, de aspecto simpático.
(…) Era um tipo curioso, de 'perilha' em ponta, forte, de altura regular, testa ampla, lunetas, cabelos em desalinho e olhar penetrante. Falava primorosamente o francês, mas no espanhol, que algaraviava com certo tique cómico, punha um sotaque especial que denunciava origem para além do Reno. Deambulou o sujeito misterioso uns dias por certos meios operários portuenses até que, em dada noite, foi bater à porta da União dos Sindicatos Operários, então com sede no 33 de Entreparedes. Foi pela mão de Anastácio Ramos (...)”.
A.A.; Transcrição por cortesia de José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público de 17 de Fevereiro de 2002

 
 
A morada expressa no texto anterior, Rua de Entreparedes, nº 33, era, desde 1906, a sede da Liga das Artes Gráficas e Anastácio Ramos deverá ser Anastácio Gonçalves Ramos (1898-1858), operário metalúrgico e futuro membro da Direcção do Partido Comunista do Porto, na década de 1920.
Estranha-se que A.A. faça referência à União dos Sindicatos Operários, associação que, à data, não existia.
Pontificava, então, a União Operária Nacional com duas secções, Norte e Sul.
A.A., o autor da peça jornalística afirmou, que durante a reunião efectuada na tal morada, que o estrangeiro disse ser russo, desertor e que desejaria ser apresentado a alguém da Maçonaria.
O Palacete das Lousas, onde funcionava a Escola Prática Comercial, que tinha o maçon Raúl Dória (1878-1922) por director e ostentava o seu nome, abriu as suas portas de par em par ao estrangeiro e ao maçon Cristiano de Carvalho, que o acompanhou.
À data, o triunvirato constituído por Raúl Dória, seu pai, José Maria da Silva Dória e José Campos Vaz geria a Escola Prática Comercial Raúl Dória.
José Maria Silva Dória sendo um Republicano de destaque, era também um maçon conhecido, tendo fundado três lojas maçónicas - «Liberdade e Progresso», «Luz do Norte» e «Vitória». Delas foi eleito presidente várias vezes.
Quanto ao estrangeiro, arranjaram-lhe cómodos e dinheiro e alojaram-no no Grande Hotel da Batalha. Com que nome nunca se soube. Desapareceu misteriosamente.


 
 

Palacete das Lousas, na Rua Gonçalo Cristovão, no local onde, desde 9 de Outubro de 1907, funcionou a Escola Prática Comercial Raúl Dória e, mais tarde, foi erguido o edifício que albergou o Jornal de Notícias

 
 
“Tocaram a rebate os maçons. O estrangeiro foi recebido, em som de festa, no edifício da Escola Raul Dória (...). Arranjaram-lhe cómodos próprios e dinheiro. Hospedou-se no Grande Hotel da Batalha. Com que nome? Não se sabe. Só se sabe que, dias volvidos, desapareceu”.
Cortesia de José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público de 17 de Fevereiro de 2002
 



As biografias de Trotsky relatam que estando no exílio, passou os últimos meses de 1916, em Espanha. No 1º de Janeiro de 1917, Trotsky embarcou no porto de Barcelona para Nova Iorque, tendo permanecido nos Estados Unidos até meados de Março, quando teve notícias da Revolução de Fevereiro, na Rússia, regressando então, de imediato, ao seu país natal.
Sobre uma estadia, nessa altura, em Portugal, nada consta.
Aliás, Trotsky que chegou a interessar-se pela vida da maçonaria, tendo expressado algum apoio num documento gizado cerca de 1900, acabaria, mais tarde, por renegar aquela prática por julgá-la de anti-marxista.
Cristiano de Carvalho, personalidade comum aos dois artigos jornalísticos, separados por 5 anos, fora a sua actividade de caricaturista bem-humorado, é descrito pelo jornal humorístico “O Pirolito” como “um bem-disposto”, que se costumava mascarar, em festas carnavalescas, de LENINE.
 
 
 
Reinaldo Ferreira - o repórter X
 
 
Reinaldo Ferreira, conhecido pelo pseudónimo de Repórter X, (Lisboa, 1897 — Lisboa, 1935), foi um repórter, jornalista, dramaturgo e realizador de cinema português. Era pai do poeta Reinaldo Ferreira (filho), de seu nome Edgar Reinaldo, que viveu em Moçambique.
Era mestre em simular reportagens jornalísticas.
A 28 de Junho de 1919, foi agraciado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada.
Nos anos seguintes, deambula por Paris e Barcelona, mas devido à situação política que se vivia em Espanha, volta a Portugal.
É quando, ao tentar esconder o seu próprio nome num artigo sensível sobre Primo de Rivera, prudentemente, assina "Repórter". Todavia, por um acaso, o tipógrafo que recebe a peça vê um "x", no que não era mais do que um rabisco e nascia, assim, o Repórter X.
Já empregado na revista lisboeta "ABC", é enviado à Rússia, em 1925, para acompanhar a luta política desencadeada após a morte de Lenine.
Vai para Paris e diz ter dificuldade em obter visto para a Rússia.
Entretanto, vai mandando trabalho, designadamente uma entrevista forjada a Conan Doyle, escritor das histórias de Sherlock Holmes.
Finalmente, chegam as crónicas russas.
Hoje, há a convicção e certeza de que Reinaldo nunca pôs os pés na Rússia, apesar das sugestivas crónicas que enviava.
As informações eram obtidas a partir dos artigos de Henri Béraud, que fora destacado pelo "Le Journal" para cobrir a situação russa.
Em 1926, instalou residência no Porto e mantendo a colaboração com a revista ABC, passa a trabalhar também para o jornal “O Primeiro de Janeiro”.
ABC é a denominação comum de um conjunto de três revistas (ABC; ABC a Rir e ABC-zinho) publicadas nas décadas de 1920 e 1930, em Lisboa e propriedade da Sociedade Editorial ABC, Lda.
 
 
 

Capa da Revista ABC, em 1926, um semanário publicado às 5ªs Feiras
 
 
 
Em 1926, o “Repórter X” relata o assassínio duma corista. Dá a sentença: foi o seu empresário…e acerta!
 
 
“É em março desse ano que se dá em Lisboa o célebre assassinato da corista Maria Alves, estrangulada num táxi e lançada morta para a sarjeta. Baseando-se em anteriores crimes congéneres e na intriga de um romance espanhol, Reinaldo aventa nos jornais que o culpado é o ex-empresário da vítima, Augusto Gomes. E o espantoso é que acerta.
Aproveitando mais este sucesso do então já famoso Repórter X, o "Janeiro" publica-lhe o folhetim "O Táxi nº 9297", que irá ser publicado em livro, levado ao palco e convertido em filme, que o próprio Reinaldo Ferreira dirigirá no Porto, nos estúdios da falida Invicta Film, com Alves da Costa no papel do protagonista. Já em 1924 vira adaptada ao cinema, em Espanha, a novela El Botones del Rit (O Groom do Ritz), e a sua Repórter X Film produzirá ainda três curtas-metragens”.
Fonte: pt.wikipedia.org
 
 
 
Finalmente, nas bancas, surge, então, um misto de jornal-revista, o “Repórter X”, fundada e dirigida por Reinaldo Ferreira em parceria com o seu irmão Ângelo de Azevedo Ferreira, que assumia as funções de «Director-Gerente, Administrador e Editor».
A equipa inicial inclui também o jornalista Mário Domingues (1899-1977), como «Chefe de redacção» e o jornalista Guedes de Amorim
A vida do semanário de «grandes reportagens» desenrolou-se entre 9 de Agosto de 1930 e 7 de Junho de 1933, concretizando 130 números.
 
 
 

Capa da revista Repórter X
 
 
O Repórter X morreu, precocemente, dependente da morfina.
Foi, para muitos, “Um criador de factos”.
 
 
 
 
 
 
Trotsky e o Repórter X
 
 
Quando saiu o primeiro artigo jornalístico, em 1926, centrado sobre Trotsky, no jornal “A Capital”, o público andava delirante com as reportagens que chegavam da Rússia da autoria do Repórter X.


 
Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”



Aquando do referido segundo artigo, que tinha Trotsky por personagem de destaque, publicado no Jornal de Notícias em 1931, mais uma vez, Reinaldo Ferreira, o Repórter X, gozou imenso com o mesmo.
Como resposta, confidencia que, por um acaso, Lenine é tripeiro.



 

Cortesia de João MacDonald, In semanário “Expresso”
 
 
 
Reinaldo Ferreira, o reconhecido “criador de factos”, nas críticas aos artigos jornalísticos, versando Trotsky, sabia do que falava.
 
 
 
 
 
 
Conclusão
 
 
Sobre os dois artigos jornalísticos, desfasados de cinco anos, o elo de ligação entre eles tem uma personagem em comum, para além de Trotsky, que é Cristiano de Carvalho.
Leon Trotsky, nascido Lev Davidovich Bronstein, em 1879, tem a sua vida completamente escrutinada e nada se conhece que o coloque, alguma vez, em Portugal.
Após a revolução, Trotsky serviu como fundador e líder do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa (1918–1920), ajudando os bolcheviques a garantir a vitória. Ele também foi uma figura-chave nos primeiros anos da União Soviética, ocupando vários cargos políticos significativos, incluindo Comissário para Relações Exteriores e, mais tarde, Comissário para a Guerra.
Trotsky se tornou uma figura central na luta pelo poder após a morte de Lenin em 1924.
Trotsky foi expulso do Partido Comunista em 1927, exilado da União Soviética em 1929 e passou o resto de sua vida em vários países, incluindo Turquia, França e México. Em 1940, enquanto vivia no México, Trotsky foi assassinado por um agente de Stalin.
Quanto ao conhecimento em Portugal da sua fisionomia, só poderá fazer-se a sua identificação a partir de 1918, pois é quando surge, no nosso país, pela primeira vez, uma sua fotografia publicada na revista “Ilustração Portugueza” de Janeiro daquele ano.

 
 

Leon Trotsky – Foto publicada na revista “Ilustração Portugueza” de 21 de Janeiro de 1918

 
 
Aqueles artigos tresandam a propaganda política lançada pelo movimento anarquista e pela maçonaria ou, então, os envolvidos nos factos relatados foram alvo de um ou dois vigaristas que comeram, se alojaram e viajaram à custa do seu semelhante.
Pode ainda dar-se o caso de que as duas versões jornalísticas, referidas anteriormente e cheias de imprecisões, se reportem a uma mesma história narrada por personagens distintas que não presenciaram os factos.

sábado, 14 de setembro de 2024

25.251 Passagens do Imperador D. Pedro II do Brasil pela cidade

 
Em 1 de Março de 1872, D. Pedro II (1825-1891), imperador do Brasil, começa uma visita à cidade do Porto, acompanhado pela imperatriz, D. Teresa Cristina Maria de Bourbon.
O imperador D. Pedro II do Brasil era filho do Imperador D. Pedro I do Brasil (Rei D. Pedro IV de Portugal) e de Maria Leopoldina.
Sobe ao trono, em 1841, tendo o Brasil, durante 1831 e 1840, vivido o chamado “Período Regencial”, já que D. Pedro I, seu pai, tinha abdicado e ele ainda era menor de idade.
No Porto, a comitiva irá ficar alojada, no Hotel do Louvre, à Rua do Triunfo (Rua D. Manuel II) que, para o efeito, foi alvo de diversas remodelações por parte da sua proprietária, D. Henriqueta Alvellos.
O primeiro andar do Hotel foi destinado aos Imperadores, e o segundo para a sua comitiva.
 
 
 

D. Pedro II, em 1870, com 45 anos de idade
 
 
 
Aquela estadia ficaria para a história, entre outros factos, pela situação de embaraço criada, quando o imperador, influenciado pelo cônsul do Brasil, no Porto, achando especulativa a conta apresentada, se recusou a liquidá-la. Um escândalo!



 

Fachada do prédio, voltada para a Rua do Rosário, onde esteve o Hotel do Louvre

 
 
A dona do hotel, após decisão de um tribunal lhe ter dado razão, ao fim de 5 anos, na acção judicial que, entretanto, correu, haveria de embarcar num navio para o Brasil, tentando resgatar a conta  de mil libras em dívida.
Para obstar ao escândalo, quatro ricos portugueses, residentes no Brasil, pagariam do seu bolso a dita maquia.
A visita acontecida em 1872, à cidade do Porto, começaria a ser preparada alguns meses antes.
Assim, em 25 de Maio de 1871, D. Pedro II e a sua mulher D. Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889) partem do Rio de Janeiro no paquete Douro.
Chegados a Lisboa a 12 de Junho, permanecem de quarentena obrigatória no Lazareto, tendo recusado a oferta de D. Luís para o fazerem na corveta portuguesa Estephanea.
Finda a quarentena, instalaram-se no Hotel Bragança até à partida no caminho-de-ferro para uma digressão pela Europa, em Junho de 1871. Visitaram Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Itália e o Egipto.
No fim do dia 29 de Fevereiro de 1872, estão na fronteira espanhola e no comboio do correio dirigem-se para o Porto, tendo desembarcado na estação das Devesas, em V. N. de Gaia, pelas 7,30 horas da manhã, do dia 1 de Março, 6ª Feira, onde são recebidos pelas autoridades, seguindo-se o atravessamento do rio Douro e, finalmente, a cidade do Porto.

 
 

Ponte Pênsil sobre o rio Douro. Na chegada do Imperador, duas linhas de bandeiras tremulavam nas guardas da ponte - Foto: Calótipo de Frederick William Flower
 
 
 

Arco Triunfal, ao cimo da Rua de S. João, no percurso do Imperador D. Pedro II, após atravessar o rio Douro, vindo das Devesas e da Ribeira onde esteve montado um elegante pavilhão

 
 
 

Largo da Feira de S. Bento (com a Igreja dos Congregados, em fundo), e o pavilhão montado e devidamente preparado para receber o Imperador em 1872



 
Arco Triunfal, na Rua dos Clérigos, com o palacete das Cardosas, à esquerda

 
 
Os Imperadores do Brasil, entraram na cidade em carro descoberto, tendo as tropas apresentando armas.
Uma breve homenagem, ainda nas Devesas, foi feita ao filho do Imperador-Soldado, numa alocução redigida por João Luís de Melo e entregue a S.M., e assinada por antigos soldados que combateram com seu Pai.
Alojada a comitiva no Hotel do Louvre, depois de desfilar pelas ruas da cidade, ornamentadas com seus arcos triunfais, e terminado o almoço, seguir-se-ia a visita à cidade.
A jornada começaria pela presença numa missa na Lapa às 11h.
Depois, visitaram a Bolsa, a Igreja dos Franciscanos, a Misericórdia e, aí, apreciaram o quadro (Fons Vitae) dessa instituição, o Ateneu Portuense e a Academia Portuense de Belas-Artes, onde foram recebidos pelo subinspetor Conde de Samodães.
Durante a visita à Academia Portuense de Belas Artes, sedeada no extinto convento de S. Lázaro, D. Pedro II procurou conhecer os pintores Francisco Rezende e João Correia e as suas obras, pelo prestígio que tinham, entretanto, adquirido.
Disso, nos dá conta o texto seguinte:
 
 
“Depois de reparar no mau estado em que se acha o edifício, cuja reparação compete à camara municipal da cidade, subiu às aulas da Academia, e ahi notou os quadros dos srs. Francisco José Resende e João António Corrêa, que elogiou, perguntando pelo primeiro, o qual se não achava presente. Mais tarde foi o sr. Resende recebido no hotel do Louvre, aonde foi offerecer-lhe dois quadros, um de costumes, outro com o retrato del-rei o sr. D. Luiz.”…
In Viagem dos Imperadores do Brasil em Portugal. Imprensa da Universidade. Coimbra 1872. (pág.103)
 
 
Entretanto, no Jornal “O Primeiro de Janeiro” de 3 de Março de 1872 dizia-se a propósito daquela visita:
 
 
Hontem, pelas 7 horas da manhã foi o snr. Resende collocalos na sala de espera do hotel do Louvre, e quando procedia áquella operação, entraram na sala o snr. D. Pedro II com os snrs. Marquez de Ficalho, Andrade Corvo e seu secretario António Sampaio, os quais não só muito elogiaram os quadros como também dirigiram affectuosissimas palavras ao notável artista. Suas magestades querem que aquellas pinturas vão já na sua companhia para o Rio de Janeiro.
 
 
 

“Pescadores numa Praia” (1887), com perspectiva sobre a praia de Matosinhos - Óleo sobre tela 95 x 145 cm, de Francisco José Rezende, exposto no Palácio Nacional de Queluz
 
 
 
Os Paços do Concelho e a Igreja dos Clérigos foram os alvos seguintes da imperial comitiva.
Às 7h, houve recepção de diversas autoridades no Hotel do Louvre.
Na oportunidade, uma delegação de Estudantes Brasileiros no Porto, foram entregar e ler uma mensagem a S.M.I., D. Pedro II.
Às 9h, aconteceu um espectáculo no Teatro Bacquet. S.M. manifestou, então, desejos de falar a Camilo Castelo Branco.
Durante a noite a cidade esteve iluminada, nomeadamente, a Praça D. Pedro, o edifício da Câmara, a Rua de Santo António e as escadas da igreja de Santo Ildefonso, arco dos Lóios e o pavilhão da Feira de S. Bento.
O dia seguinte, 2 de Março, um Sábado começou cedo, tendo o imperador visitado, na companhia do marquês de Ficalho, a Foz, Leça e Matosinhos.
Antes, pelas 7 horas da manhã, já o pintor Francisco Rezende tinha deixado no Hotel Louvre as pinturas que se destinavam ao Imperador.
Na Foz, D. Pedro II visitou o Salva-Vidas e o Castelo da Foz, a que se seguiu a fortaleza da Serra do Pilar.
A Escola Politécnica, o mercado do Anjo, o Instituto Industrial, o mercado do Bolhão e a fábrica da Companhia de Fiação Portuense, ao Campo 24 de Agosto, foram também alvo da atenção de D. Pedro II.
E, era chegado o momento da visita a Camilo Castelo Branco.
Antes, D. Pedro II tinha feito, um convite ao escritor Camilo Castelo Branco para que o visitasse, no Hotel do Louvre, para o agraciar com a Ordem da Rosa.
O escritor declinou o convite, dizendo-se doente, mas o imperador toma, então, a decisão de ser ele a dirigir-se a casa do enfermo, a S. Lázaro.
 
 
 

Na primeira casa, à esquerda, a S. Lázaro, morava Camilo, quando foi visitado pelo Imperador D. Pedro II, em 1872

 
 
Só após treze anos decorridos sobre esta visita, o decreto que fez Camilo, Visconde de Correia Botelho, acabaria por ser assinado, por D. Luís, a 18 de Junho de 1885.
Antes do jantar, ainda foi visitado o Hospital de Santo António, a Escola Médico-Cirúrgica e o Museu Municipal da Rua da Restauração.
Após aquele repasto, houve recepção ao corpo consular e pelas 9 horas no Teatro S. João subiu ao palco a ópera “Poliuto”, uma tragédia lírica de Gaetano Donizetti.
Após passar dois dias completos, no Porto, a comitiva imperial, logo no dealbar da madrugada de 3 de Março, um Domingo, parte para Braga, pernoita em Barcelos e, no dia seguinte, estavam outra vez na estação das Devesas, onde foram apresentados os cumprimentos das autoridades. Seguir-se-ia a visita a Coimbra e a chegada a Lisboa com hospedagem no Hotel Bragança, depois de passagem por Leiria, Alcobaça, Caldas e Batalha.
 
 
 
O regresso à cidade do Porto
 
 
O imperador D. Pedro II e a imperatriz D. Teresa Cristina Maria de Bourbon haveriam de retornar à cidade do Porto, alguns anos mais tarde, embora em situação nada festiva.
Em 1889, aqui chegavam para se exilarem, em consequência da implantação da República no Brasil.
Seria no Grande Hotel do Porto, na Rua de Santa Catarina, que se hospedaram e, num dos seus quartos, que a imperatriz morreu, no começo da tarde do dia 28 de Dezembro de 1889, quando D. Pedro II realizava uma visita de cortesia à Escola Portuense de Belas Artes, a S. Lázaro.
Nos tempos que se seguiram, o imperador exilado irá ser alvo de diversos actos de grande amizade, cujo protagonista foi o conde de Alves Machado, nomeadamente, custeando as despesas de funeral da imperatriz e auxiliando, pontualmente, o imperador na sua estadia em Paris.
O conde Alves Machado foi a personagem que se destacou, para sempre, por ter vivido cerca de quarenta anos no Hotel Francfort, sendo dono de um magnífico palacete na Praça da República, que ainda hoje existe, mas em completa ruína.
 
 
 
Antecâmara da visita de D. Pedro II a Camilo Castelo Branco
 
 
Alguns dias antes da visita de D. Pedro II à sua casa em S. Lázaro, por uma questão de deferência para com o imperador, tinha Camilo Castelo Branco dado ordens à sua editora para parar com a impressão do seu romance “A Infanta Capelista” que tinha por tema central o tráfico negreiro efectuado pelos portugueses, no Brasil.
A Casa de Bragança era também criticada.


 
 

Um dos 50 exemplares (Edição fac-similada) mandado reproduzir, em 1952, no Porto, pela Livraria Moreira da Costa, filha – Cortesia do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro

 
 
Em meados do século XX, tendo conseguido reconstituir um exemplar completo, a Livraria Moreira da Silva-Filha vai publicar uma edição fac-similada de 50 exemplares da “Infanta Capellista” sendo, por isso, processada por Flora Augusta Castelo Branco Vilaça, neta de Camilo Castelo Branco, que vem a ganhar o processo e é indemnizada em 18.500 escudos, em sentença proferida em 12 de Janeiro de 1959.
No processo judicial se narrava o modo como a Livraria Moreira da Costa tinha feito a reconstituição da obra literária:
 
 
“raríssimos exemplares escaparam à destruição ordenada, nomeadamente, as folhas impressas, dadas por Camilo, como papel velho, a um barbeiro, tendo-se conseguido pelo menos reconstituir um exemplar completo e depois, com a reconstituição imprimiu alguns exemplares.”
 
 
Ainda no ano de 1872, a Livraria Ernesto Chardron vai publicar, poucos meses após a destruição de “A Infanta Capelista”, a obra “O Carrasco de Vítor Hugo José Alves”, romance cujos personagens e história seguiam o rumo de “A Infanta Capelista”, com as poucas alterações que o escritor decidiu introduzir.
Eram, entre outros, seus alvos, os brasileiros de torna-viagem e antigos negreiros, Manoel Pinto da Fonseca e Joaquim Pinto da Fonseca.
Em 1916, a Livraria Lello publica, em reedição, “O Carrasco de Vítor Hugo José Alves”.