Prólogo
No Verão de 2025, Miguel Carneiro, que compartilha com
Susana Fernandes a gestão de “Moreira da Costa, alfarrabistas”, na Rua de Avis, n.º
36, deu-nos a conhecer uma foto antiga, inédita, que lhe tinha sido apresentada
por um cliente, possivelmente, da rua onde a sua loja está instalada, desde há
muitos anos.
Inicialmente, uma livraria foi fundada no local antes
ocupado pelo antigo alfarrabista conhecido como “Casa do Lopes”, situada na Rua
da Fábrica, n.º 48, passando, em 1909, para a Travessa da Fábrica, n.º 50.
Hoje, ocupa um espaço no edifício do Hotel Infante Sagres,
construído em meados do século XX. É a “Moreira da Costa, alfarrabistas”.
A citada foto carecia de ser estudada e, por isso, quando
decidimos fazê-lo, cerca de seis meses após ter tomado conhecimento dela,
apercebemo-nos, que o tal cliente da "Moreira da Costa, alfarrabistas", era Nuno Cruz,
um estudioso da história da cidade do Porto, que a dá a conhecer em diversas
publicações.
Diz, Nuno Cruz, numa delas, a propósito do tema:
“Pouco antes da
Biblioteca Pública Municipal do Porto fechar portas para a sua total
remodelação, que a obrigará a estar por mais de cinco anos encerrada, era o meu
passatempo preferido ali me deslocar, aos sábados de manhã, na procura de
velharias, antiguidades, "ineditidades" nos jornais antigos do Porto.
Numa dessas rusgas acabei por encontrar, num pouco conhecido - e de curta vida
-- periódico do início do século XX chamado O Porto, uma ou outra imagem
surpreendente. A imagem que aqui apresento, levou-me pouco tempo a identificar
com acuidade, embora já a tivesse desde 2022. A verdade é que só na última
semana "me virei" para ela, com mais atenção”.
Cortesia de Nuno Cruz (9 de Junho de 2025)
“…jornal O Porto e tem como título A
Carestia da Vida. Triste título... mas falar sobre esses tempos de
desespero deixarei para outrem, que o fará de certeza bem melhor do que eu! A
legenda da imagem é Venda do azeite na CASA FAVORITA (Castanheira e Fonseca)”.
Cortesia de Nuno Cruz (9 de Junho de 2025)
Estudo
Sobre a foto em causa e a identificação do lugar em que
aconteceu a recolha da foto original, que vai ser dissecada, Nuno Cruz
apresenta factos irrefutáveis.
Assim, não parece haver dúvidas de que, à direita, está a
chamada “Casa da Fábrica”, durante muitos anos, o edifício mais emblemático da
Rua da Fábrica, fazendo esquina com a Travessa da Fábrica, que fazia a ligação
à Rua da Picaria e que, em meados do século XX, deu o seu espaço ao Hotel
Infante de Sagres.
Tendo a Travessa da Fábrica a orientação Sul/Norte, do lado
nascente do arruamento, como se pode observar, os elementos arquitectónicos da
Casa da Fábrica, assinalados (com a oval), na foto acima, têm a sua
correspondência, quando comparados com a foto original.
Na planta anterior, com
X está marcada a morada (Travessa da Fábrica, n.º 50), a partir de 1909, da
Livraria Moreira da Costa.
Como se pode observar, aquela morada já se encontrava em
prédio muito próximo da Travessa da Picaria, pelo que podemos concluir, que ele
foi demolido para abertura da Praça D. Filipa de Lencastre.
Perspectiva da Travessa da Fábrica obtida a partir do fundo
da Rua da Picaria. Todos os prédios, à esquerda, onde também se encontrava a
Moreira da Costa, foram demolidos para abertura da Praça D. Filipa de Lencastre
Desconhece-se o percurso da Livraria Moreira da Costa até encontrar
a sua morada final.
Na mesma planta, observa-se ainda a Casa da Fábrica e, na
esquina (norte/poente) oposta da travessa, a casa de Manuel José Gomes do Vale,
por si remodelada, em 1823, para sua habitação, cujo chão e grande parte da
área adjacente era pertença da Real Fábrica de Tabaco.
Para lá da casa de Manuel José Gomes do Vale, apresentava-se
um logradouro interior (Travessa da Fábrica, n.º 17), onde tinha a sua
residência e, aí, vivia com seu filho David Castro e a sua nora, a baronesa de
Nevogilde, após ter vendido, em 1861, o Palácio das Carrancas à Coroa
portuguesa, na pessoa de D. Pedro V.
Junto da residência da baronesa, o seu filho, um reconhecido
ilusionista, administrava o Teatro Minerva.
Na foto original, parece que o acesso ao logradouro já foi
ocupado por um prédio.
Em 1911, o edifício da esquina (norte/poente), formada pela
Rua da Fábrica e da Travessa da Fábrica, já estava ocupado pela firma de
comércio de cereais, com razão social, “Castanheira & Fonseca”.
Nesse lado poente do arruamento, o estudo da planta de
Telles Ferreira de 1892 e os pedidos de licença de obras para um prédio, que se
provará que é o representado na foto original, leva-nos a conclusões
definitivas.
Assim, em 18 de Janeiro de 1911, Castanheira e Fonseca
solicitava à Câmara do Porto execução de obras para montar uma devanture numa montra e abrir um portal,
que obteve a licença n,º 67/1911.
O processo era constituído por um projecto, do qual fazia
parte um desenho, com as fachadas voltadas para a Rua da Fábrica e para a
Travessa da Fábrica.
À esquerda desenho da fachada voltada para a Rua da Fábrica
e, à direita, a fachada voltada para a Travessa da Fábrica do prédio ocupado
por Castanheira e Fonseca
O desenho da fachada voltada para a Travessa da Fábrica pode ser
comparado com a foto original…parece não deixar dúvidas.
Entretanto, quanto à fachada voltada para a Rua da Fábrica,
a foto seguinte confirma tudo.
Na foto acima, as três casas, à direita, apresentam as suas fachadas fora do alinhamento restante, como se pode
comparar com a planta de Telles Ferreira e uma foto mais abaixo. Faziam as três
moradas parte da antiga casa de Manuel José Gomes do Vale.
Na foto acima, a casa, mais à direita, apresenta, já, de
acordo com o projecto atrás mencionado, a devanture
solicitada em 18 de Janeiro de 1911.
Na segunda casa, a partir da esquerda, esteve, a Tipografia
Ocidental, na Rua da Fábrica, n.º 80, desde 1891 e, depois da morte de Costa
Carregal, o seu proprietário, uma outra tipografia, que lhe sucederia até 1913,
quando as suas instalações foram então ocupadas pelo jornal diário republicano
“O Norte”.
Antes, aquando da ocupação inicial daquela morada pela
Tipografia Ocidental, a fachada do prédio já estava recuada do alinhamento da rua,
como se pode observar na foto abaixo.
Aliás, aquele desalinhamento das fachadas, como já se referiu, era comum às três
moradas, fazendo todas elas, parte da casa de Manuel José Gomes do Vale,
como se pode apreciar na planta de Telles Ferreira atrás exibida.
Conclusão
Parece não haver dúvidas que, a foto original é de 1911, da
Travessa da Fábrica que, hoje, é a Rua de Avis.
Importa ainda referir, que sobre aquele local, na Rua da
Fábrica, a paisagem urbanística se alterou, como é óbvio ao longo dos anos.
Na foto acima, observa-se a Livraria Bertrand, que já foi
Porto Editora e que aí começou por se instalar em 1944.
Na esquina (norte/poente), entre as ruas da Fábrica e de
Avis esteve, desde 1951, a Livraria e Papelaria ASA.
A Rua de Avis, acima na foto, vai terminar na Praça D.
Filipa de Lencastre que foi começada a implantar a partir da década de 1940 e
determinou a demolição de um importante aglomerado habitacional.












Excelente. "andei por ali nos anos 60" - quem é este Nuno Cruz, tem publicações? Abraço
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