Restaurante o “Túnel”
Arnaldo Leite foi um escritor e comediante portuense,
nascido no fim do século XIX, que passou a primeira metade do século seguinte a
fazer rir os seus conterrâneos, e a escrever sobre os costumes e factos da
cidade que o viu nascer.
“Arnaldo Leite nasceu
no Porto, a 9 de Março de 1886 e escreveu a primeira comédia, com 16 anos de
idade, iniciando precocemente uma carreira de sucesso na literatura teatral.
Homem de cultura esteve ligado a várias instituições portuenses, nomeadamente a
Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, escreveu e dirigiu
várias publicações periódicas, sobretudo de carácter humorístico. Mas foi a
comédia, sobretudo para teatro de revista, o género que o consagrou. Estreou-se
no Porto, em 1907, com a peça “São Ordes!” e foi no Porto que manteve parcerias
literárias com outros escritores, produzindo dezenas de peças em co-autoria com
Carvalho Barbosa (29 peças em conjunto) e, já na década de 30, com Heitor
Campos Monteiro.
De que ria o Porto da
primeira metade do século XX? Das peças de Arnaldo Leite, das caricaturas de
Cruz Caldas (que mantinha grande cumplicidade com Arnaldo Leite) e do humor de
revistas tão conceituadas como o Cócorócó (1924-1927), o Pirolito: bate que
bate (1931-1934) e o Maria Rita, que este escritor dirigiu e onde escrevia com
regularidade. Paralelamente, Arnaldo Leite tinha colunas humorísticas em
diversos jornais, portugueses e brasileiros e colaborou, com crónicas de
costumes, no emblemático Tripeiro.
Da vasta obra de
Arnaldo Leite, destaca-se o livro de poesia “Versos de um portuense” (1927) e a
compilação de várias crónicas publicadas no Tripeiro a que deu o nome “O Porto
1900” (1952). Para teatro, escreveu “Pires da Costa Paio”, “O Luz em Queluz”,
“Monólogo”, “Manhã Triste”, “O Adultério” e “O Mudo”, obras da sua exclusiva
autoria. Em colaboração com outros autores, escreveu dezenas de peças,
incluindo contos humorísticos, operetas e revistas, estas últimas estreadas nos
palcos do Porto. Muitas das cançonetas e rábulas das suas peças ganharam fama e
corriam a cidade de boca em boca e haverá ainda quem tenha memória de revistas
como “Contas do Porto”, “Chá e Torradas”, Porto à Vista”, “Cama, Mesa e Roupa
Lavada”, “O Pardal de S. Bento”, “A Costureirinha da Sé” ou “O senhor Ventura”.
Com o devido crédito ao blogue: “memoriacruzada.wordpress.com”
Uma das obras na qual Arnaldo Leite nos traça o perfil da
cidade do Porto e nos narra alguns acontecimentos que marcaram outros tempos
(nomeadamente a mudança de século) é O “Porto 1900”.
Esta obra, hoje só ao alcance de coleccionadores, podia
muito bem ser reeditada, pois, teria sucesso assegurado.
É esse o caso de uma outra, bem icónica, sobre a cidade do
Porto, da autoria de Alberto Pimentel e denominada “O Porto há trinta anos”,
que em 2011 foi reeditada pela “Universidade Católica Editora-Porto”, com
enorme sucesso e deleite dos estudiosos da história da cidade.
Capa do livro O “PORTO 1900” de Arnaldo Leite
Na gravura acima (representando a Praça da Liberdade, antiga
Praça Nova e Praça D. Pedro) é visível a estátua equestre de D. Pedro IV, ao
fundo o palacete Monteiro Moreira ocupado pela Câmara Municipal e, à direita, o
famoso quiosque do Sebastião.
No correr de prédios à direita da gravura, à data, ficava o
Café Central (onde hoje é o McDonald's) e a seguir (mais próximo de nós, como
observador) o célebre Restaurante Camanho que deu origem à expressão, “É do
Camanho”!
De notar que a estátua de D. Pedro está cercada por uma
grade.
Voltando à obra mencionada, O “PORTO 1900”, vamos fazer
referência a um breve trecho, no qual, Arnaldo Leite menciona um restaurante
que ficava na Rua do Bonjardim.
Gravura da obra O “PORTO 1900”
Na gravura acima, estão especificados alguns dos
restaurantes mais frequentados, à época. Com caixilho amarelo está aquele,
sobre o qual, Arnaldo Leite nutria um apreço especial.
Ficava situado na Rua do Bonjardim, entre as ruas de
Fernandes Tomás e Guedes de Azevedo, à direita de quem subia o Bonjardim.
Tinha o nome de Túnel, devido a ele se aceder por um
estreito portal, muito comprido, que terminava numa quadra térrea, larga e
ampla, ao lado da qual havia “gabinetes”.
O seu proprietário era o senhor Francisco, “criatura baixa, com uns olhinhos muito
vivos e uma pêra muito bem tratada”, e a sua esposa uma cidadã belga de seu
nome Anne Marie Adèle Heiderscheidt da Silva, que cozinhava à portuguesa, e com
fama firmada no bacalhau assado no forno.
Em 1911, o Túnel passou para o Largo de Santo António do
Bonjardim, depois chamado, Largo Tito Fontes, em homenagem ao distinto clínico
(que aí habitou longos anos), à esquerda (no sentido ascendente) do referido largo.
Em casa de piso térreo e 1º andar, o restaurante ocupou o andar superior. Manteve a qualidade do serviço, mas perdeu-se a entrada característica do túnel que lhe deu o nome.
Por estes tempos na mesma Rua do Bonjardim, mas já próximo
de Liceiras, ficava o Restaurante Freitas.
Liceiras era o lugar onde agora está o parque automóvel da
Trindade e área que lhe é limítrofe.
Francisco António da Silva faleceria em 1922, tendo o afamado restaurante "O Túnel" encerrado pouco depois.
“Estamos na Rua do
Bonjardim e chegados às Liceiras”. A estação do metro da Trindade (não
visível) é ao fundo à direita
No texto seguinte, Arnaldo Leite conta as peripécias da
marcação duma refeição de bacalhau assado no forno, no Túnel.
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