António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de Novembro de
1826 – Porto, 8 de Fevereiro de 1860) foi um poeta, expoente máximo do
Ultra-Romantismo em Portugal.
É filho de Custódio José Passos e D. Ana Margarida do
Nascimento Soares de Melo, tendo tido um irmão e uma irmã.
Nascido no seio da média burguesia comerciante portuense,
viveu largas temporadas da infância com o pai ausente, fugido às perseguições
que lhe moveram durante as guerras civis, pelas suas ideias liberais, o que
terá marcado o temperamento algo soturno do jovem António Augusto.
Sobre a juventude de Soares de Passos se debruça o texto que
se segue.
“Imaginem uma casa em
frente a uma praça onde as crianças brincavam e estavam acostumados a passear,
de repente Portugal entra em um processo de revolução de um lado o partido
liberal de outro o partido absolutista, e esta praça onde as crianças estavam
acostumadas a brincar acaba se tornando cenário de grande holocausto, onde os
guardas levavam pessoas para assassinar na praça pública, uma criança que
morava em frente a esta praça assistia a tudo da janela de seu quarto. Assim
foi a infância de Soares de Passos uma infância triste, em uma época em que
Portugal estava passando por inconstância e insegurança na política, guerra
civil e lutas pelo poder para formar o país deixando rastros de mortes enquanto
o jovem Soares de Passos crescia e desenvolvia seu caráter mental; a morte, e,
a dor fez parte de sua realidade de vida desde menino.
O ano de 1826, foi o
início de uma nova época de perturbação terrível, inaugurava-se o regime
constitucional parlamentar começando com o governo de D. Miguel, que atraiçoou
a causa constitucional que jurara, proclamando-se rei absoluto, e exercendo a
soberania pela violência canibalesca das forcas, dos confiscos, das
perseguições e dos cárceres aristocrata absoluto. O Porto foi o lugar escolhido
para o grande massacre, e, a imposição, para o absolutismo Miguelista se impor.
Custódio José Passos,
pai de Soares de Passos, pelo seu espírito liberal, foi um dos inúmeros
perseguidos, tendo de fugir, escondendo-se e homiziando-se para não ser preso e
sucumbir no cárcere podendo morrer em frente a sua casa na praça. Sob a pressão
destes terrores, a mãe do poeta contraiu os sofrimentos, que nunca mais a
abandonaram, ela simplesmente mergulhou numa tristeza profunda que a impedia de
cuidar bem de seus filhos ainda pequenos.
Sendo assim o poeta
passou sua infância com o pai ausente e a mãe em choque com a situação que o
país se encontrava, cresceu vendo a morte e a solidão tomar espaço em sua vida,
o que deixa mais claro o pensamento noturno do autor.
Até aos catorze anos
de idade Soares de Passos estudou no colégio do Corpo da Guarda com destino
para a vida comercial, na própria casa paterna já que o pai era farmacêutico e
aí adquiriu o conhecimento das línguas francesa e inglesa.
De 1840 a 1845 Soares
de Passos esteve efetivamente ao balcão do armazém de drogas de seu pai e
encarregado também da escrituração da casa. Neste período angustioso em que se
encontrava o jovem no espírito a paixão literária, ele ensinava, nos momentos
vagos, a língua francesa a sua irmã, e o inglês a seu irmão Custódio Passos. A
leitura das novas obras do romantismo mais lhe desvendava a vocação literária.
No Porto é frequente esta aliança da prática do comércio com o interesse pelas
letras, como já o notava o célebre erudito João Pedro Ribeiro dando notícia da
preciosa livraria de um negociante do século XIV.
Soares de Passos assim
informou ao pai o desejo que ele possuía de seguir os estudos superiores, e,
conseguiu em 1845, começando a frequentar a aula de latim do celebrado professor
José Rodrigues Passos, e lições de filosofia racional de António Fernandes da
Silva Gomes. Em 1848 ele partiu para Coimbra, matriculando-se em Outubro de
1849 no primeiro ano da Faculdade de Direito.”
Fonte: “asombradoanjo.blogspot.com”
Praça D. Pedro que antes foi Praça Nova
No postal acima, à esquerda, escondido parcialmente atrás da
vegetação, está o Palacete de Morais Alão, sendo que nos baixos do prédio contíguo nos nºs 111-113, esteve a drogaria de
Custódio Passos, pai de Soares de Passos.
Palacete Morais Alão junto à Câmara Municipal do Porto que
ficava pela direita
Tendo aprendido francês e inglês durante a juventude, Soares
de Passos ingressou na Universidade de Coimbra, em 1849, para cursar Direito.
Enquanto estudante funda o jornal “O Novo Trovador”.
Para a sua celebridade contribuiu não apenas a sua imagem de
misantropo e a frequência dos salões portuenses, como também o bom acolhimento
dos críticos, nomeadamente de Alexandre Herculano que, em carta, considerou
Soares de Passos como "o primeiro
poeta lírico português deste século" (referindo-se ao século XIX).
Foi um colaborador activo nos jornais de poesia “O Bardo”
(1852-1854) e “A Grinalda” (1855-1869).
Sendo um poeta muito divulgado no seu tempo, morreu
precocemente aos trinta e quatro anos, vítima da tuberculose, deixando um único
livro – Poesias – onde confluem todas as tendências do imaginário poético daqueles
tempos. Foi sepultado no Cemitério da Lapa, no Porto.
À época ficou célebre, sendo dissertado de cor pelos
“janotas” frequentadores de festas e bailes acontecidos nos palacetes da
cidade, o trecho poético intitulado “O Noivado do Sepulcro”.
O Noivado do Sepulcro
Vai alta a lua! na
mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
"E que na tumba não cessei d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal, mentida,
"O amor eterno que te ouvi jurar?
"Amor! engano que na campa finda,
"Que a morte despe da ilusão falaz:
"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra jaz?
"Abandonado neste chão repousa
"Há já três dias, e não vens aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido a lousa
"Sobre este peito que bateu por ti!
"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"Na fria terra sem vingança ter!
- "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda,
Responde um eco suspirando além...
- "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?
- "Oh vejo sim... recordação fatal!
- "Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.
"Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"
E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.
Soares de Passos, in 'Antologia
Poética'
Os poetas designados por ultra-românticos, do qual fazia
parte Soares de Passos, eram caracterizados pela vivência de uma melancolia e
de um tédio intensos, acompanhados de um estilo destrutivo de vida. Muitos
deles entregavam-se ao ópio e ao absinto e era comum morrerem cedo, muitas
vezes de doenças contagiosas, como tuberculose e sífilis.”
“A segunda geração
romântica em Portugal, também conhecida como ultrarromântica foi marcada pelo
pessimismo, desejo de evasão, vontade de morrer. Devido a péssima condição de
vida em que vivia os autores dessa geração, e pelas manifestações realizadas
através dos poemas, moldadas pelo amor platônico e idealizado e a crítica
sarcástica à sociedade, foram acometidos como o “Mal do Século”. Na segunda
geração romântica já está intensificada as características românticas. Por
expressarem os seus sentimentos livremente e entregarem -se a seus devaneios os
autores dessa geração ficarem conhecidos como ultrarromânticos.
Os temas dessas
gerações são: à época medieval, o tédio, a melancolia, o desespero, a morte, a
enfermidade da vida, entre outros. Há nessa geração uma forte tendência do
escapismo, a vontade de fugir das insatisfações que o mundo real provoca.
Assim, a morte passa a ser vista de forma positiva, por significar o fim da
agonia de viver. Nos poemas ultrarromânticos, a mulher é idealizada e
inatingível, são características como: pálida, branca, virginal, lânguida,
aérea, adormecida. Os cenários descritos nos poemas são geralmente, noturnos e
funéreos, como um cemitério à noite ou a praia sob a luz da lua, mostra a
natureza turbulenta com tempestades, vendavais. Esses cenários podem ser
entendidos como um mundo interior do artista, que transfere para a natureza o
estado de sua alma.”
Fonte: “mundoloucodaliteratura.blogspot.com”
Aquando de uma viagem ao Porto de Manuel Pinheiro Chagas
(ainda jovem) e sobre a visita que fez ao túmulo do poeta, em 1865, é o texto
seguinte extraído da obra de 1866, “Contos
e descrições - Leitura para Caminhos-de-Ferro”
“Chegávamos ao
cemitério da Lapa. A noite aproximava-se rapidamente, e era necessário
descobrirmos a todo o custo o túmulo do grande poeta. Principiamos a
exploração.
Subimos ao cemitério
de cima, e percorremo-lo em todos os sentidos. O acaso, que muitas vezes se
obstina maliciosamente em desviar-nos os olhos do objeto que procuramos, e que
logo nos devia dar na vista, frustrou-nos as tentativas.
Descemos desalentados.
Conversavam dois sujeitos bem trajados, com o coveiro; iluminou-me um raio de
esperança.
Aproximei-me, e disse,
dirigindo-me ao que me parecia mais capaz de me dar a indicação desejada:
- Desculpe-me
incomoda-lo. Não me poderá dizer onde é aqui o túmulo de Soares de Passos?
- Soares... de...
Passos - respondeu-me o sujeito cortesmente, levando aos lábios o dedo
indicador em atitude pensadora - esse nome não me é inteiramente desconhecido.
- Ah! - tornei eu -
não lhe é... completamente desconhecido?
- Não senhor... mas
não me recordo bem. Ele o que era?
Confesso que esta
pergunta atrapalhou-me. Efetivamente o que seria Soares de Passos? O autor do
'Firmamento'? É verdade, mas o homem, se eu lhe dissesse isto, punha as mãos
nas ilhargas e desatava a rir como um perdido. Ora eu não queria por em risco a
gravidade de quem me atendia tão obsequiosamente. Dei tratos à imaginação. Quem
era Soares de Passos? Eis a frase que me zunia nos ouvidos, e me perseguia
despiedosamente. Oh! se ele tivesse sido regedor! Cabo de polícia ao menos!
Sacristão! Andador das almas! Nada! Nada fora, nem mesmo barão.
E eu estava ali diante
do homem, boquiaberto, aterrado, fulminado. Erguia os olhos ao céu, tossia,
engulia em seco, e não dizia palavra. O sujeito principiava a fitar em mim um
olhar desconfiado. Era forçoso decidir-me. Não havia remédio. Armei-me de
energia, e aventurei-me a dizer, com os olhos baixos:
- Era... poeta!
O sujeito olhou para
mim com espanto. Encolhi-me todo. O que me iria ele responder? Prender-me-ia
por suspeito? Acharia plausível a razão que eu dava para percorrer todo o
cemitério, à procura de uma pedra tumular?
- Poeta! - repetiu ele
- mais nada?
- Mais nada! -
respondi com voz quase sumida.
Bebera até às fezes o
cálice da humilhação. Só um baronato me poderia reabilitar no conceito daquele
honrado homem.
- Eu contudo -
acrescentou o meu interlocutor - lembro-me de ter visto esse nome. Parece-me
que o túmulo está cá em cima.
E dirigiu-se para as
escadas. Seguiu-o.
Efetivamente, apenas
deu dous passos, encontrou-o logo. Chamou-me, indicou-mo, e retirou-se depois
de ter correspondido friamente à profunda cortesia que lhe fiz em sinal de
agradecimento”.
Texto obtido no blogue (aportanobre.blogs.sapo.pt) de Nuno
Cruz
Na padieira do portal de entrada do Cemitério da Lapa,
no Porto, onde o poeta Soares de Passos foi sepultado, é exibida a seguinte
inscrição (numa placa de mármore), da autoria do escritor ultra-romântico.
«Eis ossos carcomidos, cinzas frias,
Em que paraõ da vida os breves dias,
Mortal se quanto vês te naõ abala
Ouve a tremenda voz que assim te falla,
" - Lembra-te homem que és pó, e que d'est arte
- Em pó ou cêdo ou tarde has-de tornar-te."»
Túmulo de Soares de Passos no cemitério da Lapa
Sem comentários:
Enviar um comentário